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TEORIA GERAL DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS - DOUTRINA (2)

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TEORIA GERAL 
DO NEGÓCIO JURÍDICO 
Flávio Tartuce1 
 
FATOS, ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS. CONCEITOS INICIAIS 
Um dos pontos primordiais para entender as relações jurídicas é conhecer 
profundamente os conceitos basilares de Direito Privado, quais sejam as concepções de 
fato, ato e negócio jurídico. Esses conceitos, aliás, não interessam somente ao Direito 
Civil, mas também à Teoria Geral do Direito. Para a compreensão do âmbito jurídico, 
tais construções são ferramentas básicas que devem sempre ser usadas pelos 
estudiosos do direito, principalmente por aqueles que se preparam para as provas de 
graduação, de pós-graduação e para os concursos públicos. 
Inicialmente, é interessante conhecer o conceito de fato, que significa qualquer 
ocorrência que interessa ou não ao direito, ao âmbito jurídico. Dentro desse mundo dos 
fatos, surgem os fatos não jurídicos, que não nos interessam como objeto de estudo, e 
os fatos jurídicos; qualquer ocorrência com repercussão para o direito, ou seja, fatos 
com repercussões jurídicas. Como bem elucida Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, 
o mundo jurídico nada mais é do que o mundo dos fatos jurídicos: 
 
Tudo que aqui pudéssemos dizer não seria mais do que resumo do que se 
expôs na Introdução. O mundo jurídico confina com o mundo dos fatos 
(materiais, ou enérgicos, econômicos, políticos, de costumes, morais, 
artísticos, religiosos, científicos), donde as múltiplas interferências de um no 
outro. O mundo jurídico não é mais do que o mundo dos fatos jurídicos, isto 
é, daqueles suportes fáticos que logram entrar no mundo jurídico. A soma, 
tecido ou aglomerado de suportes fáticos que passaram à dimensão jurídica, 
ao jurídico, é o mundo jurídico. Nem todos os fatos jurídicos são idênticos. 
Donde o problema inicial de os distinguir e de os classificar. 
O fato jurídico provém do mundo fático, porém nem tudo que o compunha 
entra, sempre, no mundo jurídico. À entrada no mundo do direito, 
selecionam-se os fatos que entram. É o mesmo dizer-se que à soma dos 
elementos do que, no mundo fático, teríamos como fato, ou como complexo 
de fatos, nem sempre corresponde suporte fático de regra jurídica: no dizer 
o que é que cabe no suporte fático da regra jurídica, ou, melhor, no que 
recebe a sua impressão, a sua incidência, a regra jurídica discrimina o que há 
de entrar e, pois, por omissão, o que não pode entrar (PONTES DE MIRANDA, 
Francisco Cavalcanti. Tratado…, 1974, t. II, p. 183). 
 
Também amparando os conceitos na doutrina, consignem-se as palavras de 
Sílvio de Salvo Venosa, para quem “são fatos jurídicos todos os acontecimentos que, 
de forma direta ou indireta, ocasionam efeito jurídico. Nesse contexto, admitimos a 
existência de fatos jurídicos em geral, em sentido amplo, que compreendem tanto os 
fatos naturais, sem interferência do homem, como os fatos humanos, relacionados 
com a vontade humana” (Direito civil. Parte geral…, 2003, p. 365). 
Assim, os fatos jurídicos podem ser subdivididos em fatos naturais e humanos. 
O Código Civil de 2002 dedica o Livro III da Parte Geral aos fatos jurídicos, tratando, a 
 
1 Tartuce, Flávio. Direito Civil – Introdução e Parte Geral. V. 1 – 13a. ed. Rio de Janeiro: 
Forense, 2017. 
partir do art. 104, especificamente, do negócio jurídico. De qualquer forma, conforme 
será exposto, os negócios jurídicos são fatos jurídicos, o que acaba justificando esse 
tratamento. Vejamos tais conceitos no quadro a seguir: 
 
 
 
 
 
 
O fato jurídico natural é aquele que independe da atuação humana, podendo ser 
conceituado também como fato jurídico stricto sensu. Mesmo não havendo o elemento 
volitivo, o fato natural produz efeitos jurídicos com o objetivo de criação, alteração ou 
mesmo extinção de direitos e deveres (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. 
Tratado…, 1974, tomo II, p. 187). 
O fato jurídico stricto sensu pode ser classificado da seguinte: 
a) Fato jurídico natural ordinário – é o evento natural previsível e comum de 
ocorrer, como é o caso da morte, do nascimento, do decurso de prazo, da prescrição e 
da decadência. O que se percebe, portanto, é que o fato jurídico natural ordinário sofre 
forte influência do elemento tempo. 
b) Fato jurídico natural extraordinário – é o evento decorrente da natureza, como 
o caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou a força maior (evento previsível, mas 
inevitável ou irresistível). Como exemplo de caso fortuito pode ser citada uma invasão 
de alienígenas na cidade de São Paulo. Como exemplo de força maior, uma enchente 
acometendo uma cidade do interior de Minas Gerais, onde a enchente não é comum, 
pois nunca ocorreu. 
Não existe unanimidade doutrinária ou jurisprudencial quanto à conceituação de 
caso fortuito e força maior, sendo certo que seguimos, nas diferenças apontadas, os 
ensinamentos de Orlando Gomes (Obrigações…, 2003, p. 176) e de Sérgio Cavalieri Filho 
(Programa…, 2003, p. 84). Essa diferenciação pode ser retirada do art. 393, parágrafo 
único, do CC/2002, pelo qual: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato 
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Como se vê, o dispositivo 
leva em conta a inevitabilidade e a irresistibilidade do evento, não considerando se ele 
decorre da natureza ou de fato humano. 
Entretanto, alguns autores contemporâneos, como Arnoldo Wald, têm 
entendimento pelo qual tais conceitos seriam, pelo Direito Civil brasileiro, sinônimos 
(Curso…, 2000, p. 141). Entre os clássicos, Pontes de Miranda afirma, em vários trechos 
do tomo 53 do seu Tratado de direito privado, que a melhor forma de encarar tais 
conceitos é vê-los globalmente, ou seja, como equivalentes (Tratado de direito 
privado..., 1974, t. LIII). Também no âmbito jurisprudencial, alguns julgados tratam o 
caso fortuito e a força maior como expressões sinônimas. 
Ao lado do fato natural, ou fato jurídico stricto sensu, há o fato jurídico humano. 
Parte da doutrina denomina o fato humano como fato jurígeno, pela presença da 
vontade humana (elemento volitivo), incluindo os atos lícitos e os ilícitos (Venosa, Sílvio 
de Salvo. Direito civil…, 2003, v. I, p. 366). O fato humano ou jurígeno pode ser assim 
classificado: 
a) Ato jurídico em sentido amplo ou ato jurídico lato sensu – também 
denominado ato voluntário e que também possui importante subclassificação, 
conforme será ainda analisado. 
b) Ato ilícito – é a conduta voluntária ou involuntária que está em 
desacordo com o ordenamento jurídico. O ilícito pode ser penal, administrativo ou civil, 
havendo independência entre essas três esferas, o que pode ser percebido pela leitura 
da primeira parte do art. 935 do CC/2002 (“a responsabilidade civil independe da 
criminal”). Essa independência, no entanto, não é absoluta, mas relativa, pois uma 
conduta pode influir nas três órbitas, como ocorre em um acidente de trânsito ou no 
dano ambiental. O conceito de ato ilícito civil consta do art. 186 do atual Código, in 
verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar 
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. 
Esse dispositivo tem estudo aprofundado no próximo volume desta coleção, que trata 
da responsabilidade civil, o que parece ser o melhor caminho metodológico (TARTUCE, 
Flávio. Direito civil…, 2017, v. 2). 
Este autor está filiado ao entendimento pelo qual o ato ilícito não é ato jurídico, 
pois este deve ser necessariamente lícito. 
Seguindo essa corrente e citando doutrina para amparar seu entendimento 
(Orosimbo Nonato, Vicente Ráo, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona), ensina Zeno Veloso 
que: 
A nosso ver, embora gerando efeitos jurídicos, o ato ilícito não deve se 
chamado de ato jurídico, que, por definição, é lícito. Porém, pelos efeitos 
jurídicos que enseja, o ato ilícito, sem dúvida, é um fato jurídico (em sentido 
lato). O ato ilícito, ou contrário ao direito, é jurídico, à medida em que 
provoca um efeito jurídico,fazendo nascer uma responsabilidade civil, base 
de uma obrigação de ressarcir, de indenizar, a cargo do autor, e de um 
crédito atribuído à vítima, ao lesado, podendo também dele resultar outra 
espécie de responsabilidade, a criminal. Mas gera confusão chamar o ato 
ilícito ‘ato jurídico’, só por causa dos efeitos jurídicos que proporciona. 
Virtude e crime têm efeitos jurídicos e nem por isto recebem a mesma 
denominação. E, se nos permitem o exemplo, não se pode, só porque ambas 
têm asas, e voam, chamar pelo mesmo nome a borboleta e a andorinha 
(VELOSO, Zeno. Invalidade…, 2005, p. 15). 
 
Conclui-se, por tais palavras, que o ato ilícito é fato jurígeno, pela presença da 
vontade humana, mas não constitui ato jurídico em sentido amplo. 
Entretanto, frise-se que alguns autores, caso de Sílvio Venosa, têm 
entendimento contrário (Direito civil…, 2003, v. I, p. 366), opinando que o ato ilícito 
também é ato jurídico. No mesmo sentido, José Carlos Moreira Alves, relator do 
anteprojeto da Parte Geral do Código Civil (A parte geral do Projeto de Código Civil…, 
2003) e Pontes de Miranda (Tratado de direito privado…, t. II, 1974, p. 447). 
Como ficou claro, este autor fica com o primeiro posicionamento, de que o ato 
ilícito não constitui ato jurídico, pois o que é antijurídico não é jurídico. Todavia, a 
questão é controvertida, como se pode depreender dos juristas citados. 
O Código Civil de 2002 compara a verdadeiro ato ilícito a conduta da pessoa que 
excede um direito que possui, contrariando manifestamente o fim social ou econômico 
de um instituto, a boa-fé ou os bons costumes. Consagra, assim, o atual Código Civil a 
tese do abuso de direito como ato ilícito, conforme previsto no seu art. 187. O abuso de 
direito é também estudado no próximo volume desta coleção, por interessar 
diretamente à responsabilidade civil. 
De toda sorte, esclareça-se, de imediato, que o abuso de direito não diz respeito 
somente ao tema da responsabilidade civil. Nesse sentido, o Enunciado n. 539, da VI 
Jornada de Direito Civil, de 2013, que preceitua: “O abuso de direito é uma categoria 
jurídica autônoma em relação à responsabilidade civil. Por isso, o exercício abusivo de 
posições jurídicas desafia controle independentemente de dano”. Nos termos da 
justificativa da ementa da doutrina, “a indesejável vinculação do abuso de direito a 
responsabilidade civil, consequência de uma opção legislativa equívoca, que o define no 
capítulo relativo ao ato ilícito (art. 187) e o refere especificamente na obrigação de 
indenizar (art. 927 do CC), lamentavelmente tem subtraído bastante as potencialidades 
dessa categoria jurídica e comprometido a sua principal função (de controle), 
modificando-lhe indevidamente a estrutura”. 
 
De fato, pode existir abuso de direito sem dano, cabendo medidas inibitórias em 
casos tais. Todavia, metodologicamente, fica mais viável e fácil o estudo da categoria do 
campo próprio da responsabilidade civil, exigindo-se o dano para o consequente dever 
de reparar. Tendo sido esta a opção do legislador, também o é a do presente autor. Por 
fim, cabe ressaltar que o estudo de tão intrincada categoria no primeiro livro de uma 
coleção de Direito Civil pode confundir e até atormentar o iniciante no estudo do Direito 
Privado, razão pela qual ela está tratada no Volume 2 desta coleção. 
Superados tais conceitos, parte-se, agora, à análise do ato jurídico lato sensu, que 
pode ser assim subclassificado: 
– 
Ato jurídico em sentido estrito (ou ato jurídico stricto sensu) – configura-se quando 
houver objetivo de mera realização da vontade do titular de um determinado direito, 
não havendo a criação de instituto jurídico próprio para regular direitos e deveres, muito 
menos composição de vontade entre as partes envolvidas. No ato jurídico stricto sensu 
os efeitos da manifestação de vontade estão predeterminados pela lei. Podem ser 
citados como exemplos de atos jurídicos stricto sensu a ocupação de um imóvel, o 
pagamento de uma obrigação e o reconhecimento de um filho. 
– 
 
 
 
Negócio jurídico – é o fato jurídico, com elemento volitivo qualificado, cujo conteúdo 
seja lícito, visando a regular direitos e deveres específicos de acordo com os interesses 
das partes envolvidas. Diante de uma composição de vontade de partes, que dita a 
existência de efeitos, há a criação de um instituto jurídico próprio, visando a regular 
direitos e deveres. A expressão tem origem na construção da negação do ócio ou do 
descanso (neg + otium), ou seja, na ideia de movimento. Como faz Antônio Junqueira de 
Azevedo, pode-se afirmar que o negócio jurídico constitui o principal exercício da 
autonomia privada, da liberdade negocial. Para o doutrinador, “in concreto, negócio 
jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que todo o 
ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os 
pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre 
ele incide” (Negócio jurídico..., 2002, p. 16). Ou ainda, como quer Álvaro Villaça Azevedo, 
no negócio jurídico “as partes interessadas, ao manifestarem sua vontade, vinculam-se, 
estabelecem, por si mesmas, normas regulamentadoras de seus próprios interesses” 
(AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria…, 2012, p. 169). O negócio jurídico é o ponto central 
principal da Parte Geral do Código Civil, sendo o seu conceito vital para conhecer o 
contrato e o casamento, seus exemplos típicos. Como se verá a seguir, em tópico 
próprio, o Novo Código de Processo Civil passou a tratar do chamado negócio jurídico 
processual. 
Além dos conceitos apontados, alguns doutrinadores defendem ainda a 
existência do denominado ato-fato jurídico, um fato jurídico qualificado por uma 
atuação humana, por uma vontade não relevante juridicamente. Sobre essa categoria, 
merecem destaque as palavras de Sílvio de Salvo Venosa: 
 
Nesse caso, é irrelevante para o direito se a pessoa teve ou não a intenção 
de praticá-lo. O que se leva em conta é o efeito resultante do ato que pode 
ter repercussão jurídica, inclusive ocasionando prejuízos a terceiros. Como 
dissemos, toda a seara da teoria dos atos e negócios jurídicos é doutrinária, 
com muitas opiniões a respeito. Nesse sentido, costuma-se chamar à 
exemplificação os atos praticados por uma criança, na compra e venda de 
pequenos efeitos. Não se nega, porém, que há um sentido de negócio 
jurídico do infante que compra confeitos em um botequim. Ademais, em que 
pese à excelência dos doutrinadores que sufragam essa doutrina, ‘em alguns 
momentos, torna-se bastante difícil diferenciar o ato-fato jurídico do ato 
jurídico em sentido estrito categoria abaixo analisada. Isso porque, nesta 
última a despeito de atuar a vontade humana, os efeitos produzidos pelo ato 
encontram-se previamente determinados pela lei, não havendo espaço para 
a autonomia da vontade’ (Gagliano e Pamplona Filho, 2002:306) (VENOSA, 
Sílvio de Salvo. Direito civil. Parte geral…, 2003, p. 367). 
 
Ao tratar dos atos-fatos jurídicos, Pontes de Miranda desenvolve o conceito de 
atos-reais, nos seguintes termos: 
Os atos reais, ditos, assim por serem mais dos fatos, das coisas, que dos 
homens – ou atos naturais, se separamos natureza e psique, ou atos 
meramente externos, se assim os distinguirmos, por abstraírem eles do que 
se passa no interior do agente – são os atos humanos a cujo suporte fático 
se dá entrada, como fato jurídico, no mundo jurídico, sem se atender, 
portanto, à vontade dos agentes: são atos-fatos jurídicos. Nem é preciso que 
haja querido a juridicização dêles, nem, a fortiori, a irradiação de efeitos. Nos 
atos reais, a vontade não é elemento do suporte fático (= o suporte fático 
seria suficiente, ainda sem ela). Exemplos de atos reais. São os principais atos 
reais: a) a tomada de posse ou aquisição da posse, b) a transmissão da posse 
pela tradição; c) o abandono da posse; d) o descobrimento do tesouro; e) a 
especificação; f) a composição de obra científica, artística ouliterária; g) a 
ocupação(Tratado de direito privado…, 1974, t. II, p. 373). 
 
Relativamente a essa categoria jurídica, é de se concordar integralmente com as 
palavras de Sílvio Venosa. Na verdade, o que se denomina ato-fato jurídico pode se 
enquadrar no conceito de fato jurídico, no de ato jurídico stricto sensu, ou mesmo no 
de negócio jurídico. Desse modo, cabe análise caso a caso pelo estudioso do direito. O 
conceito é mutante, metamorfo, ou nômade, podendo se enquadrar em outras 
categorias jurídicas. 
Ilustrando, o exemplo da criança que compra um confeito em uma padaria seria 
de um negócio jurídico, até porque a boa-fé das partes deve ser preservada. O antes 
estudado Enunciado n. 138 do CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil, aponta 
que a vontade dos menores absolutamente incapazes pode ser juridicamente relevante 
se eles demonstrarem discernimento bastante para tanto. 
Outro exemplo apontado como sendo de ato-fato jurídico é o achado de um 
tesouro que não está sendo procurado, o que geraria uma posse como ato-fato jurídico. 
Nesse caso, há, na opinião deste autor, um ato jurídico, pois decorre da vontade 
humana. Vale lembrar que o achado do tesouro continua tratado pelo Código Civil, entre 
os seus arts. 1.264 a 1.266. Pelo primeiro dispositivo, o tesouro é conceituado como “O 
depósito antigo de coisas preciosas, oculto, e de cujo dono não haja memória”. 
Superada essa análise conceitual inicial, passa-se, pela ordem, ao estudo 
específico do ato jurídico stricto sensu e do negócio jurídico. 
 
DO ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO OU ATO JURÍDICO STRICTO SENSU 
Conforme foi analisado, no ato jurídico em sentido estrito há uma manifestação 
de vontade do agente, mas as suas consequências são as previstas em lei e não na 
vontade das partes, ausente qualquer composição volitiva entre os seus envolvidos. 
Ademais, não há criação de um instituto jurídico próprio, visando a regulamentar 
interesse das partes. 
Como bem ensina Marcos Bernardes de Mello, destacado intérprete da obra de 
Pontes de Miranda, o ato jurídico stricto sensu é um “fato jurídico que tem por elemento 
nuclear do suporte fático a manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos 
efeitos jurídicos são prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, não cabendo às 
pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do 
conteúdo das relações respectivas” (Teoria do fato…, 1995, p. 137). 
Um bom exemplo de ato jurídico stricto sensu, visando a diferenciá-lo do negócio 
jurídico, é o reconhecimento de um filho. Imagine-se que uma pessoa teve um filho fora 
do casamento e, como pai, queira reconhecê-lo. Com o reconhecimento surgem efeitos 
legais, como o direito do filho usar o nome do pai, o dever do último de prestar 
alimentos, direitos sucessórios, dever de apoio moral, entre outros. Sendo reconhecido 
um filho, os efeitos decorrentes do ato não dependem da vontade da pessoa que fez o 
reconhecimento, mas da lei, da norma jurídica. Como é notório, não pode o pai limitar 
esses direitos decorrentes de lei. Sendo assim, prevê o art. 1.613 do CC/2002 que o 
reconhecimento de filho não pode ter eficácia sujeita a condição ou a termo. A título de 
exemplo, não pode o suposto pai dizer que reconhecerá um filho se não tiver que pagar 
alimentos. 
O pagamento direto de uma obrigação também constitui um típico ato jurídico 
em sentido estrito. A obrigação já existia anteriormente, cabendo ao devedor pagá-la a 
fim de eximir-se do vínculo dela decorrente e das consequências advindas do 
inadimplemento, como a responsabilidade patrimonial consagrada no art. 391 do CC. 
Com o pagamento, ausente qualquer composição de vontades, o devedor livra-se desse 
vínculo. 
Por fim, a ocupação de um imóvel do mesmo modo é um ato jurídico stricto 
sensu. O imóvel já existe, havendo no ato de ocupação efeitos de origem puramente 
legal. Preenche-se um espaço vazio, simbologia que demonstra muito bem o ato jurídico 
em sentido estrito. Assim, para este autor, ao contrário do que aduz Pontes de Miranda, 
a ocupação, como tomada da posse, não constitui um atofato jurídico (ato real), mas 
um ato jurídico em sentido estrito. 
O ato jurídico stricto sensu constitui um fato jurídico, bem como um fato 
jurígeno, pela presença do elemento volitivo. Constitui também um ato jurídico lato 
sensu. Pode-se afirmar que o ato jurídico stricto sensu está previsto no art. 185 do 
CC/2002, segundo o qual: “Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, 
aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”. Desse modo, as regras 
que serão expostas quanto ao negócio jurídico, a partir de agora, devem ser aplicadas 
também aos atos jurídicos em questão. Ilustrando, pode-se sustentar a anulabilidade do 
pagamento direto pela presença de um vício do consentimento. 
 
DO NEGÓCIO JURÍDICO 
O negócio jurídico é uma espécie do gênero ato jurídico em sentido amplo (lato 
sensu), constituindo ainda um fato jurídico, particularmente um fato jurígeno, pela 
presença da vontade. 
Esse instituto pode ser conceituado como sendo toda a ação humana, de 
autonomia privada, com a qual os particulares regulam por si os próprios interesses, 
havendo uma composição de vontades, cujo conteúdo deve ser lícito. Constitui um ato 
destinado à produção de efeitos jurídicos desejados pelos envolvidos e tutelados pela 
norma jurídica. 
Ainda no contexto de definição, cabe também expor a ideia de Larenz, construída 
a partir do Código Civil Alemão (BGB), precursor no seu tratamento (Rechtsgeschäft). 
Para o jurista, o negócio jurídico é um ato – ou uma pluralidade de atos entre si 
relacionados entre uma ou várias pessoas –, cujo fim é produzir um efeito jurídico no 
âmbito do Direito Privado, isto é, uma modificação nas relações jurídicas entre os 
particulares (LARENZ, Karl. Derecho civil…, 1978, p. 422). 
O negócio jurídico típico por excelência é o contrato, concebido como um 
negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, à modificação ou à extinção 
de direitos e deveres, com conteúdo patrimonial – conceito clássico ou moderno 
retirado do art. 1.321 do Código Civil Italiano de 1942. É imperioso repetir que todo 
contrato constitui negócio jurídico, sem exceção; o que justifica a importância da teoria 
geral do negócio jurídico para a seara contratual. 
Dessa forma, o negócio jurídico é o principal instrumento que as pessoas têm 
para realizar seus interesses, sendo relevante salientar a importância da Parte Geral do 
Código Civil para a própria concepção do contrato. 
Quando se estudam os elementos do negócio jurídico igualmente se estudam os 
elementos do contrato. Os vícios do negócio jurídico também são vícios contratuais. Os 
casos de nulidade ou anulabilidade do negócio geram o contrato nulo e anulável, 
respectivamente. 
Além do contrato, o casamento, do mesmo modo, constitui um negócio jurídico, 
especial ou sui generis, diga-se de passagem. Por isso, é costume afirmar que o negócio 
jurídico está no ponto central do Direito Civil Contemporâneo. 
Na doutrina renovada, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 
demonstram que a teoria geral do negócio jurídico está passando por profunda 
transformação, interrogando “como estudar a clássica teoria do negócio jurídico, 
desenvolvida brilhantemente pelos juristas do passado, sem a necessária advertência 
de que muitas dessas fontes doutrinárias emergiram em época de economia rudimentar 
e conservadora, em que as partes da avença eram consideradas absolutamente iguais, 
e a vontade manifestada era rigidamente mutável?” (Novo…, 2003, p. 315). 
Ora, conforme é abordado nos demais volumes desta coleção, ocorreu uma 
verdadeira revolução no modo de se visualizar as obrigações, os contratos, o casamento 
e, sobretudo, os negócios jurídicos, uma vez que profundas foram as alterações sociais 
e econômicas pelas quais passou o mundo civilizado. 
Relativamente aos negócios patrimoniais, aquele contrato estanque, concebidoà luz do pacta sunt servanda, da regra de que o mesmo sempre faz lei entre as partes, 
simplesmente não existe mais. Os princípios sociais contratuais, caso da função social e 
da boa-fé objetiva, trouxeram uma nova forma de visualização dos contratos. 
O cerne principal do negócio, a manifestação da vontade, sofreu um verdadeiro 
impacto, apontando alguns autores que é praticamente impossível hoje a sua 
manifestação inequívoca e plena. Na prática, predominam os pactos de adesão, 
ocorrendo a denominada estandardização contratual. Porque hoje se tornaram raras as 
manifestações de vontade plenas e inequívocas nos contratos em geral, chegaram 
alguns autores a apontar a morte ou a crise dos contratos. Mas na verdade, o contrato 
não tende a desaparecer, estando em seu apogeu. Essa expressão crise não significa 
derrota, mas mudança de estrutura (TARTUCE, Flávio. Função social…, 2007). É 
justamente isso que vem ocorrendo com os contratos e negócios jurídicos em geral. Pela 
mitigação da vontade, como elemento primaz e fundamental do contrato, é que a 
autonomia da vontade foi substituída pela autonomia privada. Para aprofundamentos, 
recomenda-se a leitura do Capítulo 2 do Volume 3 da presente coleção (TARTUCE, 
Flávio. Direito civil…, 2017, v. 3). 
É basilar perceber que o Código Civil de 2002, nesse ponto distante da 
simplicidade, não buscou conceituar tanto o ato jurídico stricto sensu quanto o negócio 
jurídico, demonstrando somente quais são os seus elementos estruturais (art. 104 do 
CC). Assinala-se que o Código Civil de 1916 conceituava o ato jurídico em seu art. 81, da 
seguinte forma: “Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, 
transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico”. Esse conceito, 
apesar de não mais constar da atual codificação material, ainda pode ser utilizado para 
fins categóricos, didáticos e metodológicos. No Código Civil vigente também não 
constam as principais classificações dos negócios jurídicos, matéria doutrinária que se 
passa a estudar.

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