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CARLOS JOSÉ TEIXEIRA DE TOLEDO DESCOMPLICANDO O DIREITO ADMINISTRATIVO 2018 Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 2 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Sumário Introdução 1. Administração Pública 2. O regime jurídico-administrativo e os princípios da Administração Pública 3. Poderes da Administração Pública 4. Organização da Administração Pública 5. Atos administrativos 6. Administração Indireta 7. Processo administrativo 8. Licitações 9. Contratos administrativos 10. Bens públicos 11. Serviços públicos 12. Entidades paraestatais e terceiro setor 13. Agentes públicos 14. Restrições ao direito de propriedade 15. Responsabilidade extracontratual do Estado 16. Controle da Administração Gabarito das Questões Objetivas Bibliografia Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 3 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. INTRODUÇÃO UMA questão fundamental e absolutamente legítima pode ser proposta pelo possível leitor dessa obra: Qual a utilidade desse livro? Temos, portanto, o dever de respondê-la, nessa nota introdutória. A ideia de escrevê-lo surgiu dos vinte anos de prática da docência, percebendo a crescente dificuldade das novas gerações em lidar com os tradicionais manuais da disciplina. Alunos cada vez mais jovens e pouco acostumados às leituras densas são obrigados a enfrentar, logo nos primeiros anos do curso de Direito, as exigências de uma disciplina complexa e muitas vezes considerada árida. Nosso intuito não é substituir os mais renomados manuais da disciplina – que, aliás, constam da bibliografia final – mas fornecer um material mais despretensioso e de linguagem acessível, sem notas de rodapé ou citações, permitindo a esses jovens se familiarizar com uma disciplina que está em nosso dia-a-dia. É, pode-se dizer, um aperitivo, que esperamos seja capaz de abrir o apetite para obras mais ambiciosas e sirva como um guia introdutório para o território ainda desconhecido do Direito Administrativo. Todos os anos, faço a mesma pergunta aos alunos: "Qual a primeira coisa que você faz de manhã, após abrir os olhos?" Invariavelmente, me respondem: "acendo a luz do quarto", "lavo o rosto na pia" ou "escovo os dentes". Ao que imediatamente respondo: "nessa primeira hora do dia, ao utilizar os serviços públicos de fornecimento de energia ou de água e esgoto – vocês já estão em contato com o Direito Administrativo. Logo depois, ao sair de casa, vocês entram em contato com a calçada – um bem público – usam o transporte coletivo – um serviço público – ou estão diante da fiscalização de trânsito – o exercício do poder de polícia". Tento mostrar, assim, como o Direito Administrativo está presente em nosso dia-a-dia e que ele pode ser compreendido de forma simples e – conforme propõe o título – descomplicada. Além disso, essa obra também foi pensada para aquele estudante que, ao fim do curso, enfrenta o desafio de passar no Exame da OAB ou em concursos públicos. Ele já tem um conhecimento que está, muitas vezes, adormecido pela distância das aulas de Direito Administrativo. Aqui ele poderá reavivar aquelas informações que estão um pouco borradas na memória e treinar, usando as questões objetivas dispostas ao final de cada capítulo e conferir seu desempenho com o gabarito, que se encontra no final do volume. Pela leitura de tais questões é possível também observar a ênfase que a OAB vem dando a determinados temas, de acordo com a conjuntura jurídica nacional. Percebe-se, por exemplo, que nos últimos exames, os temas relativos aos serviços públicos e ao controle da Administração vêm ganhando importância. Observando e compreendendo essas nuances, o aluno poderá montar sua estratégia de estudo de forma inteligente. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 4 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Ressalto para aquele que está se preparando para a OAB a importância estratégica que nossa disciplina representa, visto que concorre, em igualdade de número de questões, com disciplinas muito mais extensas em conteúdo – como, apenas para citar um exemplo, Direito Processual Civil. Assim, na administração do sempre insuficiente tempo destinado aos estudos, reserve uma parte substancial para o Direito Administrativo, ele fará toda a diferença. Finalmente, espero que esse material sirva também para que o leitor possa compreender a realidade que o cerca, em que, para além do complexo domínio da política e das altas indagações jurídicas, há a aflição de inúmeros problemas cotidianos – a merenda que não chega na escola, o ônibus que atrasa, a multa de trânsito indevidamente aplicada – que podem ser melhor entendidos e enfrentados com as noções essenciais do Direito Administrativo, disciplina que nos ensina como deveria funcionar – e, infelizmente, raras vezes funciona – a Administração Pública. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 5 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1.1. Estado e Administração Pública O Estado pode ser definido como a organização político-jurídica capaz de impor sua vontade a todos os que se situam dentro de um determinado território. E o que seria a Administração Pública? A Administração é uma das facetas da atuação do Estado, que se revela na vida cotidiana daqueles que estão submetidos ao poder estatal. Para entender melhor, vamos analisar as funções do Estado 1.2. Funções estatais As funções estatais podem ser divididas em a) Função legislativa – é a atividade de criação das normas gerais e abstratas a serem seguidas por todos; é desempenhada de forma principal pelo Poder Legislativo. b) Função jurisdicional – é a atividade pela qual se decidem de forma definitiva os litígios referentes à interpretação e aplicação das normas acima mencionadas; é desempenhada de forma principal pelo Poder Judiciário. c) Função administrativa – é a função que nos interessa e que abrange todas as demais atividades desempenhadas pelo Estado; é exercida de forma preponderante pelo Poder Executivo. A função administrativa compreende, portanto, uma variedade enorme de atividades, tais como: tributação, fiscalização e manutenção da ordem pública, prestação de serviços à coletividade, incentivos às atividades consideradas de interesse público, etc. Além disso, também fazem parte dessa função todas as atividades destinadas à manutenção da estrutura estatal, como os cuidados com o patrimônio dos entes públicos, o recrutamento e a disciplina dos agentes estatais, a realização de aquisições e demais contratações que sejam necessárias ao funcionamento da máquina administrativa etc. Acho que já entendemos o que é a função administrativa. Porém, conceituá-la é tarefa dificílima, havendo autores que preferem dizer: é tudo aquilo que não é função legislativa, nem função jurisdicional. Mas é evidente que tal definição não esclarece muito. Portanto, vamos fornecer apenas como suporte para avançarmos em nosso conhecimento, a seguinte definição: Definição: A função administrativa consiste no exercício de poderes, pelo Estado e seus agentes, com a finalidade de: a) satisfazer concretamente os interesses essenciais da coletividade; e b) promover a organização e funcionamento dos órgãos estatais, de molde a possibilitar o exercício de suas atividades. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 6 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. ➢ Atenção! Uma informação importante é que, embora a Constituiçãofaça a separação entre três classes de órgãos, denominados “Poderes” – o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário – essa divisão não coincide de forma absoluta com a divisão de funções já mencionada. Cada “Poder” exerce de forma principal ou típica a função associada a seu nome; porém, pode praticar atos relacionadas a outra função, de forma secundária ou atípica. O Poder Executivo e o Poder Judiciário participam da função legislativa, por exemplo, por meio da iniciativa de leis, conforme previsto na CF. O Poder Legislativo também exerce funções jurisdicionais, ao julgar os crimes de responsabilidade. (CF, art. 52, I e II). Todos os Poderes exercem a função administrativa, na medida em que necessitam se estruturar para desempenhar suas atividades. O Congresso Nacional quando realiza um concurso para servidores; o Tribunal de Justiça quando realiza uma licitação para compra de computadores; o juiz, quando baixa uma norma para disciplinar o horário dos servidores do cartório – todos são exemplos de exercício de função administrativa por autoridades legislativas e judiciárias. 1.3. Definição de Administração Pública O termo Administração Pública pode ter dois sentidos distintos. Podemos definir administração pública (em minúsculas) como o exercício, por agentes estatais, das atividades e tarefas relacionadas à função administrativa (sentido objetivo ou funcional de Administração Pública) Sob um outro ângulo, Administração Pública (com iniciais maiúsculas) significa o conjunto de pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos do desempenho da função administrativa (sentido subjetivo ou orgânico de Administração Pública). 1.4. Diferença entre Administração e Governo Embora tenham uma certa proximidade de significados, devemos diferenciar os conceitos de Governo e Administração, visto que ambas as atividades são parte importante do exercício do poder estatal. ✓ Governo (em sentido subjetivo) é o conjunto de agentes políticos que ocupam de forma transitória o comando da atividade estatal; a Administração (em sentido subjetivo) é estrutura permanente de entidades, órgãos e agentes que desempenham as atividades administrativas. ✓ O Governo (em sentido subjetivo) estabelece os programas, diretrizes, planos e metas; a Administração (em sentido subjetivo) executa-os concretamente. ✓ A atividade governamental (governo, em sentido objetivo) consiste na prática de atos políticos, baseados em competências constitucionais (p. ex., o relacionamento entre Poderes, a atividade diplomática, etc); a administração (em sentido objetivo) consiste na prática de Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 7 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. atividades necessárias ao funcionamento da máquina estatal em seu dia-a-dia (realização de licitações e contratações, prestação de serviços públicos, gestão dos recursos humanos, etc.) ✓ A atividade governamental (governo, em sentido objetivo) será estudada de forma mais detalhada no Direito Constitucional; a função administrativa (administração, em sentido objetivo) é o objeto típico do estudioso do Direito Administrativo. 1.4. Usos da palavra Administração O vocábulo Administração pode ser usado de forma mais específica, para distinguir diversas situações no âmbito da atuação administrativa. Assim, na linguagem do Direito Administrativo, temos as seguintes expressões: Quanto à esfera governamental: • Administração Federal – se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes da União • Administração Estadual - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes dos Estados-membros • Administração Distrital - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes do Distrito Federal • Administração Municipal - se refere à atuação ou às pessoas, órgãos e agentes dos Municípios Quanto à forma como é exercida a função administrativa: • Administração centralizada: quando a função administrativa é exercida diretamente pelos órgãos internos dos entes políticos (ou seja, pelos órgãos internos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios) • Administração descentralizada: quando a função administrativa é exercida por meio da outorga ou delegação de poderes – pode se tratar de uma entidade criada pelo próprio ente político (uma autarquia, por exemplo) ou por um particular (concessionário de serviços públicos, por exemplo). Quanto à forma de organização administrativa: • Administração Direta: expressão consagrada na Constituição, para se referir às estruturas administrativas internas dos entes políticos. • Administração Indireta: expressão que abrange as pessoas jurídicas criadas pelos entes políticos para desempenhar atividades consideradas de interesse público (autarquias, empresas públicas, etc.). Podemos também tornar mais específica a expressão, ao nos referirmos a uma esfera governamental determinada. Por exemplo, ao nos referirmos à Administração Indireta Federal, estamos querendo alcançar apenas as pessoas jurídicas criadas pela União. • Administração autárquica: se refere apenas às entidades referidas como autarquias – figura que explicaremos em outro capítulo. • Administração fundacional: se refere apenas às entidades referidas como fundações Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 8 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. governamentais – figura que também explicaremos mais adiante. 2. O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO E OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 2.1. O interesse público Para entendermos o regime jurídico administrativo - que, conforme veremos é um conjunto normas feitas especialmente para regular a atividade administrativa – é preciso antes que falemos um pouco do interesse público. O interesse público é um termo-chave em nossa disciplina. É um conceito de difícil definição, mas corresponde a ideia de que determinada coletividade – um país, um Estado, uma cidade – pode ser compreendida como um sujeito distinto dos sujeitos que a integram – os indivíduos ou particulares. Daí a concepção de um interesse público (do todo), distinto do interesse particular (das partes componentes daquela coletividade). Porém, é preciso ressaltar que o interesse público nem sempre é contrário ao interesse particular, ou vice-versa. É muito frequente que eles coincidam – por exemplo, uma entidade privada que promove a filantropia está atuando em prol do interesse público. Quando tal coincidência entre o interesse particular e o interesse público existirem, isso favorecerá que o Estado e o particular atuem em colaboração. É preciso mencionar que um famoso doutrinador italiano – RENATO ALESSI – constatou que a ideia de interesse público pode ser desdobrada em duas concepções distintas: • Interesse público primário – que coincide com os interesses maiores da coletividade, aquilo que efetivamente a favorece; e • Interesse público secundário – que diz respeito aos interesses imediatos da entidade estatal, que podem inclusive não ser os mesmos que os da coletividade. Para entender a diferença, basta pensar que, por vezes, as medidas determinadas pelas autoridades estatais – por exemplo, uma política de aumento exagerado de tributos – pode resultar em prejuízo para o interesse geral daquela coletividade, embora imediatamente favoreça os cofres estatais. Trata-se, todavia, de uma discussão que inevitavelmente adentrará o âmbito da política, visto que questionará quais são as medidas e soluções que efetivamente são vantajosas para a coletividade e quais a prejudicam. 2.2. O regime jurídico-administrativo. Em sua concepção contemporânea, a Administração não é um fim em si mesma. Ela é um meio de realizar as necessidades da coletividade. Assim, o poder de que ela dispõe somente pode ser exercidopara satisfazer o interesse público. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 9 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Os poderes ou competências da Administração são, portanto poderes-deveres. Ou seja, são sempre associados ao dever de realizar os interesses maiores da coletividade. Em razão dessa missão da Administração Pública, ela possui um conjunto de princípios e regras destinado a garantir que ela alcançará seus objetivos: é o regime jurídico- administrativo. O regime jurídico-administrativo é um regime diferenciado, feito sob medida para a Administração Pública. Nele, institutos conhecidos no direito comum – isto é, no direito que se aplica a todos os indivíduos – ganham uma nova roupagem. Para entendermos o regime jurídico-administrativo, temos de conhecer dois princípios básicos da atividade administrativa, relacionados à ideia de interesse público: • Princípio da indisponibilidade do interesse público, também referido com princípio da finalidade: tal princípio nos diz que o agente público deve sempre cuidar da realização do interesse público, não se desviando desse caminho. Viola esse princípio, por exemplo, o agente público que usa a viatura oficial para viagem de lazer; ou ainda, o agente que desperdiça recursos públicos com gastos desnecessários e imotivados. • Princípio da supremacia do interesse público: serve para justificar a existência de prerrogativas e privilégios da Administração em relação ao particular. Tendo em vista que o interesse da coletividade é mais importante que o interesse dos indivíduos, costuma-se dizer que, quando presente o interesse público, a Administração se coloca numa posição de superioridade em relação ao particular. Esses princípios estão na raiz de uma série de princípios e regras especiais, aplicáveis à Administração, dando ao regime jurídico-administrativo uma feição muito fácil de reconhecer. Esses princípios e regras se caracterizam de duas formas: • Restrições – princípios e regras restritivos impedem ou dificultam o agente público de atuar com desatenção ao interesse público. Por exemplo: a necessidade de procedimento licitatório para realizar contratações; a necessidade de autorização da lei orçamentária para realizar despesas. • Prerrogativas e privilégios – princípios e regras que dão à Administração um tratamento especial, diferenciado e superior em relação ao particular. Por exemplo: a possibilidade de desapropriar o bem de um particular; o poder de aplicar sanções àqueles que violam as regras de convivência coletiva. Um esquema pode nos auxiliar a memorizar essas informações: Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 10 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Concluindo: Definição: o regime jurídico-administrativo é o conjunto de princípios e regras que, em razão da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, princípios que orientam a atividade da Administração, confere a ela prerrogativas e privilégios e estabelece restrições especiais, diferenciando-a dos demais sujeitos de direito ➢ Atenção! A concepção do regime jurídico-administrativo é a chave de ouro de nossa disciplina, pois por meio dessa ideia podemos compreender a razão de ser de vários institutos do Direito Administrativo. 2.2. Os princípios do Direito Administrativo É inegável a importância do estudo e da compreensão dos princípios em toda e qualquer área do Direito. Isso porque o Direito não se resume às regras, ou seja, aquela espécie de norma jurídica pela qual se pode deduzir de maneira relativamente segura, a prescrição de um comportamento. ➢ Atenção! Os princípios também têm força normativa. Embora tenham um maior grau de abstração do que as regras, eles são mais permanentes que elas e dão consistência e harmonia ao sistema jurídico. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 11 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Do ponto de vista prático, os princípios nos dão pistas, indícios, sobre o conteúdo provável das regras e nos ajudam também a interpretá-las, de maneira que elas sejam coerentes entre si. No Direito Administrativo, isso é ainda mais importante, pois não há uma codificação de normas administrativas. As normas do Direito Administrativo estão na própria Constituição, em leis nacionais e também em leis de cada um dos entes da Federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – pois todos têm competência para legislar sobre suas atividades administrativas. Além disso, existem também as normas infralegais: as resoluções, regulamentos, portarias, produzidas por cada uma dessas Administrações. A harmonização na interpretação e aplicação dessas centenas de normas se faz por meio do estudo e da compreensão dos princípios. Alguns dos princípios que estudaremos são explicitamente mencionados na Constituição Federal, especialmente em seu art. 37. Outros foram positivados em leis infraconstitucionais. E há também aqueles que, embora não constem explicitamente de algum texto normativo, são estudados e utilizados na doutrina e na jurisprudência administrativista. Os princípios mais importantes são os que constam do caput do art. 37 da CF. Eles formam um acróstico que permite nossa melhor fixação: L egalidade I mpessoalidade M oralidade P ublicidade E ficiência 2.2.1. Princípio da legalidade O princípio da legalidade é um princípio geral que se aplica a todos os ramos do Direito, mas que tem um tratamento especial no Direito Administrativo. Ele está consagrado, de modo genérico, no art. 5º da CF/88, aquele que relaciona os Direitos Fundamentais Individuais e Coletivos: “Art. 5º... II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ele estabelece, portanto, uma limitação para qualquer ação que vise restringir a liberdade dos cidadãos, mesmo que tal ação seja realizada pelo próprio Estado. O princípio da legalidade é a coluna fundamental do chamado Estado de Direito, ou seja, a ideia de que o poder só atua legitimamente quanto autorizado pela norma jurídica produzida pelo órgão legislativo competente. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 12 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Para a Administração, ele está previsto no art. 37, caput da CF, que também faz referência a outros princípios. Para o cidadão, a legalidade representa uma garantia de sua liberdade. No Direito Administrativo, ao contrário, ganha uma feição de limitação para a Administração – motivo pelo qual acaba ganhando um apelido: legalidade estrita. Nesta linha, costuma-se dizer que a Administração não apenas deve evitar agir “contra legem” (contrariamente à lei), “ultra legem” (além do que a lei estabelece), mas somente pode agir “secundum legem”, isto é, segundo a lei. A Administração somente pode desenvolver a atividade que a lei lhe autorizar, especialmente quando essa atividade interferir na esfera de liberdade e nos direitos dos indivíduos. Saliente-se que, nesse contexto, estamos sempre nos referindo à lei em sentido formal, ou seja, aquela que é produzida por meio do processo legislativo, disciplinado pela Constituição. Leis em sentido formal, portanto, são as espécies legislativas mencionadas no art. 59 da Constituição Federal – ou seja, emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, resoluções e decretos legislativos. O conceito de lei em sentido formal não abrange normas produzidas por órgãos administrativos,no exercício do chamado poder normativo – fenômeno que será explicado no capítulo seguinte. 2.2.2. Princípio da Impessoalidade O princípio da impessoalidade afirma que a coisa pública – a chamada “res publica” – não deve ser apropriada ou confundida com os interesses dos agentes que transitoriamente exercem função pública. Há dois significados diferentes para esse princípio, sendo que ambos são válidos e se completam: • A impossibilidade de confundir a pessoa jurídica estatal e a pessoa do administrador, promovendo o chamado “culto à pessoa” ou “personalismo” na Administração. Nesse sentido, a CF/88 tem norma expressa, condenando a promoção pessoal das autoridades e servidores públicos (art. 37, § 1º da CF). • O dever de atuação imparcial do administrador público, que não pode estabelecer diferenças injustificáveis entre os cidadãos, seja para favorecer, seja para prejudicar. Trata-se, por tanto, de uma decorrência de um princípio mais amplo, o princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput e inciso I da CF/88. 2.2.3. Princípio da moralidade administrativa Toda atuação administrativa, além de ser legal, deve ser moral. Essa afirmação é necessária porque, muitas vezes, em um ato sob a aparência de legalidade, se esconde uma intenção que nada tem a ver com a realização do interesse público. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 13 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Por essa razão a doutrina e a jurisprudência administrativista acabaram por consagrar a ideia de moralidade administrativa como um "algo mais" que complementa o princípio da legalidade, de maneira a garantir que a atuação da Administração não se desvie de seu objetivo maior: a satisfação do interesse público. A moralidade administrativa está relacionada aos conceitos de atuação ética, honestidade, boa-fé, lealdade e probidade no trato da coisa pública. Tal princípio tem sido muito importante para o controle dos atos da Administração pelo Poder Judiciário, especialmente aqueles que são dotados de discricionariedade – cujo conceito abordaremos no capítulo seguinte. Pode-se observar, no atual momento em que o país vive um clima de combate às práticas corruptas, que muitas vezes as decisões governamentais – por exemplo, em que obra e em que região deve ser realizado um investimento público, quais serão os incentivos para determinados setores econômicos, que empresas devem receber empréstimos de bancos estatais – não são guiadas pelo interesse público, mas pelo suborno e trocas de favores entre agentes públicos e particulares. A Constituição também determina a punição dos agentes públicos pelos atos de improbidade administrativa, expressão que geralmente é associada à ideia de mau uso dos recursos públicos (vide art. 37, § 4º da CF e Lei nº 8.429/92). Além disso, permite que qualquer cidadão proponha ação popular, remédio constitucional que visa anular ato lesivo a bens e valores relevantes para a coletividade: o patrimônio público, a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural (art. 5º, LXXIII da CF/88). O princípio da moralidade – bem como o correlato princípio da impessoalidade – foram os fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para a edição da Súmula Vinculante nº 13, que proibiu a prática do “nepotismo” na Administração Pública, assim redigida: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. 2.2.4. Princípio da publicidade Por cuidar dos interesses da coletividade, o administrador público deve atuar com transparência. Essa é a expressão que melhor traduz o que é o princípio da publicidade. Na Administração Pública, a publicidade é a regra. Somente pode haver atos e atividades secretas em situações previstas na própria Constituição, como o resguardo da privacidade do cidadão (art. 5º, X) – por exemplo, no sigilo das informações fornecidas ao Fisco – e em questões relacionadas à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII). Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 14 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Por essa razão, todo cidadão têm o direito de conhecer as informações que a Administração possua a seu respeito, bem como aquelas referentes ao bem-estar da coletividade (art. 5º XXXIII e XXXIV). A recusa em prestar essas informações pode ser objeto de remédios judiciais previstos na própria Constituição: o habeas data, para obter ou retificar informações sobre o próprio interessado (art. 5º, LXII) ou o mandado de segurança, quando se tratar de informações de interesse coletivo (art. 5º, LXIX). Recentemente, tivemos a promulgação de uma importante lei que busca dar maior efetividade a essa ideia de transparência – trata-se da Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso às Informações Públicas ou Lei da Transparência. Essa lei estabelece mecanismos de: • transparência ativa – isto é, em que a Administração tem o dever de divulgar determinados atos, especialmente pela internet (art. 8º), independentemente de requerimento ou provação; e • transparência passiva – que consiste no dever de atender aos pedidos de informação requeridos por qualquer cidadão, disponibilizando estrutura dedicada para essa finalidade (os Serviços de Informação ao Cidadão – SIC) – arts. 9º a 14 da lei. A lei também regulamenta as situações de sigilo no tocante às informações pessoais – que em regra, devem ser preservadas por 100 (cem) anos – e para as demais hipóteses de sigilo estabelece um sistema de classificação das informações sigilosas em três categorias (art. 23): a) ultrassecreta – prazo máximo de sigilo por 25 (vinte e cinco) anos; b) secreta – prazo máximo de sigilo por 15 (quinze) anos; c) reservada – prazo máximo de sigilo por 5 (cinco) anos. 2.2.5. Princípio da eficiência Esse princípio foi inserido no texto constitucional pela Emenda Constitucional nº 19/98 (conhecida como Emenda da Reforma Administrativa). Ele determina que a Administração atue de maneira adequada, com economia de meios e com a agilidade necessária, de modo a atender de forma efetiva os interesses da coletividade. A lentidão, a omissão, o desperdício de recursos públicos, a falta de planejamento, são atitudes que ofendem a esse princípio. No plano mais prático, esse princípio está relacionado a outras mudanças introduzidas na CF/88 pela Reforma Administrativa. São elas: ✓ a criação do contrato de gestão e das Agências estatais (art. 37, § 8º); ✓ a perda de estabilidade pelo mau desempenho do agente público (art. 41, § 1º, III); Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 15 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. ✓ o controle social da Administração Pública (art. 37, § 3º); ✓ a criação de escolas de formação e aperfeiçoamento de agentes públicos (art. 39, § 2º); ✓ a aplicação de recursos em programas de produtividade e qualidade no serviço público (art. 39, § 7); ✓ o limite de gastos com pessoal, como forma de atuação fiscal responsável (art. 169). Ele também tem sido invocado para justificar a criação de novas figuras jurídicas, que buscam dar mais agilidade e economia à Administração. Duas figuras instituídas após a EC 19/98 exemplificam essa tendência: a licitação por pregãoe as parcerias-público-privadas (PPPs). 2.2.6. Princípio da autotutela Trata-se de princípio implícito – visto que, conforme já dissemos, nem sempre os princípios são explicitados no direito positivo. Por esse princípio, a Administração pode corrigir e rever os seus próprios atos, para adequá-los à legalidade ou para que eles melhor atendam ao interesse público. Assim, a anulação ou revogação de um ato da Administração não depende de uma decisão judicial. Está entre os poderes da Administração, o poder de zelar pela regularidade jurídica e pela adequação de seus atos ao interesse da coletividade. Nesse sentido, é muito citada a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Esclareça-se que a possibilidade de exercício da autotutela não é absoluta e eterna, pois, conforme veremos ao estudar o desfazimento dos atos administrativos, haverá situações que se tornam consolidadas pelo tempo. 2.2.7. Princípio da presunção de legalidade e veracidade dos atos administrativos Diz-se que os atos praticados pela Administração gozam de “fé pública”, ou seja, há uma presunção jurídica de que a atuação administrativa sempre é conforme à legalidade e condizente com a verdade dos fatos. Trata-se de uma presunção relativa (presunção juris tantum). Ou seja, o cidadão pode desfazer o ato ilegal ou corrigir uma afirmação falsa realizada pela Administração. Porém, em Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 16 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. vista dessa presunção, cabe a ele o ônus de provar que a Administração se equivocou ou produziu ato desconforme à lei. 2.2.8. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade O princípio da razoabilidade nos diz que a atuação administrativa deve estar baseada no bom- senso, na prudência, na coerência ao espírito e à finalidade da lei. Ofenderia a razoabilidade, por exemplo, a exigência de autoridade fiscal de que o cidadão portasse nota fiscal de todos os bens pessoais – roupas, relógio, celular – que utiliza no seu dia-a-dia. Semelhante à razoabilidade – segundo alguns doutrinadores, até se confundindo com ela – é o princípio da proporcionalidade, que se refere à adequação entre meios e fins na atividade administrativa. Atuação proporcional é atuação na justa medida, sem exageros ou omissões. Alguns exemplos de ofensa a esse princípio: a realização de obra dispendiosa, desproporcional ao benefício que trará à comunidade; ou a aplicação de pena de demissão de um servidor por uma falta corriqueira, que poderia ser apenada apenas com uma advertência. Esse princípio tem sido utilizado especialmente no exame judicial de medidas estatais que venham a afetar direitos fundamentais do cidadão. Inspirado em doutrina e jurisprudência alemã, nossos Tribunais têm desdobrado a análise desse princípio em três critérios: a) adequação – indaga-se se a medida é adequada para obter o resultado pretendido; por exemplo, uma ordem da autoridade administrativa que exigisse que os cidadãos utilizassem um amuleto esotérico não seria adequada para prevenir assaltos; por sua vez, uma medida que proibisse as pessoas de sair de casa resultaria em uma diminuição efetiva dos assaltos – embora não passasse nos outros crivos adiante explicados; b) necessidade – aqui, verifica-se se a medida adotada pode ser substituída por outra igualmente eficiente, mas que resulta em menor sacrifício de direitos; ainda no exemplo adotado acima, o aprimoramento na atividade policial pode ser igualmente eficiente para prevenir assaltos – ou até mais, visto que as pessoas não são assaltadas apenas nas ruas – com menor sacrifício do direito de ir e vir. c) proporcionalidade em sentido estrito – por esse critério, ainda que se verifique que a medida é adequada e necessária, faz-se uma verificação do equilíbrio entre o benefício obtido pela medida estatal e o custo que ela ocasionará em relação aos direitos afetados; assim, ainda que se admita que a proibição de sair às ruas seja a medida mais eficiente possível para prevenir assaltos, é certo que a restrição tornará a vida dos cidadãos impossível, o que demonstrar a sua desproporcionalidade. Esses princípios serão especialmente importantes na condução do processo administrativo, sendo que a Lei 9.784/99 (Lei Federal de Processos Administrativos) reconheceu expressamente a existência desses princípios, em seu art. 2º. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 17 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 2.2.9. Princípio da motivação Esse princípio complementa o princípio da publicidade, na medida em que exige que o agente público, ao praticar o ato, exteriorize os motivos de sua decisão. A motivação do ato permite seu melhor controle, evitando que se pratiquem atos por motivos ilegais ou imorais. Por essa razão a Lei 9.784/99 (Lei Federal de Procedimentos Administrativos), em seu art. 50, relacionou uma série de atos administrativos, cuja motivação é obrigatória. Nesses casos, a falta da motivação levará à nulidade do ato. Vale a pena dar uma lida nesse artigo: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de ofício; VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. § 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. § 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito. 2.2.10. Princípio da continuidade O princípio da continuidade nos diz que as atividades da administração não podem ser interrompidas, devendo atender as necessidades da coletividade, enquanto essas existirem e com a urgência que a situação exija. Esse princípio está na base de algumas regras importantes do Direito Administrativo, como: ✓ a maior limitação do direito de greve dos servidores públicos (art. 37, VII da CF), que é considerada norma de eficácia limitada e cuja regulamentação deve preservar os serviços essenciais à população; ✓ as restrições à paralisação da execução de contratos firmados entre particular e a Administração e o dever que o contratado particular tem de tolerar, durante certo tempo, a inadimplência do ente administrativo (Lei 8.666/93 – Lei de Licitações, art. 78, incisos XIV e XV); Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 18 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. ✓ o poder que a Administração tem de intervir nos seus contratados para garantir a continuidade das atividades e serviços públicos (Lei 8.666/93 – Lei de Licitações, art. 58, V; Lei 8.987/95 – Lei de Serviços Públicos, art.32); ✓ a impossibilidade de penhora ou qualquer outra constrição dos bens que estejam sendo utilizados na prestação dos serviços públicos (art. 100 da CF/88 – regime de precatórios para execução de dívidas). 2.2.11. Princípio da segurança jurídica e proteção à confiança legítima O princípio da segurança jurídica visa preservar a estabilidade e a certeza no tocante às relações jurídicas e as regras que as norteiam. Correlato ao princípio da segurança jurídica é o princípio da proteção à confiança legítima, pelo qual a Administração deve se conduzir de forma coerente e com lealdade, preservando as expectativas que criou em particulares que estão de boa-fé. Exemplos de aplicação desses princípios no âmbito administrativo: ✓ Respeito aos direitos adquiridos, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI da CF); ✓ A vedação a aplicação retroativa de nova interpretação, em prejuízo do Administrado (art. 2º, XIII da Lei n. 9.784/99). ✓ A impossibilidade de anular atos favoráveis ao administrado de boa-fé, após determinado tempo (art. 54 da Lei n. 9.784/99). ✓ A observância obrigatória, pela própria Administração, das regras estabelecidas em editais de procedimentos competitivos, tais como as licitações e os concursos públicos. QUESTÕES DE PROVAS ANTERIORES DA OAB: 1. Assinale a opção correta com relação aos princípios que regem a administração pública: a) Não ofende o princípio da moralidade administrativa a nomeação de servidora pública do Poder Executivo para cargo em comissão em tribunal de justiça no qual o vice-presidente seja parente da nomeada. b) A administração pública pode, sob a invocação do princípio da isonomia, estender benefício ilegalmente concedido a um grupo de servidores a outro grupo que esteja em situação idêntica. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 19 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. c) Ato administrativo não pode restringir, em razão da idade do candidato, inscrição em concurso para cargo público. d) O Poder Judiciário pode dispensar a realização de exame psicotécnico em concurso para investidura em cargo público, por ofensa ao princípio da razoabilidade (OAB/SP – Exame 136) 2. Acerca dos princípios de direito administrativo, assinale a opção incorreta. a) Tanto a administração direta quanto a indireta se submetem aos princípios constitucionais da administração pública. b) O rol dos princípios administrativos, estabelecido originariamente na CF, foi ampliado para contemplar a inserção do princípio da eficiência. c) O princípio da legalidade, por seu conteúdo generalizante, atinge, da mesma forma e na mesma extensão, os particulares e a administração pública. d) Embora vigente o princípio da publicidade para os atos administrativos, o sigilo é aplicável em casos em que este seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (OAB/SP – Exame 137) 3. De acordo com o Art. 2º, inciso XIII, da Lei n. 9.784/98, a Administração deve buscar a interpretação da norma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa da nova interpretação. Assinale a alternativa que indica o princípio consagrado por esse dispositivo, em sua parte final. a) Legalidade. b) Eficiência. c) Moralidade. d) Segurança das relações jurídicas. (OAB 2012/3) Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 20 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 3. PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA É comum que na linguagem jurídica haja referência aos “poderes da Administração Pública”. Na verdade, o poder do Estado é uno e baseado na Constituição. Porém, há diversas manifestações do poder estatal e, quando ocorrem no exercício da atividade administrativa, acabam ganhando o nome de “poderes da Administração”. Vejamos algumas dessas manifestações: 3.1. Poder normativo É o poder conferido a autoridades administrativas de editar normas de caráter derivado, que complementem ou explicitem os comandos da lei em sentido formal. Essa atribuição é feita pela Constituição ou pela própria lei, tendo em vista a impossibilidade de que as normas editadas pelo Poder Legislativo sejam capazes de prever e disciplinar todas as situações que necessitem de algum regramento pelo Poder Público. Basta pensar, como exemplo, que se o Código de Trânsito Brasileiro – Lei nº 9.503/97 – tivesse disciplinado de forma exaustiva sobre os equipamentos de segurança obrigatórios nos veículos, tal norma hoje já estaria obsoleta, visto que a indústria automobilística evoluiu nesse período. Daí que a lei atribuiu a um órgão administrativo – o Conselho Nacional de Trânsito – a produção de normas complementares sobre a matéria. Uma forma especial de poder normativo é o poder regulamentar que a Constituição Federal atribui ao Chefe do Poder Executivo (art. 84, IV), para que ele edite regulamentos para a “fiel execução” das leis. Esses regulamentos são editados na forma de Decretos e geralmente a própria lei estabelece a necessidade de sua regulamentação pelo Executivo, pois nem toda a lei depende de regulamentação para produzir efeitos. Tanto os regulamentos editados pelo Executivo como as demais normas – resoluções, portarias, deliberações – produzidas por outras autoridades administrativas estão sujeitas a determinados requisitos de produção: ✓ necessidade de competência legal do emissor da norma; ✓ validade condicionada às normas que lhe são superiores (análise de validade que deve ser feito inclusive perante a lei em sentido formal e perante a própria Constituição); ✓ possibilidade de controle pelo Poder Judiciário; ✓ respeito aos princípios da moralidade, proporcionalidade e razoabilidade no exercício da atividade normativa. ➢ Atenção! Um aspecto controverso do tema é a existência de regulamentos autônomos no nosso ordenamento. Esse tipo de regulamento dispensa a existência prévia de lei para atuação normativa do Chefe do Executivo e é figura comum em alguns ordenamentos jurídicos, em que o princípio da legalidade estrita não é interpretado da mesma forma que no Direito Brasileiro. Nossa Constituição prevê a Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 21 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. possibilidade de disciplina de matéria diretamente por decreto apenas nas hipóteses contidas no art. 84, IV, alíneas a e b, introduzidos pela EC 32/2001: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. A maioria dos autores, todavia, não entende que tais hipóteses constituam, realmente, situações de regulamentação autônoma, pois visam a disciplinar aspectos internos da Administração Pública, não contendo prescrições vinculantes para o cidadão comum. 3.2. Poder discricionário A chamada discricionariedade não é propriamente um poder. Trata-se de uma característica presente em determinados atos, cuja produção pressupõe certa liberdade do agente público, na escolha de meios de praticá-lo, de maneira a atingir de forma mais adequada e eficiente o interesse público. Em razão dessa característica, consagrou-se a classificação que distingue os atos administrativos em dois tipos: os atos vinculados e os atos discricionários. Há vinculação quando a lei já define antecipadamente a decisão a ser tomada no caso concreto, sendo que o agente administrativo apenas aplica a norma, numa atividade meramente mecânica. Um exemplo de ato vinculado é aplicação de uma multa de trânsito, pois todos os elementos necessários para a realização do ato sancionatório já estão previstos no Código de Trânsito Brasileiro– a conduta infracional, o valor da multa, o procedimento para aplicá-la, etc. Observe que, nesses casos, se os agentes descumprirem aquilo que a lei determina, o ato será inválido. Quando há discricionariedade, ao contrário, a lei deixa ao agente uma margem de escolha, para que ele adote a solução mais adequada ao interesse público. Essa margem de escolha costuma ser denominada de mérito do ato, e compreende as razões de conveniência e oportunidade que justificam a decisão adotada. Um exemplo bem claro de discricionariedade é a escolha de uma pessoa para assumir um cargo de confiança – Ministro de Estado, por exemplo. Somente o Presidente da República é que pode avaliar quem é a pessoa mais indicada para assumir tal cargo (conveniência). Também compete ao Presidente analisar o momento adequado para nomeá-lo (oportunidade). Falaremos um pouco mais do assunto, quando estudarmos o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 3.3. Poder hierárquico Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 22 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. A hierarquia é uma exigência prática para o funcionamento de qualquer estrutura administrativa. Implica na existência de vários níveis de órgãos: órgãos de comando, de assessoramento, de execução, todos devendo trabalhar de forma coordenada, sendo que uns são subalternos a outros. Assim, o superior exerce o poder hierárquico sobre seu subordinado, que por sua vez tem o dever de obediência a seu superior. Cabe ressaltar que esse dever não é superior à ideia de legalidade, não sendo o subordinado obrigado a obedecer a ordens manifestamente ilegais de seus superiores. A insubordinação de um agente público ao seu superior é falta disciplinar que, dependendo da gravidade, pode levar à demissão do servidor – vide, nesse sentido, o art. 132 da Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União). Além de comandar, fiscalizar e corrigir os atos do subordinado, o poder hierárquico também pressupõe o poder de delegar e avocar atribuições. A Lei Federal de Procedimentos Administrativos – Lei 9.784/99 – trata o assunto de forma bem clara, em seus artigos 11 a 15. Vale a pena transcrevê-los, pois são autoexplicativos: Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos. Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes. Art. 13. Não podem ser objeto de delegação: I - a edição de atos de caráter normativo; II - a decisão de recursos administrativos; III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade. Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial. § 1o O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada. § 2o O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante. § 3o As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 23 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior. 3.4. Poder disciplinar É o poder de apurar faltas e impor sanções àquelas pessoas que possuem um vínculo especial com a Administração, em razão da atividade administrativa: servidores públicos, contratados, concessionários, alunos de escolas públicas, crianças e adolescentes sob tutela estatal, etc. Como qualquer atividade sancionatória, o poder disciplinar está sujeito a regras de exercício e especialmente, à observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório, garantias constitucionais do acusado (art. 5º, LV da CF) Em razão disso, não existe mais a possibilidade de aplicação imediata de sanções, conforme se praticou antes da CF/88, na chamada prática processual da “verdade sabida” (ou seja, constatada diretamente pelo aplicador da sanção e sem oportunidade de defesa ou contraprova pelo acusado). A atuação disciplinar também está sujeita aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, já mencionados. 3.5. Poder de polícia administrativa É o nome dado à atuação das autoridades administrativas no sentido de limitar a atividade dos particulares, visando à manutenção da ordem pública e o bem-estar coletivo. A finalidade da polícia administrativa é evitar os danos decorrentes do exercício abusivo dos direitos pelos particulares, visto que os direitos e faculdades estabelecidos de forma abstrata no ordenamento devem ser harmonizados em sua fruição concreta pelos indivíduos. Assim, temos direito de escutar música em nosso carro; porém foge do razoável que ouçamos música em altíssimo volume, com todas as portas do veículo abertas, obrigando toda a vizinhança a permanecer acordada. Devemos distinguir a polícia administrativa da atividade de polícia judiciária, pois embora ambas sejam importantes atividades estatais, voltadas à manutenção da ordem pública, há várias diferenças entre elas: Polícia Administrativa Polícia Judiciária Autoridade que exerce Qualquer autoridade administrativa competente Membros das corporações policiais Atos reprimidos Ilícitos administrativos Crimes e contravenções penais Processo a ser instaurado Processo administrativo Ação penal Incidência sobre Bens, direitos e atividades Pessoas Ramo do Direito Direito Administrativo Direito Penal Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 24 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 3.5.1. Obrigações decorrentes da polícia administrativa Para exercício efetivo da polícia administrativa, a Administração Pública impõe diversos tipos de obrigação: ✓ obrigação de não-fazer – p. ex. a proibição de fumar em determinados ambientes. ✓ obrigação de fazer – p. ex. a obrigatoriedade da instalação de equipamentos de segurança nas edificações. ✓ obrigação de deixar-fazer (ou suportar), também denominadas sujeições – p. ex. o dever de permitir o abate de animais contaminados por uma epidemia; o dever de suportar a vistoria em veículo automotor, para fins de controle ambiental. Convém reiterar que a atuação da autoridade administrativa não tem o condão de criar concretamente, para o particular, obrigações que não estejam abstratamente previstas em lei, sob pena de ofender o princípio da legalidade, já referido. 3.5.2. Medidas de polícia administrativa Uma vez que os particulares descumpram as ordens emanadas pela Administração Pública, surgem medidas destinadas a reparar a ordem jurídica lesada. São elas: ✓ Medidas coativas ou cautelares: são providências imediatas adotadas pela autoridade pública, usando de força, se necessário, para fazer cessar a conduta irregular. P. ex. a apreensão de equipamentos destinados à caça ou à pesca ilegal; o embargo de uma obra irregular; a destruição de produtos contaminados, etc. ✓ Sanções: são penalidades aplicadas ao infrator, de maneira a desestimular condutas danosas à coletividade. P. ex.: multados infratores de trânsito; cassação da licença para praticar determinada atividade; perda de bens utilizados para práticas ilegais, etc. Para que sejam impostas, as sanções devem estar expressamente previstas em lei, que deve conter em linhas gerais os critérios e o procedimento da punição. Imprescindível que antes da aplicação da sanção seja dado ao acusado o direito de ampla defesa e que o procedimento sancionatório respeite o princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). Observe-se que, para a aplicação das medidas coativas ou cautelares – ao contrário da aplicação das sanções – não é necessária a abertura de oportunidade prévia de defesa, pois tais medidas consistem em verdadeiras "tutelas de urgência" do Direito Administrativo. 3.5.3. Atributos da polícia administrativa São geralmente citados como atributos da polícia administrativa: Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 25 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. • Discricionariedade: é comum, que ao disciplinar o exercício das atividades de polícia administrativa, a lei conceda ao agente público certa margem de escolha para que ele, avaliando a situação concreta, adote a providência mais adequada – por exemplo, confiando ao agente a gradação da multa a ser aplicada, em vista da gravidade da infração. Ressalte-se que a discricionariedade não é a regra absoluta, pois a lei também pode definir exatamente a conduta que espera do agente público, sem permitir escolhas por parte deste. • Coercibilidade: o particular é obrigado a obedecer aos comandos dados pela Administração no exercício da polícia administrativa, sob pena de sofrer responsabilização penal pela resistência ao exercício dessa autoridade. • Autoexecutoriedade: é a possibilidade que a Administração tem de realizar concretamente sua vontade, mesmo com a oposição do particular e sem a necessidade de intervenção da autoridade judicial. Exemplo: a apreensão de alimentos impróprios para consumo; a interdição de estabelecimentos destinados a práticas ilícitas, etc. 3.5.4. Princípios condutores da atividade de polícia administrativa Ao exercer o poder de polícia, a Administração deve observar: ✓ tipicidade: embora haja autores que afirmem não existir tipicidade na atividade sancionatória administrativa – de maneira a diferenciá-la das sanções do Direito Penal – não há dúvida de que a lei deve prever, de maneira minimamente previsível, qual a conduta que pode ser considerada como infração e quais as medidas coativas e sanções aplicáveis no exercício do poder de polícia. Isso é decorrência do princípio da legalidade estrita. ✓ necessidade e eficácia: a adoção de uma medida de polícia administrativa deve ser justificada pela necessidade de se evitar um dano real à coletividade e devem ser empregados os meios mais eficazes e que menor sacrifício causem aos indivíduos. ✓ proporcionalidade e razoabilidade: a Administração deve se pautar pelo bom senso e pela moderação ao restringir a liberdade de atuação dos particulares. O uso desproporcional das medidas de polícia pode configurar o chamado abuso de poder por parte da autoridade pública – ou sejas, condutas penalmente tipificadas, nos termos da Lei nº 4.898/65. 3.5.5. Licença e autorização de atividade Dentre as práticas mais comuns da polícia administrativa está a emissão de atos destinados a regular de maneira prévia o exercício de atividades pelos particulares. São eles: Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 26 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. ✓ Autorização de atividade: é o ato unilateral, discricionário e precário por meio do qual a Administração concede ao particular a possibilidade de exercer determinada atividade. Geralmente a atividade em questão pode resultar em algum incômodo ou perigo para a coletividade e, por essa razão, a lei atribui à autoridade pública a avaliação das circunstâncias, decidindo sobre a conveniência e oportunidade para deferir o seu exercício. O ato é precário – isto é, pode a qualquer tempo ser revogado – pelas mesmas razões. Por exemplo: a autorização para porte de armamento. ✓ Licença: é o ato unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade. Aqui, o ato é vinculado, ou seja, todo aquele que preencher os requisitos da lei tem o direito a emissão da licença pela Administração, que não poderá recusá-la. Por exemplo: a licença para conduzir veículo, uma vez que o particular tenha cumprido os requisitos, sendo aprovado nos exames previstos em lei. QUESTÕES DE PROVAS ANTERIORES DA OAB: 1. No que se refere aos poderes dos administradores públicos, assinale a opção correta. a) O poder de polícia somente pode ser exercido de maneira discricionária. b) O poder disciplinar caracteriza-se pela discricionariedade, podendo a administração escolher entre punir e não punir a falta praticada pelo servidor. c) Uma autarquia ou uma empresa pública estadual está ligada a um estado-membro por uma relação de subordinação decorrente da hierarquia. d) No exercício do poder regulamentar, a administração não pode criar direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas, devendo limitar-se a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida. (OAB – Nacional – Prova 2008/2) 2. Assinale a opção correta quanto aos poderes e deveres dos administradores públicos. a) O poder regulamentar é exercido apenas por meio de decreto. b) O poder de delegação e o de avocação decorre do poder hierárquico. c) A possibilidade de o chefe do Poder Executivo emitir decretos regulamentares com vistas a regular uma lei penal deriva do poder de polícia. d) O poder discricionário não comporta nenhuma possibilidade de controle por parte do Poder Judiciário. (OAB - Nacional – Prova 2006/3) Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 27 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 3. A doutrina costuma afirmar que certas prerrogativas postas à Administração encerram verdadeiros poderes, que são irrenunciáveis e devem ser exercidos sempre que o interesse público clamar. Por tal razão são chamados poder-dever. A esse respeito é correto afirmar que: a) o poder regulamentar é amplo, e permite, sem controvérsias, a edição de regulamentos autônomos e executórios. b) o poder hierárquico é inerente à ideia de verticalização administrativa, e revela as possibilidades de controlar atividades, delegar competência, avocar competências delegáveis e invalidar atos, dentre outros. c) o poder disciplinar importa à administração o dever de apurar infrações e aplicar penalidades, mesmo não havendo legislação prévia. d) o poder de polícia se coloca discricionário, conferindo ao administrador ilimitada margem de opções quanto à sanção a ser, eventualmente, aplicada. (OAB – Nacional – Prova 2010/2) 4. O poder de polícia, conferindo a possibilidade de o Estado limitar o exercício da liberdade ou das faculdades de proprietário, em prol do interesse público a) gera a possibilidade de cobrança, como contrapartida, de preço público. b) se instrumentaliza sempre por meio de alvará de autorização. c) afasta a razoabilidade, para atingir os seus objetivos maiores, em prol da predominância do interesse público. d) deve ser exercido nos limites da lei, gerando a possibilidade de cobrança de taxa. (OAB – Nacional – Prova 2010/2) 5. José da Silva é o chefe do Departamento de Pessoal de uma Secretaria de Estado. Recentemente, José da Silva avocou a análise de determinada matéria, constante de processo administrativo inicialmente distribuído a João de Souza, seu subordinado, ao perceber que a questão era por demais complexa enão vinha sendo tratada com prioridade por aquele servidor. Ao assim agir, José da Silva fez uso a) do poder hierárquico. b) do poder disciplinar. c) do poder discricionário. d) da teoria dos motivos determinantes. (OAB – Nacional - Prova 2014/1) Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 28 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 6. Determinado município resolve aumentar a eficiência na aplicação das multas de trânsito. Após procedimento licitatório, contrata a sociedade empresária Cobra Tudo para instalar câmeras do tipo “radar que fotografam infrações de trânsito, bem como disponibilizar agentes de trânsito para orientar os cidadãos e aplicar multas. A mesma sociedade empresária ainda ficará encarregada de criar um Conselho de Apreciação das multas, com o objetivo de analisar todas as infrações e julgar os recursos administrativos. Sobre o caso apresentado, assinale a afirmativa correta. a) É possível a contratação de equipamentos eletrônicos de fiscalização, mas o poder decisório não pode ser transferido à empresa. b) Não é cabível a terceirização de qualquer dessas atividades, por se tratar de atividade , por se tratar de atividade-fim da Administração. c) A contratação é, a princípio, legal, mas somente permanecerá válida se o município comprovar que a terceirização aumentou a eficiência da atividade. d) Não é possível delegar a instalação e gestão de câmeras do tipo “radar” à empresa contratada, mas é possível delegar a criação e gestão do Conselho de Apreciação de multas. (OAB Nacional – 2015/1) 7. A pretexto de regulamentar a Lei nº 8.987/1995, que dispõe sobre a concessão e a permissão de serviços públicos, o Presidente da República editou o Decreto XYZ, que estabelece diversas hipóteses de gratuidade para os serviços de transporte de passageiros. A respeito da possibilidade de controle do Decreto XYZ, expedido pelo chefe do Poder Executivo, assinale a afirmativa correta. a) Como ato de natureza essencialmente política, o Decreto XYZ não está sujeito a qualquer forma de controle. b) Como ato discricionário, o Decreto XYZ não está sujeito a qualquer forma de controle. c) Como ato normativo infralegal, o Decreto XYZ está sujeito apenas ao controle pelo Poder Judiciário. d) Como ato normativo infralegal, o Decreto XYZ sujeita-se ao controle judicial e ao controle legislativo. (OAB Nacional – 2016/1) Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 29 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 4. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Conforme já mencionamos no Capítulo 1, temos uma definição de Administração Pública em sentido subjetivo, qual seja, o conjunto de pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos do desempenho da função administrativa. Neste capítulo, vamos estudar um pouco mais quem é o “sujeito” Administração Pública. 4.1. Pessoas políticas e pessoas administrativas. Embora o poder estatal seja uno, conforme já dissemos, a evolução do Estado moderno propiciou a divisão vertical e horizontal da estrutura estatal em diversas entidades. Assim, nós temos as pessoas políticas, também conhecidas como entes políticos ou entidades políticas. A própria Constituição Federal é quem reconhece a existência dessas pessoas jurídicas e atribui a elas competências legislativas e administrativas, caracterizando assim a sua autonomia política, no espírito do chamado sistema federativo. Também há uma divisão horizontal da atividade estatal, por meio da criação das pessoas, entes ou entidades administrativas, ou seja, pessoas jurídicas cuja criação é decorrência de lei editada pelo ente político respectivo, para desempenhar alguma atividade que seja de competência deste. Vamos falar um pouco mais delas a seguir, ao tratar da chamada Administração Indireta. 4.2. Personalidade jurídica das entidades da Administração Toda a entidade acima mencionada tem personalidade jurídica, isto é, o ordenamento jurídico reconhece a elas a capacidade de serem sujeitos de direitos e obrigações. Nosso sistema jurídico diferencia as pessoas jurídicas em dois grupos, conforme o regime jurídico a elas aplicável: pessoas jurídicas de direito privado e pessoas jurídicas de direito público (art. 40 do Código Civil). Estas últimas, por sua vez, são diferenciadas entre pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Municípios, autarquias e entidades criadas por lei com essa natureza) e pessoas jurídicas de direito público externo (os Estados estrangeiros e as organizações internacionais, como a ONU). As pessoas jurídicas de direito público são aquelas que têm feição tipicamente estatal. No caso daquelas mencionadas como pessoas jurídicas de direito público interno, elas são regidas de forma integral pelo chamado regime jurídico-administrativo, já mencionado anteriormente. Embora possa parecer estranho, o Poder Público pode criar pessoas jurídicas de direito privado. É que por vezes é conveniente ou até mesmo obrigatório que pessoas administrativas sejam criadas com regime jurídico semelhante ao aplicável aos particulares. A nossa Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 30 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. Constituição Federal, por exemplo, ao tratar do desempenho de atividade econômica pelo Estado, obriga que seja feito por meio de pessoas sujeitas “ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários” (art. 173, § 1º, II). Por essa razão, entidades como a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás, embora sejam entes estatais, são pessoas jurídicas de direito privado. Para as entidades estatais com personalidade de direito privado não se aplicam todas as regras do regime jurídico-administrativo, justamente por terem um regime equiparado ao dos particulares. Portanto, não possuem várias das prerrogativas da Administração, como a de pagar suas dívidas por precatórios, o gozo de privilégios processuais, dentre outras. Em geral, permanecem para elas apenas algumas das restrições – como a necessidade de realizar concurso público, a fiscalização do uso dos recursos, a necessidade de licitar. 4.3. Desconcentração e descentralização Para realizar suas tarefas, a Administração Pública adota técnicas de atribuição de competência denominadas como desconcentração e descentralização: ➢ Desconcentração: atribuição de competência a órgãos internos da entidade. ➢ Descentralização: atribuição de competência a outras pessoas, distintas do ente político. Pode ser a atribuição a uma outra entidade estatal ou a um particular que atua em colaboração com a Administração. 4.3.1. Desconcentração - os órgãos públicos Chamamos de órgão a unidade de atuação integrante de determinada entidade. Ou seja, ele é uma estrutura interna¸ que reúne atribuições e agentes públicos responsáveis por desempenhá-las. São órgãos públicos, por exemplo, os Ministérios no âmbito do Executivo Federal e as Secretarias no âmbito do Executivo Estadual e Municipal, bem como suas divisões internas (departamentos, diretorias, etc.). O Poder Legislativo e o Poder Judiciário também são órgãos, com status e garantias especiais atribuídas pela Constituição, para preservação de sua independência em relação ao Executivo. Internamente também são divididos em órgãos (comissões, câmaras, juizados, etc.). Através de seus órgãos, a pessoa jurídica administrativa expressa sua vontade, no que a doutrina cunhou de relação de imputação. Ou seja, os agentes públicos que atuam no órgão manifestam a vontade deste, que é considerada a vontade do próprio Estado. Essa concepção foi desenvolvida a partir da chamada teoriado órgão, que superou teorias anteriores inspiradas pelo direito privado, como a teoria do mandato e a da representação, que não explicavam de forma coerente e completa a atuação estatal. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 31 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. É importante lembrar que os órgãos não têm personalidade jurídica própria, pois são apenas uma parcela da pessoa jurídica a qual pertencem. Assim, os atos praticados pelo agente de determinado órgão geram direitos e obrigações para a própria entidade a qual o órgão pertença, sendo que, como regra geral, esta é que será legitimada para estar em juízo em eventual controvérsia que envolva tal relação jurídica. Excepcionalmente, alguns órgãos de status constitucional possuem legitimidade para atuar em juízo, tão-somente para defesa de suas atribuições institucionais. A criação e a extinção dos órgãos públicos são realizadas sempre por lei (CF, art. 48, XI), sendo que a iniciativa compete a cada Poder, em relação a seus órgãos internos. O Chefe do Executivo, em relação aos órgãos pertencentes a esse Poder, poder dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento destes, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos (CF, art. 84, VI, “a”). 4.5. Descentralização A descentralização, ou seja, a atribuição de competência a outras pessoas, distintas da pessoa política que detém originariamente a competência, pode se dar pelas seguintes formas: • Descentralização territorial: atribuição de competência genérica a uma pessoa jurídica de direito público (autarquia territorial) – em nosso país não temos atualmente exemplos concretos desse tipo de descentralização, haja vista que todos os antigos territórios federais desapareceram com a Constituição de 1988, que transformou o Amapá e Roraima em Estados e incorporou o território de Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco (arts. 14 e 15 do ADCT). Porém a Constituição admite a criação de novos territórios federais (art. 18, § 2º e art. 32), sendo que, se tal criação ocorrer, pode-se dizer que estaremos diante de autarquias territoriais. • Descentralização por serviços: atribuição de competência especializada, por lei, a uma pessoa administrativa (isto é, criada pela própria Administração). Fala-se aqui em outorga da atividade, para diferenciá-la da delegação, mencionada abaixo. Por exemplo, a Empresa de Correios e Telégrafos é uma empresa pública criada pela União para, sob regime descentralizado, desempenhar o serviço postal. • Descentralização por colaboração: atribuição de uma competência especializada a um particular, que atua sob supervisão da Administração. Essa delegação da atividade pode se dar por meio de um ato ou de um contrato administrativo. Por exemplo, as empresas telefônicas que hoje operam em nosso país são pessoas jurídicas constituídas por particulares e que, sob a fiscalização da Anatel, prestam o serviço público de telecomunicação. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 32 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. QUESTÕES DE PROVAS ANTERIORES DA OAB 1. (...) compartimento na estrutura estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo integrado por agentes que, quando as executam, manifestam a própria vontade do Estado. (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de direito administrativo. 19.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 13). O trecho acima se refere ao conceito de a) agente público. b) função pública. c) órgão público. d) pessoa de direito público. (OAB – Nacional – Prova 2008/2) 2. A estruturação da Administração traz a presença, necessária, de centros de competências denominados Órgãos Públicos ou, simplesmente, Órgãos. Quanto a estes, é correto afirmar que a) possuem personalidade jurídica própria, respondendo diretamente por seus atos. b) suas atuações são imputadas às pessoas jurídicas a que pertencem. c) não possuem cargos, apenas funções, e estas são criadas por atos normativos do ocupante do respectivo órgão. d) não possuem cargos nem funções. (OAB – Nacional – Prova 2011/2) Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 33 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 5. ATOS ADMINISTRATIVOS 5.1. Definição de ato administrativo Os atos administrativos são um dos principais temas da disciplina. Para entendê-los, vamos trabalhar com a seguinte definição, bastante sintética: Definição: O ato administrativo é um ato jurídico produzido com poderes estatais, no exercício da função administrativa, sob regime jurídico-administrativo. Vamos examiná-la pelas suas partes: 1) O ato administrativo é um ato jurídico. Com isso, queremos dizer que ele é uma manifestação estatal (declaração) que tem por finalidade produzir efeitos jurídicos, ou seja, criar, modificar, esclarecer, transferir e extinguir direitos e obrigações. Logo, por essa definição não são atos administrativos atividades materiais, que não são atos jurídicos, ou seja, não buscam produzir uma declaração com efeitos jurídicos: ex.: a varrição de uma rua, o atendimento médico em um hospital público, etc. 2) O ato administrativo é um ato jurídico produzido com poderes estatais – ou seja, o agente que produz o ato deve ter sido investido de poderes para a prática do ato, ou porque é uma autoridade estatal, ou porque se trata de um particular que atua com poderes delegados por uma autoridade estatal competente. 3) O ato administrativo é um ato jurídico produzido com poderes estatais, no exercício da função administrativa – de modo a diferenciá-lo de atos que são praticados no exercício das outras funções estatais. Por exemplo, os atos jurisdicionais (sentenças, acórdãos, despachos) e os atos legislativos (votações, moções, leis). 4) O ato administrativo é um ato jurídico produzido com poderes estatais, no exercício da função administrativa, sob regime jurídico-administrativo – para diferenciá-lo de atividades produzidas por entidades estatais sob as regras de direito privado e que, portanto, não são propriamente atos administrativos P. ex.: a abertura de conta corrente em um banco estatal, como o Banco do Brasil, não é considerado um ato administrativo. Devemos distinguir também fatos administrativos de atos administrativos. Fatos administrativos são eventos previstos como desencadeadores de efeitos jurídicos no âmbito administrativo. Por exemplo, ao completar 70 anos (fato) o servidor é automaticamente aposentado (efeito). O ato administrativo pressupõe uma manifestação de vontade ou declaração produzida pelo Estado, preordenada a produzir efeitos jurídicos. P. ex.: a nomeação de um servidor público, a aplicação de uma sanção, etc. Descomplicando o Direito Administrativo – Carlos José Teixeira de Toledo 34 Todos os direitos reservados – proibida a reprodução e distribuição não autorizada. 5.2. Perfeição, validade e eficácia do ato administrativo São qualidades do ato jurídico – e também do ato administrativo – que devem ser analisadas pelo profissional do Direito para compreensão da situação jurídica existente. • Perfeição: ao contrário do significado comum, não significa ausência de defeitos. Perfeição na linguagem jurídica tem um sentido de algo que está completo. Ato perfeito é o que já completou todas as fases de sua produção. Essa qualidade também é mencionada como existência do ato. Ato imperfeito e ato inexistente são sinônimos. • Validade: é a produção do ato sem a ocorrência de vícios. Ato válido é o ato cujo conteúdo e procedimento de formação estão conformes ao ordenamento jurídico. O exame da validade se faz através da análise dos elementos do ato – vide abaixo.
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