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Porto Alegre, 2016; 47(3), 216-227 Psico http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2016.3.22480 Este artigo está licenciado sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que a publicação original seja corretamente citada. http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR Artigo originAl ISSN 1980-8623 Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas: estudo com crianças de 3 a 6 anos Gabriela Lamarca Luxo Martins Camila Barbosa Riccardi León Alessandra Gotuzo Seabra Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP, Brasil Resumo Este estudo analisou a relação entre estilo parental dos responsáveis e funções executivas em pré-escolares, pois pesquisas prévias sugerem que características do ambiente familiar podem influenciar o desenvolvimento dessas funções. Participaram 30 crianças, de 3 a 6 anos, e seus responsáveis. Estes responderam o Inventário de Estilos Parentais e as crianças, Teste de Stroop Semântico, Teste de Atenção por Cancelamento e Teste de Trilhas para pré-escolares. Correlações de magnitude baixa a moderada evidenciaram, de modo geral, que quanto mais apropriado o estilo parental dos pais, melhor o controle de interferência dos filhos. Também observou-se que, quanto maior a inconsistência na punição, maior o tempo de reação da criança na parte incongruente do Teste de Stroop e mais ela é afetada pela incongruência, porém, conforme a parte B do Teste de Trilhas, maior a sua flexibilidade. Portanto observaram-se relações entre estilo parental e funções executivas na amostra avaliada. Palavras-chave: Relações familiares; Programas educacionais; Funções mentais; Crianças em idade pré-escolar; Neuropsicologia. Parenting styles and development of executive functions: study with 3-6-year-old children Abstract This study examined the relation between the parenting style of the parents and executive function in preschool children, because previous research suggests that family environment characteristics may influence the development of these functions. Participants were 30 3-6-year-old children and their parents. The parents answered the Parental Styles Inventory and children were assessed by Semantic Stroop Test, Cancellation Attention Test for and Trail Making Test for preschoolers. Low to moderate magnitude correlations showed in general that the more suitable parenting style of the parents, the better interference control of children. It was also observed that the greater the inconsistency in punishment, the greater the child’s reaction time in incongruous part of the Stroop Test and the more she/he is affected by the incongruity, however, pursuant to part B of the Trail Making Test, the greater her/ his flexibility. Therefore there were observed relation between parenting style and executive functions of the sample investigated. Keywords: Family relations; Educational programs; Mental functions; Preschool age children; Neuropsychology. Estilos parentales y desarrollo de funciones ejecutivas: estudio con niños de 3 y 6 años Resumen Este estudio examinó la relación entre estilos parentales de padres y funciones ejecutivas en niños preescolares, ya que investigaciones anteriores sugieren que las características del entorno familiar pueden influir en el desarrollo de estas funciones. Participaran del estudio 30 niños, entre 3 y 6 años de edad, y sus padres. Los padres respondieron el Inventario de Estilos Parentales y los niños, Test de Stroop Semántico, Test de Atención por Cancelación y Test de Trazados para preescolares. Correlaciones de baja a moderada magnitud mostraron, en general, que cuanto más adecuado el estilo parental de los padres mejor es el control de la interferencia de los niños. También se observó que cuanto mayor es la falta de coherencia en el castigo, mayor es el tiempo de reacción del niño en la parte incongruente del Test de Stroop y más él es afectado por la incongruencia, sin embargo, de conformidad con la parte B del Test de Trazados, mayor es su flexibilidad. Por lo tanto, se observaron relación entre estilo parental y funciones ejecutivas en la muestra investigada. Palabras clave: Relaciones familiares; Programas educacionales; Funciones mentales; Niños en edad pre-escolar; Neuropsicología. http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2016.3.22480 http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 217 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 Introdução As experiências que ocorrem durante os primeiros anos de vida entre pais e filhos são cruciais para o desenvolvimento do cérebro e, mais especificamente, para o desenvolvimento do lobo frontal e suas conexões, caracterizando as bases para, posteriormente, desenvolver as funções executivas (Bernier, Carlson, Deschênes, & Matte-Gagné, 2012; Bernier, Whipple, & Carlson, 2010; Oxford & Lee, 2011). O conjunto das habilidades cognitivas que permitem ao sujeito direcionar comportamentos a metas, avaliar a eficiência e a adequação desses comportamentos, eleger estratégias adequadas e a resolver problemas é denominado de funções executivas (Malloy-Diniz, Sedo, Fuentes, & Leite, 2008). Tais habilidades estão presentes no controle e na regulação de outros processos comportamentais, os quais abrangem emoção e cognição, e são requisitadas sempre que o sujeito se compromete com determinadas tarefas ou situações novas, sem conhecimento prévio (Diamond, 2013; Lezak, Howieson, Bigler, & Tranel, 2012; Malloy-Diniz et al., 2008). Muitas pesquisas atuais abordam temas relacionados às funções executivas (Ardila, 2008; Best & Miller, 2010; Czermainski, Bosa, & Salles, 2013; Diamond, 2013; Dias & Seabra, 2013; Dias & Seabra, 2015; Dias et al., 2015; Montiel et al., 2014) e outras discutem as configurações familiares e práticas educativas parentais (Leme, Del Prette, & Coimbra, 2013; Sampaio & Gomide, 2007; Oxford & Lee, 2011), porém poucas se referem aos dois temas concomitantemente (Bernier, Whipple & Carlson, 2010; Bernier et al., 2012; Bibok, Carpendale, & Müller, 2009; Bindman, Hindman, Bowles, & Morrison, 2013; Rhodes et al., 2011). Assim sendo, ao considerar os vários fatores ambientais que se relacionam com o desenvolvimento das funções executivas, as evidências sugerem que a orientação dos pais, ou seja, a conduta utilizada pelos progenitores para direcionar o processo de educação de seus filhos é considerada uma das experiências primárias mais relevantes para a constituição dessas funções durante os primeiros anos da infância (Bernier, Whipple, & Carlson, 2010; Bernier et al., 2012). Os progenitores, por meio de características específicas, auxiliam a criança a atingir um nível de funções executivas além do que ela poderia conseguir sozinha (Bindman et al., 2013). Pesquisas têm sido conduzidas analisando dife- rentes características dos pais e da sua relação com as crianças, tais como a relação de apego, a sensibilidade materna, os estilos parentais, histórico acadêmico materno e condição social (Bernier, Whipple, & Carlson, 2010; Carvalho et al., 2012; Osório, 2011). Por exemplo, Bernier et al. (2012) estudaram a relação de apego, conceituada como o resultado de um comportamento de cuidado parental que pode ser observado a partir de comportamentos da própria criança, tais como lidar com a frustração no momento de realizar uma tarefa difícil ou ao adiar a gratificação com base na confiança no cuidador, o qual pode explicar que a atividade desejada será realizada em breve. A qualidade desse vínculo afetivo fornece um contexto seguro e ordenado de relacionamento em que as crianças podem, gradualmente, aprender a usar o pensamento autorregulado e desenvolver as ações que definem as funções executivas. Consequentemente, segundos autores, a qualidade das interações com os pais está relacionada ao desenvolvimentodas funções executivas das crianças. Osório (2011), em sua tese, observou que, já aos 10 meses de vida, as estratégias maternas em relação à atenção compartilhada são um preditor significativo para o seguimento de atenção compartilhada pelo bebê. Tal afirmação aponta a relevância da figura materna desde os primeiros meses de vida. Também em relação ao processo de interação com os progenitores, Carvalho et al. (2012) abordaram o conceito de scaffolding, o qual, traduzido para a língua portuguesa, significa ‘andaimes’ e pode ser compreendido como o suporte temporário que os progenitores, educadores ou adultos, ou seja, os tutores na nomenclatura dos autores, fornecem à criança em determinada tarefa, até que esta consiga prosseguir sozinha com destreza. Outro aspecto destacado como relevante ao desenvolvimento infantil são os estilos parentais. Darling e Steinberg (1993) realizaram uma revisão histórica do conceito de estilo parental e propuseram a compreensão desse conceito como o contexto em que os pais influenciam os seus filhos por meio de suas práticas, levando em consideração suas crenças e valores, ultrapassando a combinação entre exigência e responsividade. No Brasil, Sampaio e Gomide (2007) definiram estilo parental como o conjunto de práticas educativas utilizadas pelos pais na interação com os filhos. Estas autoras selecionaram, em seu modelo teórico, sete práticas educativas que compõem o estilo parental, sendo cinco relacionadas ao desenvolvimento de comportamentos antissociais e duas favoráveis ao desenvolvimento de comportamentos pró-sociais. O presente artigo focalizará esse aspecto do comportamento dos pais e, portanto, as sete práticas educativas encontram-se descritas mais detalhadamente a seguir. As práticas favoráveis ao desenvolvimento de comportamentos pró-sociais incluem a monitoria Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 218 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 positiva e o comportamento moral. A primeira consiste no conjunto de práticas parentais que envolvem, por exemplo, atenção e conhecimento dos pais acerca de onde o seu filho se encontra e das atividades desenvolvidas por ele. A segunda refere-se a uma prática educativa pela qual os pais transmitem valores, como honestidade, generosidade e senso de justiça aos filhos, auxiliando-os na discriminação do certo e do errado por meio de modelos positivos, dentro de uma relação de afeto. As práticas educativas relacionadas ao desen- volvimento de comportamentos antissociais são de cinco tipos. Primeiramente, a negligência, a qual ocorre quando os pais não estão atentos às necessidades de seus filhos, ausentam-se das responsabilidades, omitem-se de auxiliar seus filhos, ou simplesmente quando interagem sem afeto, sem amor. A segunda é a punição inconsistente, a qual consiste em os pais punirem ou reforçarem os comportamentos de seus filhos de acordo com o próprio bom ou mau humor, de forma não contingente ao comportamento da criança. A terceira prática educativa é nomeada de monitoria negativa e está relacionada ao excesso de fiscalização dos pais sobre a vida dos filhos e à grande quantidade de instruções repetitivas. A disciplina relaxada é o quarto tipo e consiste no não cumprimento das regras estabelecidas pelos próprios pais. E a última é o abuso físico, a qual contempla o ato dos pais machucarem ou causarem dor a seus filhos com a justificativa de que estão educando. Repetidas experiências de regulação de sucesso por parte dos progenitores, em determinadas situações emocionalmente desgastantes, levam as crianças a internalizar as competências adquiridas e gradualmente integrá-las em seu próprio repertório de autorregulação (Bernier et al., 2012; Rhoades, Greenberg, Lanza, & Blair, 2011). Desta forma, os processos regulatórios tendem a ser, primeiramente, praticados no âmbito das relações familiares; as estratégias aprendidas então tendem a se generalizar e a ser utilizadas fora da relação didática, tal como durante tarefas que exijam autorregulação independente, a qual pode ser considerada uma característica definidora das tarefas de funções executivas (Bernier et al., 2012). Pode-se supor, por meio do estudo de Bernier et al. (2012), que os fatores mais proximais, como, por exemplo, as funções executivas dos próprios pais, possam afetar o controle das crianças referente ao próprio impulso, o que pode ocorrer por meio de imitação e de aprendizagem por observação. No estudo de Rhoades, Greenberg, Lanza e Blair (2011) destacou-se que poucas pesquisas inserem o desenvolvimento das funções executivas em um dos contextos mais importantes para oportunizar o mesmo, isto é, no ambiente doméstico. Tal estudo enfocou os indicadores demográficos e o desenvolvimento das funções executivas no ambiente familiar e, no mesmo, identificou perfis familiares de risco, incluindo as práticas parentais e a estrutura familiar. Os resultados sugeriram que combinações específicas de risco são mais associadas com baixos resultados de funções executivas e que essas combinações podem variar de acordo com a raça, estado civil e condição socioeconômica. Observou-se, por exemplo, que a qualidade da parentalidade pode exercer influência no desenvolvimento das crianças de duas maneiras. Em primeiro lugar, por meio de interações sensíveis contingentes com os progenitores, afinal, por meio destas, a criança pode aumentar a sua motivação para aprender a controlar e interagir com o mundo externo, o que pode contribuir para a prática das habilidades relacionadas às funções executivas. Em um segundo momento, por meio da segurança derivada de interações positivas, neste caso as crianças são mais propensas a explorar o seu ambiente, aumentando a sua interação com materiais que a estimulem cognitivamente (Rhoades et al., 2011). A pesquisa de Sarsour et al. (2011) teve como objetivo investigar as contribuições independentes e interativas do status socioeconômico e status monoparentais das famílias a nível do funcionamento executivo das crianças. Os autores comentam sobre a pesquisa de Ardila et al. (2005), os quais descobriram que os anos da escolaridade dos pais foram associados com o desempenho das funções executivas de crianças e foi encontrada relação mais predominante para fluência verbal semântica. Outro estudo complementa que a habilidade da linguagem da criança pode mediar a relação entre o status socioeconômico da família e a função executiva da criança (Noble et al., 2007). Por fim, Sarsour et al. (2011) comentam que o status socioeconômico pode afetar a medida em que os pais usam os recursos da família para enriquecer as experiências de desenvolvimento com passatempos, recreação, museus, bibliotecas, viagens, etc. Além disso, o status socioeconômico da família pode afetar dimensões parentais, incluindo a capacidade de resposta emocional e verbal dos pais, oferecendo reforço para o comportamento desejado e fornecendo andaimes para incentivar o desenvolvimento das habilidades executivas. Tendo em vista a relevância das práticas parentais para o desenvolvimento infantil e, especificamente, para o desenvolvimento das funções executivas, e diante da escassez de estudos nessa área principalmente no âmbito nacional, este estudo objetivou verificar Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 219 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 as relações entre as práticas educativas dos pais (em termos de monitoria positiva, comportamento moral, punição inconsistente, negligência, disciplina relaxada, monitoria negativa e abuso físico) e as funções executivas em crianças pré-escolares. Método Participantes Participaram deste estudo crianças de 3 a 6 anos de idade, que cursavam os níveis de Maternal II, Nível I e Nível II de uma escola particular de EducaçãoInfantil localizada na cidade de São Paulo. Os responsáveis por todas as 42 crianças matriculadas nessas séries foram convidados a participar. Desses, 10 não autorizaram a participação de seus filhos na pesquisa e, ao longo do ano letivo, 2 crianças saíram da escola, chegando à amostra final de 30 crianças e seus respectivos responsáveis. Dessa forma, a amostra final foi constituída por 60 sujeitos, sendo 30 crianças entre 03 e 06 anos de idade, com média de 4,22 anos, de ambos os sexos, e seus respectivos pais. A amostra foi por conveniência e o número de participantes selecionados foi para fins de exploração dos dados, não sendo derivado de cálculo amostral. A Tabela 1 indica a caracterização da amostra de crianças por idade, nível escolar, gênero e composição familiar e a caracterização da amostra de responsáveis pelas crianças que contempla: grau de parentesco dos participantes, estado civil e nível educacional de mãe e pai. Instrumentos Questionário de identificação Por meio deste, desejou-se obter informações relevantes que não foram abordadas nos instrumentos utilizados, entre elas, dados pessoais (nome da mãe, do pai e data de nascimento da criança), escolaridade dos pais e organização familiar (estado civil dos pais, quantidade de pessoas que habitam a casa, quem convive no ambiente familiar e número de irmãos). Inventário de Estilos Parentais (IEP) (Gomide, 2011b) Avalia o estilo parental, ou seja, as estratégias e técnicas utilizadas pelos pais para educar os filhos. O inventário é composto por 42 questões que correspondem às sete práticas educativas utilizadas pelos pais na interação com os filhos. Para cada prática educativa, foram elaboradas seis questões distribuídas espaçadamente ao longo do inventário. São duas práticas educativas positivas: (A) monitoria positiva e (B) comportamento moral, e cinco práticas educativas negativas: (C) punição inconsistente, (D) negligência, (E) disciplina relaxada, (F) monitoria negativa e (G) abuso físico (Gomide, 2011b). TABELA 1 Caracterização da amostra de crianças por idade, gênero e composição familiar e caracterização dos responsáveis pelas crianças, que participaram do estudo, em relação ao grau de parentesco, estado civil e nível educacional de mãe e pai. Caracterização da amostra de crianças Série Idade média (mín-máx) DP Mediana Gênero Composição familiar Masc. Fem. Mãe/Pai Mãe/Pai/Outros Mãe e/ou Pai Sem pais Mat. II 3,42(3,04-4,11) 0,49 3,08 5 9 6 7 1 0 Nível I 4,30(4,04-5,11) 0,46 4,06 5 3 4 4 0 0 Nível II 5,56(5,03-6,10) 0,53 5,54 5 3 4 2 1 1 Total 4,22(3,04-6,10) 1,02 4,06 15 15 14 13 2 1 Caracterização da amostra de responsáveis Série Grau de parentesco Estado civil Nível educacional de mãe e pai (n=60) Responsável legal Mãe Pai Casado Div. Ensino médio Graduação incompleta/ completa Esp. Mestre Mat. II 0 13 1 13 1 2 18 8 0 Nível I 0 6 2 8 0 1 9 5 1 Nível II 1 7 0 6 2 2 9 3 2 Total 1 26 3 27 3 5 36 16 3 Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 220 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 O IEP possui duas formas de aplicação. Há um inventário de estilos parentais denominado “práticas educativas paternas e maternas” para que os pais respondam sobre as práticas educativas adotadas em relação ao filho e, existem dois inventários, através dos quais os filhos, acima de oito anos, podem responder sobre as práticas educativas utilizadas por seus pais. Os pais poderão responder sobre os filhos acima de cinco anos desde que façam as devidas adaptações às situações propostas pelo inventário (Gomide, 2011b). Neste estudo foi utilizado o formato em que os pais respondem sobre o próprio filho e foram realizadas adaptações em 12 itens, com autorização prévia da autora, apenas para uma melhor compreensão do conceito por parte dos pais, sem alteração substancial de conteúdo. As modificações foram executadas para uma melhor compreensão, por parte dos pais, sobre a realidade de seus filhos, afinal tratava-se de um vocabulário para uma faixa etária superior, como, por exemplo, se os pais explicavam ao filho que era melhor tirar uma nota baixa do que colar em uma prova; ou se, quando o filho saía com alguém, os pais ligavam muitas vezes, etc. Foram adaptados os itens de número 1, 9, 13, 18, 20, 23, 26, 29, 33, 34, 37 e 38 da versão original do instrumento. O cálculo do índice de estilo parental é realizado a partir das práticas positivas (A+B) e as práticas negativas (C+D+E+F+G) e, em seguida, subtrai-se a soma das práticas negativas das positivas. Desta forma, quando o índice de estilo parental é negativo, indica prevalência de práticas parentais negativas que neutralizam ou se sobrepõem às práticas parentais positivas. Quando o índice de estilo parental é positivo, aponta uma forte presença de práticas parentais positivas que se sobrepõem às práticas negativas. Evidência de validade podem ser verificadas em Gomide (2011b). Teste de Stroop Semântico (TSS) O Teste de Stroop Semântico, utilizado nesse estudo, é uma versão adaptada por Trevisan (2010) com base nas versões de Berwid et al. (2005), Brocki e Bohlin (2006), Gerstadt, Hong e Diamond (1994), assim como o Stroop clássico (Stroop, 1935). O instrumento é computadorizado e o objetivo consiste em avaliar a atenção seletiva e o controle inibitório de crianças. Pode ser utilizado com crianças alfabetizadas ou não, pois não faz o uso de material escrito. O TSS é indicado para crianças de 3 a 7 anos de idade. A versão original é composta por palavras, porém esta é constituída por dois pares de figuras: sol e lua, menino e menina. O teste é dividido em duas partes, primeiramente, a criança deve nomear as figuras e, posteriormente, a mesma deve dizer o oposto. Após nomear, no momento em que visualizar o dia ela deverá dizer noite e quando visualizar o menino deverá dizer menina, assim por diante (Trevisan, 2010). Ao total é composto por 32 imagens, divididas em 16 para a primeira etapa e 16 para a segunda etapa e vale lembrar que cada etapa contém uma progressão de dificuldade. Na primeira etapa as imagens aparecem com um intervalo de 1200 milésimos de segundo e na segunda as imagens aparecem em um intervalo de 800 milésimos de segundo (Martoni, 2012). Evi- dência de validade podem ser verificadas em Trevisan (2010). Teste de Atenção por Cancelamento (TAC) Avalia a atenção seletiva, atenção alternada, planejamento e o controle inibitório, o mesmo é composto por três fases, com dificuldade progressiva, nas quais, inicialmente, é apresentada para a criança um estímulo alvo e lhe é solicitada que assinale o mesmo em meio a diversos outros em um espaço delimitado (Trevisan, 2010). É indicado para crianças de 4 a 14 anos de idade e em jovens adultos (20 a 32 anos). Os acertos são contabilizados quando a criança assinala o estímulo alvo de forma correta e os erros quando ela omite ou assinala algum outro sem ser o desejado. Na primeira fase pode-se acertar de 0 a 60 estímulos, sendo 15 estímulos corretos em cada quadrante. Na segunda fase pode-se acertar de 0 a 12 estímulos, entre eles, 3 estímulos corretos em cada quadrante. Na última fase pode-se acertar de 0 a 60 estímulos, contendo 15 estímulos corretos em cada quadrante. O instrumento total contém de 0 a 132 pontos corretos (Trevisan, 2010). Na primeira fase, no topo da folha, encontra-se o estímulo alvo e abaixo são disponibilizadas 300 imagens de: círculo, quadrado, triângulo, cruz, estrela e traço. Todas as imagens estão organizadas de uma forma aleatória e a criança deve assinalar os estímulos idênticos ao alvo. Na segunda fase, no lugar do estímulo alvo é solicitado que a criança encontre duas imagens que precisam estar localizadas uma ao lado da outra na mesma linha e em mesma ordem conforme o alvo. Na terceira e última fase, o estímulo alvo se modifica conforme cada linha, sendo necessário que a criança consigamanter a atenção alternada adequada para realizar de forma correta o que é requisitado. Cada criança possui um minuto para realizar cada etapa (Montiel & Seabra, 2012). Parâmetros psicométricos do TAC são disponibilizados por Godoy (2012); conforme a autora, há evidências de validade para o teste quando aplicado a crianças a partir de 4 anos de idade, alunos do penúltimo ano da Educação Infantil. Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 221 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 Dados normativos são disponibilizados em Dias, Trevisan, Pereira, Gonzales e Seabra (2012). Teste de Trilhas para pré-escolares (TTPE) Neste estudo foi utilizada a versão do Teste de Trilhas adaptada para pré-escolares de Trevisan (2010), a partir das partes A e B do Teste de Partington e Leiter (1949). Trevisan (2010) fez esta adaptação pautada nas versões de Espy (1997), Espy, Kaufmann e Glisky (2001), Espy e Cwik (2004) e Baron (2004). A versão atual está validada e, como é composta somente por imagens, é indicada para crianças de 4 a 6 anos de idade. Primeiramente, na Parte A, é apresentada uma folha para a criança com a imagem de uma família composta por cinco cachorros, representando: pai, mãe e três filhotes. A tarefa da criança é fazer a ligação entre os cachorros em ordem de tamanho crescente. Posteriormente, na Parte B, são apresentadas dez figuras, contemplando cinco cachorros e cinco ossos, cada um de um tamanho, porém de forma que dê para agrupar duplas em relação aos tamanhos apresentados. A criança deve fazer um traçado com o objetivo de unir o cachorro e o osso do tamanho correspondente e assim por diante (Trevisan & Seabra, 2012). Parâmetros psicométricos do Teste de Trilhas para pré-escolares são disponibilizados por Trevisan e Pereira (2012), revelando evidências de validade para o teste quando aplicado a crianças a partir de 4 anos de idade, cursando o penúltimo ano da Educação Infantil. Dados normativos são disponibilizados em Trevisan, Hipólito, Parise, Reppold e Seabra (2012). Procedimento Após aprovação da pesquisa pelo Comitê de ética em Pesquisa, os responsáveis pela instituição e, posteriormente, os responsáveis pelas crianças foram contatados para assinar ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, foi agendado um horário para entre- vista individual com a figura materna e/ou paterna e/ou responsável legal de cada família na própria escola, em uma sala destinada para tal atividade e em horá- rios previamente autorizados pela mesma. O encontro teve a duração de, aproximadamente, 30 minutos. Nele foi solicitado que o responsável preenchesse o questionário de identificação e o Inventário de Estilo Parental (IEP). Em relação à avaliação das crianças, no Maternal foi aplicado apenas o Teste de Stroop Semântico, visto que os demais testes não apresentam, como já descrito nos Instrumentos, parâmetros psicométricos aceitáveis para a faixa etária de 3 anos, com propriedades aceitáveis para crianças a partir de 4 anos alunas do penúltimo ano da Educação Infantil. Nos Níveis I e II foram aplicados os três instrumentos de funções executivas. Levando em consideração a idade da amostra e conforme solicitado pela instituição, foi aplicado um teste por encontro, totalizando três encontros individuais para Níveis I e II e um encontro para o Maternal, com a duração de, aproximadamente, 20 minutos cada um, realizados nos intervalos de aulas das respectivas professoras. Vale salientar que a aplicação de um próximo instrumento só foi realizada após a conclusão do anterior em todas as crianças participantes. A retirada de alunos da sala de aula para os encontros de avaliação foi sempre realizada com autorização prévia da educadora, assim como com a aceitação do próprio aluno. Os testes foram aplicados em todas as crianças sempre na mesma ordem, para evitar que possíveis efeitos de aprendizagem escolar promovessem diferenças nos escores nos testes entre os grupos de crianças. Para evitar efeito de fadiga, foram conduzidas três sessões com as crianças. No primeiro encontro foi aplicado o Teste de Stroop Semântico; no segundo, o Teste de Trilhas para pré- escolares e, no terceiro encontro, o Teste de Atenção por Cancelamento. Resultados Para proceder às análises objetivadas, inicialmente foi calculada a normalidade da distribuição. Conforme os testes de normalidade de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, a normalidade não foi confirmada. Assim sendo, foram conduzidas estatísticas não paramétricas. Para verificar a relação entre os escores do Inventário de Estilos Parentais e dos testes que avaliaram as funções executivas das crianças, foi conduzida correlação não- paramétrica de Spearman. No que se refere ao IEP e ao Teste de Stroop Semântico (Tabela 2) algumas correlações podem ser elencadas. O percentual do IEP revelou correlação negativa significativa, de magnitude moderada, com a interferência no tempo de reação do TSS. A prática educativa negativa, denominada punição inconsistente, apresentou correlação positiva significativa, de magnitude baixa, com a média do tempo de reação na parte 2 do TSS; a mesma prática educativa expressou correlação positiva significativa, de magnitude mo- derada, com a interferência no tempo de reação do TSS. Por fim, a prática educativa negativa, denominada abuso físico, revelou correlação positiva significativa, de magnitude moderada, com a média do tempo de reação na parte 2 e com a interferência no tempo de reação, ambos do TSS. Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 222 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 Em relação ao IEP e ao Teste de Atenção por Cancelamento (Tabela 3), houve correlação positiva significativa, de magnitude moderada, entre o percentual total do IEP e o total de acertos na parte 2 do TAC. Quanto ao IEP e ao Teste de Trilhas para pré- escolares (Tabela 4) a prática educativa negativa, nomeada de punição inconsistente, revelou correlação positiva significativa, de magnitude moderada, com as conexões da parte B do TTPE. TABELA 2 Análise de correlação não-paramétrica de Spearman entre o desempenho no Inventário de Estilos Parentais (IEP) e no Teste de Stroop Semântico (N = 30). Stroop Parte 1 Acertos Stroop Parte 1 Tempo de Reação Stroop Parte 2 Acertos Stroop Parte 2 Tempo de Reação Interferência Escore Interferência Tempo de Reação Percentual rho -0,144 0,061 0,027 -0,347- 0,112 -0,435* p 0,457 0,754 0,891 0,076 0,562 0,023 Monitoria Positiva rho -0,207 0,171 0,011 -0,048- 0,059 -0,148- p 0,282 0,374 0,953 0,812 0,760 0,461 Compto. Moral rho -0,050 -0,044 0,235 0,216 0,271 0,180 p 0,795 0,820 0,220 0,280 0,154 0,370 Punição Inconsistente rho 0,141 -0,150 0,113 0,393* 0,053 0,518** p 0,467 0,437 0,558 0,042 0,785 0,006 Negligência rho 0,193 -0,134 0,150 0,113 0,077 0,152 p 0,316 0,489 0,437 0,576 0,693 0,448 Disciplina Relaxada rho 0,091 0,001 -0,165- 0,210 -0,220- 0,253 p 0,639 0,996 0,393 0,294 0,252 0,202 Monitoria Negativa rho -0,135 -0,185 0,095 -0,019- 0,062 -0,003- p 0,486 0,336 0,625 0,924 0,749 0,986 Abuso Físico rho 0,221 0,206 0,206 0,438* 0,174 0,428* p 0,249 0,284 0,285 0,022 0,367 0,026 * p ≤ 0,05; ** p ≤ 0,01. TABELA 3 Análise de correlação não-paramétrica de Spearman entre o desempenho no Inventário de Estilos Parentais (IEP) e no Teste de Atenção por Cancelamento (N = 16). TAC Parte 1 Acertos TAC Parte 2 Acertos TAC Parte 3 Acertos TAC Total Acertos Percentual rho 0,233 0,515* 0,232 0,204 p 0,384 0,041 0,388 0,449 Monitoria Positiva rho 0,049 0,261 0,119 0,102 p 0,856 0,328 0,662 0,708 Comportamento Moral rho -0,019 0,251 0,131 0,05 p 0,944 0,348 0,628 0,854 Punição Inconsistente rho 0,109 -0,249 0,062 0,181 p 0,688 0,352 0,818 0,503 Negligência rho 0,044 0,057 0,0810,095 p 0,871 0,835 0,767 0,725 Disciplina Relaxada rho -0,389 -0,451 -0,288 -0,357 p 0,137 0,08 0,279 0,175 Monitoria Negativa rho -0,057 -0,125 0,347 0,223 p 0,835 0,646 0,187 0,406 Abuso Físico rho 0,226 -0,077 0,016 0,148 p 0,4 0,777 0,952 0,586 * p ≤ 0,05; ** p ≤ 0,01. Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 223 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 Discussão É possível aferir que a maioria das correlações estabelecidas entre o IEP e os instrumentos de avaliação das funções executivas foram de magnitude baixa a moderada, grande parte das correlações encontradas se correlacionou com o Teste de Stroop Semântico. Duas hipóteses explicativas podem ser enumeradas, entre elas, tal ocorrido pode ser em função da amostra de sujeitos, pois devido à idade, todos os sujeitos foram avaliados com o Teste de Stroop Semântico e, apenas, metade da amostra foi avaliada com o Teste de Atenção por Cancelamento e Teste de Trilhas. Outro dado importante está relacionado com o fato das funções executivas serem multifatoriais, provavelmente o construto avaliado pelo IEP se correlacione mais com inibição, avaliada pelo Teste de Stroop Semântico. Segundo Miyake et al. (2000) e Diamond (2013), as funções executivas contemplam um construto composto por várias habilidades ou componentes, assim sendo, esperava-se grande número de correlações significativas, de baixas a moderadas, entre tais variáveis. A partir do resultado de correlação negativa significativa entre o percentual do IEP e tempo de interferência no Teste de Stroop Semântico, pode-se observar que, quanto mais apropriado o estilo parental proporcionado pelos pais (medido como percentual no IEP), melhor o controle de interferência por parte dos filhos (menor a diferença no tempo de reação na parte incongruente do Teste de Stroop Semântico em relação à parte congruente). Para compreender, de forma aprofundada, a natureza dessa relação, é relevante observar os resultados das correlações entre funções executivas e as práticas educativas do IEP. Das sete práticas educativas, apenas duas apre- sentaram alguma correlação significativa com as funções executivas, a saber, punição inconsistente e abuso físico. Em relação à punição inconsistente, ou seja, quando os pais se orientam por seu humor na hora de punir ou reforçar e não pelo ato praticado (Gomide, 2011b), houve correlação com as funções executivas. Observou- se que, quanto maior a inconsistência na punição, mais a criança demora na parte incongruente do Teste de Stroop Semântico (tempo de reação na parte incongruente), mais ela é afetada pela incongruência (maior o tempo de reação de interferência no Teste de Stroop Semântico), porém maior é a sua flexibilidade (escore na parte B do Teste de Trilhas). Dentro desta prática educativa, há itens como os de número 17 (quando os pais estão nervosos castigam os filhos e quando passa pedem desculpas), 24 (quando estão nervosos descontam nos filhos) e 38 (quando estão mal humorados não deixam os filhos brincarem com os amigos). TABELA 4 Análise de correlação não-paramétrica de Spearman entre o desempenho no Inventário de Estilos Parentais (IEP) e no Teste de Trilhas para pré-escolares (N = 16). Teste de Trilhas Parte A Conexões Teste de Trilhas Parte A Sequências Teste de Trilhas Parte B Conexões Teste de Trilhas Parte B Sequências Percentual rho 0,131 0,131 -0,322- -0,193- p 0,630 0,630 0,224 0,473 Monitoria Positiva rho -0,192- -0,192- -0,276- -0,299- p 0,475 0,475 0,300 0,261 Compto. Moral rho 0,051 0,051 0,140 0,059 p 0,852 0,852 0,606 0,829 Punição Inconsistente rho 0,181 0,181 0,533* 0,334 p 0,503 0,503 0,033 0,207 Negligência rho -0,039 - -0,039- -0,139- 0,150 p 0,887 0,887 0,608 0,580 Disciplina Relaxada rho -0,272 - -0,272- 0,025 0,081 p 0,309 0,309 0,926 0,765 Monitoria Negativa rho -0,064 - -0,064- 0,420 0,199 p 0,814 0,814 0,106 0,461 Abuso Físico rho -0,065 - -0,065- 0,071 0,131 p 0,810 0,810 0,793 0,629 * p ≤ 0,05; ** p ≤ 0,01. Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 224 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 Outra prática educativa que merece destaque é a nomeada de abuso físico, caracterizada pela disciplina através de práticas corporais negativas, ameaça e chantagem de abandono e de humilhação do filho (Gomide, 2011b). Um item que exemplifica essa prática é o item 14, que contempla se o filho tem medo de apanhar dos pais. Essa prática educativa também se correlacionou com o desempenho no Teste de Stroop Semântico: quanto maior o uso de abuso físico, mais a criança demora na parte incongruente do Stroop (tempo de reação na parte incongruente) e mais ela é afetada pela incongruência (maior o tempo de reação de interferência no Teste de Stroop Semântico). Por fim, conforme informações detalhadas em relação ao IEP, a prática educativa nomeada de punição inconsistente e abuso físico, apresentaram maior número de correlações significantes. Alguns estudos confirmam tais dados elencados, como, por exemplo, a pesquisa de Bernier et al. (2012), que relata sobre as estratégias ensinadas pelo cuidador de forma apropriada, as quais podem ser relacionadas à distração com uma atividade agradável enquanto se espera por algo ou ao resolver um quebra-cabeça voltar atrás e considerar outras opções para resolvê-lo, resultam em interações familiares com um clima emocional harmonioso. Assim, repetidas experiências de regulação de sucesso em determinadas situações emocionalmente desgastantes, por parte dos progenitores, levam as crianças a internalizar as competências adquiridas e gradualmente integrá-las em seu próprio repertório de autorregulação. Desta forma, os processos regulatórios são, primeiramente, praticados no âmbito das relações familiares e as estratégias aprendidas são generalizadas e utilizadas fora da relação didática, tal como durante tarefas que exijam autorregulação independente, a qual pode ser considerada uma característica definidora das tarefas de funções executivas (Bernier et al., 2012). Pode-se supor, por meio do estudo de Bernier et al. (2012), que os fatores mais proximais, como por exemplo, as funções executivas dos próprios pais, possam afetar o controle das crianças referente ao próprio impulso, o qual pode ser por meio de imitação e de aprendizagem por observação. Também a pesquisa de Rhoades et al. (2011) encontrou achados semelhantes, revelando que os riscos familiares advindos de questões demográficas podem prever as funções executivas em crianças. Os autores abordaram o tema abuso físico como uma prática inclusa no denominado “perfil familiar de risco” e revelaram que combinações específicas de risco são mais associadas com baixos resultados de funções executivas e que as mesmas podem variar de acordo com a raça, estado civil e condição socioeconômica. Para estes autores, pode-se esperar que esse estilo parental seja mais intrusivo devido aos seus níveis mais elevados de controle parental e, geralmente, estão associados a um baixo desempenho em relação ao desenvolvimento infantil. Observou-se, por exemplo, que a qualidade da parentalidade pode exercer influência no desenvolvimento das crianças de duas maneiras. Em primeiro lugar, por meio de interações sensíveis contingentes com os progenitores, afinal, por meio destas, a criança pode aumentar a sua motivação para aprender a controlar e interagir com o mundo externo, o que pode contribuir para a prática das habilidades relacionadas às funções executivas. Em um segundo momento, por meio da segurança derivada de interações positivas, neste caso as crianças são mais propensas a explorar o seu ambiente, aumentando a sua interação com materiais que a estimulem cognitivamente (Rhoades et al., 2011). Dessa forma, o contexto social pode promover a exposição a interações cognitivamenteestimulantes que, por sua vez, podem promover as funções executivas. Apesar de tais achados previamente relatados estarem em consonância com o esperado teoricamente, observou-se resultado inesperado em relação à flexibilidade cognitiva, que tendeu a ser maior quando há punição inconsistente. Contrariamente ao aqui observado, estudos prévios têm consistentemente relacionado maior caos doméstico e maior instabilidade familiar a menor funções executivas em crianças (Bernier et al., 2012; Hughes & Ensor, 2009; Rhoades et al., 2011). Porém tais pesquisas não analisaram, especificamente, a flexibilidade cognitiva das crian- ças, o que dificulta a comparação com os presentes achados. Hughes e Ensor (2009), por exemplo, chegaram à conclusão de que vários aspectos das interações sociais sustentam as diferenças individuais das funções executivas em crianças pequenas. Dentre várias características familiares analisadas, as que predisseram as funções executivas em crianças britânicas de 4 anos foram habilidade de planejamento da mãe, suporte (scaffolding) oferecido pela mãe e caos familiar, e a predição por estilo parental inconsistente foi marginalmente significativa na predição. No estudo, porém, foi usada uma única medida de funções executivas, derivada de quatro diferentes tarefas, não sendo possível proceder à análise diferencial da relação entre características familiares e cada aspecto das funções executivas. Exploratoriamente, pode-se hipotetizar que a flexibilidade cognitiva pode estar relacionada com o fato das crianças que vivem sob a prática educativa de Martins, G. L. L., León, C. B. R., & Seabra, A. G. | Estilos parentais e desenvolvimento das funções executivas 225 Psico (Porto Alegre), 2016; 47(3), 216-227 punição inconsistente não saberem reconhecer quais os comportamentos desejados pelos pais, apenas sabem que o humor dos mesmos varia (Gomide, 2011a). É possível que a flexibilidade seja desenvolvida em função da instabilidade do ambiente, sendo que as crianças devem estar sempre atentas para responderem aos comportamentos imprevisíveis dos seus progenitores. Porém, tal resultado não era esperado a partir do referencial teórico ou empírico da área e constitui- se em uma observação a ser analisada em estudos futuros, podendo ser apenas um viés da amostra aqui analisada. Considerações Finais O presente estudo buscou investigar a relação entre estilos parentais e as funções executivas em crianças de 3 a 6 anos de idade. Dentre as relações observadas, os resultados revelaram que, de modo geral, quanto mais apropriado o estilo parental dos pais, tanto melhor o controle de interferência dos filhos e que, quanto maior a inconsistência na punição, menor a capacidade de inibição da criança. Porém, um resultado inesperado foi observado, que quanto maior a inconsistência na punição, maior a sua flexibilidade cognitiva. Algumas limitações devem ser consideradas neste estudo e podem, potencialmente, ser explicativas dos resultados observados, especialmente dos inesperados. Entre elas, a principal é o tamanho amostral, que é restrito e limitador para a generalização dos resultados. Ressalta-se ainda que o status socioeconômico das famílias e o nível de estudo dos progenitores foi bastante homogêneo na amostra avaliada, o que pode dificultar a generalização dos resultados, ainda que se considerem que as famílias podem apresentar estruturas e dinâmicas diferentes, de modo que tal aspecto deve ser investigado em pesquisas futuras com o objetivo de minimizar possíveis vieses. Finalmente, ressalta-se que os instrumentos de avaliação das funções executivas também podem ser considerados como uma limitação ao pensar que nem todos abordam a faixa etária em questão. Sugere-se que futuramente sejam elaborados e validados instrumentos para uma faixa etária precoce do desenvolvimento infantil e com níveis socioeconômicos mais variados, além de novos estudos com análises de regressão em amostras maiores. Ardila, A. (2008). On the evolutionary origins of executive functions. 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Alessandra Gotuzo Seabra – Doutora, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Endereço para correspondência:Gabriela Lamarca Luxo Martins Rua Itapicuru, 699 apto. 103 – Perdizes 05006-000 São Paulo, SP, Brasil Recebido em: 19.11.15 Aceito em: 29.05.16 http://dx.doi.org/10.1017/S1355617710001335 http://dx.doi.org/10.1037/0096-3445.121.1.15 Estudos de Psicologia 2005, 10(3), 407-412 Consciência fonológica no início da escolarização e o desempenho ulterior em leitura e escrita: estudo correlacional Magda Solange Vanzo Pestun Universidade Estadual de Londrina Resumo Pesquisas contemporâneas têm demonstrado que habilidades metalingüísticas são fundamentais para aquisi- ção e desenvolvimento da leitura e escrita. Com o propósito de verificar se crianças que não haviam freqüen- tado a escola até sua inserção no pré III e que não possuíam conhecimento de leitura e soletração apresenta- vam consciência fonológica ao ingressarem no ensino formal, e se a presença dessa habilidade favorecia a aquisição da leitura e escrita, 167 crianças de ambos os sexos, com idade média de 5 anos e 8 meses, de nível sócio-econômico semelhante, participaram deste estudo, que foi realizado em três etapas. Na primeira etapa (início do pré III), a habilidade de consciência fonológica foi avaliada por meio da Prova de Consciência Fonológica. Nas segunda e terceira etapas (início e término do 1o ano), as crianças foram reavaliadas em consciência fonológica e avaliadas em leitura oral e escrita sob ditado de palavras e de pseudopalavras. Os resultados indicaram correlação positiva entre consciência fonológica e ulterior desempenho em leitura e em escrita. Palavras-chave: consciência fonológica; leitura; escrita; desenvolvimento Abstract Phonological awareness in the beginning of schooling and ulterior performance in reading and writing: a correlational study. Contemporary research has demonstrated that metalinguistic skills are fundamental for the acquisition and development of reading and writing skills. With the purpose of verifying if children who had not attended school before preschool III, with no knowledge of reading and spelling, presented phonological awareness when entering formal schooling and if the presence of this skill favored reading and writing acquisition, 167 children from both sexes with an average age of 5 years and 8 months old, similar social- economical level, took part in this study which was carried out in three stages. In the first stage (beginning of preschool III), the phonological awareness skill was evaluated by means of the Phonological Awareness Test. In the second and third stages (beginning and ending of the first grade of the elementary school), the children were reassessed in their phonological awareness and evaluated in oral reading and writing with dictation of words and pseudowords. The results showed a positive correlation between phonological awareness and ulterior performance in reading as well as in writing. Keywords: phonological awareness; reading; writing; development Pesquisas contemporâneas têm demonstrado consis-tentemente que habilidades metalingüísticas, ou seja,a capacidade de refletir sobre a própria língua, são de fundamental importância para a aquisição e o desenvolvi- mento da leitura e da escrita (Ball & Blachman, 1991; Bradley & Bryant, 1983; Cardoso-Martins, 1995). Uma das habilidades metalingüísticas é a consciência fonológica, isto é, a consciência de que a fala pode ser seg- mentada e que os segmentos (palavras, sílabas, fonemas) podem ser manipulados. Essa habilidade é desenvolvida gra- dualmente conforme a criança experimenta situações lúdicas (cantigas de roda, jogos de rima, identificação de sons inici- ais de palavras) e é instruída formalmente em atividades grafofonêmicas. Estudos com crianças não alfabetizadas vêm demonstrando que elas já apresentam, durante a educação infantil, algumas habilidades metafonológicas que contribu- em para o sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita (Bradley & Bryant, 1983; Capovilla & Capovilla, 1998; Carraher & Rego, 1984; Coimbra, 1997). No entanto, alguns pesquisa- dores sustentam que as crianças, antes de serem alfabetiza- das, não têm uma compreensão clara de como a fala é organi- zada (Goswani & Bryant, 1990; Read, Zhang, Nie, & Ding, 1986). Somente a partir do conhecimento das características da escrita, é que as crianças desenvolveriam a consciência 408 fonológica, ou seja, a introdução formal no sistema alfabético seria o fator causal para o desenvolvimento de habilidades metalingüísticas. Recentemente, alguns pesquisadores de- fendem que, na realidade, existe uma relação de reciprocida- de, isto é, ao mesmo tempo em que as habilidades metalingüísticas são fundamentais para a aquisição e o de- senvolvimento da leitura e da escrita, o treinamento em leitu- ra favorece o desenvolvimento da consciência fonológica (Adams, 1990; Morais, Mousty, & Kolonsky, 1998). Independentemente de a relação entre consciência fonológica e habilidade para leitura e escrita ser de causa, de efeito ou de reciprocidade, o que se tem claro atualmente é que o domínio fonológico exerce grande influência no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que possibilita a generalização dos sistemas de escrita alfabéticos. se o alfabeto é um código com sistema de regras que asseguram a cada fonema de uma língua sua representação gráfica distin- ta, estas regras permitem compreender uma série de signos ortográficos nunca vistos anteriormente e permitem criar novas séries de signos para representar conceitos novos, de maneira que suas representações sejam inteligíveis para toda pessoa que conheça o sistema. (Batista & Resende da Costa, 2003, p. 41) Segundo Capovilla e Capovilla (2003), diversos países de língua alfabética compreenderam rapidamente que, para evitar dificuldades em leitura e escrita, as crianças deveriam ser ensi- nadas, de forma explícita e sistemática, a manipular fonemas por meio da instrução. Quanto mais desenvolvida essa habili- dade, melhor a compreensão da relação fonema–grafema. No Brasil, alguns pesquisadores vêm verificando as ha- bilidades metalingüísticas em crianças e construindo instru- mentos para avaliar a consciência fonológica e a futura habi- lidade de leitura e escrita, bem como propondo programas de treinamento a serem implementados desde a Educação Infan- til (Capovilla & Capovilla, 1998, 2000; Cardoso-Martins, 1995; Moojen et al., 2003). Como no Paraná as pesquisas que verificam as habilida- des metalingüísticas são ainda incipientes, resolveu-se de- senvolver esta pesquisa com o propósito de verificar se cri- anças pré-escolares, sem nenhum conhecimento de leitura e soletração, apresentavam consciência fonológica ao ingres- sarem no ensino formal e se a presença dessa habilidade fa- vorecia a aquisição de leitura e escrita. Método Este estudo longitudinal de caráter experimental foi inici- ado em fevereiro de 2002 com 167 crianças e concluído em novembro de 2003 com 132 crianças (75 do sexo feminino e 57 do sexo masculino). Trinta e cinco alunos solicitaram transfe- rência de escola ao longo dos dois anos da pesquisa. A idade média no início do estudo era de cinco anos e oito meses (mínima de cinco anos e máxima de seis anos e seis meses). As crianças freqüentavam o pré III em três escolas públicas municipais pertencentes ao Jardim Santo Amaro, município de Cambé, PR, e apresentavam nível sócio-econômico seme- lhante (renda média familiar mensal de dois salários mínimos). Todos os sujeitos tinham o consentimento de seus pais ou responsáveis para participarem da pesquisa e, é importante ressaltar, nenhuma dessas crianças havia freqüentado anteri- ormente o ensino formal, portanto, não liam nem soletravam ao início do estudo. Todas as fases de coleta de dados foram realizadas nas três escolas participantes, em horário normal de aulas, em salas reservadas para atendimentos individuais ou de peque- nos grupos. Foram empregados como instrumentos de avaliação: (1) Roteiro de Anamnese para a entrevista com os pais ou responsáveis pela criança; (2) Prova de Consciência Fonológica (PCF,ver Capovilla & Capovilla, 1998), que tem por objetivo avaliar a habilidade de crianças de manipular os sons da fala. Consiste em 40 ques- tões de teste e duas de treino, divididas em 10 blocos de 4 perguntas cada. Os blocos avaliam habilidades de síntese silábica e fonêmica, análise silábica e fonêmica, rima, aliteração, segmentação silábica e fonêmica e transposição silábica e fonêmica. Os resultados são apresentados como escore ou freqüência de acertos, sendo 40 acertos o máximo possível; (3) Escala Colúmbia de Maturidade Intelectual (ECMI, Burgemeister, Blum, & Lorge, 1971, adaptação de Rodrigues & Pio da Rocha, 1994). Mede a aptidão geral de raciocínio de crianças na faixa etária de 3 anos e 6 meses a 9 anos e 11 meses. A medida escolhida pela pesquisadora para efeito de análise foi o estanino, um escore padronizado que varia de 1 a 9 pontos. O estanino é obtido a partir do número de acertos da criança no teste e de sua idade cronológica; (4) lista de palavras familiares e de pseudopalavras (Pinheiro, 1994) para leitura oral e tomada de ditado. Composta de 192 itens psicolingüísticos, que variam em termos de lexicalidade, regularidade, freqüência e comprimento. Dos 192 itens, 96 são palavras familiares e 96 são pseudopalavras. Das 96 pala- vras familiares, 32 são regulares, 32 irregulares e 32 regra, sendo 48 de alta freqüência e 48 de baixa freqüência. Tanto as palavras familiares quanto as pseudopalavras são divididas em dissílabas e trissílabas; (5) gravadores (para gravar as respostas nas provas PCF); (6) fitas-cassete; (7) cronômetros; (8) folhas de respostas para leitura oral e tomada de ditado de palavras familiares e pseudopalavras. Procedimento Este estudo longitudinal, de caráter experimental, foi rea- lizado em três etapas: Etapa I: quando as crianças iniciaram o pré III (fevereiro e março de 2002); Etapa II: quando as crianças iniciaram o 1o ano do ensino fundamental (fevereiro e março de 2003); Etapa III: quando as crianças concluíram o 1o ano do ensino fundamental (dezembro de 2003). Na Etapa I, os pais ou responsáveis pelas crianças parti- cipantes foram convidados para uma entrevista inicial, elabo- rada sob a forma de um questionário (roteiro de anamnese), cujo objetivo era obter o máximo de informações possível M.S.V.Pestun 409 com relação ao desenvolvimento neuropsicomotor, sócio - afetivo e escolar de seu filho ou filha, bem como alguma intercorrência que pudesse ter havido durante os períodos pré, peri e pós-natal. A idade em que a criança falou as primei- ras palavras com significado, seu desenvolvimento lingüístico, psicomotor e possíveis casos de dificuldade es- colar na família eram considerados dados significativos na história do sujeito. Na ocasião, os objetivos do trabalho fo- ram explicitados pela pesquisadora, a qual solicitou aos pais ou responsáveis a anuência para a participação de seu filho(a) na pesquisa, mediante assinatura do Termo de Consentimen- to Livre e Esclarecido. Na mesma ocasião, as crianças foram submetidas à avaliação individual do potencial intelectual, por meio da ECMI, e da consciência fonológica, por meio da PCF (F0). Cada prova foi aplicada em uma sessão de 30 minu- tos, com exceção da entrevista de anamnese, cuja duração foi de 60 minutos. Na Etapa II, as crianças matriculadas na 1a série foram submetidas novamente à avaliação da consciência fonológica, por meio da PCF (F1), de leitura oral de 48 palavras familiares (L1) e 48 pseudopalavras (LP1), e de escrita sob ditado de outras 48 palavras familiares (D1) e 48 pseudopalavras (DP1). O dado de interesse para a análise foi a freqüência de acertos para cada modalidade avaliada (palavras familiares e pseudopalavras). As provas de consciência fonológica e leitu- ra oral de palavras familiares e de pseudopalavras foram reali- zadas em duas sessões individuais de 30 minutos cada. As crianças eram retiradas da sala de aula e conduzidas pela pes- quisadora à sala de avaliação. Todas as respostas foram grava- das, para futura pontuação e análise. Após o término da avali- ação, elas eram reconduzidas à sala de aula. A Prova de Toma- da de Ditado foi realizada em três sessões de 30 minutos cada. Na Etapa III, as crianças foram novamente avaliadas em consciência fonológica por meio da PCF (F2), em leitura de palavras familiares (L2) e de pseudopalavras (LP2) e em toma- da de ditado de palavras familiares (D2) e de pseudopalavras (DP2). O procedimento foi semelhante ao da Etapa II. A análise dos resultados das provas realizadas ao longo dos dois anos de estudo foi conduzida, primeiramente, consi- derando-se a média aritmética obtida em todas as variáveis medidas (consciência fonológica – F0, F1, F2; leitura de pala- vras familiares - L1 e L2; leitura de pseudopalavras – LP1 e LP2; ditado de palavras familiares – D1 e D2 e ditado de pseudopalavras – DP1 e DP2), somente das crianças que par- ticiparam das três etapas da pesquisa (n = 132). Analisando as estatísticas de tendência central, obser- vou-se que a mediana ou era nula ou era muito baixa para a maioria das variáveis. Optamos, portanto, pela média aritméti- ca como valor de referência, pois a mesma permitiria melhor avaliação com os demais momentos. Analisamos as mudanças ocorridas ao longo dos dois anos de pesquisa em relação à média de referência (considerada como as médias das primei- ras medidas: F0, L1, LP1, D1, DP1), por meio do teste de Qui- quadrado (McNemar), com o objetivo de analisar se as mudan- ças foram para melhor ou para pior. A comparação dos grupos acima e abaixo da média de referência (F0) em todos os momen- tos foi realizada com o teste de Mann-Whitney. Os testes esta- tísticos foram realizados em nível de significância de 5% e pro- cessados no programa SAS (Statistical Analysis System). Resultados Os dados das entrevistas realizadas com os pais ou res- ponsáveis pelas crianças não revelaram informações signifi- cativas (deficiências visuais ou auditivas, alterações neuro- lógicas importantes, como paralisia cerebral, epilepsia) que impedissem a participação da criança na pesquisa. Na ECMI, o escore médio foi de 4,16, sendo o escore mínimo de 1 e o escore máximo de 8. Houve um crescimento significativo nos desempenhos dos alunos em consciência fonológica, leitura e escrita sob ditado de palavras e de pseudopalavras, da primeira avalia- ção realizada no início do pré-III à última avaliação realizada ao término do primeiro ano do ensino fundamental (Tabela 1). Variáveis F0 F1 F2 L1 L2 LP1 LP2 D1 D2 DP1 DP2 Nota: 0 = fevereiro e março de 2002 1 = fevereiro e março de 2003 2 = dezembro de 2003 F = Prova de Consciência Fonológica (PCF) L = leitura oral de 48 palavras familiares LP = leitura oral de 48 pseudopalavras D = escrita sob ditado de outras 48 palavras familiares DP = escrita sob ditado de 48 pseudopalavras Média 11,3 18,7 27,1 7,5 34,1 6,0 28,8 2,9 19,8 3,9 16,2 Desvio padrão 4,3 6,2 7,4 12,3 14,7 10,5 13,5 5,4 9,5 6,7 8,7 Valor Mínimo 0 0 7 0 0 0 0 0 0 0 0 Mediana 11,0 18,5 28,8 1,0 41,0 0,0 33,0 0,0 21,0 0,0 17,0 Valor Máximo 28 32 40 45 47 45 46 30 43 35 37 Tabela 1 Estatísticas descritivas das variáveis mensuradas Quanto à PCF, na primeira avaliação os melhores desem- penhos foram observados nos subtestes síntese silábica, segmentação silábica, rima e aliteração. Os piores desempe- nhos foram observados nos subtestes transposição silábica, transposição fonêmica, segmentação fonêmica e manipula- ção fonêmica. No decorrer dos dois anos de pesquisa as mai- ores evoluções foram observadas em: manipulação silábica, segmentação silábica, manipulação fonêmica, transposição silábica e aliteração. Maiores detalhes podem ser obtidos em Pestun (2004). Analisando a média de referência (momento inicial) de to- das as variáveis mensuradas, observou-se que houve mudan- ça significativa no desempenho das crianças para categorias melhores determinadas pelos valores acima da média de refe- rência (p < 0,001) como pode ser verificado na Tabela 2. Consciênciafonológica, leitura e escrita 410 A quantidade de crianças que demonstraram desempe- nhos acima da média em F0, manteve-se em F1 e aumentou em F2 (Ac-Ac). Somente duas crianças, na segunda avaliação da PCF mudaram de categoria, de acima da média para abaixo da média (Ac-Ab). Provavelmente, alguma variável não contro- lada determinou esse resultado. Interessante observar o au- mento significativo de crianças que mudaram de categoria, ou seja, que apresentavam desempenhos abaixo da média em F0 e evoluíram em F1 (Ab-Ac). Somente três crianças manti- veram desempenhos abaixo da média nas três avaliações da PCF (Ab-Ab). Em leitura de palavras e de pseudopalavras, 15 crianças mantiveram seus desempenhos abaixo da média nas duas medidas obtidas (Ab-Ab), enquanto houve um acréscimo significativo na quantidade de crianças que evoluíram em leitura (Ab-Ac). Em escrita sob ditado de palavras familiares, 12 crian- ças mantiveram seus desempenhos abaixo da média nas duas medidas obtidas. Em escrita sob ditado de pseudopalavras, 15 crianças mantiveram seus desempenhos abaixo da média nas duas medidas obtidas (Ab-Ab), enquanto houve um acréscimo significativo na quantidade de crianças que evo- luíram em escrita sob ditado (Ab-Ac). Somente uma criança mudou de categoria, de acima da média para abaixo da média em escrita sob ditado de pseudopalavras (Ac-Ab). Prova- velmente, alguma variável não controlada determinou esse resultado. A Tabela 3 demonstra que em todas as variáveis mensuradas, as crianças que apresentaram escores acima da média nas três avaliações da PCF (F0, F1, F2), também apre- sentaram escores medianos maiores nas segundas medidas obtidas (p < 0,001). Discussão A presente pesquisa teve por objetivo verificar se have- ria uma relação causal entre a habilidade de consciência fonológica presente antes da escolarização formal e a aquisi- ção e o desenvolvimento da leitura e da escrita ao término do 1o ano do ensino fundamental. Como pode ser verificado na Medidas comparadas F0 – F1 F0 – F2 L1 – L2 LP1 – LP2 D1 – D2 DP1 – DP2 n 15 3 15 15 12 15 % 11,4 2,3 11,4 11,4 9,1 11,4 n 59 71 81 77 81 76 % 44,7 53,8 61,4 58,3 61,4 57,6 n 2 - - - - 1 % 1,5 - - - - 0,8 n 56 58 36 40 39 40 % 42,4 43,9 27,3 30,3 29,5 30,3 p * < 0,001 < 0,001 < 0,001 < 0,001 < 0,001 < 0,001 Ab-Ab Ab-Ac Ac-Ab Ac-Ac Tabela 2 Número e porcentagem de crianças de acordo com as alterações em relação à média de referência das variáveis mensuradas Nota: média de referência = média de todas as crianças nas primeiras medidas Ab-Ab = abaixo da média de referência no primeiro e segundo momento Ab-Ac = abaixo da média de referência no primeiro momento e acima no segundo momento Ac-Ab = acima da média de referência no primeiro momento e abaixo no segundo momento Ac-Ac = acima da média de referência no primeiro momento e acima no segundo momento * Teste de qui-quadrado de McNemar com 1 grau de liberdade Tabela 3 Escores médios, desvio padrão e mediana das variáveis mensuradas de acordo com a classificação acima ou abaixo da média de referência (F0) em todos os momentos (F0, F1 e F2) Variáveis L1 L2 LP1 LP2 D1 D2 DP1 DP2 Média 10,32 41,21 8,70 35,64 4,46 24,04 6,05 19,36 Desvio padrão 14,10 8,57 12,18 8,85 6,32 7,65 8,20 6,60 Mediana 4,50 42,00 3,50 38,00 1,00 24,00 3,00 19,00 Média 5,38 28,91 4,04 23,70 1,75 16,71 2,32 13,84 Desvio padrão 10,47 16,21 8,80 14,28 4,25 9,59 4,96 9,34 Mediana 0,00 35,50 0,00 27,50 0,00 18,00 0,00 14,50 p * 0,002 < 0,001 < 0,001 < 0,001 < 0,001 < 0,001 < 0,001 < 0,001 Sim (n = 56) Não (n = 76) Acima da média de referência em todos os momentos * Teste de Mann-Whitney M.S.V.Pestun 411 Tabela 3, parece haver uma relação causal entre todas as va- riáveis, isto é, entre consciência fonológica, leitura oral e es- crita de palavras e de pseudopalavras. Esses resultados cor- roboram o que os estudos longitudinais documentados na literatura nacional e internacional vêm divulgando (Cardoso- Martins, 1991; Lundberg, Frost, & Peterson, 1988; Torgesen, Wagner, & Rashotti, 1994). Crianças que apresentam consci- ência de que a fala pode ser segmentada e que os segmentos podem ser manipulados adquirem e desenvolvem as habili- dades de leitura e escrita de forma mais eficiente. No presente estudo, 42% dos alunos apresentaram cons- ciência fonológica ao início do pré III, ou seja, obtiveram resultados acima da média de referência – responderam cor- retamente a 11 ou mais de 40 questões propostas. Capovilla e Capovilla (1998) aplicaram a mesma prova em 34 crianças de nível sócio-econômico médio, alunos de pré III de uma escola particular do interior de São Paulo, e obtiveram melhores re- sultados em consciência fonológica, média de acertos de 18,94% questões em 40 propostas. Algumas hipóteses po- dem ser levantadas para explicar a diferença nos resultados entre os dois estudos: (1) a falta de escolarização anterior ao pré III nos alunos do presente estudo pode ter sido a respon- sável por esses dados. Pesquisas têm demonstrado que a instrução formal no sistema alfabético é muito importante para o desenvolvimento de alguns níveis de consciência fonológica considerados mais complexos, como é o caso da análise e síntese fonêmica, transposição fonêmica (Bertelson, Gelder, Tfouni, & Morais, 1989; Maluf & Barrera, 1997; Morais, Bertelson, Cary, & Alégria, 1986; Morais, Content, Cary, Mehler & Segui, 1989). A amostra de Capovilla e Capovilla (1998) freqüentava escola particular desde o pré-I; (2) nível sócio-econômico como os pais das crianças do presente es- tudo eram, em sua maioria, semi-analfabetos ou apresenta- vam poucos anos de escolarização, provavelmente, liam me- nos para seus filhos e realizavam poucos jogos de lingua- gem, o que parece não ter favorecido o desenvolvimento da consciência fonológica nesse grupo. A literatura atual vem demonstrando que pais com pouca escolarização lêem me- nos para seus filhos e fazem poucos jogos de linguagem com eles (Morais, 1995). As crianças da amostra de Capovilla e Capovilla (1998) pertenciam a uma classe sócio-econômica média, portanto, diferente da amostra do presente estudo. A mudança significativa no desempenho das crianças para categorias melhores determinadas pelos valores acima da média de referência parece indicar que a introdução formal no sistema alfabético favoreceu o desenvolvimento de habi- lidades metalingüisticas. Segundo Goswani e Bryant (1990) e Read et al. (1986), as crianças antes de serem alfabetizadas, não têm uma compreensão clara de como a fala é organizada. Somente a partir do conhecimento das características da es- crita é que as crianças desenvolvem a consciência fonológica. Por outro lado, pode-se verificar que os melhores alunos em consciência fonológica (F0, F1, F2) eram os melhores em leitura e em escrita em todos os momentos, o que parece confirmar que habilidades metalingüisticas contribuem para o sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita (Bradley & Bryant, 1983; Capovillla & Capovilla, 1998; Carraher & Rego, 1984; Coimbra, 1997). Portanto, os resultados desta pesquisa parecem indicar uma relação de reciprocidade, ou seja, assim como as habili- dades metalingüísticas são importantes para a aquisição e o desenvolvimento da leitura e da escrita, o ensino destas últi- mas, favorece o desenvolvimento da consciência fonológica. Ao longo das três avaliações da PCF, as habilidades de consciência fonológica que mais evoluíram foram aquelas que envolviam sílabas, permanecendo como as mais difíceis as atividades que envolviam fonemas. Segundo Morais et al. (1986, 1989) e Bertelson et al (1989), as sílabas são unidades lingüísticas naturalmente isoláveis na pronúncia e o seu do- mínio desenvolve-se informalmente através de experiências com a linguagem oral, presentes, portanto, desde cedo nas crianças. O fonema, por sua vez, é uma estrutura de maior complexidade que precisa ser ensinado explicitamente. Con- forme Maluf e Barrera (1997), as habilidades para segmentar palavras em suas unidades