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1 FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 2 SUMÁRIO Unidade 1: Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público ............ Unidade 2: Poderes da Administração Pública .................................................................................. Unidade 3: Conceitos e classificação dos atos administrativos ........................................................... Unidade 4: Atributos dos atos administrativos ..................................................................................... Unidade 5: Administração Indireta ....................................................................................................... 3 INTRODUÇÃO Assumir a postura de um profissional que se apresente como mediador do conhecimento é compreender a diversidade e as complexidades que surgem na individualidade de cada educando diante de suas necessidades e potencialidades. Estudar em EaD não é uma tarefa tão fácil como muitos pensam, os desafios são constantes. Vale ressaltar que esta modalidade também permite muitas vantagens na aquisição de um curso superior, como a possibilidade da interatividade entre colegas, tutores e técnicos administrativos que auxiliam na construção da aprendizagem dentro do conforto de sua casa. O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) disponibiliza uma gama de recursos, tecnologias da comunicação e ferramentas de apoio à aprendizagem que permitem a interação acima, entre elas estão: fóruns, chats, videoconferências, simulações e exercícios on-line. Não poderíamos esquecer que muitas pessoas gostam de ler e estudar o material de maneira física, fazendo suas anotações, grifos e dialogando com os autores a partir de comentários ou apresentando dúvidas para serem sanadas pelo tutor ou para serem compartilhada com os colegas. Buscando mais uma alternativa para apoiar os(as) alunos(as) em seus estudos, esta coletânea foi elaborada com o objetivo de facilitar a impressão de todos os capítulos de livros que estão disponibilizados no Ambiente Virtual de Aprendizado (AVA) para quem deseja estudar no material físico sem precisar imprimir os arquivos separados por unidades. Desta forma, o aluno poderá ter acesso a todos os textos que serão fundamentais para as atividades da disciplina em um só material. Bom trabalho e aproveite cada instante da oportunidade de construir conhecimento, pois este é um pilar fundamental para sua formação. Um abraço, Equipe Pedagógica DIREITO ADMINISTRATIVO Maytê Ribeiro Tamura Meleto Barboza Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o princípio da legalidade. Explicar o princípio da supremacia do interesse público. Definir o princípio da publicidade. Introdução No Direito Administrativo, assim como nas demais disciplinas, é muito importante o estudo dos princípios que o norteiam. Isso porque são eles que orientam a atuação da Administração Pública; ou seja, como o Estado deve proceder no trato com os administrados e vice-versa. Os princípios auxiliam na compreensão dessa matéria e fazem ser possível acompanhar os ditames do seu regime jurídico. Neste capítulo, você vai ler sobre alguns princípios do Direito Adminis- trativo, como o da legalidade, o da supremacia do interesse público e o da publicidade. É essencial saber como toda a atuação da Administração Pública deve ter fundamento na legislação, bem como entender que o interesse público é superior ao dos seus administrados, além de compre- ender a real importância de se dar publicidade a todos os atos praticados. Princípio da legalidade A atuação da Administração Pública deve se dar de acordo com o estabelecido em lei. O Estado, representado pelos seus administradores, não pode simples- mente agir segundo a sua própria vontade, isto é, conforme aquilo que entenda ser o correto. Toda a sua atuação deve ser pautada na legislação, o que confere segurança jurídica não apenas à própria Administração Pública, mas também a todos aqueles que por ela são administrados. Segundo Carvalho (2016, p. 61): Com efeito, o administrador público somente pode atuar conforme determina a lei, amplamente considerada, abarcando todas as formas legislativas, desde o próprio texto constitucional até as leis ordinárias, complementares e dele- gadas. É a garantia de que todos os conflitos sejam solucionados pela lei, não podendo o agente estatal praticar condutas que considere devidas, sem que haja embasamento legal específico. Dessa forma, no Direito Administrativo, se aplica o princípio da subordinação à lei. Não havendo previsão legal, está proibida a atuação do ente público e qualquer conduta praticada ao alvedrio do texto legal será considerada ilegítima. Assim, o administrador não pode agir de modo contrário às leis, nem mesmo fazer algo que nelas não esteja previsto. Tudo o que a Administração Pública se propuser a realizar deve ter embasamento legal; isto é, deve ser previamente estabelecido pelo legislador. Entretanto, há a discricionariedade do agente público, que não pode ser descartada. Mas como é possível falar em discricionariedade se tudo o que a Administração Pública pode fazer deve estar contido nas leis? Há de se ponderar que nem sempre é possível ao legislador prever todos os casos possíveis na esfera administrativa. Destarte, é possível que, em determinadas situações, o agente público possa, pautando-se pelos critérios de conveniência e oportunidade, esco- lher a melhor forma de atuação, tendo em vista o melhor para o interesse público. Tal princípio se originou com o fim do Estado Absolutista, que antecedeu o Estado de Direito. Neste último, o que se prioriza é a criação de direitos e deveres por meio de leis, de forma diferente do que ocor- ria anteriormente, já que todo o poder era concentrado na figura do rei (SCATOLINO; TRINDADE, 2016). Nesse sentido, temos as palavras de Carvalho (2016, p. 62): Neste diapasão, se faz necessário lembrar que a Legalidade não exclui a atuação discricionária do agente público, tendo essa que ser levada em consideração, quando faz análise da conveniência e da oportunidade em prol do interesse público. Como a administração não pode prever todos os casos onde atuará, deverá valer-se da discricionariedade para atender a finalidade legal, devendo, todavia, a escolha se pautar em critérios que respeitem os princípios constitu- cionais como a proporcionalidade e razoabilidade de conduta, não se admitindo a interpretação de forma a que o texto legal disponha um absurdo. Com efeito, Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade2 pode-se definir que há apenas uma ressalva a ser feita à discricionariedade do administrador, quanto à sua análise de conveniência e oportunidade, no que tange ao respeito dos princípios constitucionais aplicáveis à matéria. Isso porque a prática de atos discricionários é completamente o oposto de atos arbitrários, os quais representam um abuso, haja vista serem praticados fora dos limites da lei. Portanto, só é legítima a atividade do administrador se estiver condizente com o dispositivo legal. Assim, mesmo quando age discricionariamente, o administrador deve guiar-se à luz dos princípios constitucionais que orientam a matéria. Mesmo quando a decisão for discricionária, não poderá ser arbitrária, abusiva, de modo que sempre haverá um respeito às leis, ainda que indiretamente. O respeito à legislação é o cerne do princípio da legalidade. Para que a atuação do agente público não sejaconsiderada arbitrária e tenha legitimidade, é preciso que cumpra os parâmetros estabelecidos pelo legislador, porém, de acordo com Carvalho (2016), o próprio Texto Constitucional menciona situações excepcionais e admite que, nestes casos, a Administração Pública possa deixar de cumprir o que diz a lei. São elas: edição de medidas provisórias; situações de estado de defesa; estado de sítio. As medidas provisórias estão previstas no art. 62 da Constituição Federal. Elas são adotadas pelo Presidente da República, em situações excepcionais, que possuam relevância e requeiram urgência; posteriormente devem ser enviadas para a apreciação do Congresso Nacional (CARVALHO, 2016). Vejamos o que diz o caput do dispositivo constitucional retromencionado: “Art. 62 Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional” (BRASIL, 1988, documento on-line). As medidas provisórias possuem força de lei, mas, se não forem convertidas em lei no prazo de 60 dias (que poderá ser prorrogado uma vez, por igual período), perdem a eficácia. 3Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade Já o Estado de Defesa é um instrumento do Estado e sua previsão está contida no art. 136 da Constituição Federal. Vejamos o que diz a Carta Magna a esse respeito: Art. 136 O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza (BRASIL, 1988, documento on-line). O Estado de Defesa se trata, portanto, de um mecanismo de defesa do Estado, que visa preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou, ainda, por calamidades ocasionadas pela natureza. O § 1º do art. 136 menciona que o decreto que instituir o Estado de Defesa deve determinar o tempo de sua duração (sendo que este não será superior a 30 dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação), especificando as áreas a serem abrangidas e indicando as medidas coercitivas a vigorarem, como restrições de direitos, bem como ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes (BRASIL, 1988). Outra situação que excetua a observação de legislação por parte da Administração Pública sem retirar-lhe a legitimidade de sua atuação é o estado de sítio. Sua utilização deve ocorrer em casos considerados mais graves, mas o objetivo é praticamente o mesmo do Estado de Defesa, ou seja, proteger o próprio Estado e a ordem pública. Sua previsão consta no art. 137 do Texto Constitucional, que estabelece que o Presidente da República pode, após ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos seguintes casos: Art. 137 [...] I — comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que com- provem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II — declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira (BRASIL, 1988, documento on-line). Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade4 Scatolino e Trindade (2016) atentam para o fato de que o princípio da lega- lidade pode ser compreendido em dois sentidos: amplo e estrito. A legalidade em sentido estrito é atuar de acordo com a lei. Já a legalidade em sentido amplo significa respeitar não apenas as leis, mas também os princípios de moralidade e do interesse público, de modo que esse sentido é mais abrangente, como a própria denominação sugere. O princípio da legalidade, portanto, refere-se ao fato de que o administrador público deve basear sua atuação na legislação. Assim, o administrador público não pode agir de acordo com sua própria vontade caso esta seja contrária ao previsto em lei. Apesar de ser possuidor de discricionariedade, deve ainda assim respeitar os princípios constitucionais, não podendo cometer abusos. O Texto Constitucional menciona as situações excepcionais e admite que, nesses casos, a Administração Pública pode deixar de cumprir o que diz a lei. São elas: a edição de medidas provisórias, as situações de estado de defesa e o estado de sítio. Princípio da supremacia do interesse público O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado signifi ca que o interesse da Administração Pública sempre prevalecerá sobre o interesse dos particulares. Isso se deve ao fato de que o Poder Público é de interesse de todos, de modo que o interesse de um particular não pode ser colocado acima dele. A doutrina divide o interesse público entre primários e secundários. De acordo com Scatolino e Trindade (2016), os interesses públicos primários se referem à sociedade em geral, protegidos pelo ordenamento jurídico. Os interesses públicos secundários se referem aos interesses específicos do Estado em si. 5Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade De acordo com Scatolino e Trindade (2016, p. 77): Por exemplo: se uma autoridade de trânsito convoca seus agentes para fazer blitz na cidade, apenas com fins arrecadatórios, sem ter por fim o interesse público de manter o trânsito seguro, estará praticando ato ilegal, pois foi executado visando apenas o interesse público do Estado (secundário) e não o interesse da coletividade (primário). Do mesmo modo, quando o Estado não faz corretamente o pagamento de precatórios, ou não confere a justa indenização exigida pela Constituição no caso de uma desapropriação, está na busca, apenas, de seu próprio interesse (secundário). Igualmente, a criação de empresas públicas ou sociedades de economia mista para exploração de atividade econômica sem que tenha por motivo o relevante interesse coletivo ou segurança nacional não visa ao interesse público primário. Se o Estado pretende criar essas entidades somente com fim lucrativo, sem atentar para as exigências constitucionais, estará buscando apenas o interesse do Estado, e não o da sociedade. Esses atos são violadores do ordenamento jurídico. Não faz sentido que o interesse específico de particulares se sobreponha sobre os interesses de toda uma coletividade. Dessa forma, o interesse público secundário deve coincidir com o interesse público primário, pois, se não for desse modo, a atuação da Administração Pública carece de legitimidade. Afinal, a Administração Pública deve lutar pelo povo e pela sociedade como um todo, assim, os interesses das pessoas devem ser seus próprios interesses. Dessa forma, o interesse privado jamais poderá prevalecer em detrimento do interesse público, que, como o próprio nome do princípio sugere, é supremo. Toda a atuação do Estado deve objetivar o bem geral da sociedade, assim, os agentes públicos não devem jamais atuar em seu próprio benefício ou benefício exclusivo da Administração Pública. Os interesses secundários só podem ser legítimos quando objetivam resguardar os interesses da população, que são os interesses primários, ou seja, os que possuem maior relevância. Quando houver conflito entre o desejo de um cidadão específico e o desejo de toda a sociedade, obviamente deverá prevalecer o interesse da coletividade. Assim, sempre deverá ser considerado o interesse geral e nunca um interesse específico de um particular. De acordo com Carvalho (2016, p. 56): Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade6 O interesse públicoé supremo sobre o interesse particular, e todas as condutas estatais têm como finalidade a satisfação das necessidades coletivas. Nesse sentido, os interesses da sociedade devem prevalecer diante das necessidades específicas dos indivíduos, havendo a sobreposição das garantias do corpo coletivo, quando em conflito com as necessidades de um cidadão, se analisado isoladamente. Em razão desta busca pelo interesse público, a Administração se põe em situação privilegiada, quando se relaciona com os particulares. Ainda de acordo com Carvalho (2016), a supremacia do interesse público consiste em uma série de prerrogativas que a Administração Pública possui e que inegavelmente lhe confere muitas vantagens, como: possibilidade de revogar seus atos quando forem inoportunos ou in- convenientes, o que se consubstancia na autotutela; possibilidade de desapropriação; prazos processuais diferenciados. O interesse público é supremo e, portanto, superior ao interesse privado, porque o que se espera é que o interesse público represente o interesse de todos. Se o interesse for apenas do Estado e não representar nenhum benefício para os cidadãos e para a sociedade, o ato praticado pela Adminis- tração Pública será ilegal. Assim, o interesse público e o interesse coletivo devem coincidir. Princípio da publicidade O princípio da publicidade refere-se ao fato de que todos os atos praticados pela Administração Pública devem ser devidamente divulgados e publicados para que toda a coletividade tome conhecimento do que é feito. Ou seja, a publicidade, de acordo com Scatolino e Trindade (2016, p. 66), “[...] é a divulgação oficial do ato, para conhecimento do público e para o início da produção de seus efeitos (eficácia), bem como permitir o acesso às condutas administrativas”. Segundo os autores, a publicidade não é um elemento formativo do ato, mas um requisito de eficácia e moralidade. É uma condição para que o ato seja eficaz, uma vez que apenas produzirá efeitos se houver a divulgação pelo órgão oficial. 7Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade A publicidade não deve ser confundida com a publicação do ato em si, uma vez que esta é apenas uma das formas de se fazer a divulgação. Destarte, o ato apenas produzirá efeitos se tiver sido devidamente divulgado. De acordo com os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), se o “[...] município não possui órgão de imprensa oficial, é válida a publicação das leis e dos atos administrativos municipais através da afixação na sede de prefeitura” (BRASIL, 1999, do- cumento on-line). Assim, é proibido que o poder público pratique atos sem que os cidadãos possuam conhecimento. Como a Administração Pública age em prol da socie- dade, esta possui o direito de saber exatamente o que está se passando, pois é diretamente afetada. De acordo com Carvalho (2016, p. 69): Com efeito, pode-se estipular que a principal finalidade do princípio da publicidade é o conhecimento público acerca das atividades praticadas no exercício da função administrativa. Em um Estado Democrático de Direito, não se pode admitir que assuntos da Administração, que são do interesse de todos, sejam ocultados. A publicidade tem grande abrangência, não só pela divulgação oficial mas também para conhecimento e fiscalização interna de seus agentes. Para assegurar tal prerrogativa, a Constituição da República, no seu art. 5º, XXXIII, garante o direito à informação, além do art. 5º, LXXII, que nos confere a garantia do habeas data como remédio para solucionar qualquer controvérsia violadora deste direito. Da mesma forma, o art. 5º, XXXIV, b, confere o direito à certidão. Por essa razão, todos os atos praticados pela Administração Pública devem ser oficialmente publicados. O cidadão tem todo o direito de saber o que está se passando na Administração Pública e quais medidas têm sido tomadas. Só com o conhecimento do que vem sendo realizado, a sociedade pode cobrar as autoridades e até mesmo fiscalizá-las, a fim de verificar se tudo é feito de modo legal. Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti- tuicao.htm. Acesso em: 2225 set. 2019. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2ª Turma). Recurso Especial 148315/RS. Relator: Min. Adhemar Maciel, 1 out. 1998. Diário da Justiça, 1 fev. 1999. Disponível em: https:// stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19722013/recurso-especial-resp-148315-rs-1997- -0065161-4?ref=juris-tabs. Acesso em: 25 set. de 2019. CARVALHO, M. Manual de Direito Administrativo. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016. SCATOLINO, G.; TRINDADE, J. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPO- DIVM, 2016. 9Princípios do Direito Administrativo: legalidade, supremacia do interesse público e publicidade DIREITO ADMINISTRATIVO Cássio Vinícius Steiner de Sousa Poderes da Administração Pública Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conceituar os poderes da Administração Pública. Descrever as características dos poderes normativo, disciplinar, hie- rárquico e de polícia. Identificar os julgados de Tribunais Superiores que evidenciam a apli- cação dos poderes da Administração Pública. Introdução Os poderes da Administração são considerados instrumentos empregados pela Administração Pública para a concretização da gestão do interesse público, com vistas ao bem comum. Tais poderes são considerados prer- rogativas especiais que pautam as relações jurídicas da Administração. Em função deles, garante-se que, por exemplo, a Administração Pública possa fiscalizar estabelecimentos privados ou impor sansões no caso de descumprimento de normas administrativas. Neste capítulo, você vai ler sobre o conceito de poderes administra- tivos. Você também estudará os poderes administrativos em espécie, como o poder vinculado, o poder discricionário, o poder hierárquico, o poder disciplinar, o poder regulamentar e o poder de polícia. Por fim, você verá alguns julgados de Tribunais Superiores que envolvem a questão dos poderes da Administração Pública. Conceito de poderes da Administração Pública O Direito Administrativo é o ramo do Direito responsável pelo estudo de todas as facetas da Administração Pública, cuja função precípua consiste na gestão do interesse público. Na base de tal estudo, está a ideia segundo a qual a Administração Pública pode — a depender do contexto — submeter-se tanto ao regime de direito público quanto ao privado. Com relação ao conceito de interesse público, Mello (2009, p. 61) explica que se trata do “[...] interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando consideradas em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”. Isto é, consiste no sumo fruto dos anseios dos indivíduos que formam a coletividade que compõe a sociedade. Quando atua sob o regime de direito privado, a Administração Pública está — em alguma medida — em pé de igualdade com a outra ou outras partes da relação jurídica. Nos casos em que a Administração Pública atua sob o regime de direito público, ela adota uma posição privilegiada com relação às outras partes. Nesse caso, ao atuar em condições superiores ou distintas dos particulares, é chamada pela doutrina de regime jurídico-administrativo. De modo geral, o regime jurídico-administrativo pode ser explicado em função das prerrogativas e restrições que pautam a atuação da Administração Pública. Enquanto as prerrogativas, que colocam a Administração Pública em posição superior, consistem em privilégios ou faculdades especiais que garantam que ela possa concretizar o interesse público, as restrições têm a função de imporregras rígidas para sua atuação, evitando que as prerrogativas especiais venham a ser utilizadas contra o interesse público. Tal conjunto de prerrogativas e restrições expressa, conforme a doutrina, os dois princípios basilares do Direito Administrativo: o princípio da supre- macia do interesse público sobre o privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Poderes da Administração Pública2 1. Supremacia do interesse público sobre o privado — a propósito de tal princípio, Mello (2009, p. 69) afirma que ele “[...] proclama a superiori- dade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último”. Nesse contexto, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado explica a origem das prerrogativas especiais que pautam a atuação da Administração Pública, visando à concretização do interesse público e do bem comum. Assim, nos casos em que houver conflito entre o interesse público e o particular, em nome do princípio referido, prevalecerá o interesse público. 2. Indisponibilidade do interesse público — se o princípio da suprema- cia do interesse público embasa o conjunto de prerrogativas especiais atinentes à atuação da Administração Pública, o princípio da indis- ponibilidade do interesse público fundamenta o conjunto de deveres cabíveis aos administradores do interesse público. Quanto a isso, Mello (2009) chama a atenção para o fato de que — por ser qualificado como próprio da coletividade, isto é, interno ao setor público — o interesse público não pode ser livremente disposto por quem quer que seja. Ademais, o doutrinador afirma que “[...] o próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los, o que é também um dever — na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis” (MELLO, 2009, p. 73-74). Assim, o princípio da indisponibilidade do interesse público vem para proteger os administrados contra o uso maléfico dos poderes públicos por parte dos seus administradores. Um meio para enaltecer a influência de tal princípio na atuação da Admi- nistração Pública surge da comparação entre a legalidade privada e a chamada legalidade administrativa. Nesse contexto, enquanto a legalidade privada está embasada no princípio da autonomia da vontade, a legalidade administrativa está embasada na vontade da lei. Em outras palavras, ao agirem, os particula- res podem fazer tudo aquilo que não está vedado ou proibido legalmente, ao passo que os agentes públicos, enquanto tais, só podem fazer aquilo que está autorizado ou permitido por lei. Isso garante que a Administração Pública não cometa abusos no uso das diversas prerrogativas oriundas da ideia de supremacia do interesse público. 3Poderes da Administração Pública Conforme Carvalho Filho (2017, p. 68), os poderes administrativos podem ser concei- tuados como “[...] o conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”. Isto é, são os instrumentos por meio dos quais garante-se que os agentes públicos possam concretizar o interesse público. Com relação ao conceito de poderes administrativos, embora seja fácil compreender sua relação com a ideia de supremacia do interesse público, os poderes administrativos também estão intimamente ligados com a ideia veiculada pelo princípio da indisponibilidade do interesse público. Nesse contexto, as prerrogativas conferidas à Administração Pública para que possa desempenhar seu fim precípuo não são meras faculdades atribuíveis aos seus agentes, consistindo em verdadeiros deveres funcionais. Assim, rigorosamente falando, o termo “poderes” da Administração Pública deve ser lido como poderes-deveres da Administração Pública. Os poderes da Administração Pública são considerados prerrogativas cabíveis aos agentes no uso de suas atribuições funcionais. Tal poder deve ser utilizado dentro dos limites autorizados ou admitidos por lei. Ocorre que, muitas vezes, ao utilizar as suas prerrogativas especiais, os agentes públicos acabam por transgredir aquilo previsto em lei. Quando isso ocorre, dizemos que houve abuso de poder. Nesse contexto, embora possa ocorrer de muitos modos distintos, as hipóteses de abuso costumam ser classificadas em três espécies: 1. excesso de poder; 2. desvio de poder; 3. omissão administrativa. Poderes da Administração Pública4 Com relação às espécies e classificações dos poderes administrativos, Meirelles e Burle Filho (2016, p. 137) chamam a atenção para o fato de “[...] nascem com a Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem”. Nesse contexto, se tomamos como referência a questão da liberdade decisória, os poderes podem ser distinguidos em poder vinculado e poder discricionário. Além disso, quando estão ligados à organização da Administração Pública de modo geral, eles são chamados de poderes hierárquicos. Quando estão ligados à punição daqueles — de algum modo — vinculados à Administração Pública, estamos diante do poder disciplinar. Já, nos casos em que possuem objetivo de normatizar algo, estamos diante do poder regulamentar. Por fim, se os poderes administrativos dizem respeito à contenção dos direitos individuais, estamos diante do poder de polícia (MEIRELLES; BURLE FILHO, 2016). Os detentores dos poderes públicos são as entidades políticas previstas na Constituição Federal (BRASIL, 1988) — a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. Além disso, as entidades administrativas de direito público — como, por exemplo, autarquias e fundações públicas — também são dotadas de certos poderes próprios da Administração Pública. O excesso de poder consiste no uso dos poderes da Administração Pública de modo a ultrapassar os limites impostos pela legislação. A título de exemplo, citamos o caso de uma autoridade pública que impõe pena de multa para um ilícito administrativo, quando — em realidade — a lei previa apenas pena de advertência. Já o desvio de poder ocorre quando a autoridade possui competência para realizar tal ato, porém o faz com finalidade diversa daquela prevista pela lei. A título de exemplo, citamos o caso de agente público que decreta a desapropriação de um determinado bem sob a alegação de que há interesse público, quando, em realidade, ele objetiva — por alguma razão — vingar-se do proprietário. Por sua vez, a omissão administrativa ocorre quando a Administração Pública deixa de agir em casos que a lei impõe que deveria. 5Poderes da Administração Pública Poderes da Administração Pública em espécie Conforme mencionado, os poderes administrativos costumam ser distinguidos pela doutrina em seis espécies: poder vinculado; poder discricionário; poder hierárquico; poder disciplinar; poder normativo, ou regulamentar; poder de polícia. Veja cada um em detalhes a seguir. Poder vinculado A compreensão do signifi cado do poder vinculado está intimamente relacio- nada ao grau de liberdade decisória da Administração Pública no exercício de suas atividades. Nesse contexto, Meirelles e Burle Filho (2016, p. 138) explicam que tal poder é “[...] aquele que o Direito Positivo — a lei — confere à Administração Pública para a prática de sua competência, determinando os elementos e requisitos necessários à sua formalização”. Assim, os atos vinculados são aqueles em que os agentes públicos estão inteiramente condicionados ao texto legal. Em função disso, a liberdade de- cisória da Administração é praticamente inexistente, devendo simplesmente seguir os ditames legais. A título de exemplo, citamos a concessão de alvará para a construção de um imóvel, nos casos em que o requerente satisfaz todas as exigências legais. Poder discricionário Em oposição aopoder vinculado, existe também o poder discricionário. Nesse caso, sob certos contextos, é admitido que a Administração atue com certa liberdade de escolha sobre a conveniência e a oportunidade na realização Poderes da Administração Pública6 de certos atos. Quanto a isso, a possibilidade de atuação discricionária deverá ser explicitamente disposta em lei. Um importante ponto sobre o poder discricionário diz respeito ao grau de liberdade decisória dos seus agentes. Nesse contexto, dizer que um certo ato é discricionário não significa dizer que ele é completamente arbitrário. Nesse contexto, nunca será discricionária a questão da competência, da fina- lidade e da forma. A título de exemplo, citamos a possibilidade de estabelecer a gradação de uma penalidade administrativa. Poder hierárquico Conforme o entendimento de Meirelles e Burle Filho (2016, p. 142), o poder hierárquico consiste na faculdade da qual dispõe o Executivo para “[...] distribuir e escalonar funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoas”. Nesse contexto, em função do poder hierárquico, torna-se possível estabelecer relações de coordenação e subordinação entre agentes e órgãos da Administração Pública. Ademais, aqueles que detêm o poder hierárquico desempenham uma série de prerrogativas ante os seus subordinados. A título de exemplo, citamos a possibilidade de dar ordens, coordenar e fiscalizar suas atividades, bem como delegar e avocar o exercício de certas competências. A delegação de competência diz respeito à possibilidade de que o superior entregue o exercício de certa competência que lhe pertence para um certo subordinado, a avocação de competência trata da possibilidade de atrair para si o exercício de alguma competência exercida por alguém que lhe é subordinado. 7Poderes da Administração Pública Poder disciplinar O poder disciplinar consiste na faculdade inerente à Administração Pública para punir internamente quaisquer infrações cometidas por servidores ou aqueles que estejam — de algum modo — sujeitos ao controle exercido pelos órgãos administrativos. Nesse contexto, o poder disciplinar costuma se manifestar nas eventuais punições internas de infrações funcionais cometidas por servidores (sem excluir eventuais punições de ordem penal). Ademais, a Administração Pública também pode se valer do poder disciplinar contra aqueles ligados a ela mediante algum tipo específico de vínculo, como ocorre, por exemplo, em contratos ou convênios firmados com o setor privado. Assim, embora o poder disciplinar seja — em alguma medida — corre- lacionado com o poder hierárquico, tratam-se — em verdade — de poderes distintos. Nesse contexto, enquanto o poder hierárquico — conforme mencio- nado — trata da questão do instrumento por meio do qual a Administração Pública distribui e escalona as atribuições executivas, o poder disciplinar trata justamente do controle do uso de tais atribuições, com vistas à punição de abusos ou omissões oriundas do exercício de tais atribuições. Poder normativo, ou regulamentar O poder normativo ou regulamentar é a faculdade conferida aos chefes do Poder Executivo (presidente da República, governadores de Estado e prefeitos) de editar os atos administrativos normativos. Tais atos se manifestam com a edição de decretos regulamentares — cuja função é instituir procedimentos que garantam a fi el execução das leis — e de decretos autônimos — cuja função é dispor sobre matérias de competência dos chefes do executivo, tal qual listadas no art. 84, IV, da Constituição Federal (MEIRELLES; BURLE FILHO, 2016). Poder de polícia Segundo Meirelles e Burle Filho (2016, p. 152), o poder de polícia é “[...] a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da cole- tividade ou do próprio Estado”. Em outras palavras, o poder de polícia confere aos agentes públicos a possibilidade de conter eventuais abusos perpetrados pelos particulares. Assim, nos casos em que as atividades dos particulares acabem por se revelar nocivas à coletividade ou ao Estado, a Administração Pública poderá se valer do poder de polícia para contê-las. Poderes da Administração Pública8 Para compreender a essência do poder de polícia, é preciso distinguir a polícia admi- nistrativa da polícia judiciária. Na base da distinção entre ambas, está a questão do seu objeto. Nesse contexto, enquanto a polícia administrativa tem como objeto bens, direitos ou atividades, a polícia judiciária — exercida por corporações especializadas, como, por exemplo, a polícia civil e a polícia federal — tem como objeto os próprios indivíduos. O poder de polícia referido está ligado apenas à chamada polícia adminis- trativa. A título de exemplo, citamos a atividade desempenhada pela vigilância sanitária e a regulação dos mercados de títulos de valores mobiliários exercida pela Comissão de Valores Mobiliários. Jurisprudência sobre os poderes da Administração Pública A jurisprudência dos tribunais que aborda a questão dos princípios recursais é numerosa e vasta. A seguir, serão apresentadas três ementas que abordam o tema. A primeira, que trata do poder de polícia, é um acórdão relatado e jul- gado conforme o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, sobre uma apelação interposta contra decisão judicial proferida pelo juízo de primeiro grau. O requerente ingressou com ação para proibir que fosse demolido o imóvel no qual residia, mas a decisão de primeiro grau entendeu que a Administração Pública poderia se valer do poder de polícia para demolir a construção. Irresignado, o requerente recorreu, mas o seu apelo foi indeferido em grau recursal: Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO IRREGULAR. EDI- FICAÇÃO SEM ALVARÁ. DEMOLIÇÃO. PODER DE POLÍCIA. I — Não há irregularidade na atuação da Administração, que, no exercício do seu Poder de Polícia, coíbe a ocupação desordenada e os parcelamentos ilegais do solo, com edificações sem o respectivo alvará. II — O ato administrativo goza da presunção de legitimidade e legalidade, a qual somente pode ser afastada mediante prova inequívoca em sentido contrário. III — Negou-se provimento ao recurso (BRASIL, 2018, documento on-line). 9Poderes da Administração Pública A segunda ementa, que aborda o poder disciplinar, é um acórdão relatado e julgado conforme o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sobre um agravo de instrumento interposto contra decisão judicial proferida pelo juízo de primeiro grau. O recorrente ingressou inicialmente com mandado de segurança contra decisão administrativa do Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul, que, no uso de seu poder disciplinar, suspendeu cautelarmente sua creden- cial de despachante, com base em denúncia de forte esquema fraudulento. Porém, no juízo de primeiro grau, a decisão administrativa foi admitida em caráter liminar. Irresignado, o autor resolveu ingressar com recurso, que foi desprovido: Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ES- PECIFICADO. MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO CAUTE- LAR DE CREDENCIAL DE DESPACHANTE DE TRÂNSITO. PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO. VIABILIDADE. Perfeitamente cabível a suspensão cautelar das atividades do despachante de trânsito, ante a denúncia de forte esquema fraudulento, visando ao resguardo dos admi- nistrados e da investigação das faltas noticiadas. Medida cautelar que não se confunde com eventual penalidade que poderá ser aplicada ao fim do processo administrativo instaurado e do qual foi devidamente notificado o agravante. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO (RIO GRANDE DO SUL, 2013, documento on-line). A terceira ementa, que aborda o poder hierárquico, é um acórdão relatado e julgado conforme o entendimento do Tribunal do Mato Grosso do Sul, sobre uma apelação interposta contra decisãojudicial proferida pelo juízo de primeiro grau. No caso, uma servidora pública realizou atividades de outro cargo, por ordem de seu superior, valendo-se do poder hierárquico. Por conseguinte, o juízo de primeiro grau condenou o ente público a pagar, a título de indenização, a diferença remuneratória do seu cargo para o cargo correspondente às suas atividades fáticas. Irresignado, o ente público recorreu. Porém, em função do fato acervo probatório, o tribunal manteve a decisão de primeiro grau: Poderes da Administração Pública10 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDORA DO PODER JUDICIÁRIO ATUANTE EM DESVIO DE FUNÇÃO. SITUAÇÃO DE FATO IMPOSTA PELO PRÓPRIO SUPERIOR HIERÁRQUICO. DIREITO AO RECEBI- MENTO DA DIFERENÇA ENTRE OS VALORES PAGOS E AQUELES DEVIDOS, INCLUSIVE PARA FINS DE ADICIONAIS. CORREÇÃO DA ATUALIZAÇÃO CONDENATÓRIA. RECURSO ESTATAL DESPROVIDO. Segundo a orientação pacífica do STJ, o servidor tem direito de receber, a título de indenização, as diferenças remuneratórias decorrentes de equiparação salarial com o cargo efetivamente desempenhado, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Pública (Súmula 378/STJ). Particularidades fáticas do litígio atestando a robustez do pedido inicial. Assentado o direito ao recebimento dos importes impagos, faz o servidor jus aos adicionais de fato, cumpridos durante o exercício desviado de função pública. Verificada a correção da atualização condenatória, não há falar em reparo pelo Tribunal. Apelo desprovido (MATO GROSSO DO SUL, 2019, documento on-line). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti- tuicao.htm. Acesso em: 26 ago. 2019. BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (Sexta Turma Cível). 20170110166969 DF 0005140-96.2017.07.0018. Relator: José Divino, 8 ago. 2018. Diário da Justiça eletrônico, 14 ago. 2018. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurispru- dencia/113616945/agravo-de-instrumento-ai-70056903883-rs/inteiro-teor-113616955. Acesso em: 27 nov. 2019. CARVALHO FILHO, J. S. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014. MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. APL: 0823404- 15.2015.8.12.0001 MS 0823404-15.2015.8.12.0001. Relator: Des: João Maria Lós, 14 out. 2019. Diário da Justiça eletrônico, 14 out. 2019. Disponível em: https://tj-ms.jusbrasil. com.br/jurisprudencia/769753784/apelacao-apl-8234041520158120001-ms-0823404- -1520158120001?ref=serp. Acesso em: 27 nov. 2019. MEIRELLES, H. L.; BURLE FILHO, J. E. Direito Administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. 11Poderes da Administração Pública Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Segunda Câmara Cível). Agravo de Instrumento nº. 70.056.903.883. Relator: Arno Werlang, 4 dez. 2013. Diário da Justiça, 10 dez. 2013. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurispru- dencia/113616945/agravo-de-instrumento-ai-70056903883-rs/inteiro-teor-113616955. Acesso em: 27 nov. 2019. Leituras recomendadas ALEXANDRINO, M. Direito Administrativo descomplicado. São Paulo: Editora Método, 2017. DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 31. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018. PESTANA, M. Direito Administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. SANTANNA, G. Direito Administrativo: 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015. ZIMMER JUNIOR, A. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Método, 2009. Poderes da Administração Pública12 Direito Administrativo Gabriele Valgoi Conceitos e classificação dos atos administrativos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conceituar atos administrativos. Explicar a classificação dos atos administrativos quanto à forma de exteriorização. Classificar os atos administrativos de acordo com o seu conteúdo. Introdução Os atos administrativos conceitualmente são atos praticados pelas pessoas administrativas, por meio de seus agentes, no pleno exercício de suas competências funcionais, que exteriorizam uma manifestação de vontade do Estado. Eles são capazes de produzir efeitos para assegurar o interesse público, de acordo com as hipóteses e condições previstas em lei. Neste capítulo, você vai ler sobre os principais conceitos aplicados aos atos administrativos e os elementos que os distinguem dos demais atos expedidos pela Administração Pública, e também sobre como classificá-los. Atos administrativos O ato administrativo é a concretização da manifestação de vontade pela Ad- ministração Pública, de forma unilateral, em observância ao princípio da legalidade, que assim a sujeita obrigatoriamente, observados os postulados de um Estado de Direito. A partir da lei, portanto, será possível determinar a validade das ações desempenhadas pelos governantes. Por meio de um conjunto de preceitos como os atos administrativos, o Direito Administrativo buscou disciplinar a atuação do poder estatal absoluto e prefixar os efeitos dessa atuação sobre os direitos das pessoas. Segundo a doutrina clássica de Hely Lopes Meirelles (2014), o ato ad- ministrativo é “[...] toda manifestação unilateral de vontade por parte da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos cidadãos ou a si próprio”. Nas palavras de Marçal Justen Filho, o ato administrativo “[...] é uma manifestação da vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício da função administrativa”. O conceito apresentado por José Cretella Junior, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013), explica o ato administrativo como: [...] a manifestação de vontade do Estado, por seus representantes, no exercício regular de suas funções, ou por qualquer pessoa que detenha, nas mãos, fração de poder reconhecido pelo Estado, que tenha por finalidade imediata criar, reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir situações jurídicas subjetivas, em matéria administrativa. Esses conceitos referem-se apenas aos atos administrativos unilaterais, formados pela vontade exclusiva da Administração Pública. Os atos adminis- trativos bilaterais são chamados de contratos administrativos. É importante distinguir os atos administrativos dos fatos administrativos ou atos da Administração. Os atos administrativos representam uma manifestação de vontade da Administração Pública, no desempenho de suas funções de Poder Público. Já os fatos administrativos constituem meras atividades públicas materiais, decorrentes de alguma decisão administrativa e, em princípio, desprovida de interesse para o Direito. Como exemplos, citamos a instalação de um serviço público, a construção de uma ponte e a pavimentação de uma rua. Os atos administrativos também se distinguem dos atos políticos ou atos de governo, que representam a ação governamental no desempenho de suas funções típicas: a iniciativa, a sanção e o veto de leis, além da concessão de indulto. Assim, ao tratarmos de atos administrativos, é necessária a utilização de linguagem precisa. Isso porque a terminologia inapropriada pode resultar em equívocos práticos, como ocorre, por exemplo, com a confusão das noções de fatos da Administração e atos da Administração lato sensu. Conceitos e classificação dos atos administrativos2Os fatos da Administração não se confundem com os atos administrativos propriamente ditos. Os fatos da Administração representam fatos naturais descritos em normas legais e que produzem efeitos na seara do Direito Ad- ministrativo, como, por exemplo, a morte de um servidor público para fins de pensão por morte em favor dos seus dependentes. Já os atos administrativos também não se identificam plenamente com a noção de atos da Administração. Isso porque esta expressão é bastante ampla e pode abranger, inclusive, a noção da primeira. Pode ser conceituada como “todo ato praticado no exercício da função administrativa”. Todavia, alguns atos administrativos propriamente ditos também são atos da Administração (mas não atos administrativos propriamente ditos): os atos de direito privado (como compra, venda e locação); os atos materiais da Administração Pública, que envolvem um ato executório, tal qual uma apreensão de mercadoria; os atos de valor, como é o caso do fornecimento de certidões; os atos normativos da Administração Pública, que importam na expe- dição de decretos, portarias, resoluções, entre outros. Assim, a noção de atos administrativos é bastante peculiar e precisa, variando de acordo com o entendimento e a abrangência dados ao seu objeto. Celso Antônio Bandeira de Mello (2013), por exemplo, assim conceitua os atos administrativos: [...] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes — como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional. Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013) define os atos administrativos como a “[...] declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”. Em uma primeira leitura, pode parecer que os dois conceitos apresentados são iguais. No entanto, uma apreciação mais acurada apresenta uma sutil diferenciação, que torna a definição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013) mais precisa, por ser mais restritiva. Isso porque, conforme a própria autora, seu conceito é menos amplo do que o primeiro, uma vez que exclui os atos normativos do Poder Executivo, que têm características próprias. 3Conceitos e classificação dos atos administrativos Características do ato administrativo O ato administrativo, pelas suas características, pode ser: vinculado ou discricionário; simples ou complexo; de império ou de gestão. O ato vinculado é aquele em que o administrador não pode atuar com o juízo de valor acerca da conduta exigida legalmente. Ou seja, a conduta do administrador está limitada por lei, não tendo qualquer liberdade na sua atuação. Nesse sentido, se preenchidos os requisitos impostos pela lei para a constituição de determinado ato administrativo, o administrador estará obrigado praticá-lo. São exemplos a licença, homologação e concessão. No ato discricionário, o administrador também deve agir nos limites previamente definidos pela lei, todavia, é concedida ao administrador uma margem de escolha para buscar a solução mais adequada para o caso concreto. O ato simples decorre de uma única manifestação de vontade de um único órgão, unipessoal (ato simples singular) ou colegiado (ato simples colegiado). Não interessa o número de pessoas que pratica o ato, mas a expressão da ma- nifestação de vontade, que não pode depender de outras, seja concomitante ou posterior. Reiterando, aperfeiçoa-se (ato perfeito) com uma única manifestação. O ato complexo, por sua vez, decorre da manifestação de vontade de dois ou mais diferentes órgãos ou autoridades e, somente assim, alcança a perfeição (completo, concluído e formado). O ato composto é aquele cujo conteúdo resulta da manifestação de um só órgão, mas a sua edição ou a produção de seus efeitos dependem de outro ato que as aprove. A função desse outro ato é meramente instrumental: autorizar a prática do ato principal ou conferir sua eficácia. O ato acessório ou instru- mental em nada altera o conteúdo do ato principal. Por fim, os atos administrativos podem ser caracterizados — a partir de seu destinatário, que pode ser geral ou individual — quanto ao objeto: como atos de império — assim entendidos como aqueles que a Admi- nistração Pública impõe coercitivamente aos administrados; os atos de gestão — são praticados sem que a Administração Pública utilize sua supremacia sobre os particulares, sendo atos típicos de admi- nistração, assemelhando-se aos atos praticados pelas pessoas privadas. Conceitos e classificação dos atos administrativos4 Elementos do ato administrativo Mesmo que exista divergência doutrinária quanto à indicação dos elementos do ato administrativo, alguns preferem substituí-los por requisitos ou até mesmo por condições de validade do ato administrativo. Os requisitos, ou seja, seus pressupostos de validade são cinco, constituindo a base de todo ato administra- tivo, vinculado ou discricionário, simples ou complexo, de império ou de gestão. Competência Nenhum ato administrativo pode ser validamente realizado sem que o agente disponha do poder legal para praticá-lo. Esse requisito impõe que o agente tenha competência administrativa atribuída por lei e por ela delimitada para o desempenho específi co de suas funções. Não é competente quem quer, mas quem a norma assim determina. A lei defi ne a atribuição e fi xa seus limites. Di Pietro (2013) faz referência ao sujeito, já que a competência é apenas um dos atributos que ele deve ter para a validade do ato, defi nindo o sujeito como “[...] aquele a quem a lei atribui competência para a prática do ato”. Finalidade Trata-se de requisito de validade do ato administrativo que se traduz pela satisfação e preservação do interesse público no ato administrativo como manifestação unilateral de vontade realizada pela Administração Pública. A fi nalidade do ato administrativo pode ser entendida como o resultado que a Administração Pública quer alcançar com a prática do ato, ou seja, a fi nalidade é o efeito mediato; é aquela que a lei indica explícita ou implicitamente, não cabendo ao administrador escolher outra. Forma Em princípio, todo ato administrativo é formal. Entre os particulares, as vontades podem se manifestar livremente, mas a Administração Pública exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Assim, a inexistência de forma torna o ato administrativo inexistente, enquanto a escolha de forma diversa da legalmente exigida torna o ato administrativo inválido. A forma normal do ato administrativo é a escrita, admitindo-se a forma não escrita apenas em casos de urgência, de transitoriedade da manifes- tação da vontade ou de irrelevância de assunto para a Administração Pública. 5Conceitos e classificação dos atos administrativos Motivo Corresponde à situação de direito ou de fato que enseja o ato e determina ou autoriza a realização do ato administrativo. O motivo, quando expresso em lei, constitui-se em elemento vinculado. Nessa hipótese, o agente deve justifi car a existência do motivo, sob pena de invalidade do ato administrativo. Porém, se o motivo estiver a critério do administrador, caracteriza-se como elemento discricionário, situação em que não há necessidade de se dar motivo ao ato. Objeto Trata-se do conteúdo do ato administrativo, pelo qual a Administração Pública manifesta seu poder e sua vontade, ou simplesmente atesta situações preexis- tentes. Dessa forma, o objeto se identifi ca com o conteúdo do ato, por meio do qual a Administração Pública concretizará a tarefa de criar, modifi car ou afi rmar situações já realizadas. Classificação dos atos administrativos a partir da forma A determinação da espécie dos atos administrativos não encontra tambémum acordo entre os administrativistas. Podemos analisá-los tanto pelos aspectos do conteúdo quanto da forma. Analisados pela forma, vamos encontrar: decreto; portaria; resolução; circular; despacho; alvará. Decreto O decreto é ato emanado do Poder Executivo. Pode ser dirigido abstratamente às pessoas em geral, a pessoas ou a um grupo de pessoas determinadas. Um exemplo é o decreto de desapropriação. Conceitos e classificação dos atos administrativos6 Quando dirigido às pessoas em geral, pode ser regulamentar ou autônomo. Os regulamentares têm por finalidade a execução da lei. Os autônomos disci- plinam matéria que a lei não regula. Este tipo de decreto não tem fundamento constitucional. Como ato administrativo, o decreto só pode produzir efeito concreto. Os gerais são atos normativos. Portaria As portarias são atos internos emanados dos chefes dos órgãos, destinados aos seus subordinados, expedindo determinações gerais ou especiais. Podem iniciar sindicâncias ou processos administrativos. Resolução As resoluções são atos administrativos normativos que partem de autoridade superior, mas não do chefe do Executivo, por meio das quais disciplinam matéria de sua competência específi ca. As resoluções não podem contrariar os regulamentos e os regimentos, mas explicá-los. As resoluções podem produzir efeitos externos. Circular A circular é o instrumento usado para a transmissão de ordens internas uni- formes, incumbindo certos serviços ou atribuições a certos funcionários. Despacho O despacho é o ato que envolve a decisão da Administração Pública sobre assuntos de interesse individual ou coletivo submetido à sua apreciação. Esse despacho não se confunde com os despachos do Poder Judiciário. O despacho normativo é aquele que, proferido em um caso individual, gera a de- terminação de ser aplicado em geral nos casos idênticos, vigorando como norma interna administrativa. A Constituição Federal assegura ao particular o direito de tomar conhecimento dos despachos administrativos, assim, sua publicidade é necessária. 7Conceitos e classificação dos atos administrativos Alvará O alvará é a forma, ou seja, o revestimento exterior da licença e da autorização, que são o conteúdo do ato administrativo. É o instrumento pelo qual a licença e a autorização são concedidas. Classificação dos atos administrativos a partir do conteúdo De acordo com o conteúdo, os atos administrativos classifi cam-se em: autorização; licença; admissão; permissão; aprovação; homologação; parecer; visto. Autorização A autorização é ato de natureza discricionária, que, a partir da avaliação da Administração Pública, confere a possiblidade da realização de determinada atividade, serviço ou até mesmo o uso de determinado bem público. Aquele que pretende a autorização obrigatoriedade terá de atender a certas condições previstas em lei. Porém, incumbe à Administração Pública decidir discriciona- riamente quanto a permitir ou não a pretensão solicitada. Podemos exemplifi car os atos de autorização como a anuência do Poder Público para instalação de food trucks em vias públicas. Nesses casos, a Administração Pública analisará não somente as condi- ções para o exercício da atividade comercial, mas principalmente os reflexos atinentes ao uso da via pública, que se trata de bem público de uso comum do povo. Sob tais condições, o ato emanado pela Administração Pública detém caráter discricionário, pois a liberação requer a averiguação da conveniência e oportunidade sobre a medida pretendida. Conceitos e classificação dos atos administrativos8 Não há direito subjetivo na obtenção da autorização pelo particular, podendo a Administração Pública deixar de concedê-la a qualquer tempo. Nessas condições, é possível que a eventual autorização seja cassada, sem que, com isso, reste direito de indenização ao particular. Licença Pelas características, a licença trata-se de ato vinculado, pelo qual a Admi- nistração Pública permite que, mediante atendimento das condições previstas em lei, o particular possa exercer determinada atividade. Há diferenças entre a licença e a autorização, porque nesta última a Ad- ministração Pública pode ou não permitir, mesmo que o solicitante atenda a todos os requisitos legais, enquanto na licença o Poder Público irá analisar apenas se houve ou não o atendimento das exigências, não lhe sendo possível, se estiverem plenamente atendidos todos os requisitos, recusar o pedido. Isso porque, nesses casos, o direito do particular já existe, cabendo à Administração Pública unicamente declará-lo. Um exemplo é a expedição de licença para construir — nesse caso, o direito do particular de construir dentro de sua propriedade já é garantido, cabendo à Administração Pública aferir se foram observadas as condições atinentes ao projeto, conforme previsto no Código de Obras ou Plano Diretor (normas atinentes ao Direito Urbanístico). Admissão A admissão é ato administrativo vinculado, no qual a Administração Pública reconhece ao particular o direito à prestação de um serviço público. Assim, tendo o particular atendido a todos os requisitos defi nidos em lei, o Poder Público não poderá negar o deferimento da pretensão. Permissão A Administração Pública, por meio de ato discricionário e unilateral, confere ao particular o uso de bem público dominical — assim entendido como aquele que constitui patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, consoante 9Conceitos e classificação dos atos administrativos disposto no art. 99, III, do Código Civil brasileiro (Lei Federal nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) — ou a execução de serviço de interesse coletivo. Não se confunde com a autorização, ao exigir que o serviço permitido, ou o bem a ser usado, envolva interesse público. São exemplos de permissão de serviços de interesse púbico as permissões conferidas para dirigir táxis. A admissão diferencia-se da licença porque, na admissão, resta envolvido, apenas, o direito à prestação de serviço público, enquanto que, na licença, há aferição do direito ao exercício de outras atividades. São exemplos a admissão de funcionamento de hospitais, os prestadores de serviço de saúde e as instituições de ensino, como creches e escolas de educação infantil. Aprovação De forma discricionária e unilateral, a Administração Pública exerce o con- trole anterior e posterior de um determinado ato administrativo. A aprovação se aplica aos atos complexos, em que existe a autorização de um órgão e o referendo de outro. Um exemplo é a aprovação pelo Senado Federal de um ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo Presidente da República. Homologação A homologação é ato vinculado, pelo qual a autoridade superior reconhece a legalidade de um ato anterior, exarado pela própria Administração Pública, por outra entidade ou até mesmo por particular. Trata-se apenas de um controle em que cabe a rejeição ou a aprovação, não sendo passíveis quaisquer alterações, restando, portanto, apenas a análise da legalidade. A homologação é o que dará eficácia ao ato. Um exemplo típico é a homo- logação pelo gestor do procedimento de licitação, assegurando-o por regular, podendo ser conduzida a contratação com o fornecedor. Conceitos e classificação dos atos administrativos10 Parecer Parecer é o meio pelo qual os órgãos consultivos da Administração Pública emitem opiniões sobre assuntos de sua competência. Porém, o parecer, como regra, não obriga a Administração Pública ao cumprimento estrito de suas conclusões, em face de seu caráter opinativo. Em alguns casos, no entanto, a lei determina a obrigatoriedade do parecer, para que o ato não seja nulo. Um exemplo do parecer em caráter obrigatório é a previsão do inciso VI, do art. 38, da Lei Federal nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, que dispõe sobre a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Visto O visto é ato vinculado que atesta a legitimidade de outroato sem analisar o seu conteúdo, mas tão somente o pleno atendimento às condições formais, examinando as exigências extrínsecas do ato. Como exemplo, citamos os casos em que a lei atribui a condição do visto de chefi a imediata do servidor, previamente ao encaminhamento de determinada solicitação, sem a qual sequer restará recebido. DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2013. JUSTEN FILHO, M. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed. São Paulo: Dialética, 2009. MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2014. MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. Leituras recomendadas CARVALHO FILHO, J. S. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014. MARINELA, F. Direito Administrativo. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2007. 11Conceitos e classificação dos atos administrativos DIREITO ADMINISTRATIVO Gabriele Valgoi Atributos dos atos administrativos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os atributos dos atos administrativos. Explicar os elementos dos atos administrativos. Exemplificar a discricionariedade e vinculação dos atos administrativos. Introdução Os atos administrativos se diferenciam dos demais atos pelas suas ca- racterísticas, chamadas pelo Direito Administrativo de atributos, que são essenciais para a identificação do regime jurídico a ser aplicado. Tais atributos têm por fundamento o princípio da legalidade, do qual se extrai que, ao administrador público, somente é permitido fazer aquilo que a lei autoriza e estabelece. Neste capítulo, você vai ler sobre os principais atributos atinentes ao ato administrativo e conhecer como a doutrina os apresenta. Em seguida, você vai ver quais são os elementos obrigatórios de um ato administrativo e a repercussão dos respectivos elementos quanto à natureza vinculada ou discricionária de alguns atos administrativos. Conceitos fundamentais Os atributos são características que diferenciam os atos administrativos dos demais atos e são essenciais para a identifi cação do regime jurídico a ser aplicado. A doutrina pacífi ca aponta como atributos do ato administrativo: presunção de legitimidade ou veracidade; exigibilidade; imperatividade; autoexecutoriedade; tipicidade. Alguns autores — como, por exemplo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro — elen- cam também a presunção de veracidade ou legitimidade e a tipicidade no rol dos atributos (DI PIETRO, 2018). Esses atributos, como regra, estendem-se a todos os atos administrativos, sejam unilaterais ou bilaterais, desfavoráveis ou favoráveis ao cidadão. Passamos, portanto, à análise de cada atributo especificamente. Presunção de legitimidade ou veracidade A presunção de legitimidade signifi ca dizer que os atos administrativos são presu- midos verdadeiros. Dessa forma, a Administração Pública não tem o ônus de provar que os seus atos são legais, tampouco que a situação que gerou a necessidade da sua prática realmente existiu; assim, tal ônus recai sobre o destinatário. Cabe ao administrado provar que o agente administrativo agiu de forma ilegítima. Frisamos que nenhum ato administrativo está excluído de tal presunção. Essa presunção se fundamenta na necessidade de rapidez e agilidade na execução dos atos administrativos. Não podemos achar que a presunção de legitimidade e veracidade seja absoluta, pois não é. Em verdade, é de natureza relativa, visto que pode ser desconstituída pela prova que deve ser produzida pelo interessado prejudicado; nesse caso, ocorre o fenômeno da inversão do ônus da prova, que recai sobre o administrado prejudicado, que fica obri- gado a provar que a Administração Pública contrariou a lei ou que os fatos mencionados por ela não são verdadeiros. Para que o ato deixe de produzir efeitos, deve ser desconstituído. Portanto, até a sua desconstituição, o ato continua a produzir seus efeitos normalmente. A legitimidade para analisar tais presunções cabe à Administração Pública e ao Poder Judiciário. Exigibilidade Como defi ne Celso Antônio Bandeira de Mello, a exigibilidade “[...] é a quali- dade em virtude da qual o Estado, no exercício da função administrativa, pode exigir de terceiros o cumprimento, a observância, das obrigações que impôs” (MELLO, 2009, p. 413). Na exigibilidade, há a presença da coação indireta. Atributos dos atos administrativos2 Tomemos por exemplo de exigibilidade a terrível epidemia de vírus Zika que assombra o Brasil. Digamos que um proprietário de terreno é notificado para que limpe o local, pois encontra-se repleto de lixos que acumulam água parada. Após tal notificação (imperatividade da Administração Pública), o proprietário do terreno não cumpre o solicitado; diante da desobediência do particular, este será penalizado com multa, o que significa a exteriorização do pressuposto da exigibilidade. Imperatividade Segundo o atributo da imperatividade, os atos administrativos são impostos a todos, independentemente da vontade do destinatário. A imperatividade traduz a possibilidade de a Administração Pública unilateralmente criar obri- gações para os administrados ou impor-lhe restrições. Esse atributo decorre do poder extroverso do Estado, cuja principal característica é impor seus atos independentemente da concordância do particular. Basta que o ato exista no mundo jurídico para que produza imperatividade. No entanto, o atributo somente está presente nos atos que impõem obrigação ao particular, que são os comandos administrativos. O clássico exemplo de imperatividade é o ato praticado pelos órgãos de fiscalização que interditam um estabelecimento ou retira de circulação mercadorias inadequadas para consumo. Autoexecutoriedade Os atos administrativos podem ser executados pela própria Administração Pública de forma direta, independentemente de autorização dos outros poderes. A doutrina majoritária é pacífi ca ao afi rmar que a autoexecutoriedade não está presente em todos os atos administrativos, mas somente naqueles em que a lei estabelece ou em 3Atributos dos atos administrativos casos em que determinado ato se mostra urgente, como, por exemplo, a destruição de uma construção que oferece risco iminente aos transeuntes. Em razão do atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos, por exemplo, é possível a execução dos efeitos da pena imposta a servidor público antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, a partir de um processo administrativo disciplinar, ou seja, ainda que esteja pendente julgamento de recurso administrativo. Nesse sentido, analisemos o Informativo nº. 559 do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO IMEDIATA DE PENALI- DADE IMPOSTA EM PAD. Não há ilegalidade na imediata execução de penalidade administrativa imposta em PAD a servidor público, ainda que a decisão não tenha transitado em julgado administrativamente. Primeiro, porque os atos administrativos gozam de auto executoriedade, possibilitando que a Administração Pública realize, através de meios próprios, a execução dos seus efeitos materiais, independentemente de autorização judicial ou do trânsito em julgado da decisão administrativa. Segundo, pois os efeitos materiais de penalidade imposta ao servidor público independem do julgamento de recurso interposto na esfera administrativa, que, em regra, não possui efeito suspensivo (art. 109 da Lei 8.112/1990). Precedentes citados: MS 14.450-DF, Terceira Seção, DJe 19/12/2014; MS 14.425-DF, Terceira Seção, DJe 1/10/2014; e MS 10.759-DF, Terceira Seção, DJ 22/5/2006. MS 19.488-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/3/2015, DJe 31/3/201 (BRASIL, 2015, documento on-line). Tipicidade A doutrina não é pacífi ca em relação à tipicidade, já que alguns entendem que não se trata de um atributo e sim de um pressuposto de validade do ato administrativo. Aqui, vamostomar como se fosse atributo, a partir do enten- dimento encabeçado por Di Pietro (2018). Desse modo, podemos considerar que a tipicidade é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras previamente definidas pela lei como aptas a produzir determinados efeitos. Tal atributo é uma garantia ao particular. Tem por finalidade impedir que a Administração Pública venha a agir absolutamente de forma discricionária. Para tanto, o administrador somente pode exercer sua atividade nos termos estabelecidos na lei. Vale ressaltar, contudo, que tal atributo está presente somente nos atos unilaterais. Não existe tipicidade em atos bilaterais, já que não há imposição de vontade da Administração Pública perante a outra parte nesses casos. Atributos dos atos administrativos4 Podemos citar como exemplo de tipicidade a celebração de contratos com a Admi- nistração Pública, em que a concretização depende de aceitação da parte contrária. Em tal situação, não há que se falar em tipicidade. Elementos e requisitos dos atos administrativos Com relação aos elementos ou pressupostos do ato administrativo, alguns autores preferem apresentá-los como elementos do ato administrativo, enquanto outros falam em requisitos. Na doutrina do professor Mello (2009), há uma apresentação deles como pressupostos, apresentando um tratamento diferenciado à matéria. Porém, a doutrina majoritária, em especial, a doutrina de Di Pietro (2018), dá tratamento como elementos e requisitos, consagrados no Direito Positivo brasileiro, em especial, na Lei de Ação Popular — Lei nº. 4.717, de 29 de junho de 1965 —, no art. 2º (BRASIL, 1965), que define os vícios dos atos administrativos e fala nos cinco elementos do ato: competência; objeto; forma; motivo; finalidade. Nos parágrafos do mesmo dispositivo, a lei define os vícios de cada um dos elementos. Assim, esses elementos seriam as condições de existência do ato, que estão previstas no Direito Privado, como o sujeito, o objeto e a forma. Já os requisitos são as condições de validade. Desse modo, quando falamos em agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, estamos falando nos requisitos de validade. São elementos e requisitos do ato administrativo: sujeito competente ou competência; forma; finalidade; motivo; objeto ou conteúdo. 5Atributos dos atos administrativos Sujeito competente ou competência O sujeito competente é o poder que decorre da lei conferida ao agente adminis- trativo para o desempenho regular de suas atribuições. Existe a necessidade de o agente do ato administrativo estar investido de competência para realizá-lo, caso contrário, seria possível incorrer ao agente uma pena por abuso de poder, sob a espécie excesso de poder. Forma Os atos devem respeitar a forma exigida para sua prática e a sua materialização. A regra na Administração Pública é que todos os atos devem ser formados, contrapondo-se ao Direito Privado, em que se aplica a liberdade das formas. Segundo a doutrina majoritária, é um elemento sempre vinculado. Por via de regra, todos os atos devem ser escritos e motivados. De forma excepcional, podem existir atos verbais ou até por gestos, como, por exemplo, um sinal de trânsito ou uma instrução momentânea. Finalidade A fi nalidade é o resultado que a Administração Pública pretende alcançar com a prática do ato. É o seu objetivo. De acordo com o princípio da fi nalidade, é dever da Administração Pública sempre buscar o interesse público, isto é, em uma análise mais restrita, é a fi nalidade determinada pela lei, explícita ou implicitamente. É um elemento sempre vinculado. São nulos os atos que não coincidam com sua fi nalidade. Motivo O motivo é a situação de fato e de direito que gera a necessidade de a Admi- nistração Pública praticar o ato administrativo. É um pressuposto de direito à lei que embasa o ato administrativo, enquanto o pressuposto de fato representa as circunstâncias, situações ou acontecimentos que levam a Administração Pública a praticar o ato. Não devemos confundir motivo com motivação. Esta é a demonstração dos motivos, isto é, a justifi cativa por escrito da existência dos pressupostos de fato. Atributos dos atos administrativos6 O motivo, ou causa, é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo. O motivo é a situação de fato ou de direito que serve de fundamento para a prática do ato. A situação de direito é aquela, descrita na lei, enquanto a situação de fato corresponde ao conjunto de circunstâncias que levam a Administração Pública a praticar o ato. A motivação, por sua vez, vem a ser a exposição dos motivos que determinam a prática do ato e a exteriorização dos motivos que levaram a Administração Pública a praticar o ato. É a demonstração por escrito de que os pressupostos autorizadores da prática do ato realmente aconteceram. A motivação representa a exteriorização por escrito das razões que levaram à prática do ato; portanto, ela não é obrigatória para todo tipo de ato administrativo. Objeto ou conteúdo O objetivo é a modifi cação fática realizada pelo ato no mundo jurídico e as ino- vações trazidas pelo ato na vida de seu destinatário. Segundo Marinela (2007), o objeto é o efeito jurídico imediato do ato, isto é, o resultado prático causado em uma esfera de direitos, seja a criação, modifi cação ou comprovação de situações concernentes a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à ação do Poder Público. Discricionariedade e vinculação dos atos administrativos Exatamente para tornar possível o desempenho da função administrativa, a Administração Pública é dotada de certos poderes que lhe conferem uma posição de supremacia sobre os administrados. Entretanto, visando coibir eventuais abusos ou arbitrariedades, esses poderes especiais encontram-se estritamente vinculados à lei (princípio da legalidade), que ora os restringem, ora os ampliam. Isso quer dizer que a conduta do administrador público, na maioria dos casos, não é livre, mas sim regrada por normas específicas que determinam quando, como e de que forma agir. Nos casos em que a conduta do admi- nistrador se encontra totalmente regulada pela lei, dizemos que o poder da Administração Pública é vinculado. 7Atributos dos atos administrativos O ato administrativo vinculado ocorre na hipótese em que o ordenamento jurídico estabelece todas as condições para a prática do ato administrativo, não havendo liberdade de escolha. Entretanto, existem casos em que a lei não estabelece todas as condições para a prática do ato administrativo, assegurando ao administrador certa margem de escolha para a prática do ato. Nos casos em que a conduta do administrador não se encontra totalmente regulada pela lei, havendo a pos- sibilidade de, diante do caso concreto, o administrador decidir pela opção mais viável, dizemos que o poder da Administração Pública é discricionário. Isso não quer dizer, entretanto, que a escolha do administrador será total- mente livre, eis que também, nesse caso, o critério a ser utilizado encontra-se regulado na lei. Ou seja, a escolha do ato administrativo obedecerá a critérios de oportunidade, conveniência e justiça, que deverão atender ao interesse público. Por isso, toda a autorização da Administração Pública é ato discri- cionário. Justamente por esse motivo, Di Pietro (2018, p. 292) diz que “[...] a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei”. Portanto, podemos concluir que: toda a atividade da Administração Pública é vinculada quando a lei estabelece uma única e específica conduta para solucionar determinado caso concreto; que a atividade da Administração Pública é discricionária quando, diante de um caso concreto, tem a possibilidade de, dentro dos limites e das condições estabelecidas pela lei, decidir a melhor solução para aquele caso concreto. Conforme mencionado, a discricionariedade deve
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