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Doença falciforme

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Patologia P1M2E6 – Olivia Lazotti XXVII 
Hemoglobinopatia hereditária com maior ocorrência nos indivídups de ascendência africana. 
Como a doença falciforme é uma doença caracterizada por um defeito na hemoglobina (hemoglobinopatia), 
precisamos saber primeiro como é a hemoglobina normal: 
A hemoglobina é uma proteína tetramérica composta por dois pares de cadeias de globina, cada uma com seu 
próprio grupo heme. Eritrócitos adultos normais contêm principalmente HbA, junto com pequenas quantidades de 
HbA2 e hemoglobina fetal (HbF). 
 
A doença falciforme é causada por uma mutação pontual no sexto códon da beta-hemoglobina, que provoca a 
substituição de um resíduo de glutamato por um resíduo de valina, com produção de hemoglobina S (HbS) em vez 
de HbA. 
 
Patogenia: Quando desoxigenadas, as moléculas de HbS sofrem 
uma polimerização. Inicialmente, o citosol do eritrócito é 
convertido de um líquido de fluxo livre para um gel viscoso à 
medida que são formados agregados de HbS. Com a desoxigenação 
contínua, as moléculas de HbS agregadas são montadas em fibras 
em formas de agulhas longas no interior dos eritrócitos, 
produzindo uma forma distorcida em forma de foice. 
 
A presença de HbS acompanha algumas manifestações patológicas, 
como: 
(1) Hemólise crônica 
(2) Oclusões microvasculares 
(3) Lesão de tecidos 
 
Antes de falarmos da patogênese em si, precisamos conhecer 
alguns fatores que influenciam a taxa e o grau de células 
falciforme, como os citados a seguir: 
 (1) Interação de HbS com outros tipos de hemoglobina na 
célula: Em indivíduos com o traço falciforme, quase 40% da 
hemoglobina dessas pessoas é HbS, e o restante consiste em HbA. 
Assim, os eritrócitos dessas pessoas não formam foices, exceto em condições de hipóxia profunda. 
HbF inibe polimerização de HbS. Assim, os recém-nascidos não se tornam sintomáticos até atingirem 5 ou 6 meses 
de idade, quando o nível de HbF normalmente cai. No entanto, algumas pessoas continuam a expressar HbF, uma 
condição chamada de persistência hereditária de HbF; nesses indivíduos, a doença falciforme é muito menos grave. 
Formação da HbS: 
O cromossomo 11, que é responsável por fazer as 
cadeias beta, vai sofrer uma mutação, formando a 
globina beta S. Quando essa globina beta S se junta 
com outras iguais a ela, formam-se dímeros de 
globina beta S (pares). Assim como no cromossomo 
11, no 16 estão sendo formados dímeros de globina 
alfa. Quando os alfas se juntam com os betas, 
formam um tetrâmero de globinas alfa-beta-S. 
Quando o ferro se junta nesse processo, temos a 
formação da HbS. 
Precisamos saber que existe uma condição chamada traço falciforme, que é diferente da anemia 
falciforme: Quando uma pessoa herda dois genes alterados (um do pai e um da mãe), ela é homozigota para 
a HbS, e é portadora de anemia falciforme. Quando ela herda a alteração de apenas um dos pais, é 
considerada traço falciforme (HbAS), e não tem a doença falciforme. 
 
Falcização da hemoglobina: 
A HbA é a molécula saudável de hemoglobina. Ela se 
liga e se solta do oxigênio tranquilamente, diferente 
da HbS. A HbS quando vai se soltar do oxigênio 
deixa suas ligações expostas, o que permite que elas 
se liguem umas às outras, formando polímeros de 
HbS. A falcização ocorre quando esses polímeros 
alteram a estrutura do glóbulo vermelho, tornando-
o mais frágil e dando a ele a forma de foice. 
Vale ressaltar que a polimerização só ocorre na 
forma desoxigenada da hemoglobina. 
Patologia P1M2E6 – Olivia Lazotti XXVII 
(2) Concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM): Quanto maior a concentração de HbS, maior a 
probabilidade de agregação e polimerização durante a desoxigenação. Portanto, condições que aumentam o CHCM, 
como a desidratação intracelular, facilitam a formação de células falciformes, e condições que reduzem a CHCM 
reduzem a severidade da doença. 
(3) pH intracelular: A diminuição do PH reduz a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, ou seja, em qualquer 
tensão de oxigênio, aumenta-se a fração de HbS desoxigenada e aumenta aa tendência à formação de células 
falciformes. 
(4) Tempo de trânsito dos eritrócitos pelo leito microvascular: Como falaremos à seguir, grande parte da 
patologia da doença falciforme relaciona-se com à oclusão vasular causada por células falciformes nos leitos 
microvasculares. Os tempos de trânsito na maioria dos leitos microvasculares normais são rápidos, e não dá tempo 
de ocorrer a agregação da HbS desoxigenada. Assim, a formação de células falciformes vai ocorrer mais nos leitos 
microvasculares que têm um tempo de trânsito mais lento, como no baço e na medula óssea. O movimento do sangue 
pelos tecidos inflamados é lentificado, sendo mais propensos a formação de células falciformes e oclusão. 
 
Agora sim, veremos a patogênese envolvida na doença falciforme: 
Vamos entender aqui como as células falciformes causam lesões nos 
eritrócitos. Conforme os polímeros de HbS crescem, o esqueleto da 
membrana do eritrócito faz com que esses polímeros se projetem 
da célula. Essa desorganização na estrutura da membrana causa um 
influxo de cálcio, que induz ligação cruzada de proteínas da 
membrana e ativa um canal iônico que permite o efluxo de potássio 
e água. Com episódios repetidos de falcização, os eritrócitos 
tornam-se cada vez mais desidratados, densos e rígidos. As células 
mais gravemente lesadas são convertidas em células 
irreversivelmente falciformes, que retêm o formato falciforme 
mesmo quando totalmente oxigenadas. A gravidade da hemólise está 
correlacionada com a porcentagem de células irreversivelmente 
falciformes, que são rapidamente sequestradas e removidas por 
fagócitos mononucleares (hemólise extravascular). Além disso, as 
células falciformes são mecanicamente frágeis, o que pode provocar 
alguma hemólise intravascular. 
 
A patogenia das oclusões microvasculares, que são responsáveis 
pela maioria dos aspectos clínicos sérios da doença, é menos certa. Essas oclusões relacionam-se à lesões na 
membrana do eritrócito, e à inflamação, que tende a retardar/impedir o movimento dos eritrócitos pelos leitos 
microvasculares. As células falciformes expressam níveis maiores de moléculas de adesão e são pegajosas. 
Mediadores liberados de granulócitos durante reações inflamatórias regulam a expressão das moléculas de adesão 
nas células endoteliais e aumentam ainda mais a tendência de as células falciformes serem detidas durante o 
trânsito pela microvasculatura. A contagem leucocitária relaciona-se com a frequência de crises de dor e outras 
medidas de lesão tissular. A estagnação de eritrócitos no interior de leitos vasculares inflamados resulta em uma 
maior exposição a baixa tensão de oxigênio, falcização e obstrução vascular. A depleção de óxido nítrico (NO) 
também pode ter um papel nas oclusões vasculares. A hemoglobina livre liberada dos eritrócitos falciformes 
lisados pode se ligar e inativar o NO, que é um vasodilatador e inibidor da agregação plaquetária. Assim, a redução 
de NO aumenta o tônus vascular (vasos estreitados) e aumenta a agregação plaquetária, o que pode contribuir 
para estase eritrocitária, falcização e trombose. 
 
 
 
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Morfologia: 
 Sangue periférico 
 Na anemia falciforme total, o sangue periférico vai variar no número de células irreversivelmente falciformes, 
reticulocitose e células em alvo, que resultam de desidratação eritrocitária. Corpos de Howell-Jolly (pequenos 
remanescentes nucleares- aglomerados de DNA) também estão presentes em alguns eritrócitos em razão de 
asplenia. A medula óssea é hiperplásica, como resultado da hiperplasia eritroide compensatória. A expansão da 
medula provoca reabsorção óssea e formação de novo osso, resultando em maxilares proeminentes e alterações 
do crânio. A hematopoese extramedular também pode aparecer. O aumento da degradação da hemoglobina 
(hemólise)pode causar cálculos de pigmento na vesícula e hiperbilirrubinemia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Baço 
No início da infância, o baço está aumentado por congestão da polpa vermelha causada pelo aprisionamento de 
eritrócitos falciformes nos cordões e nos seios. Porém, com o tempo, a eritrostase crônica provoca infarto 
esplênico, fibrose e redução progressiva. Assim, na adolescência ou início da vida adulta, apenas um pequeno pedaço 
de tecido esplênico fibroso permanece; esse processo é chamado de autoesplenectomia. Os infartos devido 
oclusões vasculares também podem ocorrer em muitos outros tecidos, como nos vasos pulmonares, por exemplo, 
produzindo cor pulmonale. Em pacientes adultos, a estagnação vascular nos tecidos subcutâneos muitas vezes 
provoca úlceras de perna. 
 
Autoesplenectomia: Remanescente 
esplênico “autoinfartado” na doença 
falciforme 
Pequeno aumento: Células falciformes, 
anisocitose e poiquilocitose (diferentes formas 
das hemácias- em avo, em foice e elíptica) 
Maior aumento: Célula irreversivelmente 
falciforme no centro. 
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Aspectos clínicos: A doença falciforme causa uma anemia hemolítica moderadamente grave (Ht de 18% a 30%) 
associada a reticulocitose, hiperbilirrubinemia e presença de células irreversivelmente falciformes. Possui algumas 
características em sua evolução: 
 Crises vaso-oclusivas: Também chamadas de crises dolorosas, são episódios de lesão hipóxica e infarto 
que causam dor intensa na região afetada. Embora possam existir gatilhos, como infecção desidratação, 
acidose (que favorecem a falcização), a maioria dos casos ocorre sem nenhuma causa predisponente. Os 
locais mais comumente envolvidos são ossos, pulmões, fígado, cérebro, baço, pênis e retina. Em crianças, 
essas crises dolorosas são muito comuns, manifestando-se mais frequentemente como síndrome mão-pé. 
A síndrome torácica aguda é um tipo perigoso de crise vaso-oclusiva envolvendo os pulmões, que 
tipicamente se apresenta com febre, tosse, dor torácica e infiltrados pulmonares. A inflamação pulmonar 
faz com que o fluxo sanguíneo torne-se mais lento e “semelhante ao baço”, promovendo falcização e vaso-
oclusão. Isso compromete a função pulmonar, criando um círculo potencialmente fatal de agravamento da 
hipoxemia pulmonar e sistêmica, falcização e vaso-oclusão. 
Existem ainda outras formas de obstrução vascular, como o AVE, cujos fatores que contribuem para sua 
ocorrência incluem a adesão das células falciformes ao endotélio vascular arterial e a vasoconstruição 
causada pela depleção de NO decorrente da hemoglobina livre. 
 Crises de sequestro: Ocorrem em crianças com baços intactos. O aprisionamento de células falciformes 
causa um aumento rápido do baço, além de causar hipovolemia e até choque. Essas complicações podem ser 
fatais. A sobrevida nesse caso, assim como na síndrome torácica aguda, requer tratamento com 
transfusões de troca. 
 Crises aplásicas: Originadas da infecção de progenitores eritrocitários pelo parvovírus B19, que 
interrompe a eritropoese transitoriamente, agravando a anemia de forma súbita. 
 Hipóxia crônica: Esse efeito nos tecidos causa um prejuízo generalizado do crescimento e 
desenvolvimento, além de causar lesão em órgãos, como o baço, coração, rim e pulmões. A falcização 
provocada por hipertonicidade da medula renal causa uma lesão que eventualmente provoca hipostenúria 
(incapacidade de concentrar a urina), aumentando a propensão para desidratação e seus riscos 
consequentes. 
 
Diagnóstico: Sugerido pelos achados clínicos e pela presença de eritrócitos irreversivelmente falciformes. É 
confirmado por testes para hemoglobina falciforme. Eletroforese também é usada para demonstrar a presença 
de HbS. O diagnóstico pré-natal é possível pela análise do DNA fetal obtido por amniocentese ou biópsia coriônica. 
 
Baço: Cordões e sinusóides da polpa vermelha 
congestionados. Entre as áreas de congestão, são 
áreas pálidas de fibrose resultante de lesão 
isquêmica 
Baço – maior aumento: Sinusóides esplênicos 
dilatados e preenchidos por eritrócitos em foice. 
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Tratamento: Tem sido usado a Hidroxiuréia, um inibidor da síntese de DNA, que possui alguns benefícios, como: 
(1) Efeito anti-inflamatório, devido inibição da produção de leucócitos 
(2) Aumento nos níveis de HbF eritrocitária, que interfere na polimerização da HbS 
(3) Aumento no tamanho dos eritrócitos: Diminui a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) 
 
Lâminas 
Podemos ver nas lâminas à seguir, uma trombose na artéria basilar, causada pela anemia falciforme 
 
 
 
As hemácias constituintes do trombo são em grande parte falcizadas, de forma oblonga e extremidades 
pontiagudas. A fibrina encontra-se sob forma de grumos 
 
 
Nessa lâmina de fase precoce da 
organização do trombo, podemos 
ver capilares neoformados muito 
finos, próximos à face interna da 
artéria basilar

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