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Jordana Lopes AVC O AVC é um déficit neurológico, geralmente focal, de instalação súbita ou com evolução rápida, sem outra causa aparente que não vascular, com duração > 24h (ou menos, mas levando a morte). 80-85% são isquêmicos. AVC isquêmico: causado por fluxo sanguíneo insuficiente em parte ou em todo o cérebro. Não há extravasamento de sangue no parênquima cerebral. Epidemiologia 2ª maior causa de morte no mundo Principal causa de morte no Brasil Faixa etária avançada: fator de risco de maior peso. 75% dos pacientes > 65 anos. Predomínio no sexo masculino 2x maior na população negra Outros fatores de risco: etnia negra, baixo nível socioeconômico, história familiar de eventos cerebrovasculares, HAS, DM, cardiopatias, hiperlipidemia, tabagismo, etilismo, obesidade e sedentarismo. Fisiopatologia AVC isquêmico Se manifesta pela instalação súbita de um déficit neurológico focal persistente, por causa de uma isquemia que causou infarto no parênquima encefálico. É causado por uma oclusão aguda de uma artéria de médio/pequeno calibre. Essa oclusão pode ser embólica (maioria; trombo proveniente de local distante que vai pela circulação arterial até impactar no cérebro) ou trombótica (trombo formado na própria artéria) A oclusão aguda leva a diminuição do fluxo sanguíneo, com dano funcional e estrutural a uma área. A área em volta, que é estruturalmente viável, é chamada zona de penumbra isquêmica. O tamanho dessa zona é variável entre os pacientes. Com o infarto neuronal, começa o edema citotóxico com aumento do volume dos neurônios, e depois edema vasogênico pelo acúmulo de líquido no interstício, atingindo o pico entre 3-4 dias. Nas primerias 48h, há migração de células imunes p/ local, depois de monócitos e células gliais fagocitárias. Entre 10 dias-3 semanas, a fagocitose causa uma necrose de liquefação, transformando o infarto numa área amolecida e depois se forma uma cicatriz cística e retraída. AVC hemorrágico Representa 20% do total. O tipo mais comum é a hemorragia intraparenquimatosa a) Hemorragia intraparenquimatosa (HIP): o acúmulo de sangue no parênquima cerebral aumenta rapidamente a pressão intracraniana, pelo edema vasogênico em volta da lesão, organização do coágulo e compressão dos tecidos adjacentes. O hematoma pode aumentar de tamanho nas próximas 12-36h, contribuindo p/ piora neurológica evolutiva ao longo desse período. Letalidade é alta (50%). O paciente geralmente morre pela hipertensão intracraniana, que leva à herniação cerebral. b) Hemorragia subaracnóidea (HSA): o sangue no espaço subaracnóideo produz uma meningite química, que aumenta a pressão intracraniana durante dias/semanas. O vasoespasmo pode causar isquemia cerebral focal, aí 25% dos pacientes desenvolvem sinais de AVC isquêmico. O edema cerebral é máximo entre 72h e 10 dias. Pode ocorrer hidrocefalia secundária. Às vezes ocorre uma segunda ruptura em até 7 dias. Etiologia A apresentação clínica e o exame físico na maioria das vezes estabelecem a causa do AVC. Mas 30% ficam inexplicados mesmo após uma avaliação extensa. AVC isquêmico embólico: - cardioembólico (20%): a fonte emboligênica é o coração, na maioria das vezes com fibrilação atrial com formação de trombo no AE, e depois IAM de parede anterior, formando trombo no VE, e pelas cardiomiopatias dilatadas que formam trombo em VE e/ou AE. - arteroembólico: principal em hipertensos. A fonte emboligênica é uma placa de aterosclerose instável (com trombo) na carótida comum ou bifurcação carotidea ou na artéria vertebral. AVC trombótico: - AVC lacunar (20%): infarto de tamanho < 2cm causado pela oclusão de artérias perfurantes cerebrais pequenas. Essas artérias desenvolvem uma lesão obstrutiva chamada lipo-hialinose (espessamento hialino da camada média), que pode precipitar a trombose in situ. - Arterites - Estados hipercoaguláveis (ou trombofilias) Jordana Lopes - Dissecções arteriais cervicais AVC hemorrágico: - AVC hemorrágico hipertensivo: causado por uma lesão crônica de artérias perfurantes pequenas, causando fragilidade da parede vascular e formação de pequenos aneurismas (microaneurismas de Charcot- Bouchard). O rompimento desses aneurismas é durante um pico hipertensivo, que causa o AVC intraparenquimatoso hipertensivo. Locais mais acometidos: putâmen (30-50%), tálamo (15-20%), cerebelo (10-30%) e ponte (10-15%). - Aneurismas saculares intracranianos: letalidade de 32-67%. Esses aneurismas ocorrem em bifurcações arteriais perto do polígono de Willis, como na artéria comunicante anterior, posterior e artéria cerebral média. Quadro clínico Varia de acordo com a artéria ocluída e a região cerebral afetada. AVC isquêmico Os déficits neurológicos dependem do território vascular. Pode haver instalação com posterior estabilidade nas situações de hipoperfusão secundária à trombose in situ, ou ocorrer progressão (se o déficit vai aumentando com o passar do tempo). Nos quadros embólicos a instalação do déficit é mais abrupta. Os territórios mais acometidos são a) território carotídeo (artérias carótidas internas, cerebral média e cerebral anterior) b) território vertebrobasilar: artérias vertebral, basilar, cerebelares e cerebrais posteriores. AVC hemorrágico HIP: déficit neurológico focal súbito, dependendo do lugar. muitas vezes acompanhado de cefaleia, náuseas, vômitos, redução do nível de consciência e níveis pressóricos bem elevados. HSA: cefaleia súbita, geralmente intensa e holocraniana. Outros: náuseas, vômitos, tonturas e sinais meníngeos. Pode ter perda de consciência e outras manifestações como déficit motores, sensitivos, distúrbios de linguagem, crises convulsivas e alteração de nervos cranianos, sinais autonômicos (bradicardia, taquicardia, alterações ECG, alterações de PA, sudorese profusa, hipertermia e alterações do ritmo respiratório). Diagnóstico - Anamnese acurada do paciente ou por seus familiares. O AVC deve ser suspeitado nos casos de déficit neurológico focal, de instalação súbita ou de progressão rápida (minutos/horas). Alguns tem memória comprometida e rebaixamento do nível de consciência, e sintomatologia progressiva em várias horas/dias. Quando o momento do início do AVC não puder ser determinado, deve-se considerar o último no qual o doente foi visto bem. - Exame físico: - estado de hidratação - oxigenação - frequência, ritmo e ausculta cardíaca - frequência respiratória - nível de consciência - pressão arterial - Exames complementares - Hemograma - Glicemia - Ureia - Creatinina Jordana Lopes - Sódio - Cálcio - Potássio - Exames de coagulação - ECG - Raio-x de tórax - Tomografia computadorizada (TC): geralmente ñ mostra o AVC isquêmico (o infarto só mostra após 24-72h), com discretas alterações tomográficas como um leve apagamento de sulcos cerebrais, tênue hipoatenuação nos núcleos da base e sinal da artéria cerebral média hiperdensa. Serve p/ afastar AVC hemorrágico. a HIP se apresenta como uma imagem hiperatenuante dentro do parênquima cerebral, bem delimitada, localizada; pode identificar as complicações (inundação ventricular, hidrocefalia, edema cerebral, desvios hemisféricos e herniação). a HSA se apresenta como imagem hiperatenuante, nas cisternas e sulcos cerebrais. - RM: exame de maior acurácia que a TC p/ AVC isquêmico, e deve ser usada a sequência T2 ou FLAIR. documenta de maneira fidedigna a extensão e localização do infarto em todas as áreas do cérebro, mas é menos sensível que a TC para detectar sangramento agudo. - Doppler transcraniano: pode ajudar a descobrir qual é a artéria intracraniana obstruída. - Análise do LCR: só nos casos de suspeita de hemorragia subaracnoidea, quando a TC de crânio é normal. Nesses casos é bem hemorrágico e hipertenso; a taxa de proteínas fica um pouco alta e a glicorraquia é normal. o exame citológico mostra número elevado de hemácias, com um número de leucócitos inicialmente na mesma proporção do sangue. Essa proporção pode mudarapós 24/48h (resposta inflamatória intensa). Depois de diagnosticar o AVC, é bom investigar p/ ver o mecanismo e a causa: - Ecocardiograma Doppler transtorácico e transesofágico: podem mostrar alterações cardioembólicas - ECG de 24h (holter): pode demonstrar arritmias paroxísticas - Ecodoppler de artérias carótidas, vertebrais, doppler transcraniano e angiorresonância: p/ ver estenoses arteriais extra e intracranianas - Angiografia cerebral digital: p/ ver mecanismo da HSA ! (exame de referência) - Exame do líquor: p/ ver causas menos frequentes de AVCi (arterites infecciosas e não infecciosas etc) - Perfil de autoanticorpos, dosagem de anticorpos antifosfolipides, pesquisa de trombofilias Abordagem inicial É pelo ABCDE primário, c/ estabilização hemodinâmica e depois investigação do evento. Usar o NIHSS -> uma escala com 11 tarefas que varia de 0 a 42 (quanto maior a pontuação, pior o quadro) Jordana Lopes Tratamento AVCi fase aguda Suporte clínico: medidas de suporte de vida avançado. avaliar função respiratória e cardio. Exames laboratoriais p/ análises bioquímicas, hematológicas e da coagulação. Tto específico: alteplase e trombectomia mecânica Prevenção e tto de complicações neurológicas e não neurológicas Profilaxia secundária (de acordo com o mecanismo que causou) Início precoce de reabilitação - Trombólise: o tempo de evolução do quadro neurológico não deve ser maior que 4,5h até o início da infusão do agente. Administração do rt-PA (alteplase) é de 0,9mg/kg (dose máxima de 90mg) em 60 min, e no início 10% da dose tem que ser administrada em bolus durante 1 minuto. Não usar anticoagulantes ou antiagregantes nas primeiras 24h. Tem que monitorizar p/ complicações hemorrágicas ! Não se deve atrasar a trombólise p/ esperar resultados de exames. (exceto quando o paciente recebeu anticoagulantes ou há suspeita de sangramento ou trombocitopenia) - Trombectomia mecânica: é indicada p/ pacientes com AVCi causada por uma oclusão de artéria calibrosa na circulação anterior que podem ser tratados dentro de 24h do início dos sintomas ou do último momento que foram vistos bem. - Controle da PA: dps do AVC é comum haver aumento da PA (mecanismo protetor p/ garantir a perfusão cerebral). P/ pacientes que serão submetidos à trombólise, é recomendado que a PA seja ≤185x110mmHg antes do procedimento. Usar labetalol intravenoso e nicardipino. No brasil usa-se mais o nitroprussiato intravenoso. - Controle da hipoglicemia (pode causar déficits neurológicos focais mimetizando um AVC, então tem que checar e tratar) - Controle da hiperglicemia: pode aumentar a lesão cerebral de várias formas. Deve ser mantida entre 140 e 180. Jordana Lopes - - Terapia antitrombótica: aspirina dentro de 48h do início dos sintomas - Deglutição: disfagia é comum após um AVC, e pode levar a pneumonias por broncoaspiração. avaliar antes de introduzir alimentos. - Elevação da cabeceira: 30º na fase aguda do AVC p/ evitar aumento da pressão intracraniana e broncoaspiração. - Febre: a causa da febre tem que ser investigada e tratada (com antipiréticos). AVCh fase aguda HIP O tto da HIP é de suporte. Controle da PA p/ valores < 140. Investigar causa do sangramento (hipertensivo, coagulopatias, malformações venosas, ruptura de aneurismas, neoplasias etc). O hipertensivo costuma acontecer em núcleos da base, tálamo, cerebelo e ponte. Evitar hipo/hiperglicemia, tratando com insulina se > 180. Evitar hipo/hipertermia Prevenção para TEP/TVP e úlceras de decúbito, com meias de compressão pneumática intermitente e mobilização precoce. Não usar antiepilépticos profiláticos. A pressão de perfusão cerebral deve ser mantida > 70mmHg HSA - Suporte clínico - Tto de complicações neurológicas (ressangramento, vasoespasmo, hidrocefalia, convulsões) - Tto do aneurisma roto (neurocirúrgico x vascular) - Prevenção secundária do AVC - Antiagregação plaquetária AVCi: AAS 100-300mg/dia e/ou clopidrogrel 75mg/dia - Hipertensão: iniciar tto após a fase aguda. pressão alvo: 120/80mmHg. primeira escolha é diurético ou combinação de diurético e IECA - Diabetes: controle rigoroso de PA ! (com IECA ou bloqueadores do receptor da angiotensina) e lipídios (LDL < 70mg/gl sempre). Glicemia tem que estar normal. - Lipídios: estatina em pacientes com AVCi com hipercolesterolemia (alvo LDL < 100mg/dl). Em pacientes com alto risco vascular, o alvo de LDL é de 70 - Fibrilação atrial: para pacientes com AVC isquêmico com fibrilação atrial persistente ou paroxística, iniciar profilaxia com anticoagulação oral com ajuste da dose da warfarina. Jordana Lopes Anotações da aula O que perguntar? Determinar qual foi a última vez que o paciente foi visto bem (até 4h30 pode ser iniciado trombólise p/ AVC isquêmico; até 6-8h pode ser iniciado trombectomia) 3 perguntas básicas: alteração de fala (“fala enrolada”), desvio de rima (“boca torta”), hemiparesia (“fraqueza de um lado do corpo”) Outros sintomas: cefaleia, febre, rebaixamento do nível de consciência, pico hipertensivo Comorbidades (HAS, DM, AVC prévio, sangramentos) Hábitos/estilo de vida (tabagismo, etilismo, sedentarismo) Previamente funcional Exame físico Sinais vitais, orientação, nível de consciência, exame físico geral Pupilar, motricidade ocular, campos visuais Fala, linguagem (disartria vs afasia motora ou de verbo) motora: entende tudo que fala mas não consegue falar verbo: não compreende direito o que se fala. palavras sem sentido Simetria facial (paresia facial central vs periférica) central: lesão central. só tem acometimento da parte inferior da face -> boca torta periférica: paresia de Bell; benigna, de origem idiopática (inflamação do nervo). pega toda a face Força (manobra dos braços estendidos por 20-30seg, elevação dos MMII -> manobra de Mingazzini) Reflexos (profundos, cutâneo-plantar) sinal de Babinski Sensibilidade Coordenação index-nariz Sinais meníngeos NIHSS (escala clínica de AVC que vai de 0-42 pontos) Transtorno conversivo Em geral, há um histórico de doença psiquiátrica (depressão, ansiedade..) Um evento estressor pode desencadear uma somatização. Mimetizar um AVC é um dos mais comuns (“stroke mimic”) Profissionais de saúde ou parentes de pacientes podem conhecer melhor os sintomas e somatizar O exame físico tem um padrão variável, mas incompatível com uma alteração neurológica Sugestionabilidade !!! Paralisia facial periférica (Paralisia de Bell) Na maioria das vezes a causa é idiopática. Pode ser causada por DM, esclerose múltipla Herpes-zoster: é identificado em alguns casos (principalmente quando há vesículas). examinar na boca, conduto auditivo… O diagnóstico é clínico! Tratamento: hidratação ocular (o paciente ñ consegue piscar um olho e isso desidrata), corticoide, aciclovir (em alguns casos, mais quando há suspeita por herpes-zoster) AVCI cardioembólico Causa: cardiopatias (fibrilação atrial, valvopatias, Chagas..) -> geram êmbolos para os vasos cerebrais, causando a oclusão deles Propensão a impactar em grandes vasos, como artéria cerebral média ou artéria basilar Síndrome da artéria cerebral média esquerda: hemiplegia, hemianopsia, afasia Síndrome da artéria cerebral média direita: hemiplegia, hemianopsia, heminegligência Tratamento: anticoagulação (varfarina ou novos anticoagulantes, depende do caso), tratar cardiopatia se possível AVCI aterotrombótico/grandes vasos Mesmo mecanismo do IAM/SCA A artéria carótida é a mais acometida (consequentemente, atinge o território vascular de ACA e ACM) A placa ateromatosa vai crescendo lentamente, até que ocorre erosão/fissura, o que forma um trombo e causa oclusão do vaso Associada a tabagismo, dislipidemia, síndrome metabólica, DM Tratamento: antiagregante plaquetário, cirurgia vascular ou angioplastia
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