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Resumo Realidade Institucional das Práticas Sociais - RIPS

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Resumo de RIPS – novembro 2020 
 
PSICOLOGIA E SUA IDEOLOGIA: 40 ANOS DE COMPROMISSO COM AS ELITES 
 
A Psicologia sempre esteve vinculada à sociedade brasileira e sempre respondeu a demandas sociais, portanto, 
manteve em toda sua existência um determinado compromisso com a sociedade. Mas não se pode permitir que o 
entusiasmo com o compromisso social que a Psicologia está construindo com a sociedade brasileira oculte a história 
de um compromisso com os interesses das elites no Brasil. A tradição da Psicologia, no Brasil, tem sido marcada 
pelo compromisso com os interesses das elites e tem se constituído como uma ciência e uma profissão para o 
controle, a categorização e a diferenciação. Poucas têm sido as contribuições da Psicologia para a transformação 
das condições de vida. 
 
Se tomarmos a história da psicologia no Brasil, vamos ver que as ideias psicológicas produzidas e, posteriormente, 
as teorias responderam claramente a interesses das elites de controlar, higienizar, diferenciar e categorizar, 
interesses necessários à manutenção ou incremento do lucro e reprodução do capital. A colonização do Brasil foi 
caraterizada fundamentalmente pela exploração, o que exigiu a construção de um forte aparelho repressivo. As 
ideias psicológicas produzidas, por representantes da Igreja ou intelectuais orgânicos do sistema português, tiveram 
a marca do controle. No século XIX, o Brasil passa a Império e as ideias psicológicas vão ser produzidas no âmbito 
da medicina e educação e responderam aos interesses da higienização da sociedade. 
 
A educação esteve marcada por práticas autoritárias e disciplinares, a medicina, pela criação de hospícios. A 
sociedade esteve dominada pela ideologia da ordem e da higienização. As ideias psicológicas nesse período 
puderem contribuir significativamente no trabalho da educação e da medicina, na busca da higienização moral da 
sociedade brasileira. A educação, marcada pela busca do controle de impulsos, considerados inadequados nas 
crianças, caracterizou-se por práticas disciplinares moralistas. Carregada de racionalidade e de controle, a educação 
buscou desenraizar o mal que caracterizava a natureza infantil. As ideias psicológicas falam da moral como 
característica natural do homem, que a perde quando se degenera. A moralidade naturalizada fala de valores que 
eram dominantes na sociedade europeia e que correspondiam à moral dos grupos dominantes. Eram valores 
distantes das possibilidades das camadas trabalhadoras e escravas. Associava-se com facilidade a imoralidade à 
pobreza e a à negritude. 
 
O final do século XIX trouxe a República. Na educação o pensamento esteve marcado pelo movimento da Escola 
Nova, valorizou a infância e trabalhou para preservá-la. Aboliu os castigos e a vigilância disciplinar, substituindo-a 
pela vigilância psicológica. O trabalho do psicólogo não está ao alcance de quem precisa dele, os trabalhos em 
consultórios são caros e, portanto, inacessíveis à população pobre do país. A inserção do profissional na sociedade 
ainda é pequena, dado seu potencial humano e técnico. O que define uma atuação abrangente é o quanto essa 
atuação reflete o potencial da utilidade e de contribuição da profissão à sociedade. A Psicologia se instituiu em nossa 
sociedade moderna como uma ciência e uma profissão conservadoras que não constroem nem debatem um projeto 
de transformação social. Afastou-se da tarefa de construção de um projeto social principalmente por ter adotado uma 
perspectiva naturalizante de homem e de seu desenvolvimento psíquico. As teorias desenvolvidas tomaram o 
psiquismo como algo natural que tinha percurso certo. O trajeto do desenvolvimento psíquico estava dado pela 
natureza humana. Essa concepção afastou as teorias das preocupações sociais e não exigiu, dos psicólogos, um 
posicionamento, no sentido de adoção de um projeto de sociedade e de homem. A Psicologia Comunitária significou 
um avanço porque exigia que a Psicologia olhasse a realidade social como um princípio da construção da ciência e 
da profissão. A partir daí se desenvolveu esta visão que se transformou em forças progressistas na saúde pública, 
nos anos 80 e posteriormente em outros setores – educação, assistência social, trabalho. 
 
Elementos Ideológicos da Profissão: 
 
1. A Psicologia tem naturalizado o fenômeno psicológico: O fenômeno psicológico é identificado com um 
verdadeiro e, que por ser natural é visto como mais verdadeiro que o eu que aparece nas relações sociais, sendo 
esse resultado da negociação feita pelo sujeito com o mundo social, para dar conta dos interesses e desejos do eu 
verdadeiro. O fenômeno psicológico é naturalizado, está em todos nós, ao nascermos, em potencial e se 
desenvolverá conforme o homem for aproveitando as situações de estimulação que o mundo social lhe oferece. 
Como algo natural tem destino traçado. Essa concepção de fenômeno psicológico teve como resultado uma 
Psicologia de costas para a realidade social. Não se tem nenhuma necessidade de fazer referência ao cotidiano 
vivido pelas pessoas, à cultura e aos valores sociais, às formas de produção da sobrevivência e às relações sociais 
para compreender o mundo psíquico. O fenômeno psicológico é visto como universal. A Psicologia se constitui e se 
institui na sociedade como uma profissão corretiva, que deve ser utilizada apenas quando desvios ou patologias 
estejam instaladas. A psicologia ficou assim associada a patologias, desvios, doenças, conflitos, desequilíbrios e 
desajustes. Não foi possível desenvolver uma profissão que contribuísse para a qualidade de vida, promovendo 
saúde. O fenômeno psicológico não deveria ser concebido como algo natural e universal. Nossas concepções sobre 
a subjetividade deveriam unir o mundo objetivo com o mundo subjetivo, a fim de compreende-los como construções 
histórias a partir da atuação transformadora do homem sobre o mundo. 
 
2. Os psicólogos não têm concebido suas intervenções como trabalho: Os psicólogos passam a entender que 
sua missão é ajudar as pessoas a se desenvolverem. Significa que esse trabalho é uma forma de colaboração e 
intervenção, mas é somente do sujeito o processo de produção de si mesmo, que se autoconhecendo poderá se 
autoconduzir e se auodesenvolver. Os psicólogos não acreditam que direcionam o desenvolvimento de seus clientes, 
pois a direção desse desenvolvimento está dada pela natureza. O trabalho da psicologia é desvelar, desvendar as 
verdades sobre o sujeito para que ele mesmo possa se conduzir. Assim, os psicólogos se isentam de assumir um 
projeto social – de homem e sociedade – para promover e incentivar por meio do seu trabalho. Todos os nossos 
recursos psicológicos são vistos como neutros, todas as teorias sobre o mundo psicológico são universais e não 
estão relacionadas a concepções estas ou aquelas. Nossa prática não tem nada a ver com os interesses sociais e 
com as disputas políticas da sociedade. A psicologia construiu um discurso que nega a intervenção direcionada. 
Escondeu-a a partir de um discurso de que o homem se autodetermina e se autodesenvolve. Ocultou, em seu 
discurso, seu projeto social. 
 
3. A Psicologia tem concebido os sujeitos como responsáveis e capazes de promover seu próprio 
desenvolvimento: Há, nas concepções em Psicologia, uma ideia de que o homem possui em si mesmo uma força 
motriz que o movimenta para o destino de seu desenvolvimento. Nestas concepções, a sociedade não tem papel 
algum. Está vista como algo externo ao sujeito que nada tem a ver com seu desenvolvimento. O homem se 
desenvolve pela sua natureza. A sociedade é vista muitas vezes como algo que impede, que deve ser driblado, 
controlado, para que não impeça o desenvolvimento das potencialidades que já estão no homem, a priori. A 
sociedade não é vista como algo do ser humano, construção do próprio homem, objetivação do humano que permite 
transmitir de geração para geração a humanidade criada pelohomem. Assim, os psicólogos se puseram de costas 
para a realidade social, acreditando poder entender o fenômeno psicológico a partir do próprio homem. A psicologia 
mais uma vez ocultou as determinações sociais, construindo ideologia. A psicologia tem concebido os sujeitos como 
responsáveis e capazes de promover seu próprio desenvolvimento. Essa concepção isola o sujeito e sua 
subjetividade do mundo social e isenta as instituições sociais e modos de produção da sobrevivência de qualquer 
responsabilidade pelos sofrimentos psicológicos. Os problemas e características do mundo psíquico são explicados 
pelo seu próprio funcionamento e movimento. 
 
A psicologia precisa, para superar suas construções ideológicas, analisar todos os elementos que se constituem 
como determinações do humano, sem isolar o mundo psíquico no interior do indivíduo, como algo natural, universal e 
dotado de força própria. A mudança nesta concepção permitirá a superação da ideologia presente na Psicologia e 
consolidará um novo compromisso dos psicólogos e da Psicologia com a sociedade, um compromisso de trabalho 
pela melhoria da qualidade de vida, um compromisso em nome dos direitos humanos e do fim das desigualdades 
sociais. 
 
 
POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL: O QUE ESTÁ EM JOGO NAS MUDANÇAS EM CURSO 
 
Graças à política de saúde mental iniciada nos anos 1980, o Brasil conquistou um lugar único no campo da 
saúde mental global. Esse destaque, amplamente reconhecido em nível internacional, deriva de o Brasil ter sido um 
dos primeiros, fora do grupo dos países de maiores recursos, a estabelecer uma política nacional de saúde mental e 
de tê-la implementado com êxito apreciável durante mais de 30 anos. Centrada inicialmente na substituição do 
modelo baseado no hospital psiquiátrico por um novo sistema de serviços baseados na comunidade e na proteção 
dos direitos humanos das pessoas com transtorno mental, a política de saúde mental, à medida que foi se 
fortalecendo, foi também se estendendo a outros objetivos – a prevenção dos transtornos mentais, a atenção à saúde 
mental de crianças e adolescentes e as estratégias contra as dependências de álcool e outras drogas. 
 
A política de saúde mental iniciada nos anos 1980 
 
Origens e evolução 
 
No final dos anos 1970, o desenvolvimento de uma política nacional de saúde mental era uma necessidade urgente 
no Brasil. O sistema psiquiátrico, baseado principalmente em um grande número de hospitais psiquiátricos, 
caracterizados por baixa qualidade de cuidados e ocorrência frequente de violações dos direitos humanos, era 
escandalosamente arcaico. Uma reforma dos serviços de saúde mental era absolutamente indispensável. Para 
responder às violações dos direitos humanos nos hospitais psiquiátricos da época, as reformas inicialmente focaram-
se na melhoria das condições de vida nessas instituições e na promoção de um processo de desinstitucionalização. 
Os principais objetivos centraram-se, assim, na substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por uma rede de 
serviços comunitários, tendo como núcleo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que se inspiravam nos 
centros de saúde mental desenvolvidos na Itália e em outros países europeus. 
 
O desenvolvimento da política de saúde mental no Brasil esteve estreitamente associado à criação do Sistema Único 
de Saúde (SUS), à descentralização da administração da saúde no país, à mobilização de profissionais e a 
mudanças sociais e culturais da sociedade brasileira. A participação de todos os setores da sociedade foi outra 
característica importante da reforma brasileira. Houve conferências nacionais de saúde mental com milhares de 
participantes, incluindo profissionais, usuários e famílias, que tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da 
política de saúde mental. Também devem ser citados os ativistas sociais e culturais, que foram frequentemente 
aliados decisivos, além da participação dos usuários, que foi incentivada. Como sucede em todos os processos 
inovadores, a política de saúde mental suscitou resistências significativas por parte dos setores mais tradicionais. No 
entanto, os desenvolvimentos verificados mais tarde no campo dos direitos humanos, em particular o consenso 
criado em torno dos princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a 
adoção generalizada dos princípios do recovery, mostraram que a política brasileira não só esteve certa nesse 
campo, como antecipou muitos dos princípios que viriam a ser universalmente reconhecidos com relação aos direitos 
humanos das pessoas com transtornos mentais. 
 
Progressos, fragilidades e desafios 
 
Entre 2001 e 2014, verificou-se uma drástica redução do número de leitos em hospitais psiquiátricos: de 53.962 em 
2001 para 25.988 em 2014. Deve-se notar também que foi o movimento desenvolvido nos anos 1980 e 1990 que 
tornou possível a aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica em 2001. Além disso, foi essa lei que, juntamente com o 
apoio político conquistado na III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada no mesmo ano, possibilitou a 
redução dos leitos, bem como muitas outras ações especificamente dirigidas à melhoria da atenção aos pacientes de 
longa permanência, como foi o caso do desenvolvimento de serviços residenciais. A desinstitucionalização foi um 
processo planejado e progressivo. Serviços baseados na comunidade foram criados para substituir os serviços 
baseados no hospital. Os CAPS constituíram o núcleo fundamental desses serviços, tendo sido projetados para 
responder às principais necessidades de cuidados dos pacientes que sofrem de transtornos mentais graves e 
persistentes. Foram criados e incorporados à rede de saúde do SUS os CAPS-i, para prestar atendimento a crianças 
e adolescentes, e os CAPS-AD, para atender pacientes com problemas relacionados ao uso de álcool e abuso de 
substâncias. Os serviços residenciais terapêuticos, que podem abrigar até oito pacientes, tornaram-se também um 
recurso importante para a desinstitucionalização de pacientes de longa permanência. Uma estratégia especialmente 
inovadora para a desinstitucionalização foi o programa Volta para Casa. Dentro desse programa, um apoio financeiro 
poderia ser oferecido a pacientes desinstitucionalizados, que tivessem estado internados ininterruptamente durante 
pelo menos um ano. Além desse apoio, a esses pacientes foi também assegurado o acesso a um programa de 
gerenciamento de casos fornecido pelos CAPS de sua área residencial, incluindo cuidados e apoio na resolução de 
problemas de documentação civil. 
 
No decorrer desse processo, recursos financeiros significativos da rede hospitalar foram realocados para serviços 
comunitários: no período em questão, o orçamento para atendimento hospitalar psiquiátrico foi reduzido de 95% do 
total para menos de 30%, possibilitando assim o financiamento dos serviços substitutivos na comunidade, que se 
tornou quinze vezes maior do que no período anterior. Avanços substanciais também foram feitos em relação ao 
atendimento de crianças e adolescentes, na assistência a dependentes de álcool e substâncias, bem como na 
aprovação de uma agenda relacionada aos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais. Fragilidades 
relevantes verificaram-se com relação a financiamento. Embora direcionado corretamente para os serviços 
comunitários, o financiamento tem sido considerado, por muitos, insuficiente para a implementação plena de diversos 
componentes da reforma. O desenvolvimento de recursos humanos foi também considerado um problema 
importante. Fragilidades também foram apontadas em relação à qualidade da informação produzida pelos serviços, à 
integração da saúde mental na atenção primária e à sustentabilidade das associações de usuários. Entre os 
principais desafios, contam-se sobretudo a ampliação do acesso e integração da saúde mental com a atenção 
primária, o desenvolvimento de respostas de internação de agudos no hospital gerale a articulação entre os vários 
componentes do sistema. 
 
Mudanças após 2016 
 
Existe hoje um largo consenso em nível internacional sobre a importância vital de assegurar a substituição dos 
hospitais psiquiátricos por uma rede integrada e territorial de serviços comunitários. Esse é um dos quatro objetivos 
fundamentais do Plano Global de Saúde Mental da OMS, e o relatório da Lancet Commission recomenda 
explicitamente que o encerramento de hospitais psiquiátricos deverá ser iniciado pelos países de renda baixa, 
consolidado nos de renda média e completado nos de renda alta. Interromper essa substituição e voltar a colocar o 
hospital psiquiátrico no centro do sistema de saúde mental, como estabelece a Nota Técnica, resultará 
inevitavelmente na diminuição do acesso à atenção de qualidade, no aumento das violações dos direitos humanos e 
no aumento da exclusão social das pessoas com transtornos mentais. Todos os esforços de redistribuição dos recur-
sos financeiros serão anulados, e os recursos disponíveis para serviços na comunidade certamente se tornarão cada 
vez mais escassos. 
 
Por razões de outra ordem, a proposta de criação de Unidades Psiquiátricas Especializadas em hospitais gerais e 
Unidades Ambulatoriais Especializadas, tal como enunciada no documento, não pode também deixar de suscitar 
algumas reservas. Embora ambos os tipos de serviço possam ter um papel importante em um sistema de saúde 
mental, a sua criação, de forma desligada de um território específico e sem uma integração adequada com os CAPS 
e outros dispositivos da comunidade, levará inevitavelmente a uma fragmentação do sistema e a um 
desaparecimento da continuidade de cuidados. Por outro lado, a possibilidade de estabelecimento de unidades 
ambulatoriais especializadas destinadas ao tratamento de pessoas com transtornos mentais mais comuns e 
prevalentes em hospitais não parece fazer muito sentido. Essas unidades devem estar junto das pessoas e dos 
serviços de atenção primária, com que desejavelmente devem colaborar. Essas e outras mudanças propostas – por 
exemplo, referentes à criação de serviços de internação para crianças e adolescentes e às estratégias na área de 
álcool e outras drogas – revelam, no fundo, uma ênfase nas abordagens institucionais e uma subalternização 
sistemática das abordagens integradas com base na comunidade. Esses pontos são totalmente discordantes do 
propósito, repetidamente manifesto na Nota Técnica, de passar a basear em evidências científicas todas as ações de 
prevenção, promoção à saúde e tratamento. Essa contradição é, aliás, um dos aspectos que mais chama a atenção 
na leitura desse documento. Apesar de uma constante proclamação de respeito à evidência científica, o texto em que 
se apresenta uma nova política de saúde mental não inclui uma única referência aos inúmeros contributos surgidos, 
nos últimos anos, da epidemiologia psiquiátrica, da investigação de políticas e de serviços de saúde mental e da 
ciência de implementação, que constituem, hoje em dia, o suporte conceptual e científico das políticas de saúde 
mental. As mudanças propostas ignoram totalmente as evidências que provam a necessidade de basear a promoção, 
a prevenção e o tratamento dos transtornos mentais em uma abordagem de saúde pública, sistêmica e intersetorial. 
Igualmente, partem da crença, hoje totalmente ultrapassada, de que se pode construir uma política de saúde mental 
apenas com base em uma perspectiva estritamente clínica, ignorando todo o debate atual à volta da saúde mental do 
futuro. 
 
CONCEITOS E DEFINIÇÕES DO SUÍCIDIO 
 
O comportamento suicida pode ser visto desde os primórdios, relacionado a uma forma heroica para salvar um povo 
ou relacionado à fuga, com o intuito de escapar de uma situação sem saída. A igreja condena o suicídio, 
considerando-o como tríplice ofensa (a si mesmo, a cidade e a Deus), a partir dos entendimentos de Tomás de 
Aquino e Agostinho. No século VI a igreja designa o suicídio como pecado mortal, situação que persiste na maioria 
das religiões cristãs. 
 
Comportamento Suicida: Todo ato pelo qual o indivíduo causa lesão em si mesmo, qualquer que seja o grau de 
intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato. 
 
Durkheim: Taxas de suicídio de um país são indicadores de sua situação social e as alterações nessas taxas 
associam-se a problemas que afetam essa sociedade. Afirma que o suicídio pode ser dividido em quatro classes: 
 Egoísta: Pessoas com baixa integração na sociedade, deprimidas, isoladas ou pertencentes a grupos não 
aceitos, pessoas que ficam acima ou à margem do grupo social; 
 Altruísta: Pessoas com alta integração na sociedade, que muitas vezes esquecem-se de si em prol de uma 
causa ou perdem a vida para defender/proteger indivíduos ou ideais. Estão incluídas pessoas que se matam 
por sentirem-se muito culpadas após cometerem uma infração ou efetuam o suicídio em prol de um grupo, 
como ato de sacrifício; 
 Anômico: Pessoas com baixa regulação na sociedade. Estão incluídas pessoas desempregas, divorciadas, 
que não acompanham as pressões da escola/sociedade, que tiveram perdas na família, estão em situações 
de profunda desorientação e falta de perspectiva. Tem relação forte com a desorganização social, por 
exemplo suicídios que ocorrem quando há grande instabilidade econômica; 
 Fatalista: Pessoas com alta regulação com a sociedade que estão submetidos ou submetem-se as regras ou 
a controles rígidos em que não há esperança de mudança ou que não conseguem modificar a situação em 
que são inseridas, como escravos, prisioneiros, etc. 
 
Os estudos psiquiátricos em relação ao suicídio começaram no fim do século XVII com médicos, em especial os 
alienistas, que promoveram debate sobre a etiologia do suicídio. O ponto comum e presente até os dias de hoje é 
que suicídio é resultado de doença. Apresentam uma visão individualista e médica do suicídio, propondo uma relação 
inegável entre os transtornos psiquiátricos e o suicídio. Do ponto de vista psicológico, Shneidman, considerado o pai 
da suicidologia moderna, afirma que para haver um suicídio é fundamental a combinação dos seguintes elementos: 
 Sentimento de dor intolerável; 
 Atitude de autodesvalorização; 
 Constrição marcada da mente com prejuízo das tarefas do dia a dia; 
 Sensação de isolamento intenso e desesperança. 
Psychache (dor psíquica): Dor emocional insuportável. Fator fundamental para ocorrer um suicídio. Matar-se seria a 
forma mais rápida de aliviar essa dor, que inclui uma sensação angustiantes de estar preso em si mesmo e sem 
saída com um desespero irremediável em uma turbulência emocional interminável. 
 
Para a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), o suicídio tem relação com os quatros Ds: depressão, 
desamparo, desesperança e desespero. O suicídio, nesses casos, não é visto como um problema e sim como 
solução para um problema sentido, apresentando os três Is: intolerável, inescapável e interminável. Os três principais 
aspectos psicológicos do estado em que se encontra a maioria das pessoas sob risco de suicídio são a ambivalência, 
impulsividade e rigidez/constrição. O modelo diátese-estresse de Mann demonstra como uma predisposição 
genética, em conjunto com eventos estressores ocorridos na vida de uma pessoa, características pessoais, 
comorbidades, entre outros, elevam o risco de vulnerabilidade ao comportamento suicida em períodos de estresse. A 
OMS define que o comportamento suicida é um fenômeno multifatorial, multideterminado e transacional, que se 
desenvolve por trajetórias complexas, porém identificáveis. 
 
Atualmente utilizamos o conceito de multifatoriedade – fatores múltiplos, em que o suicídio é resultado multifacetado 
de vários fatores inter-relacionados incluindo fatores culturais, sociais, psicológicos psiquiátricos, biológicos, 
filosóficos, econômicos, religiosos, entre outros, que influenciam esse comportamento. 
 
 
Outros fatores de risco, comumente encontrados na literatura, que podem seracessados por meio do aumento da 
consciência pública são: 
 
 
 
Os fatores de proteção do comportamento suicida englobam: 
 
 
O suicídio será o evento final da complexa relação entre uma série de fatores de risco e de proteção, observáveis ou 
não e da ajuda disponível oferecida e percebida. O efeito da mídia aparece como um importante desencadeador do 
suicídio, ficando atrás do desemprego e da violência para todas as faixas etárias, tornando-se ainda maior para 
homens jovens com idades entre 15 e 29 anos. Oferecer continuidade na ajuda e no apoio aos que tentaram suicídio 
bem como diminuir o estigma relacionado a esse comportamento e ao fato de pedir ajuda destacam-se como fatores 
importantes para essa população de alto risco. 
 
Modelo Leavell and Clark. A prevenção primária corresponde à promoção de saúde geral, à prevenção de certos 
agentes ou situações específicas, antes que o processo patológico estabeleça-se. A secundária refere-se a 
intervenções direcionadas aos grupos em risco ou para fazer o diagnóstico e tratamentos precoces, a fim de 
interromper ou reverter um processo que já tenha se iniciado. A terciária relaciona-se com intervenções de 
reabilitação, reintegração, gestão, estabilização de um processo, que pode deixar consequências funcionais ou levar 
à morte, para reduzir os custos sociais e econômicos resultantes dessa situação. 
 
Modelo Gordon. Prevenção universal é indicada para todos. Toda a população, em teoria, teria acesso às 
informações, campanhas de conscientização, etc. A prevenção seletiva é relacionada a pessoas com baixo ou médio 
risco de desenvolverem comportamentos suicidas, para impedir que desenvolvam, por meio da redução de fatores de 
risco, aumento dos fatores de proteção e também busca ativa para identificar pessoas vulneráveis. A prevenção 
indicada é relacionada a pessoas com alto-risco, que já tenham desenvolvido comportamentos suicidas. Geralmente 
são de longa duração. 
 
 
 
 
 
A OMS estima que para cada morte por suicídio há uma média de cinco a dez pessoas que serão severamente 
afetadas pelo evento, na maioria das vezes, com laços consanguíneos. Alguns autores sugerem que esse número é 
ainda maior, de vinte e oito a cinquenta pessoas, dependendo da idade do indivíduo e do tamanho da família. 
Sobreviventes podem vivenciar uma série de emoções contraditórias e confusas após o suicídio o que altera suas 
vidas para sempre. 
 
CONTAR E BRINCAR ENTRE A DOR E O PRAZER – INTERVENÇÃO E POLÍTICA NO CAMPO DA 
ASSISTÊNCIA SOCIAL 
 
Vulnerabilidade Social: Em um primeiro momento, no Brasil, se expressa associada ao paradigma de carências 
torna-se um modo de nomear a população em situação de pobreza ou miséria. Na atualidade começam a ser 
considerados os fatores contextuais, o estudo de processos e relações sociais, sem priorizar unicamente o aspecto 
socioeconômico. Há um desvio para um olhar dinâmico e mutante sobre o conceito, considerando-o não apenas a 
partir das condições materiais, mas também a partir das estratégias individuais e grupais da população, no intuito de 
lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade. Um indivíduo ou grupo torna-se vulnerável quando 
alguns acontecimentos e situações o levam a quebrar seus vínculos sociais com o trabalho, a família ou seu círculo 
de relações. O acesso ao trabalho e ao lazer, a discriminação, a violência e as drogas são aspectos da 
vulnerabilidade. A inclusão em projetos sociais é necessária por provocar a resistência dos sujeitos quando lhes é 
possibilitada a busca e o reconhecimento das alteridades e diversidade. 
 
Menores: Crianças abandonadas e desassistidas durante a infância. 
Criança: Lugar da criança assistida na infância no contexto familiar, que lhe dá suporte para viver a infância em 
pleno direito, com escolaridade, lazer e cuidados com a saúde. 
 
Conto: Estrutura com início, meio e fim, promovendo um tema. Tem caráter plástico. Narrativa escrita curta e de 
impacto que confabula para um efeito intenso no leitor. Abarca um compromisso de transmissão de elementos 
culturais que vão se desdobrando em ideias, histórias, modos de ver a vida. A narração de um conto opera tanto 
sobre a imaginação do narrador quanto sobre a imaginação do ouvinte, permitindo a ambos elaborar e acomodar 
suas lembranças e sentimentos. Narrar histórias supõe interação, olhar, toque, entendimento de gestos. A narrativa 
do trauma possibilita o curar, ao transformar em palavras o sofrimento e os afetos reprimidos, e ao narrá-los a outro, 
com quem se possui um vínculo afetivo e quem acolhe a narrativa sem virar as costas. 
 
Oficinas Artísticas: Dispositivo clínico que, além de potencial de cura, apresenta possibilidades de promoção à 
saúde, de aprendizagens, assistência, cuidado e incide nos processos de subjetivação. Brincadeira de violência x 
ação violenta. 
 
ACOLHIMENTO: AS INTERFACES DO ENCONTRO 
 
Acolhimento: Não somente um ato, mas uma postura institucional que envolve todos os trabalhadores. Dependendo 
da forma como estas intricadas relações se deem, a acolhida existirá ou não, e, existindo, será mais ou menos 
efetiva, conforme também as relações que se estabeleceram anteriormente. O acolhimento das famílias e indivíduos 
é estratégia fundamental para a criação e fortalecimento do vínculo entre a instituição e a comunidade, de modo a 
constituir esse serviço como local de referência na busca de apoio e acesso à rede socioassistencial. Trata-se de um 
momento estratégico para que o usuário compreenda o atendimento dentro de uma visão ampla do sistema, no 
sentido de consolidar e disseminar uma outra cultura da assistência social, superando a concepção assistencialista e 
individualista. A acolhida prevê três etapas: 
 Recepção: Tem extrema importância no processo de formação de vínculo com o serviço. Deve propiciar 
informações e encaminhamentos adequados e estar diretamente conectada com as demais etapas. É o 
momento da chegada das famílias, quanto mais qualificado e acolhedor, mais efetivos serão os passos 
subsequentes. 
 Grupo de Acolhida: Sem perder o olhar para as individualidades, aposta-se na potência do grupo enquanto 
espaço de encontro e multiplicação de saberes. Os técnicos precisam estar bem atualizados sobre os 
movimentos reinvidicatórios da comunidade, impasses, potencialidades, conquistas, entraves, história, 
lideranças, ter o mapeamento daquele local para contextualizar aquilo que o grupo traz como necessidade. 
 Entrevista de Acolhida: Atendimento inicial individualizado e deve garantir uma escuta qualificada das 
necessidades e demandas trazidas pelos sujeitos. Processar as demandas individuais em coletivas. 
 
A qualidade do vínculo estabelecido está diretamente relacionada com a potencialidade de gerar mudanças nos 
serviços, bem como com a possibilidade dos usuários nos processos da instituição. Não deve estar centrado em 
repassar informações, mas em permitir a expressão das pessoas que ali estão e favorecer a constituição de um 
grupo de referência, que possa se constituir dentro da comunidade como um espaço efetivo de acolhimento social. O 
acolhimento possibilita à equipe pensar planejar ações, atividades e metodologias para trabalhar com as situações e 
questões apresentadas pelos usuários. E é nesse momento que o acolhimento encontra o acompanhamento e o 
encaminhamento, que será elaborado com cada usuário, com cada família acolhida. O acompanhamento flui a partir 
do vínculo inicial estabelecido, e os encaminhamentos implicam uma continuidade. O acolhimento não é um espaço 
ou um local, mas uma postura ética: não pressupõe hora ou profissional específico para fazê-lo, implica 
compartilhamento de saberes, angústias e invenções. O espaço de acolhimento configura um lugar de troca de 
saberes e construção de novas estratégias de enfrentamento das dificuldades encontradas no dia a dia, individuais 
ou coletivas. Desse modo é que o diferenciamos de triagem, pois ele não se constitui como uma etapa do processo,mas como ação que deve ocorrer em todos os locais e momentos do serviço de saúde O acolhimento se dá também 
nos espaços além da instituição, se dá pelas famílias, que podem ou não acolher o local e seus profissionais. 
 
ACOLHIMENTO NAS PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE SAÚDE 
 
O acolhimento como postura e prática favorece a construção de uma relação de confiança e compromisso dos 
usuários com as equipes e os serviços, contribuindo para a promoção da cultura de solidariedade e para a 
legitimação do sistema público de saúde. Favorece, também, a possibilidade de avanços na aliança entre usuários, 
trabalhadores e gestores da saúde em defesa do SUS como uma política pública essencial da e para a população 
brasileira. Acolher é dar acolhida, admitir, aceitar, dar ouvidos, dar crédito, agasalhar, receber, atender, admitir. O 
acolhimento como ato ou efeito de acolher expressa, em suas várias definições, uma ação de aproximação, um 
“estar com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude de inclusão. Essa atitude implica, por sua vez, estar em 
relação com algo ou alguém. É exatamente nesse sentido, de ação de “estar com” ou “estar perto de”, que queremos 
afirmar o acolhimento como uma das diretrizes de maior relevância ética/estética/política da Política Nacional de 
Humanização do SUS: 
 Ética no que se refere ao compromisso com o reconhecimento do outro, na atitude de acolhê-lo em suas 
diferenças, suas dores, suas alegrias, seus modos de viver, sentir e estar na vida; 
 Estética porque traz para as relações e os encontros do dia-a-dia a invenção de estratégias que contribuem 
para a dignificação da vida e do viver e, assim, para a construção de nossa própria humanidade; 
 Política porque implica o compromisso coletivo de envolver-se neste “estar com”, potencializando 
protagonismos e vida nos diferentes encontros. 
 
A vida não é o que se passa apenas em cada um dos sujeitos, mas principalmente o que se passa entre os sujeitos, 
nos vínculos que constroem e que os constroem como potência de afetar e ser afetado. Podemos dizer que temos 
como um dos nossos desafios reativar nos encontros nossa capacidade de cuidar ou estar atento para acolher, tendo 
como princípios norteadores: 
 O coletivo como plano de produção da vida; 
 O cotidiano como plano ao mesmo tempo de reprodução, de experimentação e invenção de modos de vida; 
 A indissociabilidade entre o modo de nos produzirmos como sujeitos e os modos de se estar nos verbos da 
vida (trabalhar, viver, amar, sentir, produzir saúde...). 
 
Os processos de produção de saúde dizem respeito, necessariamente, a um trabalho coletivo e cooperativo, entre 
sujeitos, e se fazem numa rede de relações que exigem interação e diálogo permanentes. Cuidar dessa rede de 
relações, permeadas como são por assimetrias de saber e de poder, é uma exigência maior, um imperativo, no 
trabalho em saúde. Pois é em meio a tais relações, em seus questionamentos, e por meio delas que construímos 
nossas práticas de co-responsabilidade nos processos de produção de saúde e de autonomia das pessoas 
implicadas, afirmando, assim, a indissociabilidade entre a produção de saúde e a produção de subjetividades. O 
acolhimento é uma das diretrizes que contribui para alterar essa situação, na medida em que incorpora a análise e a 
revisão cotidiana das práticas de atenção e gestão implementadas nas unidades do SUS. Tradicionalmente, a noção 
de acolhimento no campo da saúde tem sido identificada: 
 Ora como uma dimensão espacial, que se traduz em recepção administrativa e ambiente confortável; 
 Ora como uma ação de triagem administrativa e repasse de encaminhamentos para serviços especializados. 
Ambas as noções têm sua importância. Entretanto, quando tomadas isoladamente dos processos de trabalho em 
saúde, se restringem a uma ação pontual, isolada e descomprometida com os processos de responsabilização e 
produção de vínculo. A proposta do acolhimento, articulada com outras propostas de mudança no processo de 
trabalho e gestão dos serviços (co-gestão, ambiência, clínica ampliada, programa de formação em saúde do 
trabalhador, direitos dos usuários e ações coletivas) é um dos recursos importantes para a humanização dos serviços 
de saúde. É preciso não restringir o conceito de acolhimento ao problema da recepção da “demanda espontânea”, 
tratando-o como próprio a um regime de afetabilidade (aberto a alterações), como algo que qualifica uma relação e é, 
portanto, passível de ser apreendido e trabalhado em todo e qualquer encontro e não apenas numa condição 
particular de encontro, que é aquele que se dá na recepção. O acolhimento na porta de entrada só ganha sentido se 
o entendemos como uma passagem para o acolhimento nos processos de produção de saúde. A reversão desse 
processo nos convoca à construção de alianças éticas com a produção da vida, em que o compromisso singular com 
os sujeitos, os usuários e os profissionais de saúde ganhem centralidade em nossas ações de saúde. Essas alianças 
com a produção da vida implicam um processo que estimula a co-responsabilização, um encarregar-se do outro, seja 
ele usuário ou profissional de saúde, como parte da minha vida. Trata-se, então, do incentivo à construção de redes 
de autonomia e compartilhamento, em que a experimentação advinda da complexidade dos encontros possibilita que 
“eu me reinvente, inventando-me com o outro”. 
 
O acolhimento no campo da saúde deve ser entendido, ao mesmo tempo, como diretriz ética/estética/política 
constitutiva dos modos de se produzir saúde e ferramenta tecnológica de intervenção na qualificação de escuta, 
construção de vínculo, garantia do acesso com responsabilização e resolutividade nos serviços. Como diretriz, 
podemos inscrever o acolhimento como uma tecnologia do encontro, um regime de afetabilidade construído a cada 
encontro e mediante os encontros, portanto como construção de redes de conversações afirmadoras de relações de 
potência nos processos de produção de saúde. O acolhimento como ação técnico-assistencial possibilita que se 
analise o processo de trabalho em saúde com foco nas relações e pressupõe a mudança da relação 
profissional/usuário e sua rede social, profissional/profissional, mediante parâmetros técnicos, éticos, humanitários e 
de solidariedade, levando ao reconhecimento do usuário como sujeito e participante ativo no processo de produção 
da saúde. 
 
Colocar em ação o acolhimento, como diretriz operacional, requer uma nova atitude no fazer em saúde e implica: 
 Protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de produção de saúde; 
 Valorização e a abertura para o encontro entre o profissional de saúde, o usuário e sua rede social; 
 Reorganização do serviço de saúde a partir da problematização dos processos de trabalho, de modo a 
possibilitar a intervenção de toda a equipe multiprofissional encarregada da escuta e da resolução do 
problema do usuário; 
 Elaboração de projetos terapêuticos individuais e coletivos com equipes de referência em atenção diária que 
sejam responsáveis e gestoras desses projetos (horizontalização por linhas de cuidado); 
 Mudanças estruturais na forma de gestão do serviço de saúde, ampliando os espaços democráticos de 
discussão e decisão, de escuta, trocas e decisões coletivas. A equipe neste processo pode também garantir 
acolhimento para seus profissionais e às dificuldades de seus componentes na acolhida à demanda da 
população; 
 Postura de escuta e compromisso em dar respostas às necessidades de saúde trazidas pelo usuário, de 
maneira que inclua sua cultura, seus saberes e sua capacidade de avaliar riscos; 
 Construção coletiva de propostas com a equipe local e com a rede de serviços e gerências centrais e 
distritais. 
 
O acolhimento requer prestar um atendimento com resolutividade e responsabilização, orientando, quando for o caso, 
o paciente e a família em relação a outros serviços de saúde, para a continuidade da assistência, e estabelecendo 
articulações com esses serviços, para garantir aeficácia desses encaminhamentos. Uma postura acolhedora implica 
estar atento e poroso às diversidades cultural, racial e étnica. O profissional deve escutar a queixa, os medos e as 
expectativas, identificar os riscos e a vulnerabilidade, acolhendo também a avaliação do próprio usuário, e se 
responsabilizar para dar uma resposta ao problema. Nesse funcionamento, o acolhimento deixa de ser uma ação 
pontual e isolada dos processos de produção de saúde e se multiplica em inúmeras outras ações, que, partindo do 
complexo encontro entre o sujeito profissional de saúde e o sujeito demandante, possibilitam que sejam analisados: 
 O ato da escuta e a produção de vínculo como ação terapêutica; 
 As formas de organização dos serviços de saúde; 
 O uso ou não de saberes e afetos, para a melhoria da qualidade das ações de saúde, e o quanto esses 
saberes e afetos estão a favor da vida; 
 A humanização das relações em serviço; 
 A adequação da área física e a compatibilização entre a oferta e a demanda por ações de saúde; 
 A governabilidade das equipes locais; e 
 Os modelos de gestão vigentes na unidade de saúde. 
 
Na avaliação de risco e de vulnerabilidade, não podem ser desconsideradas as percepções do usuário (e de sua rede 
social) acerca do seu processo de adoecimento. O acolhimento deve-se traduzir em qualificação da produção de 
saúde, complementando-se com a responsabilização daquilo que não se pode responder de imediato, mas que é 
possível direcionar de maneira ética e resolutiva, com segurança de acesso ao usuário. Nesse sentido, todos os 
profissionais de saúde fazem acolhimento. Entretanto, as portas de entrada dos serviços de saúde podem demandar 
a necessidade de um grupo preparado em promover o primeiro contato do usuário com os serviços de saúde (como 
prontos-socorros, ambulatórios de especialidades, centros de saúde, entre outros), grupo este afeito às tecnologias 
relacionais, à produção de grupalidades, à elaboração e ao manejo de banco de dados com informações sobre a 
demanda, o serviço e a rede de saúde, de apoio e proteção social. 
 
DESAFIOS DE CUIDAR EM SERVIÇO SOCIAL: UMA PERSPECTIVA CRÍTICA 
 
O cuidado pressupõe uma relação complexa entre profissionais, família, público e contexto institucional em condições 
diversas e mesmo adversas na dinâmica do poder. O exercício do poder é um processo social relacional complexo, 
devendo ser compreendido na organização da própria sociedade e das relações interpessoais, institucionais e 
familiares. Quanto mais uma sociedade se estruture num processo de dominação tanto mais as relações 
institucionais se configuram articuladas a esse processo. Nas relações institucionalizadas de atendimento, é 
necessário considerar, inclusive, a violência do poder exercida pelos próprios serviços por ação ou omissão. Essa 
dinâmica de violência compreende desde a dimensão mais ampla da falta de acesso como a da má qualidade da 
infraestrutura, da prestação dos serviços, abrangendo abusos cometidos em virtude das relações de poder desiguais 
entre usuários e profissionais dentro das instituições, nas relações interpessoais de desrespeito, como humilhação, 
desconsideração da fragilidade da pessoa, infantilização, sonegação da informação, falta de escuta e negação da 
autonomia. Para Faleiros, a violência institucional configura uma relação de poder que infringe direitos reconhecidos 
e garantias civilizatórias. Goffman, ao tratar da estigmatização, salienta outra forma de violência, pois a pessoa que 
chega ao estabelecimento pode ser destituída da concepção que tem de si mesma, de sua autoestima, sendo 
possível ocorrer, nas instituições totais, uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do 
eu. 
 
Cuidar significa assegurar a autonomia, reverter as discriminações, desenvolver a autoestima, incluir sujeitos em 
serviços e direitos. Coloca a prestação da assistência como política de proteção social voltada para a garantia de 
direitos e de condições dignas de vida. Assim, a proteção deve garantir a segurança de sobrevivência (rendimento e 
autonomia), de acolhida e de convívio ou vivência familiar. A acolhida da pessoa é considerada primordial, pois visa a 
provisão de necessidades humanas referentes aos direitos à alimentação, ao vestuário, ao abrigo, próprios à vida 
humana em sociedade. A ruptura com uma visão filantrópica assistencialista do cuidado está explicitada por duas 
correntes significativas: a do movimento feminista e a proveniente do movimento pelos direitos humanos, no 
pressuposto de que cuidado se articula às necessidades humanas históricas, portanto, à vida humana. Na sua 
complexidade cultural, econômica, social, política, ou seja, em seu contexto histórico/estrutural e de emancipação, 
considerando as desigualdades das relações de poder e promovendo a participação dos sujeitos no processo de 
construção de um cuidar estratégico. 
 
No senso comum, quando se fala em cuidar, pensa-se numa relação entre quem cuida e quem é cuidado, como se 
estivesse de um lado um receptor e do outro um detentor de recursos ou de saber e poder. Conforme a discussão do 
movimento feminista, a palavra cuidado está associada ao care, que historicamente se vincula à atenção, à 
necessidade do outro e também a uma consideração ética das relações humanas. Ao mesmo tempo, tem-se uma 
relação de gênero, pois o cuidado real e simbólico se refere à condição de mulher em sua vida concreta e ao trabalho 
privado de preocupação com o alguém, de educação, apoio e assistência. Existe uma relação entre a posição 
feminina do cuidado em casa com o exercício de profissões consideradas inferiorizadas na sociedade. Nessas 
profissões, existe maioria de mulheres e o cuidado está associado a voluntariado, dedicação, e mesmo a um tipo de 
atividade missionária. Não se pode dissociar a discussão do cuidar da questão de gênero e da questão moral ou 
ética. Essa perspectiva de equidade é fundamental para o cuidado público, não só para as relações de gênero, mas 
na consideração das diferentes formas de opressão que são sofridas por homens e mulheres. Almeida considera que 
para haver resultados equitativos na distribuição de recursos é necessário que haja redistribuições desiguais dos 
mesmos. Nesse sentido, o cuidado passa a ser considerado, paradoxalmente, como um valor político e não apenas 
moral. 
 
O cuidado como uma relação política de direitos pressupõe sua inserção na relação profissional emancipatória, na 
combinação complexa da responsabilidade ética com a inclusão social e política, na consideração das dimensões 
pessoais e subjetivas e na valorização do humano e da humanidade. A responsabilidade ética pressupõe um olhar, 
não só sobre as normas e os protocolos existentes, mas também sobre a garantia da existência dos sujeitos, da sua 
sobrevivência nas relações humanas contextualizadas. Não se trata apenas de cumprir uma obrigação legal, mas de 
considerar uma obrigação de respeito aos valores, às condições e à diversidade das pessoas, para a busca da 
autonomia e das possibilidades da vida dos seres humanos singulares e da coletividade, na preocupação de 
encontrar “o melhor caminho” para a construção da atenção ao outro, e não apenas o encaminhamento formal ou 
burocrático. O cuidado, nesse sentido, significa considerar o sujeito para lhe dar força sem tirar a responsabilidade do 
Estado. E acrescenta que a questão do sofrimento e da felicidade no estudo da exclusão requer superar a concepção 
de que a preocupação do usuário seja unicamente a sobrevivência, passando-se a focar também a questão da 
desigualdade e de um projeto humano, que por sua vez, exige expressões de desejo e afetividade, e, ao mesmo 
tempo, consideração das relações de poder, culturais, econômicas e políticas. O respeito pelo outro abrange o 
reconhecimento do outro. Assim, não se trata apenas de respeitar as opiniões, a diversidade, a dignidade, a 
integridade, mas a equidade e a trajetória social e individual dos sujeitos e levar em conta seu sofrimento,enquanto 
forma de exercício profissional e político. Robles assinala que vivemos numa sociedade do abandono em que a 
ruptura com mundo humanista foi deslocada por um projeto político que privilegia o distanciamento e a diferenciação 
com o respeito ao outro, pela implementação de uma sociedade, vigilante, panóptica, disciplinadora, de controle. O 
cuidado ético-democrático coloca-se, ao contrário, numa perspectiva crítica dessa sociedade e na consolidação dos 
valores democráticos. Assim, tem como ponto de partida as necessidades históricas dos sujeitos e as articula aos 
direitos. É necessário, por um lado, assumir que no cotidiano profissional há uma prática exigida do cuidado e, por 
outro, a mudança de uma relação de poder e de “cuidar capitalista”, ou melhor, de “descuidar” capitalista. Por 
“descuidar capitalista” entendemos a “integração” dos sujeitos a um processo de trabalho fragmentado e burocrático, 
com oferta do mínimo e para obtenção de lucro, ou o exercício da dominação, que considera “valor” a resignação. 
Essa integração pelo emprego ou serviço subordinados faz parte da estruturação da sociedade na própria 
sobrevivência do ser humano. A venda da força de trabalho é também uma relação social e cultural de trocas 
desiguais na organização da sociedade. A existência humana, sob o capitalismo é a da insegurança, que é dada pelo 
capital. Para enfrentar as inseguranças, e mais ainda, as incertezas sobre o futuro, é necessário o cuidado com o 
sujeito em suas relações que provocam medo e sofrimento, não no sentido de melhor adaptação, mas de 
emancipação. Na realidade, para o capitalista seria o ideal que o trabalhador fosse reduzido ao mínimo de suas 
necessidades biológicas, como acontece com algumas políticas sociais que oferecem um mínimo que nem sequer 
atende a essas necessidades de sobrevivência, o que denominamos biologização do social. 
 
Numa perspectiva do Serviço Social crítico, o cuidar não se reduz apenas a um estilo de relação pessoal, mas se 
constrói como um valor que se agrega ao trabalho profissional e faz parte de uma relação de inclusão, escuta e 
reconhecimento do outro e de sua alteridade como forma de acolhimento e qualidade da atenção. Desta forma, 
contribui-se para uma ruptura com a sociedade do abandono e com a crítica ao descaso capitalista. O cuidado pode 
estar presente tanto numa perspectiva clínica, como no dia a dia das relações institucionais e profissionais. No 
entanto, não se confunde com a clínica e muito menos com a cura, pois seu objetivo é axiológico, centrado na 
construção de uma sociedade em que seja fundamental a valorização do outro, do meio e do tempo, que é não só 
tempo de cada um mas o tempo da vida e na a valorização da necessidade de se ter um pressuposto do que seja o 
humano na luta pelos direitos humanos. O cuidado exige uma interdependência entre quem cuida e quem é cuidado, 
pois a relação humana do cuidar fundamenta-se na troca. O cuidado político e crítico inscreve-se numa perspectiva 
de ressignificação do sujeito e da estrutura na co-construção da relação democrática e cidadã entre profissional e 
público atendido. O cuidado é uma relação em que pode predominar o individualismo como também a solidariedade. 
Na ótica do individualismo, a pessoa atendida e o profissional são considerados como se fossem isolados do 
contexto, e na ótica da solidariedade, são considerados sujeitos sócio-historicamente situados em relações de poder 
e saber com relevância para a alteridade e a diversidade na efetivação dos direitos humanos no exercício da 
democracia, da participação e da equidade.

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