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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO ABORTO: ENTRE A CRIMINALIZAÇÃO E O DIREITO DA MULHER 30.10.2020 Eli Andrade da Silva Luane Sales Marcos Antônio Simões de Santa Clara Pamella Rodrigues Paulo Henrique Bione Ruth de França Evangelista Tatiane Araújo Prof. José Durval de Lemos Lins Filho Recife 2020 2 SUMÁRIO 1. Introdução.......................................................................................................................03 2. Aborto no Brasil – Visão Criminológica – Causas e Efeitos ......................................06 3. Aspecto constitucional do aborto..................................................................................09 4. Direito e Economia - A Ineficácia da criminalização do aborto.................................12 5. Situação da criminalização do Aborto no Brasil em comparação à outros Países e a situação atual do aborto no Brasil.................................................................................14 6. Processo de Criminalização ...........................................................................................20 7. Conclusão........................................................................................................................23 Referências..........................................................................................................................24 3 1. Introdução Antes de adentrar nos estudos da criminalização do aborto, faz-se mister pequena digressão sobre o aspecto histórico deste, bem como seu conceito. Não obstante o aborto já vir expresso no Código Criminal do Império de 1830, neste apenas seria passível de punição o terceiro que praticasse o aborto e não a gestante. Por outra, a tipificação do aborto, como o conhecemos hoje, foi prevista no Código Penal de 1890 e mantida no Código de 1940, atualmente vigente no Brasil. Sob o aspecto conceitual, pode-se definir o aborto como a interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção. O termo inicial da prática do aborto é o começo da gravidez e o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, neste caso, é a vida intrauterina (BENINCASA, 2019, p.75). Nesse contexto, a legislação brasileira proíbe a realização do aborto pela própria gestante (art. 124), aquele praticado com seu consentimento ou provocado por terceiro, sem seu consentimento, tipificados nos arts. 125 e 126 do Código Penal. Verbis: Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54) Pena - detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54) Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência Forma qualificada Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Não se pode olvidar que existem duas possibilidades legais para a prática do aborto previstas no art. 128, quais sejam, o aborto necessário e o no caso de gravidez resultante de estupro. Verbis: Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Acrescente-se a estas duas hipóteses legalmente permitidas à prática da conduta abortiva, o permissivo oriundo da atuação jurisprudencial da nossa Corte Constitucional http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=54&processo=54 http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=54&processo=54 http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=54&processo=54 4 (STF), em julgamento da Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 54, com efeito vinculante, para aquelas situações em que se verifique a presença de fetos anencéfalos. A determinação do número de abortos realizados por ano, no mundo, torna-se uma missão quase impossível. Diante disso, os impactos sociais provocados pelas diversas hipóteses de criminalização desta conduta, também se mostram impossíveis de precisar, uma vez que a maior parte dos países, em que isso se verifica, não apresentam dados confiáveis. E não é difícil entender essa falta de precisão nos dados relacionados aos casos de aborto, nesses países em que tal prática é criminalizada. Isso é o que se observa em nosso país. Nessas localidades, as estimativas baseiam-se apenas naquelas situações em que a prática do ato gera complicações e precisa-se recorrer ao sistema público de saúde. Com essa ausência de uma adequada notificação dos casos de aborto, termina por impedir o desenvolvimento de uma legislação penal que atenda a nossa realidade social. Não apenas no Brasil, mas em muitos países, a prática do aborto representa um grave problema de saúde pública. E sua criminalização apenas serve para reforçar o estigma social e religioso a que são submetidas as mulheres. Fato que termina por criar um ambiente marcado por violência simbólica de gênero e que, sem sombras de dúvida, está diretamente relacionado ao alto índice de mortalidade materna no Brasil. E essa mortalidade materna constitui-se num dos indicadores mais sensíveis na determinação da qualidade de vida e acesso à saúde de qualidade pelas mulheres de um determinado território e em um determinado período de tempo. O enorme número de mulheres que praticam o aborto, na clandestinidade, em condições de risco e sem nenhuma forma de acompanhamento médico, deixa evidente a ineficiência da criminalização do aborto como forma de prevenção de sua realização. Pior! Se procuram apoio terminam por ser denunciadas e presas. Em razão disso, tem-se poucos dados sobre o real número de abortos realizados, como também quem são a mulheres que os realizam e em que condições. Certamente o reflexo penal dessa conduta reflete e muito nessa dificuldade. De fato, o tema aborto apresenta muita controvérsia do ponto de vista social, despertando polarizações, ódios e paixões em vários campos de interações humanas, seja social, político, moral, religioso, filosófico dentre outros. Nesse contexto, tem-se que a temática está envolta em diversos direitos de ordem constitucional, iniciando-se pelo respeito a laicidade do Estado, alcançando-se os direitos à vida, à privacidade, à liberdade, à autonomia, à saúde e à saúde reprodutiva. No mais das 5 vezes, ao se debater o tema, põe-se em disputa à proteção do direito à vida do feto em oposição àqueles direitos pertencentes à mulher, que se encontra numa gravidez indesejável. Na verdade, ao se confrontar o direito fundamental à vida e o aborto, certamente há uma necessidade ou um dever de descriminalização do aborto no Brasil, sob a perspectiva Constitucional e da Criminologia. Devendo-se, assim, deixar evidente que o direito à vida do feto não seria um direito absoluto e não estaria acima do direito à vida das mulheres. Como também deve ser ponderado frente aos demais direitosfundamentais e igualmente relevantes, como o direito à dignidade da pessoa humana. Assim, defende-se a descriminalização do aborto, uma vez que além de não evitar o aborto, este termina por acontecer da pior forma possível. E que terminam por ceifar a vida de muitas mulheres, quando não deixam nelas sequelas permanentes. Além disso, o exercício dos direitos reprodutivos, certamente, deve ser garantido a toda mulher. 6 2. Aborto no Brasil – Visão Criminológica – Causas e Efeitos Sendo a criminologia uma ciência baseada em fatos e casos práticos e reais, visto que ela é composta pelos estudos formalizados à partir do conhecimento básico das causas, onde se insere basicamente uma possível frequência, modo de ação, ambiente e controle social dos atos criminosos, personalidade das vítimas e dos autores do delito, neste trabalho procuramos não tratar o aborto sob a ótica do direito penal, e, sim, analisar esta questão sob o aspecto social, suas possíveis causas, consequências, criminalização, bem como o seu impacto sobre a mulher. Como se sabe, em 1994, o Brasil aderiu ao protocolo do Tratado Internacional de Direitos Humanos que tinha como meta não adotar o aborto como método contraceptivo. Naquela ocasião ele já era visto como um problema de saúde pública. Em seguida, em 1995, o Brasil também ratificou um compromisso internacional se comprometendo rever sua legislação punitiva acerca deste assunto. Mesmo assim, como se vê, não avançamos em nada no aspecto de tratamento legislativo, e, o aborto continua ainda sendo tratado como crime em nosso país. É muito importante dizer que no enfrentamento da questão da criminalização do aborto no Brasil, o legislador brasileiro tem violado princípios básicos na inserção das leis no ordenamento jurídico, pois alguns desses conceitos que devem observados, por não estarem sendo respeitados, têm prejudicado no tratamento do problema, culminando para que ele deixe de existir. Dentre esses variados princípios fundamentais destacamos principalmente: 1) O Princípio da Idoneidade; 2) O Princípio da Racionalidade; e, 3) O Princípio da Subsidiariedade. O primeiro princípio considerado que é o da Idoneidade, parte da premissa de que a norma legal há de ser útil e eficaz, de modo que a questão do aborto possa ser resolvida ou ao menos controlada ou diminuída. Aqui no Brasil, esta questão não tem obtido nenhum êxito, pois as leis existentes são ineficazes. Em seguida, o princípio da Racionalidade nos diz que havendo uma medida coibitiva esta deve se traduzir na forma de grandes benefícios sociais. Contudo, o que temos é que ao contrário do que se quer, as medidas proibitivas têm levado a ocorrer algo muito pior, pois produzem abortos inseguros, clandestinos, baixas condições sanitárias, levando a óbito de muitas mulheres. Para se ter uma ideia, no Maranhão os números apontam o aborto como sendo 20% da causa morte materna. Na Bahia está na 1ª posição, e, em São Paulo é a 3ª 7 maior causa de morte materna. Se considerarmos os números de todo país, os levantamentos apontam este problema como sendo a 5ª maior causa de internamentos femininos. Para piorar essas estatísticas, os números apontam que as mulheres que sobrevivem a este procedimento, sofrem sequelas terríveis, sejam elas físicas, psíquicas, sociais ou econômicas. O último princípio a se considerar, trata da Subsidiariedade. Ele nos diz que a criminalização do aborto só se justificaria caso não houvesse mais nenhuma alternativa do tratamento para esta questão social. No Brasil, nos parece que o poder público não tem se debruçado com absoluto interesse para solucionar este problema. Acreditamos que poderíamos se utilizar de políticas públicas de planejamento familiar ou capacitação profissional, como meios pródigos de solução, pois como visto, a criminalização não tem sido o remédio eficaz de cura desta questão. Por sinal, os organismos internacionais entendem que tratar o aborto como sendo um ato criminoso, dita interpretação fere e é incompatível com os Princípios dos Direitos Humanos, de forma que já há recomendação para a retirada do nosso ordenamento jurídico dos respectivos artigos de leis. Do mesmo modo, as altas cortes internacionais já se manifestaram no sentido de que o aborto não viola o direito à vida, e, tampouco o Estado deveria interferir no desejo da mulher. Enfim, a criminalização exclui, estigmatiza a mulher e a impede do controle da sua sexualidade, viola princípios e o direito da mulher de decidir acerca do exercício da maternidade, pois somente a ela cabe a decisão do que deve fazer ou não do seu corpo. Sendo assim, não é descabido tornar este ato como criminoso. Assim, para concluir parte deste trabalho, apresentamos os versos da música intitulada “Carne de Rã”, cantada pelo conjunto Mulamba: 8 9 3. Aspectos Constitucionais do Aborto A QUESTÃO DO ABORTO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 O estudo técnico e científico do crime de aborto envolve assuntos inteiramente pertinentes à ética, à moral, à religião e principalmente ao direito. Assim, as pesquisas nas quais pode-se trabalhar essa temática tão politizada, englobam, necessariamente, aspectos multidisciplinares. Na Constituição Federal sobre Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no Art. 5º, que se encontra escrito acima, garante que o Estado tem a obrigação de zelar pela vida. O Código Civil, como examinamos, considera o nascituro sujeito de direitos desde a concepção. A Constituição de 1988 não trata especificamente de abortos voluntários. Autorize ou proíba. Claro, isso não significa que a interrupção voluntária da gravidez é constitucionalmente "indiferente". Pelo contrário, o conteúdo constitucional desta matéria foi profundamente saturado. No contexto de lidar com os princípios e valores mais importantes, incluídos em nossa carta. Além disso, no período histórico atual, algumas pessoas dizem reconhecer o poder normativo e o poder vinculativo da constituição. Princípios e fortalecimento da jurisdição constitucional são elementos, a base fundamental da constitucionalização das leis. Tal fenômeno, limitado a constituições contemporâneas, costumava ser domínio exclusivo dos legisladores ordinários. Não só isso, ele envolve a ideia de que todas as instituições jurídicas devem reler seu valor constitucional; todos os ramos da lei, normas e conceitos devem ser verdadeiramente "filtrados", para alinhá-lo com a tabela de valores na qual a lei se baseia. Outrossim, deve-se notar que as disposições do projeto atualmente em discussão não protegem a vítima de estupro enquanto permitem que a vítima interrompa a gravidez ocorrida. Pelo contrário, a proposta, que não tem recebido maior consideração, visa dar apoio psicológico e médico àqueles que suportam o peso da violência e da gravidez indesejada em respeito à vida. Além disso, diante da pressão de que o aborto espontâneo não é incomum, a família e a própria comunidade também permitem que as penalidades não sejam aplicadas em caráter irreversível e obrigatório. 10 O PORQUÊ DE SER INCONSTITUCIONAL É inconstitucional criminalizar o aborto em uma epidemia ou qualquer outra situação. A situação das mulheres brasileiras lembra os cães Danad, Zeus os condenou por encher caixas d'água, mas a caixa quebrou devido ao transporte de água. Portanto, as Nações Unidas, por meio da Assembleia Geral e da Comissão de Direitos Humanos, reconhecem os efeitos prejudiciais da criminalização do aborto na saúde das mulheres e leva em consideração os sistemas jurídicos discriminatórios que insistem que suas leis proíbem as mulheres de obter tratamento médico,como a criminalização do aborto. O serviço estabeleceu que o estado brasileiro deve promover a descriminalização do aborto para “proteger as mulheres de abortos ilegais e inseguros”, e manter um sistema legal para garantir que o aborto não seja restringido e garantir que todas as mulheres tenham acesso a serviços de alta qualidade A criminalização do aborto é absolutamente incompatível com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos da mulher. Em termos de garantia da dignidade, liberdade e autonomia das mulheres, elas devem ter o direito de escolher se desejam interromper a gravidez indesejada. Suas próprias crenças morais e religiosas. No entanto, criminalizar o aborto também leva a violações flagrantes dos princípios constitucionais, limitando assim a intervenção mínima e a proporção final da intervenção criminalizadora. De acordo com os princípios ontológicos da democracia e do Estado Social de Direito, assentes nos valores da diversidade e da tolerância pela diversidade, no âmbito da escolha pessoal, não é permitida qualquer intervenção do Estado, nomeadamente repressiva. O maior comportamento moral para prevenir a criminalização do aborto. Em suma, a criminalização do aborto é incompatível com a proteção dos direitos humanos das mulheres. É uma ferramenta ideológica para controlar o comportamento sexual feminino. Representa apenas um símbolo da ideologia patriarcal. Não é eficaz nem útil para proteger a vida no útero. Mantido a um enorme custo social, impede a implementação de medidas verdadeiramente eficazes para enfrentá-lo, tem consequências terríveis para as mulheres e a morte, e viola as leis e os princípios democráticos que criminalizam o controle. 11 DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ABORTO Aqui, há um conflito claro entre o respeito pela vida de um bebê por nascer e a liberdade sexual, liberdade reprodutiva, autonomia, privacidade e intimidade de mulheres grávidas. Quando ocorrem conflitos, os direitos básicos devem ser coordenados tanto quanto possível. Caso contrário, os direitos básicos devem ser avaliados em determinadas circunstâncias. Em certas circunstâncias, devem ser utilizadas técnicas hermenêuticas. Por exemplo, o peso e o sacrifício de outros direitos conflitantes serão responsáveis por um maior peso. Portanto, cabe ao sistema jurídico encontrar um ponto de equilíbrio onde toda a gama de direitos reprodutivos da mulher e direitos do nascituro deva ser discutido, em vez de ignorar a moralidade e moralidade. Este é o fator básico para ponderar o valor, mas também aponta até este ponto. Os indivíduos têm a liberdade de agir e dispor de seus corpos de acordo com seus próprios desejos. Devemos também considerar a evolução das práticas culturais e da própria sociedade e o âmbito jurídico que as cerca. Para dar um exemplo voluntário, em alguns países as regras são permitidas, o aborto é gratuito e, nos países com certas restrições e requisitos, também é gratuito; finalmente, em alguns casos, as regras são países totalmente restritos. Brasil e seu código penal vigente. É preciso considerar, se não vimos que o direito não acompanhou o progresso da sociedade, e se é realmente necessário tornar essa restrição normativa tão inalterada e às vezes até retrógrada. 12 4. Direito e Economia – A Ineficácia da Criminalização do Aborto É fato que o aborto no Brasil hoje é tido como crime, sendo que esta criminalização acaba por afetar de forma severa os cofres públicos. O aborto como a 5ª causa de morte materna no Brasil, é um problema de saúde pública de grandes proporções , de modo que os custos sociais e até mesmo econômicos da criminalização do mesmo são ainda maiores, pois, inevitavelmente, milhares de mulheres que se vêem obrigadas a proceder desta forma acabam por morrer deste modo. Vê-se que, a legislação brasileira atual, que trata o aborto como um crime, é economicamente inviável em vista dos gastos públicos que carreta. Os gastos com a saúde pública apenas com curetagem giram na casa dos milhões de reais. Todo direito, seja ele social, individual ou político, possui, em menor ou maior escala um custo. Não se pode estudar o direito de forma isolada. Por outro lado, não se pode ignorar a realidade de que os recursos são limitados materialmente. Portanto as escolhas devem ser feitas de modo que tais recursos limitados sejam alocados para as áreas mais escassas. Esta questão da escassez e da necessidade de alocação de recursos assume especial relevância quando se trata do acesso à saúde. Isto se dá principalmente em vista ao aumento crescente dos custos de tratamento médico de pacientes, tendo até mesmo os países mais ricos que selecionar pacientes em estado menos gravoso, uma vez que os serviços de saúde não dispõem de recursos suficientes para suprimir esta demanda. O Estado tem, além do papel defensivo ou negativo de proibir a violação recíproca do direito à saúde pelos indivíduos entre si devendo ele mesmo autolimitar o seu próprio poder a fim de evitar lesioná-lo igualmente, também um papel positivo, ou seja, de implementar efetivamente o direito à saúde. Ao se tratar da efetivação dos direitos sociais, é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses direitos. Todavia, ainda na lição da doutrinadora, é fato que a Constituição estabelece metas ou objetivos fundamentais a fim de priorizar determinadas áreas nas quais os gastos públicos devem ser feitos. Em suma: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levar em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para em seguida gasta-los sob a melhor forma. É rotina atual o descaso diário vivenciado pela população nas intermináveis filas de atendimento dos hospitais da rede pública que muitas vezes despontam nos jornais e revistas da nação. Verifica-se que a realidade da 13 nação é de uma constante violação ao direito à saúde e o princípio da dignidade da pessoa humana. A análise econômica do direito é de suma importância para a implementação de políticas públicas, porém não deve ser feita de modo radical e extremo, desconsiderando os valores expostos no ordenamento. Logo, o direito não tem em vista única e exclusivamente a otimização da aplicação dos recursos econômicos, mas, sobretudo, os valores constitucionalmente postos que devem orientar a atuação dos poderes públicos em todas as suas esferas. Mas o que isto tem a ver com a descriminalização do aborto? Vimos que a política do Estado brasileiro de criminalizar o aborto em verdade não tem obtido resultados favoráveis, pois não tem conseguido alcançar seu objetivo primordial, qual seja a coibição das condutas de abortamento. É imprescindível que o Estado brasileiro encontre métodos mais eficazes para fazê-lo. Eis aí a importância da análise econômica do direito na questão específica da legislação penal criminalizante da conduta abortiva, ela põe em foco os holofotes sobre a situação real, qual seja a ineficácia da política criminalizante do aborto. Resta, portanto, configurada a relação existente entre direito e economia. A fim de efetivar o valor máximo da Constituição, a saber, a dignidade da pessoa humana, da gestante, inevitavelmente nos deparamos com a realidade da escassez dos recursos. Pergunta-se então: O que é mais viável, criminalizar o aborto mesmo que isso viole os direitos à saúde e o princípio da dignidade da pessoa humana da mulher? Ou investir em políticas públicas educativas, mais eficazes que a sanção penal, como fez o Estado alemão? 14 5. Situação da criminalização do Aborto no Brasil em comparação à outrosPaíses e a situação atual do aborto no Brasil PAÍSES QUE NÃO CRIMINALIZAM O ABORTO E QUAIS AS SUAS JUSTIFICATIVAS Como é sabido, o aborto é a interrupção precoce da gravidez, seja ela espontânea ou provocada, com a remoção ou expulsão de um embrião (antes de oito ou nove semanas de gestação) ou feto (depois de oito ou nove semanas de gestação) do corpo da mulher, resultando na morte do concepto ou sendo causada por esse procedimento. Ademais, cumpre salientar que esse processo faz cessar toda atividade biológica própria da gestação. No Brasil, o aborto é crime, com tipificação nos artigos 124 à 128 do Código Penal, contudo tem algumas exceções. À saber: • Em caso de estupro; • Quando a gravidez apresenta risco a gestante; • Em caso de bebês anencéfalos; Contudo, há países em que o aborto é legalizado, vejamos alguns deles e de que forma se dá isso. Nos últimos 10 anos, Portugal, Uruguai e Espanha legalizaram a interrupção voluntária da gravidez depois de décadas de organização social, debates e negociações no Legislativo de cada país. Enquanto a despenalização da prática ampliou a autonomia das espanholas, o Uruguai implementou uma política pública de saúde com foco na redução de riscos, que desde 2004 reduziu o número de mortes de mulheres por abortos clandestinos. Em Portugal, o movimento feminista se aliou aos profissionais de saúde para levar informação baseada em evidências à sociedade, que em 2007 disse sim à legalização do aborto em um referendo. • PORTUGAL Em 1998, o Parlamento português aprovou uma lei de interrupção voluntária da gravidez, para substituir a lei que desde 1984 despenalizava o aborto em casos de risco 15 de morte ou à saúde da gestante, anomalia fetal incompatível com a vida gestação decorrente de estupro. A punição de até três anos de prisão para mulheres que abortavam fora desses casos foi mantida. Na ocasião, em meio a uma forte pressão da Igreja Católica, então primeiro- ministro António Guterres, hoje Secretário-Geral da ONU, anunciou um acordo com a oposição para que o direito ao aborto fosse submetido a um referendo popular. Em uma votação que contou com 68% de abstenção, 50% dos votantes responderam não à pergunta: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?” Pelo resultado apertado da votação, o pleito não teve efeito vinculante, mas a falta de acordo político impediu o Parlamento de avançar na matéria. Legalizado por referendo realizado em 2007 e é permitido até a décima semana de gravidez se assim quiser a mulher independentemente dos motivos. • URUGUAI Desde 1938, o aborto era despenalizado no Uruguai em três situações: quando a gestação era decorrente de estupro, por questões de “honra familiar” (quando a gravidez era produto de relação fora do casamento), por dificuldades econômicas ou risco de morte para a mulher. Em 2011, um grupo de senadores e senadoras da Frente Ampla, partido do ex-presidente José Mujica, apresentou um projeto de lei para legalizar a interrupção voluntária da gravidez. Aprovado no Senado por 17 votos a favor e 14 contrários, o texto seguiu para a Câmara de Deputados. Em outubro de 2012, com uma votação apertada, 50 deputados a favor e 49 contra, o Uruguai legalizou aborto nas 12 primeiras semanas de gestação. O prazo se estende às primeiras 14 semanas em casos de estupro e pode ser maior em caso de risco de morte para a gestante ou anomalias fetais incompatíveis com a vida. • ESPANHA Em março de 2010, passou a valer na Espanha a lei de Saúde Sexual e Reprodutiva e da Interrupção Voluntária da Gravidez, também chamada “lei de prazos”, porque não observa causas e sim limites de tempo para a prática legal do aborto. Por livre decisão da http://www.mysu.org.uy/wp-content/uploads/2014/11/Ley-de-Interrupci%C3%B3n-Voluntaria-del-Embarazo-18.987-promulgada-por-el-Poder-Ejecutivo-2012..pdf 16 mulher, até a 14ª semana de gestação, e até a 22ª de gestação em casos de risco de morte para a gestante ou anomalias fetais incompatíveis com a vida. Segundo dados do Ministério da Saúde, Consumo e Bem-estar social, cerca de 70% dos abortos legais praticados no país em 2016 aconteceram até as oito primeiras semanas de gestação. Em 62% dos casos, essa foi a primeira interrupção legal da gravidez da mulher que a realizou. ARGUMENTOS CONTRA A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO. No que tange aos argumentos contrários à descriminalização da prática do aborto, são alguns deles: • Hoje em dia só engravida quem é mesmo irresponsável. Promovendo o Planeamento Familiar não é preciso despenalizar o aborto; • Fazer um aborto é um atentado contra a vida humana; • O aborto legal vai congestionar os serviços de saúde; • A despenalização do aborto vai provocar o aumento do número de abortos; • O aborto é um pecado. É mau e imoral; NO QUE TANGE AOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À DESCRIMINALIZAÇÃO DA PRÁTICA DO ABORTO. • A mulher tem o direito de tomar decisões num assunto que diz respeito à sua vida como o é da maternidade; • O aborto clandestino é um problema de saúde pública e sua legalização diminui o número de mortes das mulheres; • Nenhum sistema de saúde entrou em colapso depois da despenalização do aborto; • Proibir não elimina o recurso ao aborto. Quando as mulheres sentem que ele é necessário, elas fazem-no, mesmo que não seja em segurança; • Um aborto mal feito pode ter consequências graves para a saúde da mulher; SITUAÇÃO ATUAL DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO DO BRASIL Para alguns defensores da legalização do aborto, até o terceiro mês de gestação deixe de ser considerado crime, pois a proibição viola direitos fundamentais. 17 Importa lembrar que, pela legislação brasileira, o aborto só é permitido em caso de estupro, de feto anencéfalo e em casos em que a vida da mãe está em risco. Sem dúvida, foram conquistados alguns avanços relativos à questão do aborto no país, mas a sociedade encontra-se, política e socialmente, despreparada para discutir o tema. A definição do momento em que se inicia a vida é essencial para quem defende e para quem é o contrário aborto. Afinal, a vida começa na concepção? Fato é que o Código Civil, em seu artigo 2° põe a salvo os direitos do nascituro, embora o artigo refira mais direitos à pessoa que com a vida adquire personalidade civil. Já a Constituição Federal, no artigo 5°, dispõe acerca da proteção à vida sem fazer qualquer referência à concepção, o que sugere a não adoção pelo texto constitucional da teoria que põe a salvo a vida naquele instante. Essa é uma das teorias. Para parte dos ministros do STF são inconstitucionais os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto, conforme decisão de 2016. A controvérsia quanto ao aborto reside no fato de que o direito à vida não é absoluto. Para alguns, o Direito Constitucional (e natural) à vida do feto precisa ser respeitado. Para outra corrente, a mulher faz jus ao direito à dignidade humana, ao direito de escolha. Outra ótica deve nortear a discussão no sentido de tratar o aborto como assunto de saúde pública. Globalmente, mais de 25 milhões de abortos inseguros (45% do total) ocorrem anualmente, segundo estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS). A maioria é realizada em países em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina. Esse estudo de 2017 mostrou que a restrição ou proibição do acesso não reduz o número de abortos. Ratificando esse dado, tem-se que, em países onde o aborto é completa ou parcialmente proibido, um em cada quatro abortos é seguro. Em países onde o aborto é legal, nove entre dez são realizados de maneira segura. Quando os abortos são feitos de acordo com as diretrizes e padrões da OMS, o risco de complicações severas ou de morte é insignificante. Na ausênciade condições seguras, os resultados podem incluir aborto incompleto, hemorragia, lesões vaginal, cervical e uterina, além de infecções, onerando os custos da saúde pública. O Ministério da Saúde apresenta uma Norma Técnica sobre Atenção Humanizada ao Abortamento, cuja proposta é “fornecer aos profissionais subsídios para que possam oferecer não só cuidado imediato às mulheres em situação de abortamento, mas também, na perspectiva da integralidade deste atendimento, disponibilizar às mulheres alternativas contraceptivas, evitando o recurso a abortamentos repetidos”. Todavia, o que ainda se 18 discute é o direito de a mulher optar pelo aborto, não somente nos casos já previstos em lei. O procedimento abortivo em hospitais ou locais com segurança é feito apenas por quem tem dinheiro para pagar. O acesso a medicamentos abortivos de origem ilícita é pouco fiscalizado, existem sites que vendem explicitamente os produtos. Apenas uma fiscalização mais intensiva e com penalidades mais graves trarão alguma mudança no cenário atual. A proibição do aborto deve ser relativizada pelo contexto social e pelas nuances de cada caso. Por exemplo, a interrupção da gravidez é realizada por muitas mulheres, mas apenas as mais pobres sofrem os efeitos dessa prática, pois se submetem a procedimentos duvidosos em locais sem a infraestrutura necessária. Esse ciclo coloca o Brasil como um dos países em que mais se morre pela prática do aborto clandestino, ainda que nem todos os abortos sejam contabilizados, pelo evidente receio da mulher em declarar a prática. É necessário que sejam estabelecidas regras cristalinas para que sejam reduzidos os casos de mortes e de lesões físicas e morais resultantes do aborto desassistido e clandestino. E que as discussões não se desviem do núcleo central da questão: o direito da mulher. 19 VISÃO GLOBAL DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO 20 6. Processo de Criminalização O processo de criminalização é dividido em duas etapas, das quais são denominadas: primária e secundária. A criminalização primária, feita pela lei, pela tipificação da conduta. Nessa etapa é o momento e o resultado do ato de sancionar uma lei penal que incrimina ou sanciona certas condutas. Nessa atuam as agências políticas (parlamento, executivo) responsáveis pela formulação do que deve ser apenado. E a criminalização secundária, feita pelas agências do sistema punitivo sob a pessoa individualizada, àqueles a quem se imputa o crime. É a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agências do Estado detectam pessoas que se supõe tenham praticado certo ato criminalizado primariamente e as submetem ao processo de criminalização, tais como a investigação, a prisão, a condenação. Nessa etapa atuam agências diferentes das que formularam o programa: policiais, membros do ministério público, magistrados/as, agentes penitenciários. O etiquetamento que ocorre na criminalização secundária não é o problema principal em relação ao crime de aborto, pois na maioria das vezes a criminalização primária é suficientemente excludente e repressora, visto que, o aborto clandestino é um risco iminente para quem o realiza. Nesse caso, a legislação penal funciona apenas como instrumento do poder punitivo para exercer a dominação e o controle social. Foucault explica a prisão como o fracasso da justiça penal. Segundo ele “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta”. Ou seja, não é a legislação repressora e punitiva que irá prevenir ou coibir determinadas condutas na sociedade. A criminalização pode gerar, inclusive, efeitos comissivos, no sentido de uma reação social que aumenta a repetição da conduta tipificada. No caso do aborto, apesar de várias pesquisas tentarem dimensionar a quantidade de abortos realizados no Brasil por ano, ou até mesmo traçar um perfil social da mulher que aborta, não se consegue ter uma exatidão sobre os números e a incidência da prática. Porém, se pode observar a busca do serviço público em razão de complicações pós-aborto e a morte de mulheres por não terem acesso a serviços de saúde que garantam os direitos sexuais e reprodutivos, por conta da política repressora em vigência. 21 Apesar de não haver comprovação de que a tipificação do aborto contribua para a diminuição dessa prática na sociedade, muitos países como é o exemplo do Brasil, continuam insistindo em uma legislação repressora. Embora, o que se comprova é o inverso. Nos países onde têm uma legislação menos restritiva em relação ao aborto ou onde o aborto é legalizado há uma diminuição no número de abortamentos registrados. Um estudo feito pelo Instituto Guttmacher em parceria com OMS (Organização Mundial da Saúde), a taxa de aborto é de 37 por 1.000 mulheres em países que proíbem totalmente o aborto ou que permitem apenas para salvar a vida da mulher, e de 34 por 1.000 mulheres em países que permitem o aborto sem restrições em relação ao motivo que leva a prática do abortamento. Esse estudo não considera significativa a diferença entre essas taxas, deixando em destaque que a repressão legal não gera a diminuição do número de abortos. Por outro lado, analisa-se que a restrição legal aparece fortemente relacionada à segurança na prática do aborto. O aborto seguro é aquele praticado com o método mais adequado e por profissionais, os menos seguros são aqueles que cumprem apenas com um desses critérios, e os abortos inseguros com nenhum deles. A proporção de todos os abortos que são estimados inseguros aumenta à medida que as leis se tornam mais restritivas. Podemos observar que o acesso ao aborto seguro está aumentando, assim como o uso de contraceptivos, porém, o aborto inseguro continua prevalecendo em muitos países onde as restrições ao aborto estão aumentando. Essa segurança no procedimento abortivo aparece relacionada a legalidade do aborto e a renda do país. É possível verificar que onde há leis menos restritivas e regulamentação dos direitos sexuais e reprodutivos, a implementação de políticas públicas permitem um maior controle dessa prática, o que possibilita uma desestimulação, reduzindo o número de abortos, além de uma drástica redução ou mesmo o fim das mortes maternas decorrentes de abortos malsucedidos. A proibição dificulta a colheita de dados e não diminui o número de abortos na clandestinidade, de forma que não há controle sobre essa prática. Assim, não há limites exigidos ao procedimento abortivo, nem em relação aos métodos mais adequados, ao tempo máximo de gestação, nem a comercialização clandestina da curetagem. A restrição contribui para a ausência de políticas públicas que garantam o atendimento adequado pós abortamento e de prevenção, tratando a questão pela lógica repressiva, quando em verdade deveria tratar-se de uma questão de saúde pública. 22 Dessa forma, podemos concluir que se a penalização da prática abortiva não interfere no sentido de acabar com essa conduta, visto que, é possível reduzir o número de abortamento através de uma legislação menos restritiva, com políticas públicas de acesso aos direitos sexuais e reprodutivos, de modo que se amplie o acesso a métodos contraceptivos e que as mulheres possam também acessar meios seguros de interromper a gravidez, preservando a saúde e a vida de mais mulheres. É discutível o sentido da tipificação dessa conduta, uma vez que a legislação repressora não consegue tutelar o bem jurídico que teoricamente visa proteger, no caso, a vida. Nem a vida em potencial de embriões e fetos é assegurada, muito menos a vida das mulheres que praticam o aborto, em grande parte, de forma clandestina e insegura.23 7. Conclusão Criminalizar o aborto é o mesmo que obrigar uma mulher a se tornar mãe, ou seja, suportar uma gravidez que mesma não concorda e, isto, contraria todos os princípios fundamentais, principalmente, o da dignidade da pessoa humana e os princípios liberais do direito penal. Manter a ilegalidade do aborto não impede a sua prática e, por isso, acaba por gerar graves consequências à saúde das mulheres. Deveria haver maior relevância em relação a criação de leis mais severas para problemas aos quais as mulheres sofrem mais diariamente, ao invés de manter a criminalização do aborto, ou seja, estabelecendo as mulheres uma obrigação, sem que as deixasse escolher o que melhor lhe fosse cabível. Essa discussão não deveria ser restrita, levando apenas em consideração a relevância e eficácia das normas, mas a diminuição das mulheres quanto ao papel de vítimas. Uma vez que os problemas sociais/culturais estão sempre à frente desses acontecimentos, trazendo múltiplas implicações para o crescente número de abortos, bem como a negligência faz com que esses problemas ganhem amplitude. Isso quer dizer que não há como explicar em uma legislação penal todo o contexto histórico e cultural por trás do aborto, e por isso, a criminalização acaba interferindo em uma espera que não deveria. A liberdade de autodeterminação e autorrealização da mulher, é o mesmo que ter o direito à liberdade de escolha. Portanto, deveria limitar a atuação do direito penal com relação às mulheres no caso do aborto, descriminalizando-o, já que esse direito de autodeterminação deveria ser especificamente o direito de decidir se quer ou não ser mãe, uma vez que é um direito fundamental e exclusivo das mulheres. Diante disto, percebe-se que a criminalização do aborto é um fator importante de vitimização das mulheres brasileiras, uma vez que as mesmas se submetem a práticas inseguras e clandestinas em relação a gestações não desejadas e não planejadas. Deve-se ter em mente que cabe à mulher decidir sobre seu próprio corpo, o que é justificado pelos princípios da dignidade humana, da liberdade, da autodeterminação, da saúde e o do reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Portanto, a mulher deve ser liberada da obrigação de ser mãe e da instrumentalização de seu corpo para atingir uma finalidade que não busca, que não deseja, prevalecendo-se a autodeterminação da maternidade. A mulher possui a liberdade 24 de seu corpo e da sua mente e a criminalização do aborto contraria esta liberdade, tratando-a como coisa. Resta claro que as mulheres necessitam de espaço para atuar com autonomia. Referências BENINCASA, Camila Danielle de Jesus. A descriminalização do aborto: uma análise a partir da Criminologia Feminista. São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8161/tde-10082020-172535/pt-br.php. Acesso em: 20 out 2020. DE MELO, Mônica. Direito Fundamental à vida e ao aborto a partir de uma perspectiva constitucional, de gênero e da criminologia. São Paulo, 2018. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21811. Acesso em: 25 out 2020. SANTOS, Jaqueline Araújo dos. De Crime a Direito Humano: Uma Crítica à Criminalização do Aborto. Santa Rita, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/11393?locale=pt_BR. Acesso em: 20 out 2020. TORRES, José Henrique Rodrigues. A Criminalização do Aborto no Brasil. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=BxGou_diwus. Acesso em: 14 out 2020. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8161/tde-10082020-172535/pt-br.php https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21811 https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/11393?locale=pt_BR http://www.youtube.com/watch?v=BxGou_diwus 3. Aspectos Constitucionais do Aborto A QUESTÃO DO ABORTO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
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