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Geografia política, econômica e industrial 49 4 O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial Introdução De modo geral, o Estado é o gestor primeiro da sociedade. Ele é o mediador das regras e da convivência social, pois estabelece critérios de acordo com o contexto his- tórico de cada época. A evolução da sociedade cria necessidades e demandas, como as econômicas, de trabalho, de segurança, de soberania, e as mais diversas exigências sociais. Mas qual seria esse universo periférico do qual nós, como seres sociais organizados, precisamos? Esse universo gerador de necessidades nasce da carência que um Estado tem de crescimento e da quantidade de recursos disponíveis para manter um nível satisfatório de ascensão social e atingir patamares desejados de qualidade de vida ou, como nação, de desenvolvimento econômico. O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial4 Geografia política, econômica e industrial50 Sabemos que o capitalismo é baseado na sociedade de consumo, que busca na explo- ração da mão de obra do trabalhador suas necessidades de capital. Então, os instrumentos periféricos, ou supostamente necessários, estão na divisão do trabalho, como recursos na- turais, reservas minerais estratégicas, mão de obra, matriz energética diversificada e, atual- mente, também por meio de tecnologias limpas. Com esse panorama, neste capítulo, estudaremos elementos conceituais que possam elucidar o quanto é necessário para uma sociedade ter ascensão econômica, garantindo se- guridade social – que é papel do Estado suprir, em um regime baseado na social democracia – e os “satélites necessários”, ou seja, o que está no entorno das demandas ou na periferia. 4.1 Estado e capitalismo As sociedades primitivas, do ponto de vista antropológico, tinham forte relação com o território no começo da organização social humana. Os vínculos de relacionamento entre política, economia e cultura eram transparentes, pois, ao se relacionarem com a natureza, esses indivíduos construíam a história. Tudo era gerido da maneira mais simples, pois as necessidades sociais, dado o nível tecnológico que possuíam, exigiam uma quantidade menor de recursos. Entretanto, já no fim do século XVIII, com o crescimento industrial, a descoberta do pe- tróleo, o uso do carvão mineral como energia, a inserção do aço como produto de desenvol- vimento urbano e o advento da eletricidade, o Estado passa a ter um papel maior na gestão social e de desenvolvimento. Na atualidade, as transformações técnicas e tecnológicas trazem novas demandas ao Estado como gestor, pois, além das demandas sociais, surgem sobretudo as exigências do capitalismo, muito diferente de como ocorria no passado: No Estado antigo, não havia uma sociedade política propriamente dita, porque ele se confundia com a oligarquia de militares e religiosos. No Estado moderno, essa sociedade se expande, primeiro porque agora a classe dominante é ampla, é a burguesia; e segundo porque duas outras grandes classes sociais – a trabalha- dora e a tecno-burocrática – passam gradualmente a ter um peso maior tanto na sociedade civil quanto na nação. (BRESSER-PEREIRA, 2017, p. 162) Na organização primitiva social, a transparência dava condição de uma organização mais equilibrada. Já nos Estados modernos, a burguesia como elemento social, formada majoritariamente por capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção que ex- ploram a mão de obra dos trabalhadores, exerceu uma força dominante muito maior e por muito tempo. Então, o Estado moderno tem responsabilidades sociais, mas é, sobretudo, “a principal e mais abrangente instituição que a sociedade utiliza para definir e buscar o interesse pú- blico, ou, em outras palavras, para promover seus objetivos políticos” (BRESSER-PEREIRA, 2017, p. 164). O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial Geografia política, econômica e industrial 4 51 A robusta caracterização do papel do Estado nos interesses capitalistas faz com que ele, mesmo em uma economia que passe por crises sucessivas, busque equilíbrio entre o certo, como a recuperação econômica, e o justo, que é atender às demandas sociais. Nessa intermediação do Estado com o capitalismo, estão os consumidores. Uma socie- dade falida não tem poder de compra, como comprovado nas inúmeras crises que se suce- deram desde 1929. Surge então a globalização de pessoas, do comércio e de consumo – o comprador. “O consumo, tornado um denominador comum a todos os indivíduos, atribui um papel central ao dinheiro nas suas diferentes manifestações; juntos, o dinheiro e o con- sumo aparecem como reguladores da vida individual” (SANTOS, 2008, p. 99). O Estado, além de suas rotinas administrativas, tem agora um novo elemento a gerir, capacitando a sociedade a ir à compra ou dando a ela condições de poder de compra. Assim, mais uma vez, o Estado é responsável por uma integração entre as demandas sociais, bus- cando implementar políticas públicas e regulagem de mercado, como subsídios a impostos, fiscalização do preço de produtos de necessidades básicas ou incentivos financeiros às em- presas, com o intuito de gerar empregos e capacitar os trabalhadores para o consumo. No Brasil, desde a superação da crise política (redemocratização) e a abertura de merca- do que ocorreu a partir de 1994, os inúmeros governos que se sucederam buscaram melho- rar as condições de trabalho e de renda do brasileiro. Isso ocorreu primordialmente até 2014, quando o salário mínimo passou de US$ 90 (100 reais, em 1994) para aproximadamente US$ 332 (cerca de 724 reais, em 2014). No fim dos anos de 1980, As grandes inovações da Constituição de 1988 centraram-se na construção de uma política social efetiva. Estabeleceu as bases para um desenvolvimento centrado no mercado interno que pudesse ser caracterizado pela justiça so- cial. Assim, esperava-se que os anos [19] 90 fossem marcados pela retomada do crescimento com geração de emprego e distribuição de renda. (DEDECCA, 2005, p. 103) Nesse sentido, após a Constituição de 1988, o Estado brasileiro passou a dar condição a uma poética de justiça social mais aplicada, pois a população carecia de cuidados, no que tange, por exemplo, à geração de novos postos de trabalho. Outrossim, a valorização salarial, garantida na Constituição, é um postulado para me- lhorar não apenas a qualidade de vida dos trabalhadores, explorados pelo capital há déca- das, mas também as condições de consumo, movimentando assim a economia. Entretanto, uma política de proteção social trouxe um agravamento ao Estado brasilei- ro: a indústria forjada em exportação de matérias-primas, commodities agrícolas e minerais não gera empregos como um parque industrial diversificado, com indústrias de transfor- mação e bens de consumo. Essa conjuntura nos aproxima de um colapso econômico, pois a capacidade produtiva atrelada à exportação de matérias in situ, ou seja, na origem e sem beneficiamento, configura-se como uma política de Estado para atender aos interesses es- cusos que não o da demanda social de geração de emprego. Isso resulta em uma economia fragilizada, já que o problema social do país se agrava. Vejamos o seguinte: O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial4 Geografia política, econômica e industrial52 Desprezando os elementos estruturais do problema do emprego, posição que permitia desconsiderar as raízes históricas do problema social no país, a política conservadora assume o discurso e as diretrizes recentes que foram dominan- do as políticas públicas nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nessa perspectiva, o problema de emprego passa a ser, sistematicamente, vinculado ao funcionamento inadequado do mercado de trabalho, explicado pela regula- ção excessiva das relações de trabalho imposta pela proteção social. (DEDECCA, 2005, p. 105) Nesse sentido, as demandas geradas por essa nova configuração e novo ordenamentopolítico do Estado brasileiro, com a Constituição de 1988, proporcionaram garantias sociais, mas de aparato ordinário, pois os contrastes econômicos regionais de norte a sul do Brasil carecem de novos investimentos, novas estruturas. O semiárido nordestino, por exemplo, ainda não tinha e/ou não tem as condições necessárias para propósitos desenvolvimentistas. Essa configuração geográfica de território, com sua vastidão, requer atenção nas políti- cas para sanear o desenvolvimento, pois, para se ter a possibilidade de novas estruturas, é necessário investimento, modernização de estradas, portos, aeroportos, ferrovias e amplia- ção de produção de energias. Desse modo, não basta abrir as portas a investimentos internacionais, ou leiloar a pre- ços irrisórios as riquezas locais, se não houver uma política de seguridade do patrimônio nacional. As áreas de exploração mineral, rios e florestas devem ser geridas pela imposição da legislação federal, com fiscalização diuturnamente. Isso porque o Estado age de maneira desigual, à semelhança das grandes corporações, beneficiando frações do capital. Ele é re- presentado por empreiteiras, multinacionais, investimentos estrangeiros, que, transforma- dos em empresas, têm em suas mãos aberturas de estradas, asfaltamento, uso do solo, orde- namento urbano etc. Esses são exemplos de gerenciamento e aproveitamento do capital; é a forma de o Estado capitalista interferir na planta de desenvolvimento. Desse modo, o Estado, como eixo central nas políticas econômicas de crescimento, tem poder de negociar as demandas de infraestrutura, cabendo às empresas capitalistas a explo- ração de benefícios em busca do lucro. 4.2 Conceituando capitalismo As sociedades coletoras, os povos da floresta (ameríndios), as comunidades indígenas, os aborígenes australianos, entre outros, têm necessidades muito diferentes das sociedades capitalistas. A organização social e as demandas são próprias desses grupos, ou têm pouquíssimas interferências, de modo geral, da sociedade moderna e tecnológica. Cada uma dessas socie- dades cria, a seu tempo, suas demandas organizacionais e em cada época histórica elabora seus sistemas de representações, suprindo necessidades materiais e imateriais. Arraigadas O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial Geografia política, econômica e industrial 4 53 em simbologia e por intermédio da força de seu significado, buscam construir e produzir os elementos necessários à sua própria existência. Você já pescou seu peixe hoje, buscou sua lenha, coletou água, aprovisionou mantimen- tos para seu futuro? Bom, se isso não faz parte do seu cotidiano, é certo que você está inte- grado a uma coletividade urbana, com demandas sociais diferentes das primitivas, vivendo em uma sociedade moderna e globalizada. A globalização é o encurtamento das distâncias relativas em função dos avanços nos meios de transporte, nas tecnologias e nos meios de telecomunicação. Em outras palavras, tudo acontece de maneira muito mais rápida em um mundo globalizado, pois o tempo de desloca- mento é muito diferente do século XVIII, e a comunicação acontece em tempo real, com uso de smartphones, smart TVs, computadores etc. Figura 1 – Contrastes globais da atualidade: enquanto integrantes do povo étnico hadza, na Tanzânia, ainda caçam seu próprio alimento, nas sociedades ocidentais muitas pessoas já pedem suas refeições pela internet. Fonte: alexerich/iStockphoto. Fonte: Dragonimages/iStockphoto. Atualmente, é possível ir ao mercado sem se deslocar muito, economizando tempo e, por vezes, dinheiro. Podemos estar na China, em uma loja virtual, ou comprando um livro nos EUA, já que a comodidade da internet possibilita esse processo. Na área de turismo, podemos transitar livremente pelas ruas de uma metrópole como Londres, percorrer a Cordilheira dos Andes e seguir até os Alpes italianos, pois existem softwares de navegação e realidade virtual, que nos dão uma boa ideia dos muitos lugares que o mundo pode nos oferecer. Assim, estamos integrados pelos avanços sistemáticos da tecnologia computacional de hardware e software, e esse universo globalizado está à disposição da sociedade atual. Nesse sentido, vivemos, então, longe e perto ao mesmo tempo. Podemos dizer que essa diferença histórica acontece, na prática, com as demandas capitalistas na sociedade de consumo, pois estamos inseridos em um mesmo espaço- -tempo. Então: O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial4 Geografia política, econômica e industrial54 a aldeia global tanto no espaço-tempo contraído permitiram imaginar a reali- zação de um sonho só, já que pelas mãos do mercado global, coisas, relações, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre continentes, raças, línguas, religiões, como se as particularidades tecidas ao longo tempo de séculos houves- sem sido esgarçadas, e tudo conduzido ao mesmo tempo homogeneizados pelo mercado global que é regulador. (SANTOS, 2008, p. 41) Percebemos que essa sociedade, agora integrada, faz parte de um todo articulado e fragmentado, mas influenciado pelas condições generalizadas, impostas por um novo jeito de consumo e de visão de mundo. O capitalismo baseado na exploração da mão de obra, nas condições atuais dessa aldeia global, é favorecido pelas facilidades do comércio internacional de mercadorias – como a rapidez na entrega dos produtos – e o acirramento da competição nos mercados mais fragi- lizados, principalmente em países onde não há seguridade social ou nos quais ela é pratica- mente inexistente. Esse sistema aumenta ainda mais as disparidades entre ricos e pobres, espalhando pelo mundo políticas assistencialistas, próprias de um regime de servidão histórico. Desse modo, o Estado contribui para a diferenciação entre as classes, como mediador, exercendo poder de influência e auxiliando financeiramente as classes privilegiadas. Nesse contexto, em oposi- ção ao capitalista, o proletariado: surge como classe antagônica da burguesia. [...] a construção da classe operária acontece em decorrência da constante e crescente exploração por parte da bur- guesia de uma massa de pessoas que, aos poucos, vai tomando a forma de uma classe. O proletariado surge, então, na medida em que passa a possuir interes- ses de classes opostos aos da burguesia. É esse enfrentamento de interesses que acaba fazendo com que vários trabalhadores separados formem uma verdadeira classe social, unida na luta teórica e prática contra os interesses de uma burgue- sia que os explora. (RODRÍGUEZ, 2013, p. 60) O operariado está à serviço do grande capital e dos donos dos meios de produção. Vale lembrar aqui que o capital está dividido em duas formas: capital produtivo e capital especu- lativo. O capital produtivo é aquele que é capaz de gerar novos postos de trabalho, grandes conglomerados industriais, estaleiros na construção de navios e plataformas de petróleo, investimentos em plantas de exploração mineral, parques siderúrgicos, polos tecnológicos e de conhecimento científico, polos automobilísticos e têxteis. Já o capital especulativo inves- te em papel moeda, fundos de pensão, flutuação da bolsa de valores, e é formado em sua maioria por correntistas, que vivem de juros e aplicam seu capital em médio e longo prazo, não trazendo enriquecimento real à nação. Percebemos, então, as profundas diferenças nos modos de exploração, tanto do traba- lhador quanto das oportunidades de negócios que surgem com o capital. Nesse contexto, cabe ainda ao Estado socorrer as grandes empresas quando se instaura uma crise nacional, como ocorreu nos EUA após a “bolha” imobiliária de 2008. O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial Geografia política, econômica e industrial 4 55 4.3 As fases do capitalismo mundial e suas nuances Em 1492, Cristóvão Colombo chega às Antilhas, no Caribe, determinado a explorar um mundo novo e provar a todos que, como homem e navegador,detinha suas convicções e havia de encontrar esse território singular e rico. Desde a chegada do genovês ao que atualmente chamamos de América, muitas contra- dições ocorreram nesse território. A “Terra Rica” foi saqueada, usurpada e muitas tradições até então existentes simplesmente desapareceram, pois os europeus promoveram o extermí- nio das populações que aqui habitavam. A vinda de espanhóis e portugueses à “terra nova” abriu uma janela para o mundo, tanto do ponto de vista do fluxo de mercadorias e pessoas quanto do intercâmbio de povos, promovido voluntariamente ou pela escravização. Já sabemos que o capitalismo se baseia na exploração do trabalhador. Nesse sentido, sua gênese ocorreu justamente no tempo das Grandes Navegações e sua implementação historicamente foi dada em função da necessidade crescente de mão de obra, à medida que novas descobertas tecnológicas foram surgindo. Então, esse modelo evoluiu ao longo do tempo em função da demanda e dos avanços impostos pela sociedade, que o implementa na prática do trabalho. São chamados de fases do capitalismo os períodos em que houve grandes transforma- ções tecnológicas que obrigaram a reforçar a demanda de trabalhadores nas diversas ativi- dades comerciais e industriais, bem como a evolução das formas de obtenção de lucro pelo modelo capitalista instaurado desde o século XIV. Essas etapas ocorreram, na prática, com o ingresso e a exploração de novas matérias- -primas. Podemos citar a descoberta de novos materiais, como o petróleo e o carvão para ge- rar energia, na 1ª Revolução Industrial; o advento das indústrias petroquímicas, nos Estados Unidos; e a melhoria na forja e no tratamento do aço, no fim do século XVIII, após a guerra civil americana. Vejamos o esquema a seguir: Figura 2 – Fases do capitalismo. Grandes navegações Século XV e XVII Portugal e Espanha comandaram o processo ocupação e exploção Transformação social e econô- mica Mais quantidade de produtos maior o lucro, caracterizado pela mais-valia Expansão do mercado de capitais Mais quantidade de produtos maior o lucro, caracterizado pela mais-valia Meio técnico- -científico-infor- macional Globalização: com a disseminação de mercadorias, capitais, serviços, informações, pessoas (tecnologias) Fases do capitalismo Comercial Industrial Financeiro Informacio- nal Fonte: BRESSER-PEREIRA, 2011, p. 10. Adaptada. O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial4 Geografia política, econômica e industrial56 Conforme apresentado na Figura 2, podemos verificar que cada momento histórico, motivado por demandas específicas, foi importante para a formalização e a consolidação do processo do capitalismo mundial. Então, essas etapas tiveram sua importância à sua época, pois o capital, carro-motor do processo de desenvolvimento desde as Grandes Navegações e a Revolução Industrial, possibilitou a transformação pelo uso das tecnologias (cada uma a seu tempo), modificando a sociedade e o modelo de construção de mundo. Assim, temos que: foi essa mudança no significado do conhecimento que tornou o moderno capi- talismo inevitável e dominante e, acima de tudo, a velocidade das mudanças técnicas criou uma demanda por capital muito acima da capacidade de qual- quer artesão. As novas tecnologias também exigiram a concentração da produ- ção e substanciais mudanças na fábrica, então o conhecimento não poderia ser aplicado em milhares de pequenas oficinas individuais, nas indústrias ou nas vilas rurais, pois era exigida a concentração da produção em um mesmo local. (SANTOS, 2008, p. 66) Esse vislumbre capitalista na forma da produção se consolida a partir do momento em que se cria necessidade de consumo. Nos EUA, por exemplo, a utilização do querosene para iluminação das residências, no século XVIII, proporcionou o desenvolvimento da indústria do petróleo, que, por sua vez, pôde ser transportado por uma longa malha ferroviária, abas- tecendo todo o território nos dias atuais. A construção da ponte de Eads, sobre o rio Mississipi, também nos EUA – a primeira ponte totalmente feita em aço – possibilitou a ampliação e modernização das poderosas metalúrgicas estadunidenses e também os primeiros embates entre os industriais e os traba- lhadores, pois as cargas de trabalho eram longas e os salários baixíssimos. Para facilitar a compreensão, vamos esclarecer a seguir os principais pontos dessa evo- lução do processo de desenvolvimento do capitalismo. Na etapa do capitalismo comercial (primeira fase), que ocorreu entre os séculos XV e XVIII, a busca por novos territórios fazia-se necessária e foi de fato formalizada tanto pela Espanha quanto por Portugal, que eram as potências econômicas da época. Buscando o acú- mulo de riquezas, foram estabelecidas novas rotas e trocas comerciais, e a grandeza capital foi preconizada como resultado do fortalecimento desse comércio. O acúmulo de capital foi gerado nas barganhas ou acordos comerciais, sendo o lucro acumulado advindo principal- mente das reservas de ouro e prata. Posteriormente, a Revolução Industrial consolidou-se como a segunda etapa (segunda fase) do capitalismo. A transformação do processo industrial deu condição de melhorias ao processo produtivo, tornando-se fugaz a velocidade de produção, com maiores lucros, for- jada principalmente pelo uso da máquina a vapor movida pela principal energia da época, o carvão mineral. O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial Geografia política, econômica e industrial 4 57 Nessa fase, como em todo sistema capitalista, o trabalhador assalariado e o fim da es- cravidão possibilitaram o surgimento de uma nova classe de consumidor, que dispunha de remuneração como fruto do trabalho, o que melhorou o desempenho do comércio. O desenvolvimento do processo produtivo exigia cada vez mais matérias-primas e energias e abriu novas possibilidades de investimento por parte dos empresários capitalis- tas em novas áreas de exploração comercial. A mão forte do Estado deixou de ser importan- te, seguindo a lógica do mercado. O capitalismo financeiro (terceira fase), já no século XIX, estabeleceu-se com o for- talecimento do segmento industrial e a consolidação das empresas multinacionais com a abertura de capitais. Foram criadas novas estruturas de fomento para investimento e/ou exploração, como as agências bancárias e casas de comércio. Alguns dos fatores que possibilitaram a pujança dessa fase foram a introdução das mo- dernas tecnologias e de novas fontes de energia, como a eletricidade, e a modernização das plantas produtivas nas áreas de siderurgia e petroquímica. Outro fato marcante foi a consolidação da divisão internacional do trabalho. Os terri- tórios ocupados – falar em colônias aqui é um disparato –, cujas riquezas eram roubadas, consolidaram-se como fornecedores de matérias-primas às potências imperialistas, aumen- tando ainda mais os níveis de industrialização dos países desenvolvidos. O capitalismo informacional (quarta fase), período marcado por profundas transfor- mações científicas, aceleradas após a Segunda Guerra Mundial, teve auge a partir da década de 1970, com a Guerra Fria entre os EUA e a URSS. A corrida espacial e as demandas técni- cas e tecnológicas marcaram esse período. Os avanços culminaram em novidades tecnológicas, robótica, informática e microcom- putadores, melhorias genéticas, sistemas de telefonia e telecomunicações e progressos em aviônica e aeronaves, que permitiram o acirramento do processo de globalização. Assim, podemos compreender que as fases do capitalismo se fundamentaram pelo de- senvolvimento de técnicas, cada uma a seu tempo. Elas trouxeram benefícios incomensu- ráveis para a era moderna, mas aprofundaram os contrastes econômicos de alguns países. Esse processo resultou também na globalização da economia, dos costumes, de culturas e, principalmente, no fortalecimento das grandes multinacionais. Com um sistema arraigado na plantaprodutiva mundial, são notórios os contrastes causados pelo capitalismo nas economias. As desigualdades entre países subdesenvolvidos, emergentes e desenvolvidos são aprofundadas, pois estes últimos controlam os preços das tecnologias, influenciam mercados produtores de energias como o petróleo e detêm os me- lhores pesquisadores em todas áreas das ciências. Nesse contexto, a ideia da irreversibilidade da globalização atual é aparentemente reforçada cada vez que constatamos a inter-relação atual entre cada país e o que chamamos de “mundo”, assim como a interdependência, hoje indiscutível, entre a história geral e as histórias particulares. Na verdade, isso também tem a ver com a ideia, O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial4 Geografia política, econômica e industrial58 também estabelecida, de que a história seria sempre feita a partir dos países cen- trais, isto é, da Europa e dos Estados Unidos, aos quais, de modo geral, o presen- te estado de coisas interessa. (SANTOS, 2008, p. 149) Assim, em oposição às potências mundiais, os países subdesenvolvidos e os emergen- tes têm imenso potencial, mas ainda não dispõem, por enquanto, de recursos necessários e de atitudes políticas e econômicas de desenvolvimento centradas na melhoria da qualidade de vida de seu povo. Conclusão Neste capítulo, evidenciamos que o processo de evolução histórica culminou no uso dos diversos tipos de tecnologias, cada uma à sua época, mas o verdadeiro beneficiado foi o capitalismo. Desde a abertura comercial, nas Grandes Navegações, a acumulação de riquezas foi inerente ao emprego dos diferentes tipos de matérias-primas e técnicas e o uso da mão de obra dos povos explorados, fossem eles escravizados ou imigrantes (que, da mesma forma, serviram de mão de obra na construção do capital). O capitalismo foi uma consequência histórica da evolução das sociedades. Na fase co- mercial, foi inerente às trocas comerciais com supremacia da Espanha e de Portugal, fortale- cendo suas riquezas por meio do comércio internacional. Na fase industrial, as relações de produção, emprego de máquinas e energias deram suporte ao acúmulo de capital, com utilização de mão de obra assalariada e com base na mais-valia1. Estudamos também que o processo de globalização foi construído com base nos avan- ços de técnicas e de tecnologias próprias de cada fase do capitalismo. A exploração dos países ocupados a partir da divisão internacional do trabalho, que deu suporte às diferentes fases do sistema capitalista, culminou em avanços nos meios de transporte e nas telecomuni- cações, abrindo possibilidades a uma maior integração comercial e mundial. Com esse pro- cesso global de desenvolvimento, as empresas de capital aberto se expandem cada vez mais. Ampliando seus conhecimentos Vivemos em uma sociedade bombardeada de elementos que nos influenciam na forma de ver e desejar produtos. Mas será que todos os produtos a nós ofe- recidos são necessários? Esse desejo material se reflete na dedicação de nosso tempo ao trabalho, em parte por buscarmos melhores condições de vida ou um “prazer” no ato de consumir. O excerto do texto de Padilha (2000), apresentado a seguir, discute sobre a utilização do “tempo livre” na atualidade. 1 Processo em que o trabalhador usa o tempo de seu trabalho para produzir um número maior de mer- cadorias e receber em troca um salário menor do que o valor agregado ao produto. Essa diferença é apropriada pelo capitalista (empregador) e representa a base desse sistema econômico. O papel político do Estado na periferia do sistema capitalista mundial Geografia política, econômica e industrial 4 59 Breve panorama do mundo de hoje: globalização, centralidade do trabalho e tempo livre (PADILHA, 2000, p. 122) [...] Entende-se que uma sociedade emancipada é aquela que permite a seus membros o livre desenvolvimento sem que eles tenham de sacrificar as próprias vidas em função de interesses que não são diretamente as neces- sidades humanas, coletivas e sociais. Na verdade, homens emancipados são aqueles capazes de identificar os seus próprios interesses e alcançá- -Ios, articulando atividades individuais com necessidades sociais. Partindo desse entendimento e da racionalidade econômica que rege o capitalismo, acredita-se que não pode haver uma sociedade emancipada enquanto o trabalho for extrínseco ao homem, enquanto seu produto per- tencer a um outro e levar o trabalhador à perda de si mesmo; ou seja, não pode haver emancipação sob o universo capitalista. Parece impossível que o homem possa transformar o seu tempo livre em momentos que propiciem uma autêntica liberdade à medida que ele está inserido na sociedade capitalista, cuja lógica de valorização do capital privilegia o produtivismo e o consumismo desenfreados, em detrimento das efetivas necessidades humanas e sociais. Assim, a conquista de um tempo livre potencialmente emancipador depende de uma profunda mudança nas estruturas econômica, política, social e cultural da socie- dade moderna, de forma a ferir esta lógica do capital. Seria preciso, antes de tudo, ultrapassar o reducionismo econômico que direciona as práticas governamentais no mundo todo para que esferas muito mais amplas da vida humana fossem valorizadas. [...] Atividades 1. A navegações do século XV possibilitaram a expansão da Europa. O que esses even- tos determinaram do ponto de vista das relações comerciais? 2. A evolução das riquezas e do capital distribui-se ao longo da história. Caracterize as fases que desenharam cada um desses períodos.
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