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CONVÊNIOS CNPq/UFU & FAPEMIG/UFU Universidade Federal de Uberlândia Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação DIRETORIA DE PESQUISA COMISSÃO INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 2008 – UFU 30 anos 1 Acadêmico do curso de Geografia/IG - UFU 2 Orientador e Professor Dr. do Instituto de Geografia/IG - UFU DISTRIBUIÇÃO DA DOENÇA DE CHAGAS EM MINAS GERAIS, 1998 - 2007 Niovaldo Vaz Carneiro Filho 1 Universidade Federal de Uberlândia, Av. João Naves de Ávila nº 2121, Santa Mônica, Uberlândia-MG e-mail: niovaldo@gmail.com Samuel do Carmo Lima 2 e-mail: samuel@ufu.br Resumo: Este trabalho trata da discussão da doença de Chagas que passou a constituir-se como problema de patologia humana, uma antropozoonose, partindo da domiciliação dos triatomíneos, deslocados de seus ecótopos silvestres originais pela ação do homem sobre o ambiente, o que perturba a estrutura e funcionamento dos ecossistemas e afeta a biodiversidade. A transmissão da doença ocorre pela contaminação da pele ou mucosas e pelas fezes dos vetores, insetos hematófagos estritos da família Triatominae, apresentando formas infectantes de Trypanosoma cruzi. O objetivo deste trabalho é encontrar evidências que a incidência e a distribuição da doença de chagas estão relacionadas com o desenvolvimento de complexos técno-patogênicos decorrentes das transformações sócio-econômicas produzidas nos cerrados. Na pesquisa foi mapeada a distribuição espacial da doença em Minas Gerais e identificadas as áreas de maior risco de transmissão da doença a partir da relação entre a distribuição espacial da doença e o processo de ocupação da área de cerrado. A pesquisa foi realizada a partir de dados do DATASUS-MS, utilizando-se para espacialização o TABWIN, com base cartográfica do IBGE. Análise e interpretação dos dados foram corroboradas por uma ampla revisão bibliográfica. Apesar do Brasil ter recebido o certificado de área livre de transmissão de doença de chagas por Triatoma infestans em 2006, o número de internações continuou elevado. Sendo assim, a vigilância epidemiológica da doença e a continuidade do combate dos vetores são fundamentais para a interrupção definitiva da transmissão a fim de se evitar a reemergência da doença onde a mesma já foi controlada. Palavras-chave: doença de chagas, transmissão, internação, vigilância epidemiológica. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho é o resultado de uma pesquisa de Iniciação Científica, que tem como objetivo entender e encontrar evidências de que a maior incidência e a distribuição da doença de chagas estão relacionadas com o desenvolvimento de complexos técno-patogênicos decorrentes das transformações sociais e econômicas recentes produzidas nos cerrados, com intuito do mapeamento da distribuição espacial da doença de chagas em Minas Gerais e a identificação das áreas de maior risco de transmissão da doença de chagas na área do cerrado mineiro, a partir da relação entre a distribuição espacial da doença e o processo de ocupação econômica das áreas de cerrados. A idéia do complexo patogênico demonstrou ser um caminho adequado para o desenvolvimento científico da Geografia das doenças infecciosas. A área de extensão de uma endemia, tal como Sorre a define, coincide com a de seu complexo patogênico. Explicar a salubridade ou insalubridade de uma localidade é informar-se dos agrupamentos próprios de seus complexos patogênicos. Estes complexos aparecem, subsistem ou se desintegram segundo as circunstâncias de concentração ou dispersão de seus elementos e se desenvolvem em certas condições de equilíbrio, seja externo ou interno (SORRE, 1947). Como o autor mesmo destaca, nas mailto:niovaldo@gmail.com mailto:samuel@ufu.br 2 doenças infecto-parasitárias o homem não é somente hospedeiro, senão agente transformador do meio e, por isto, gênese dos complexos. Essa visão geográfica permite concluir que é a mesma ação humana a que assegura a manifestação, intensificação, permanência ou declínio das enfermidades (SORRE, 1955). A doença de Chagas é uma doença transmissível causada por um protozoário denominado Trypanosoma cruzi. Primitivamente uma zoonose, passou a constituir problema de patologia humana, ou seja, uma antropozoonose, a partir da domiciliação dos vetores, insetos hematófagos estritos, da família Triatominae (Hemiptera: Reduviidae), conhecidos genericamente por triatomíneos e, vulgarmente, por barbeiro, chupão, fincão, procotó. A transmissão natural ocorre pela contaminação da pele ou mucosas e pelas fezes dos vetores com formas infectantes de Trypanosoma cruzi (LENT, 1999). [...] a adaptação dos triatomíneos à vivenda humana (domiciliação e colonização) mostrou-se eficiente para cerca de uma dezena de espécies e é considerada fator primordial da ocorrência e da expansão da doença de Chagas humana (VINHAES E DIAS, 2000). Ao ser contaminado pelo Trypanosoma cruzi, o homem passa por um processo que desencadeia a infecção de chagas, que se apresenta sob duas fases diferentes: a fase inicial ou aguda, com a presença de sintomas ou sem os mesmos. Nessa fase, as tripomastigotas aparecem na corrente sanguínea, espalhando-se pelo organismo do enfermo. Em decorrência disso surge uma reação inflamatória e possível necrose. A partir do exame sanguíneo é possível a verificação do Trypanosoma cruzi direto no sangue, mas dentre dois meses após a infecção o Trypanosoma cruzi desaparese da corrente sanguínea, assim sendo só é detectável através de exames especiais. Já quando a doença de Chagas ocorre na forma crônica, os parasitos se estabelecem com escassez, portanto o diagnóstico deve se embasar em método indireto. Por meio do método relatado é observado no organismo se há produção de anticorpos contra o Trypanosoma cruzi, por isso é feita uma prova imunológica com o soro do sangue do enfermo. A Doença de Chagas afeta principalmente as populações dos países pobres do continente americano. Nestes países, grande número de pessoas, por disporem de condições precárias de habitação, principalmente na zona rural, está à mercê dos triatomíneos, insetos vetores da doença que se alojam nas residências humanas e/ou no entorno próximos. Esses insetos são popularmente conhecidos por “barbeiros” ou “chupões”. Por meio de Dias (1993) foi possível a constatação de que dentre as mais de 100 espécies de triatomíneos, descritas no continente Americano, poucas merecem um maior vigilância da Saúde Pública. Essas são as que foram capazes de colonizar os eótopos artificiais, tornando-se responsáveis pela grande maioria de casos humanos da transmissão da doença de Chagas: com representatividade no Cone Sul e Peru, Triatoma infestans; na região Nordeste do Brasil, Triatoma brasiliensis; no Nordeste e Centro-Sul do Brasil, Panstrongylus megistus; na Colômbia, no Equador e América Central, Triatoma dimidiata; na Colômbia, Equador, Venezuela, América Central e México, Rhodnius prolixus; as demais espécies, como Triatoma sórdida e Triatoma pseudomaculata, no Brasil; Triatoma maculata, na Venezuela; ou Triatoma barberi e Triatoma longipenis, no México, constituem-se de importância crescente, pois é elevado o potencial dos mesmo quanto a sua domicialização, em circunstâncias diversas. Mendes (2008, p. 02) aponta que no Século XX, o responsável pela grande transmissão vetorial da doença de Chagas no nosso país foi o Triatoma infestans, de origem conhecida dos vales intra-andinos da Bolívia. Com sua domicialização e disseminação pelas migrações pré-colombianas o triatoma teve sua dispersão no Brasil facilitada por processos de colonizações, através das migrações internas e da expansão da fronteira agrícola, posteriormente pela edificação das moradias de péssimas condições, que propiciaram a sua infestação e reprodução (FORANTINNI, 1980). No Brasil, a transmissão da doença vem ocorrendo em áreas rurais, que registraram sériosdesequilíbrios ambientais e condições de saneamento e habitações muito precárias. O controle do 3 Triatoma infestans e a diminuição da densidade triatomínica domiciliar reduziu significamente no Brasil a transmissão vetorial que, na década de 70, se estimava ser responsável por 80% das infecções humanas. Entretanto, a doença continua incurável e se estabelece nas regiões rurais mais subdesenvolvidas do país. O Brasil recebeu da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), no dia 9 de junho de 2006, o certificado de área livre de doença de chagas, ou seja, foi prestigiado com Certificação Internacional de Eliminação da Transmissão da Doença de Chagas por Triatoma infestans, em reconhecimento às ações de combate ao vetor da doença. Entretanto, ainda há transmissão vetorial da doença, principalmente na região nordeste e norte do país 1 . Conforme o relatório da OMS, a transmissão da doença de Chagas no Brasil está muito próxima de ser solucionada. Acredita-se que até 2010 não haverá casos novos da doença. Porém, é preciso não descuidar das medidas de vigilância sanitária para evitar que se criem condições que permitam a reinfestação das casas em áreas em que existem barbeiros (PRATA, 2006). Além da complexidade clínica, a doença de Chagas apresenta sua distribuição espacial coincidente com a distribuição espacial das populações carentes, o que a torna uma patologia que se relaciona diretamente a questões sócio-econômicas. A situação das populações rurais que estão dispersas apresenta uma série de problemas ambientais e de saúde, muito associados à pobreza. Com a identificação das condições ambientais (físico, biológicas e sócio-econômicas) que podem ser fatores de risco à saúde, pode-se, a partir de então, estabelecer-se o conceito de Atenção Primária Ambiental, para a proteção epidemiológica das populações. O conceito de atenção primária ambiental foi desenvolvido a partir de duas idéias: a primeira, atenção primária à saúde (APS), que incorpora os princípios de acessibilidade, regionalização e hierarquização da atenção à saúde e da criação de agentes de saúde para conectar o sistema de atenção formal da saúde com a comunidade (OPAS 1999); a segunda, desenvolvimento rural integrado (DRI), que substituía ênfase na produtividade por uma visão que realça o melhoramento da qualidade de vida das populações marginais e pobres, em que os resultados do crescimento econômico sejam mais bem distribuídos entre a população de maneira mais eqüitativa a partir de um ponto de vista geográfico e social. Compreender o processo de organização do espaço geográfico pelas sociedades humanas em diferentes tempos e lugares é fundamental para entender a manifestação das doenças e os complexos técno-patogênicos. Portanto, para a Geografia Médica, essa compreensão é muito importante porque pode permitir o entendimento da gênese e da distribuição das doenças, e assim estabelecer programas de vigilância em saúde. Quanto às formas de transmissão, a doença de Chagas apresenta cinco formas básicas: por meio dos triatomíneos, por transfusão sangüínea, através de alimentos contaminados com o protozoário, acidentes laboratoriais e transmissão congênita (SILVEIRA, 2000; PRATA, 2005). Segundo Mendes (2008, p. 02) há os vetores tidos como secundários na transmissão da doença, triatomíneos autóctones silvestres, como Triatoma sordida, Triatoma brasiliense, Panstrogelus megistus, Rhodnius neglctus, além de outros mais, que tendo como causa do avanço da ocupação das áreas do cerrado e os conseguintes desequilíbrios por essa ocupação provocados, dirigiram-se para infestar o domicílio e o peridomicílio das precárias habitações dos trabalhadores rurais. Cabe ressaltar que a doença de Chagas, por sua elevada proliferação, além dos agravos que são causados ao homem e por falta de tratamento específico e por inúmeras dificuldades de sua profilaxia, representa notoriamente ainda nos dias atuais um sério problema sanitário, portanto assumindo papel de destaque nas endemias encontradas no Brasil. Neste sentido, foram analisadas a incidência e a distribuição da doença de Chagas no estado de Minas Gerais, tendo como base os números de internações e custos hospitalares para o tratamento da doença no estado, assim como discutirmos os múltiplos fatores que se fazem proeminentes na proliferação ou não do agente vetor da doença. 1 http://www.ioc.fiocruz.br/pages/informerede/corpo/informeemail/060406/mat_02_06_04.htm 4 2. MATERIAIS E MÉTODOS As análises espaciais ganharam possibilidades de discriminação fantásticas com os SIGs. Com sua capacidade de integrar diferentes tipos de dados espaciais com dados alfanuméricos e informações estatísticas, permitem não só a interpretação das informações, mas também sua representação gráfica em mapas. Por isso, tornou-se uma das ferramentas mais utilizadas nos estudos da Geografia Médica e da Saúde e na Epidemiologia. A pesquisa foi realizada mediante levantamento de dados nos órgãos nacionais e internacionais de saúde como Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, DATASUS, OPAS, a partir de bancos de dados disponíveis na Internet e diretamente nos órgãos, utilizando-se de programas de processamento de dados disponíveis no DATASUS, de domínio público, voltados para a manutenção, administração e gestão de informações sobre o atendimento ambulatorial do SUS. Dentre eles, o TABWIN, permite realizar análise espacial de dados de saúde por unidades da federação, estados e municípios, a partir de uma base cartográfica produzida pelo IBGE. O TABWIN e as bases cartográficas estão disponíveis para download em: http://www.datasus.gov.br/tabwin/tab35.zip http://w3.datasus.gov.br/DATASUS/datasus.php?area=361A3B372C2D3690EFG16HIJd3L1M0N&VAba=14&VInclu de=../site/din_sist.php&VSis=1&VCoit=3690&VI=Mapas%20para%20o%20TabWin0 A análise e interpretação dos dados foram corroboradas por uma ampla revisão bibliográfica. Com isso foi possível a identificação das áreas com maior risco de transmissão de doença de chagas no Estado de Minas Gerais correlacionando essas áreas de maior grau de transformação ambiental a uma maior incidência da doença. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO No período de 1998 a 2007, período este a que se referem os dados disponíveis no DATASUS, Minas Gerais registrou 2.940 internações por doença de Chagas, número apenas menor do que São Paulo, com 5.584 internações para um total de 19.839 internações no Brasil. Os municípios de Minas Gerais com maior número de internações no período foram: Montes Claros, com 1.296 registros – 44% do total de internações no estado; Belo Horizonte, com 383 – 13%; Uberlândia, com 274 – 9,3%; e Uberaba com 116 internações – 3,9% do total (ver figuras 01 e 02). Percebe-se que, além de Belo Horizonte, capital do Estado, as duas regiões com maior número de internações são o Norte de Minas e o Triângulo Mineiro, sendo que Montes Claros teve quase o dobro das internações das outras três cidades que mais internaram pacientes por problemas relacionados à doença de chagas. A prevalência da Doença de Chagas no universo de 2.940 pacientes, considerando o período 1998 a 2007 e o sexo dos enfermos, foi de 1.523 internações para o sexo masculino, ou seja, por meio desses dados sabe-se que com relação à distribuição entre os sexos, as mulheres representam 56,9% (1.417 pacientes) dos casos de Doenças de Chagas e os homens representam 61,1% desses casos, conforme representado na figura 03. http://www.datasus.gov.br/tabwin/tab35.zip http://w3.datasus.gov.br/DATASUS/datasus.php?area=361A3B372C2D3690EFG16HIJd3L1M0N&VAba=14&VInclude=../site/din_sist.php&VSis=1&VCoit=3690&VI=Mapas%20para%20o%20TabWin0 http://w3.datasus.gov.br/DATASUS/datasus.php?area=361A3B372C2D3690EFG16HIJd3L1M0N&VAba=14&VInclude=../site/din_sist.php&VSis=1&VCoit=3690&VI=Mapas%20para%20o%20TabWin05 Fonte: DATASUS-MS Org.: CARNEIRO FILHO, N. V. Figura 01 - Cidades com maior número de internações por doença de chagas em Minas Gerais, 1998-2007. Fonte: DATASUS-MS/Base Cartográfica do IBGE Org.: CARNEIRO FILHO, N. V. Figura 02 - Mapa de Minas Gerais com as cidades com maior número de internações por doença de chagas, 1998-2007. 1:250.000 6 Fonte: DATASUS-MS Org.: CARNEIRO FILHO, N. V. Figura 03 – Distribuição da Doença de Chagas por sexo em Minas Gerais, 1998-2007. Em relação à variável idade, foram observadas diferenças significativas na média de idade de ocorrência da doença de Chagas. A idade média de ocorrência dos pacientes acometidos pela patologia de Chagas é de 60 a 69 anos (contabilizando um total de 665 casos de internações) e entre o grupo das idades de menos casos de internações estão os de média de 1 a 4 anos e de 5 a 9 anos com respectivamente 12 casos de internações, ver figura 04. Fonte: DATASUS-MS Org.: CARNEIRO FILHO, N. V. Figura 04 – Distribuição da Doença de Chagas por idade em Minas Gerais, 1998-2007. Pela figura 05 percebe-se que de 1988 a 2007 o número de internações por doença de chagas em Montes Claros aumentou significativamente. Em 1998 ocorreram 21 internações. Em 2003 houve 227, representando um aumento de mais de 1000%. Nos anos seguintes, o número de internações regrediu, voltando a crescer em 2006, com 203 internações. Para Belo Horizonte, Uberlândia e Uberaba, as outras três cidades com maior número de internações, houve pequenas variações no número de internação. Até 2003 havia uma pequena tendência de crescimento do número de internações em Belo Horizonte e Uberaba e, em Uberlândia, estabilidade. Nos anos seguintes, houve uma pequena tendência de queda do número de internações em Belo Horizonte e Uberaba, enquanto que em Uberlândia, houve uma leve tendência ao crescimento do número de internações, sendo que no ano de 2007 foram registradas 53 internações. 7 Fonte: DATASUS-MS Org.: CARNEIRO FILHO, N. V Figura 05 - Número de internações por doença de chagas em Minas Gerais, 1998-2007. Montes Claros é o município da região norte do estado que atende a outros 53 municípios, provendo, dentre outros serviços, atendimento médico-hospitalar à população de toda a região norte do Estado. Esse município apresenta o menor desenvolvimento sócio-econômico, onde se localizam as populações mais pobres e onde se concentram diversos pequenos municípios, com população inferior a 20 mil habitantes. Os Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHMs) das cidades da região norte levam em conta três fatores considerados fundamentais para a vida humana: educação, longevidade e renda, estão classificados em médio, entre 0,500 e 0,799 (BATELLA E DINIZ, 2006). As regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, figura 06, destacam-se, ainda, por terem sido prontamente integrados à expansão agrícola ocorrida desde a década de 1960 no Brasil. Desta forma, os já referidos êxodo rural e destruição dos ecótopos naturais dos vetores das doenças constituíram componentes fundamentais à diminuição da incidência da transmissão vetorial da doença e tem se refletido no número de internações devido à esta patologia. É relevante destacar que os procedimentos hospitalares destinados ao tratamento dos danos provocados pela doença na fase crônica, cirurgias cardíacas, do intestino e do esôfago são complexos e onerosos. As internações realizadas no estado representam um elevado investimento financeiro para o Sistema Único de Saúde (SUS). No ano de 2007, em Minas Gerais foi pago um total de R$ 634.369,06 para as internações de pacientes acometidos pela doença de chagas. Só em Uberlândia foram gastos R$ 286.018,90, quase metade do valor gasto em todo e Estado. Em Belo Horizonte foram gastos R$ 70.054,09 e em Montes Claros R$ 54.228,05 (conforme figura 07). 8 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – Fundação João Pinheiro (FJP) Figura 06 - Cartograma representativo da intensidade da pobreza no estado de Minas Gerais no ano de 2000. Fonte: DATASUS-MS Org.: CARNEIRO FILHO, N. V Figura 07 - Valores em Reais, destinados aos municípios mineiros, para o tratamento de pacientes acometidos pela doença de chagas em 2007. Apesar de Montes Claros ter quatro vezes mais internações por doença de chagas do que Uberlândia, o custo dessas internações no ano de 2007 foi cinco vezes menor. Isso provavelmente se deve à intensificação dos procedimentos e o uso maior de tecnologias em Uberlândia, com medicamentos, aparelhos mais sofisticados e exames, algumas vezes desnecessários. Com relação aos óbitos analisados em Minas Gerais no período a que se referem os dados disponíveis, constatou-se que a cidade de Montes Claros apresentou o maior número de óbitos por Chagas, com 36 casos, seguida pela cidade de Belo Horizonte com 35 óbitos pela doença, além de 20 óbitos relatados em Uberaba e 14 em Uberlândia, como verificado na figura 08. 1:250.000 9 Fonte: DATASUS-MS/Base Cartográfica do IBGE Org.: CARNEIRO FILHO, N. V. Figura 08 - Mapa de Minas Gerais com as cidades com maior número de óbitos por doença de chagas, 1998-2007. A figura 09 apresenta o mapa de risco de reinfestação de Triatoma infestans em Minas Gerais. O Sul de Minas está sob baixo risco de reinfestação, o Triângulo Mineiro apresenta médio risco, enquanto que o Norte e Noroeste do Estado estão sob alto risco de reinfestação de Triatoma infestans, como era de se esperar porque essas regiões foram as últimas que conseguiram eliminar os focos da infestação, além da proximidade da região nordeste do país, onde ainda há focos de transmissão, intensos fluxos migratórios de população e ainda a permanência de elevados índices de população rural pobre ou miserável. Fonte: Bernardino (2007) Figura 09 - Risco de reinfestação de Triatoma infestans no estado de Minas Gerais. 1:250.000 1:250.000 10 Silva (1986) diz que não é novidade saber que as doenças surgem, desaparecem e ressurgem (reemergência) conforme o momento histórico. O reconhecimento da historicidade das doenças que permite reconhecer que há fatores não-biológicos na determinação das doenças. Para explicar o surgimento e o desaparecimento da doença de chagas no Estado de São Paulo, Silva (1986) vai além das explicações sócio-econômicas relacionadas à pobreza, más condições de vida e habitações inadequadas da zona rural. A transmissão da doença de chagas seguiu a marcha do café para o interior de São Paulo e a endemia se alastrava à medida que o espaço agrário paulista se transformava. A partir dos anos de 1960, deu-se uma nova reestruturação com a modernização da agricultura e redução da população rural. Quando as condições históricas determinaram essa nova reorganização espacial, a endemia desaparece, coincidentemente com a intensificação do programa de combate à doença. O mesmo padrão de dispersão da doença de chagas ocorre em Minas Gerais. Carlos Chagas testemunhou a chegada da doença no Norte de Minas, com a construção da estrada de ferro em 1909. A doença chegava com o desmatamento do cerrado e a ocupação do sertão. A transformação do espaço agrário tradicional por um espaço agrário moderno e tecnificado, produzindo vazios demográficos, certamente são elementos que ajudam explicar a eliminação do Triatoma infestans, juntamente com o Programa de Controle de Doença de Chagas no Estado. Atualmente o Norte de Minas ainda é a região com maior índice de pobreza do Estado. O elevado número de acometidos pelo mal de chagas nesta região justifica a idéia de que a doença de Chagas é uma doença da pobreza e da miséria. Como as doenças são multicausadas, e por fatores diversos, há que considerar a pobreza como a causa de morbidade/mortalidade. A maioria das doenças infecciosas e parasitárias já foi superadanos lugares onde a transição epidemiológica se manifestou a partir do alcance das medidas médico-sociais e de melhores condições sócio-econômicas. As populações mais favorecidas morrem mais tarde de doenças crônico-degenerativas, restando somente nas áreas mais pobres do planeta, que inclui as periferias das grandes metrópoles e as zonas rurais dos países mais pobres. Segundo Mendes (2008: 57-66), a análise dos dados de chagas agudo, confirmados pelo Ministério da Saúde, nos anos de 2001 a 2006, relata 2.317 casos agudos de doença de Chagas, com a observância que o Nordeste brasileiro, possui a maior parte desses casos sendo 1.114 ao todo que representa quase a metade dos registros da doença. Os dados apresentados demonstram que a maior parte desses casos correspondem a zona urbana, o que de certa forma parece curioso, pois outras pesquisas sobre a mesma doença apontam ás áreas rurais como de maior risco de proliferação da doença de Chagas. Em Minas Gerais, o período de 2001 a 2007, segundo o Ministério da Saúde foram confirmados 85 casos de Chagas agudo, porém o ano de 2006 foi o de maior incidência da doença com 23 casos registrados, e 2005 com 21 casos, sendo assim no ano de 2001 foram registrados apenas duas ocorrências. Com esses dados, observa-se um alarmante e gradativo aumento de registros da doença de Chagas aguda. 4. CONCLUSÃO A degradação do ambiente torna-se cada vez mais relacionada à saúde pública. Com o desmatamento e queimadas de florestas, o desequilíbrio ambiental já faz parte da realidade da maioria dos brasileiros, o que resulta cada vez mais em surtos da doença de Chagas e outras doenças. Nas regiões em que as práticas de atividades agrícolas e pecuárias tiveram grande intervenção no meio foram transformadas e até mesmo reduzidas as vegetações nativas a alguns determinados espaços, observou-se que a permanência de determinadas populações de triatomíneos silvestres veio como benefício para validação ecológica, tornando os domicílios humanos e anexos aptos para a colonização desses vetores. O sistema torna possível o ampliamento do risco da transmissão vetorial da Doença de Chagas, mesmo que essa seja uma hipótese remota. Sendo assim, a alta incidência humana sobre o ambiente degradado baixa a diversidade de mamíferos. 11 Como conseqüência disso, pode-se haver a manutenção do mais comum e competente reservatório do Trypanosoma cruzi, o gambá-de-orelha-preta, e assim observa-se o aumento do espécime em áreas afetadas por atividades humanas, pois o mesmo apresenta aspecto generalista quanto ao seu habitat, resultando napresença de novos surtos da doença de Chagas em localidades brasileiras, apesar de que nas últimas duas décadas, teve-se o desenvolvimento de um importante trabalho de controle do Triatoma infestans, o principal vetor da doença de Chagas no Brasil e em Minas Gerais. O programa de erradicação do principal vetor da doença de Chagas tem sido descuidado, possivelmente pela descentralização de serviços anteriormente prestados pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) para os estados e municípios que não possuem um suporte tecnificado e nem interesses políticos relacionados ao controle da doença. Portanto, essa doença é temida pelo fato de ser reemergente, sabendo-se que os vetores hospedeiros, transmissores e outros agentes do processo de manifestação dessa doença, ao encontrarem melhores condições, têm seu desenvolvimento garantido, aliando isso ao fato de sua maior proximidade com as populações humanas. Assim sendo, deve ser considerada a grande distribuição dos demais vetores da doença de Chagas, como o Panstrongylus megistus e o Triatoma brasiliensis que são indiferentes a erradicação por serem ubiqüitários, o que possibilita a infestação do intradomicílio e peridomicílio. Os demais vetores também conhecidos e considerados domiciliados, embora de importância reduzida como o Triatoma sordida e o Triatoma pseudomaculata – aquele com grande distribuição e esse encontrado geralmente no Nordeste do país –, são equivalentes em apreensão. A emergência da doença de Chagas no Brasil e as possibilidades da endemia no território são de grande preocupação para vários estudiosos, visto a vasta literatura médica brasileira e o grande número de estudos relacionados à doença de Chagas. Por meio disto, encontramos resultados divergentes quanto à prevalência da doença, porém as ações de controle da doença de Chagas no Brasil são eficazes, o que dificulta a ocorrência da transmissão vetorial do Trypanosoma cruzi no país. Em todo Brasil, sabe-se de pelo menos 16 espécies de triatomíneos silvestres, sendo que desses dez são infectados com o Trypanosoma cruzi. Assim, conclui-se que existem vários depósitos de infecção no país. Muito embora o Brasil tenha recebido o certificado de área livre de transmissão de doença de chagas por Triatoma infestans, em 2006 ainda houve transmissão vetorial da doença e o número de internações continuou elevado, sendo que somente no primeiro semestre de 2008 houve 690 internações por tripanossomíase no Brasil. Desta parcela de casos, Minas Gerais foi responsável por 185 internações. Por outro lado, a relação das internações por tripanossomíase devem ser analisadas com cuidado, pois essa grande massa de pacientes hospitalizados, poderiam já estar infectados há anos atrás, já que o estado crônico da doença demora para se manifestar. Com isso, a questão que deve ser respondida é se os casos da doença de Chagas estão aumentando ou não, se realmente são pacientes já infectados para tratamento etiológico. Neste sentido, a vigilância epidemiológica da doença e a continuidade do combate dos vetores são fundamentais para a interrupção definitiva da transmissão e evitar a reemergência da doença onde ela já foi controlada. O número de internações por doença de chagas em Minas Gerais ainda é alto, principalmente nas regiões norte e noroeste do Estado, o que resulta em um custo financeiro elevado para o Sistema Único de Saúde. É também necessário, serem desenvolvidas ações continuadas, não somente no assistencial, como também as empenhadas em criar autonomia. Nesse contexto, espera-se que as ações de vigilância epidemiológica sejam mantidas e que também sejam implementadas outras que façam intervenções de orientação que propiciem a efetivação de ações públicas para a melhoria da qualidade de vida da população do Estado de Minas Gerais. Será necessário estudar mais detalhadamente a situação da doença de chagas no Norte de Minas, considerada área de alto risco de reinfestação do Triatoma infestans, onde ainda pode ocorrer transmissão por outros triatomíneos. 12 Há de se pensar também nos crescentes casos agudos da doença de Chagas relatados por todo o país, pois os dados retirados do Ministério da Saúde geram receio. Outros estudos sobre a Doença de Chagas demonstram o contrário do que se analisa no banco de dados do governo que gera motivo de alerta. Por isso devemos manter certa desconfiança das informações divulgadas relacionadas à doença de Chagas no estado de Minas Gerais e Brasil. A preocupação relacionada a reemergência da doença de Chagas deve ser multifocalizada, sendo assim necessária atenção aos vetores primários, secundários, terciários, mas não somente a esses, como também à domicialização dos mesmos vetores. Logo é imperativo que haja prevenção e controle relacionados aos bancos de sangue e a transmissão direta do Trypanosoma cruzi. Os maiores problemas a serem enfrentado, relacionados à doença de Chagas são a possibilidade de sua reemergência e a adaptação de outros vetores da doença e o risco de interrompimento de programas de vigilância e controle da doença. Portanto, o esclarecimento de populações é inevitável para amenizar a situação da doença no país. Com isso, podemos discutir com a sociedade sobre o controle da doença de Chagas, com apoio indiscutívelda comunidade acadêmica, a qual desenvolve um grande número de estudos e informações de saúde pública que são relativas à doença de Chagas no Brasil. 5. AGRADECIMENTOS Para a realização deste trabalho agradeço primeiramente a Deus, que sempre me deu forças; à minha família que sempre me apoiou; à Universidade Federal de Uberlândia, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) órgão que me financiou para que essa pesquisa se realizasse com qualidade. Um sincero e caloroso agradecimento ao meu orientador, Prof. Dr. Samuel do Carmo Lima, pela sua paciência que me instigou ao desenvolvimento desta pesquisa, motivo pelo qual o considero como co-responsável por este trabalho. Esse artigo é também dedicado ao Laboratório de Geografia Médica, sem o qual algumas considerações aqui presentes não teriam sido realizadas. 6. REFERÊNCIAS BATELLA, W. B.; DINIZ, A. M. A. Desenvolvimento humano e hierarquia urbana: uma análise do IDH-M entre as cidades mineiras. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 6, p. 367-374, 2006. DIAS, J. C. P. A Doença de Chagas e seu controle na América Latina. Uma análise de possibilidades. 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