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Homens e suas máscaras

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Prévia do material em texto

Homens	e	suas	máscaras.
	
A	revolução	silenciosa
	
Luiz	CUSCHNIR
Elyseu	MARDEGAN	JR.
	
	
Rio	de	Janeiro
Campos
	
5ª	edição,	2001.
	
Table	Of	Contents
Sumário
Introdução
Primeira	Parte:
	
Sumário
Introdução
	
PRIMEIRA	PARTE:	A	CONSTRUÇÃO	DAS	MÁSCARAS.
	
1.	Do	berço	à	escola
Vai	nascer:	É	menino	ou	menina?
Mas	por	que	usar	máscaras?
Quero	 ficar	 com	a	mamãe,	mas	não	conta	para	o	papai	Ai,
hoje	apanhei	pela	primeira	vez...
Tô	morrendo	de	medo:	deixa	a	luz	acesa	Sem	chorar	nem	rir
Meninas	são	um	saco...
O	caos	da	sexualidade	emergente
2.	O	desafio	da	adolescência	O	código	dos	meninos
Crescimento	e	mudança
"Meu	filho	é	um	vagabundo"
Sob	o	signo	da	revolta
Álcool	 e	maconha:	 os	 anestésicos	 do	 jovem	O	homem	do
"mau-boro"
	
3.	 Experimentando	máscaras	O	 universo	 sexual	 do	 jovem	Ser
homem
Que	medo!
Chegou	a	hora...	E	agora?
A	farra
O	desejo
Amor,	como	conciliar?
Integrando	o	que	sinto	e	o	que	faço	Vestibulares	da	vida
Máscaras	de	X-Men
A	 primeira	 bomba	 na	 guerra	 dos	 sexos	 Rompendo	 círculos
viciosos
	
SEGUNDA	PARTE:	VESTINDO	AS	MÁSCARAS.
	
4.	O	mundo	do	trabalho
Primeiro	emprego:	um	palco	para	as	máscaras	Ganhando	o
próprio	 dinheirinho	 Realizando-se	 (ou	 não)	 no	 trabalho
Trabalhar?	Que	saco!
Escondendo	os	sentimentos
5.A	família
O	homem	precisa	se	casar	Casar:	experiência	 inevitável	Em
busca	da	alma	gêmea
Onde	situar	a	família?
"Finalmente	sou	pai.	É	um	menino."
Meu	filho	adolescente
Agora	há	outro	homem	em	casa	Relações	verde-amarelas
	
TERCEIRA	PARTE:	CAEM	AS	MÁSCARAS.
	
6.	Os	sonhos	e	a	realidade	A	vida	não	é	como	me	ensinaram	Eu
não	preciso	de	máscaras	O	sonho	da	independência	A	perda	do
poder:	as	mulheres	chegaram
7.	Recompondo	as	máscaras	Mudar	sim,	e	já!
Revendo	o	papel	do	pai
Revendo	 o	 papel	 na	 família	 Revendo	 o	 papel	 profissional
Quando	a	velhice	chega
	
Epílogo:	Surge	o	novo	homem	Não	precisava	ter	sido	assim	As
máscaras	como	alimento	da	alma:	"masalmas"
O	lobo	dentro	de	nós
Novos	 ingredientes	 para	 a	 alma	 masculina	 Máscaras	 mais
flexíveis	para	os	meninos
Apêndice
A	crise	do	macho
Na	idade	do	lobo
	
Introdução
No	 quintal	 de	 sua	 casa,	 Paulinho,	 quatro	 anos	 de	 idade,
diverte-se	com	a	bola	nova	que	acabou	de	ganhar	de	presente
do	 pai.	 Por	 ser	 brasileiro,	 o	 garoto	 talvez	 tenha	 o	 futebol	 no
sangue,	mas	isso	não	se	sabe.	De	qualquer	modo,	já	é	capaz	de
demonstrar	alguma	habilidade	com	os	pés.	Nem	tanto,	porém,
que	 não	 se	 atrapalhe	 uma	 vez	 ou	 outra,	 quando	 a	 bola	 quica
inesperadamente,	depois	de	algum	chute	mais	forte.	Assim,	de
repente,	 ele	 erra	 o	 chute,	 acertando	 o	 ar	 e	 depois	 pisa	 na
gorducha,	 perdendo	 o	 equilíbrio	 e	 desabando	 no	 chão.	 Acaba
ralando	o	joelho,	sem	falar	no	susto	que	o	tombo	lhe	provoca.
O	 pai,	 que	 assistia	 à	 cena	 da	 porta	 da	 cozinha,	 corre
ligeiro	em	direção	ao	 filho	assustado	e	aflito.	O	menino,	caído
no	 piso	 frio	 de	 pedra,	 ainda	 está	 atordoado	 e	 nem	 tenta	 se
levantar	 imediatamente.	 Na	 verdade,	 não	 chega	 sequer	 a
perceber,	 naquele	 instante,	 a	 aproximação	 do	 adulto.	 Sente
apenas	 o	 joelho	 ardendo	 -	 ardendo	 muito	 -	 e	 uma	 imensa
vontade	 de	 chorar.	 Entretanto,	 ao	 escutar	 seu	 nome
pronunciado	 com	 preocupação	 pela	 voz	 paterna,	 consegue
conter	as	lágrimas	e	inibir	a	expressão	de	dor.
No	momento	seguinte,	de	um	salto,	Paulinho	se	 levanta,
passa	 rapidamente	 a	 palma	 da	 mão	 no	 joelho	 ferido,	 e
aproveita	o	gesto	para	sacudir	a	 fina	poeira	que	sujou	o	peito
da	camiseta	e	a	sua	bermuda	nova,	azul-clara.	Para	o	pai,	exibe
um	sorriso	sereno	e	firme,	de	quem	é	duro	na	queda,	como	se
nada	 tivesse	 lhe	 acontecido.	 O	 adulto	 olha	 espantado	 para	 o
menino	 que,	 efetivamente,	 soube	 esconder	 direitinho	 suas
emoções.
A	breve	história	de	Paulinho	deixa	claro	um	dos	elementos
centrais	da	educação	emocional	masculina,	ao	longo	de	séculos
e	séculos	de	história	da	humanidade.	Aparentar	firmeza,	frieza
e	autocontrole	tem	sido	a	marca	registrada	do	homem	em	todos
os	 tempos.	 Cabe	 somente	 à	 mulher	 a	 transparência	 das
emoções.	 Ela,	 sim,	pode	manifestar	 livremente	afeto,	 ternura,
solidariedade	 e	 compaixão,	 sentimentos	 compatíveis,
naturalmente,	com	os	seus	papéis	de	companheira	e	mãe.
Quanto	ao	homem,	este	 tem	de	se	manter	 impassível,	é
claro,	 como	 se	 essa	 fosse	 a	 única	 forma	 de	 afirmar	 -
questionavelmente	 -	 sua	 masculinidade.	 Para	 todos	 os	 outros
seres	 humanos	 -	 e	 até	 para	 si	mesmo	 -,	 ele	 deve	 exibir	 uma
cintilante	 máscara	 de	 metal	 frio,	 capaz	 de	 ofuscar	 qualquer
reflexo	de	fraqueza.	"Homem	não	chora",	diz	um	lugar-comum
mais	que	conhecido	de	todos	os	leitores.
É	justamente	o	que	existe	por	trás	do	lugar-comum	e	da
máscara	 o	 tema	 deste	 livro	 que	 você	 tem	 entre	 as	 mãos.
Pretendemos	investigar	as	diversas	máscaras	do	homem,	desde
os	 materiais	 de	 que	 são	 feitas	 até	 as	 diversas	 formas	 de
utilização	 que	 lhes	 são	 dadas	 ao	 longo	 de	 uma	 vida.	Mais	 do
que	isso,	pretendemos	também	avaliar	a	necessidade	do	uso	de
máscaras,	 compreendendo	 o	 que	 elas	 têm	 de	 positivo	 e	 de
negativo,	 em	 que	medida	 contribuem	 para	 qualquer	 indivíduo
sobreviver	 em	 sociedade	 e	 de	 que	 maneira	 elas	 impedem	 o
desenvolvimento	 das	 plenas	 potencialidades	 emocionais	 do
masculino.
De	 fato,	 numa	 análise	 pormenorizada	 e	 perspicaz,
desenvolvida	 ao	 longo	 de	 anos	 de	 observação	 e	 de	 atuação
profissional	 dos	 autores	 deste	 livro,	 pôde-se	 constatar	 que
existe	 nas	 máscaras	 um	 caráter	 duplo.	 Por	 um	 lado,	 elas
cumprem	 a	 função	mais	 evidente	 que	 lhes	 é	 destinada,	 a	 de
esconder	para	os	outros	a	identidade	de	quem	as	utiliza.	Nesse
sentido,	 as	máscaras	 têm	 evidentemente	 um	 caráter	 protetor,
impedindo	 que	 os	 traços	 fisionômicos	 e	 distintivos	 de	 seu
usuário	 sejam	 reconhecidos.	 Metafórica	 ou	 simbolicamente,
portanto,	 a	máscara	 é	 uma	 forma	 de	 o	 homem	não	 expor	 os
traços	 mais	 íntimos	 de	 sua	 personalidade	 a	 qualquer	 um,	 de
modo	a	preservá-los	para	si	mesmo	e	a	permanecer	seguro,	em
sua	interação	com	os	outros	seres	humanos.
No	 convívio	 social,	 sempre	 marcado	 pela	 hostilidade	 e
pela	competitividade,	o	uso	contínuo	das	máscaras	tem	assim,
obviamente,	 um	 papel	 positivo.	 Podemos,	 portanto,	 compará-
las	às	máscaras	de	oxigênio	dos	aviões,	preparadas	e	prontas
para	serem	usadas	nos	momentos	de	emergência,	caso	ocorra
uma	despressurização	da	aeronave.	 (Mas	atenção:	 "Se	houver
uma	criança	ao	seu	lado,	coloque	a	máscara	primeiro	em	você	e
depois	 nela."	 Até	 aqui	 aparece	 a	 fragilidade	 necessitando	 de
uma	assistência:	fortaleça-se	e	ajude-a	a	proteger-se.)
Por	 outro	 lado,	 a	 tentativa	 de	 preservar-se	 dos	 outros
acarreta	 em	 geral	 uma	 situação	 inesperada.	 O	mascarado,	 ao
olhar-se	no	espelho,	também	não	consegue	ver	o	próprio	rosto,
nem	 se	 enxergar	 na	 plenitude	 de	 seus	 traços	 e	 expressões,
perdendo	a	capacidade	de	discernir	com	nitidez	sua	imagem,	o
que	implica	uma	falta	de	identificação	em	relação	a	si	mesmo.
Desse	ângulo,	a	máscara	perde	seu	valor	protetor	e	acaba
se	 tornando	 algo	 semelhante	 àquela	 máscara	 de	 ferro	 do
romance	clássico	de	Alexandre	Dumas.	Trancada	por	cadeados
cuja	chave	seu	usuário	não	possui,	esta	máscara	é	na	verdade
um	instrumento	de	tortura	e	de	aprisionamento.
Em	outras	palavras,	a	máscara	pode	ser	uma	forma	de	o
homem	 esconder-se	 de	 si	 mesmo,	 impedindo-o	 de	 chegar	 ao
seu	âmago,	 de	 atingir	 um	autoconhecimento	que	é	 a	 base	de
uma	existência	efetivamente	saudável	e	feliz.	Assim,	a	máscara
se	torna	um	elemento	perturbador,	que	provoca	a	alienação	em
relação	 às	 realidades	 psíquicas	 e	 emocionais	 de	 seu	 usuário.
Este	 fica	 tão	 distante	 da	 sua	 identidade	 real	 que	 nem	 se
reconhece!	 As	 consequências	 de	 seu	 uso	 não	 podem	 resultar
em	 outra	 coisa	 que	 frustração,	 incomunicabilidade,	 angústia	 e
infelicidade,	 as	 quais	 só	 longos	 procedimentos	 terapêuticos
talvez	consigam	curar.
Entretanto,se	não	é	possível	ao	homem	desempenhar	os
papéis	que	lhe	cabem	no	teatro	da	vida	sem	o	uso	de	máscaras,
é	 necessário	 conhecê-las	 melhor	 para	 utilizá-las	 de	 modo
adequado	 e	 eficiente,	 evitando	 os	 indesejáveis	 e	 sempre
danosos	efeitos	colaterais.	Só	assim	o	homem	poderá	 libertar-
se	 das	 cadeias	 de	 concepções	 retrógradas,	 repressivas	 e
machistas,	 para	 dar	 vazão	 à	 sua	 masculinidade	 plena	 que,
todavia,	não	exclui	o	lado	afetivo	e	emocional.	E	a	partir	daí	que
se	pode	construir	um	diálogo	consigo	mesmo	e	com	os	outros	-
sejam	 estes	 colegas,	 clientes,	 amigos,	 familiares,	 namoradas,
amantes	ou	esposas.
Ressalte-se	 que	 repensar	 e	 questionar	 as	 máscaras	 é,
antes	 de	 mais	 nada,	 um	 mergulho	 profundo	 no	 oceano	 de
nossas	emoções.	Por	isso,	a	leitura	deste	livro	propõe	ao	leitor
uma	 viagem-aventura	 ao	 interior	 do	 próprio	 eu,	 com	 a
perspectiva	de	voltar	à	 tona	renovado	e	com	nova	consciência
de	si:	de	você,	homem,	para	descobrir	as	chaves	dos	cadeados;
de	 você,	 mulher,	 para	 identificar	 essas	 chaves	 e	 tentar
descobrir,	 como	 num	 bal	 mas	 qué,	 se	 conhece	 ou	 não	 esse
homem.
Em	outras	palavras,	trata-se	de	uma	leitura	que	pretende
ajudá-lo	a	encontrar-se	e	a	redescobrir	as	emoções	perdidas,	ao
longo	de	anos	em	que	seu	contato	com	o	mundo	transmitiu-lhe
sempre	 uma	 mensagem	 oposta:	 a	 de	 sufocar	 e	 esquecer	 as
emoções,	 de	 modo	 a	 vestir	 a	 máscara	 impassível	 do	 herói
solitário,	personificado	no	cinema	pelos	velhos	estereótipos	de
John	Wayne	ou	Clint	Eastwood.
Para	 chegar	 à	 desconstrução	 das	 máscaras,	 realizando
uma	avaliação	analítica	da	personalidade	masculina,	 este	 livro
procurou	 ater-se	 à	 trajetória	 biológica	 de	 todo	 ser	 humano,
acompanhando	 o	 seu	 desenvolvimento	 desde	 o	 momento	 do
nascimento	 do	 homem	 até	 o	 seu	 envelhecimento,	 passando
pela	 adolescência,	 os	 primeiros	 anos	 da	 idade	 adulta,	 a
maturidade	 e	 a	 meia-idade.	 Os	 capítulos	 seguem	 de	 maneira
geral	 essa	 orientação,	 mas	 não	 a	 adotam	 de	 maneira	 rígida,
uma	vez	que	muitas	questões	são	às	vezes	recorrentes	ou	que
vários	temas	se	interpenetram	ao	longo	da	explanação.
Na	 primeira	 parte,	 abordamos	 inicialmente	 o	 período
anterior	ao	nascimento,	quando,	na	própria	expectativa	do	casal
que	vai	 ter	 filhos,	 já	começa	a	se	gestar	o	material	de	que	as
máscaras	 serão	 compostas.	 Encaramos,	 portanto,	 esse
momento,	como	se	visitássemos	o	ateliê	de	um	artista	plástico,
observando	 com	 atenção	 os	 pincéis,	 as	 espátulas,	 os
pigmentos,	 os	 solventes,	 as	 tintas	 e	 as	 telas	 com	que	 ele	 vai
produzir	 seu	 quadro.	 Com	 a	 palheta	 em	 punho,	 os	 primeiros
traços	 vão	 marcando	 a	 tela.	 A	 comparação	 se	 justifica
facilmente:	basta	 lembrar	os	desejos,	sonhos,	planos,	projetos
e	previsões	que	fazem	um	homem	e	uma	mulher	para	seu	bebê
em	vias	de	chegar	ao	mundo.
Depois,	damos	particular	atenção	aos	primeiros	momentos
da	infância,	tanto	ao	período	em	que	o	recém-nascido	mantém-
se	 fechado	e	protegido	no	ambiente	doméstico,	 sendo	alvo	da
atenção,	do	carinho	e	dos	cuidados	de	todos	ao	seu	redor,	bem
como	à	fase	em	que	a	criança	atinge	a	idade	pré-escolar,	sendo
levada	pelos	pais	ao	maternal	ou	ao	pré-escolar.	Esse	momento,
aliás	-	ao	qual	psicólogos	e	educadores	não	tinham	dado	maior
atenção	 até	 recentemente	 -,	 revela-se	 de	 importância
extraordinária	 e	 tem	 aspectos	 decisivos	 na	 formação	 da
personalidade	masculina.
Certamente,	 é	 grande	 o	 trauma	 sofrido	 pelo	 menino	 no
momento	 em	 que	 se	 sente	 abandonado	 pelos	 pais	 num
ambiente	que	lhe	parece	francamente	hostil.	Ali	ficará	nas	mãos
de	 meninos	 iguais	 a	 ele,	 cuja	 tendência	 é	 não	 demonstrar	 o
mesmo	respeito,	carinho	e	proteção	experimentados	no	recesso
do	 lar.	E	nessa	 interação	com	outros	meninos	da	sua	 idade	ou
um	 pouco	 mais	 velhos	 que	 a	 criança	 do	 sexo	 masculino
receberá	as	primeiras	mensagens	 relacionadas	à	 repressão	de
suas	 emoções	 e	 sentimentos.	 E	 aí	 que,	 pela	 primeira	 vez,	 ele
perceberá	a	necessidade	de	endurecer,	de	tornar-se	rígido	para
enfrentar	o	mundo	e	integrar-se	nele.
Também	 na	 puberdade	 e	 nos	 anos	 iniciais	 da
adolescência,	 as	 mesmas	 mensagens	 continuam	 a	 ser
transmitidas.	 Nesta	 fase,	 o	 garoto	 não	 só	 as	 recebe,	 como
também	 passa	 a	 agir	 de	 acordo	 com	 o	 código	 que	 lhe	 foi
fornecido,	 isto	 é,	 passa	 a	 utilizar-se	 das	máscaras	 para	 poder
enfrentar	 os	 desafios	 de	 ser	 jovem.	 Desafios	 que	 se	 tornam
ainda	 maiores	 e	 mais	 intensos	 pelas	 inúmeras	 e	 descabidas
cobranças	 que	 a	 família	 e	 a	 sociedade	 fazem	 ao	 jovem	 de
maneira	geral.
A	 segunda	 parte	 debruça-se	 sobre	 a	 fase	 adulta	 do
homem	e	está	organizada	em	torno	dos	dois	temas	centrais	da
vida	de	todo	indivíduo	adulto	do	sexo	masculino:	o	trabalho	e	a
família.	 Efetivamente,	 nestes	 dois	 "ambientes"	 o	 homem
encontrará	o	palco	por	excelência	para	desempenhar	os	papéis
para	 os	 quais	 se	 preparou	 nas	 fases	 anteriores.	 Assim,
examinamos	 pormenorizadamente	 seu	 comportamento	 no
ambiente	profissional,	em	relação	aos	colegas,	subordinados	e
superiores,	 e	 seu	 relacionamento	 com	a	própria	 atividade	que
escolheu	para	exercer	durante	a	etapa	que	se	configura	como	a
de	plenitude	de	sua	vida.
Além	do	significado	econômico-financeiro,	o	trabalho	tem
para	 o	 ser	 humano	 do	 sexo	masculino	 um	papel	 simbólico	 do
qual	a	maioria	dos	homens	não	se	apercebe	ou	do	qual	só	toma
consciência	tardiamente.	Na	verdade,	trabalhar	significa,	para	a
maioria	dos	homens,	um	modo	de	afirmação	de	sua	identidade
masculina.	É	pelo	trabalho	que	o	homem	pode	exercer	o	papel
de	"macho	provedor"	que	lhe	é	atribuído	tradicionalmente	pela
nossa	civilização,	bem	como	é	no	próprio	 trabalho	que	ele	vai
concentrar	suas	expectativas	de	tornar-se	um	vencedor	ou	um
fracassado.
Vale	destacar	que	abordamos	a	questão	do	trabalho	tanto
da	perspectiva	psicológica	quanto	da	prática,	com	o	olhar	tanto
do	 psiquiatra	 quanto	 do	 executivo.	 A	 intensa	 integração	 dos
papéis	 profissional	 e	 pessoal	 de	 cada	 autor	 deste	 livro	 é
particularmente	 responsável	 pela	 abrangência	 dessa	 discussão
do	 trabalho	e	das	questões	 relacionadas	à	vida	profissional	do
homem.
Quanto	 à	 família,	 sem	 nos	 estendermos	 demais	 nessa
questão,	pelo	menos	por	enquanto,	registre-se	que	dedicamos	a
ela	 todo	 o	 Capítulo	 5,	 no	 qual	 retomamos	 vários	 aspectos
apresentados	nos	capítulos	iniciais,	agora	de	um	novo	ponto	de
vista.	 Com	 o	 casamento	 e	 com	 a	 paternidade,	 diversas
questões	 relacionadas	 à	 afirmação	 da	 identidade	 masculina
enfrentadas	 quando	 criança	 e	 adolescente	 ressurgem	 para
homem	 que,	 neste	 momento,	 desempenha	 outro	 papel.	 Em
outras	 palavras,	 como	 pai,	 o	 indivíduo	 terá	 de	 responder	 às
mesmas	questões	que	já	respondeu	como	filho,	mas	são	outras
as	 respostas	que	ele	deve	 lhes	dar,	 tendo	mudado	de	posição
no	contexto	familiar.
Enfim,	 a	 terceira	 parte	 de	 nosso	 estudo	 trata	 dos
momentos	 críticos	 derivados	 de	 toda	 a	 problemática
estabelecida	 nas	 fases	 anteriores	 da	 existência	masculina.	 Em
geral,	é	ao	chegar	à	meia-idade	que	o	homem	se	dá	conta	dos
conflitos	que	se	interpuseram	entre	seus	sonhos	e	a	realidade.
Embora	 não	 se	 possa	 precisar	 uma	 idade	 exata	 para	 o
surgimento	 dessa	 crise	 -	 pois	 isso	 varia	 obviamente	 de
indivíduo	 para	 indivíduo	 -,	 é	 na	 casa	 dos	 quarenta	 anos,	 em
média,	que	ela	se	desencadeia.	Os	fatores	que	determinam	sua
eclosão	são	também	variáveis:	um	problema	grave	de	saúde,	a
separação	ou	qualquer	outro	tipo	de	crise	conjugal,	a	perda	do
emprego	 e	 a	 dificuldade	 de	 recolocação	 no	 mercado	 de
trabalho,	 não	 importa.	 O	 fato	 é	 que	 se	 torna	 cada	 vez	 mais
comum	 ao	 homem,	 por	 volta	 de	 seus	 quarenta	 anos,	 a
sensação	 angustiante	 de	 que	 sua	 vida	 já	 não	 faz	 sentido,	 de
que	ele	perdeu	a	capacidade	de	sentir	prazer,	de	que	não	quer
permanecer	 do	 jeito	 que	 está,	 de	 quetudo	 poderia	 ter	 sido
diferente.	 Esse	 momento	 de	 questionamento	 íntimo	 é
delicadíssimo:	ele	pode	ser	responsável	por	uma	grande	virada
em	direção	a	um	novo	modo	de	vida.	Ele	pode	ser	o	ponto	de
partida	 para	 uma	 verdadeira	 revolução	 -	 a	 revolução
silenciosa{1},	que	irá	redirecionar	sua	vida,	no	sentido	de	atingir
objetivos	 que,	 apesar	 das	 evidências	 contrárias,	 ainda	 podem
ser	 conquistados.	 Por	 isso,	 investigamos	 a	 fundo	 a	 própria
substância	 do	 questionamento,	 já	 tendo	 demonstrado,	 em
outros	capítulos,	como	a	crise	se	originou	em	fases	anteriores.
Nem	 tudo	 está	 perdido,	 é	 possível	 mudar,	 é	 possível
resgatar	o	potencial	afetivo	e	reconstruir	caminhos	e	projetos.	É
possível	transformar	as	máscaras	e	utilizá-las	como	proteção	e
como	 forma	 de	 estabelecer	 relacionamentos	 mais	 positivos,
construtivos	 e	 satisfatórios	 consigo	 mesmo	 e	 com	 as	 outras
pessoas,	principalmente	aquelas	que	amam.	É	com	palavras	de
esperança,	 portanto,	 e	 com	 orientações	 práticas	 para	 a
transformação	que	nosso	livro	se	encerra.
O	 capítulo	 final	 apresenta	 um	 verdadeiro	 receituário	 -
concreto	 e	 de	 fácil	 manipulação	 -	 para	 o	 leitor	 ter	 cuidados
consigo	mesmo	e	com	seu(s)	filho(s),	de	modo	a	compreender
plenamente	 suas	 potencialidades	 e	 livrar-se	 das	 terríveis
consequências	 de	 uma	 educação	 repressiva,	 nos	 âmbitos
afetivo	 e	 emocional.	 Pensamos	 em	 trocas	 de	 máscaras
endurecidas	 por	máscaras	 de	 almas	 –	mas	 almas.	 Esperamos
que	a	leitura	deste	livro	possa	conduzir	o	leitor	a	compreender
a	verdadeira	essência	da	 identidade	masculina	 -	que	em	nada
se	assemelha	às	máscaras	rígidas	e	inflexíveis	aqui	descritas	-	e
a	abrir-se	para	ela,	da	maneira	mais	ampla	e	abrangente	que
lhe	for	possível.
	
Luiz	CUSCHNIR
Elyseu	MARDEGAN	JR.
São	Paulo,	30	de	novembro	de	2000.
	
	
Primeira	Parte:
	
A	Construção	das	Máscaras.
	
UM:	Do	berço	a	escola
Vai	nascer:	é	menino	ou	menina?
São	 sete	 horas	 de	 uma	 noite	 transparente	 de	 verão	 e	 o
céu	ainda	está	azul.	Depois	de	um	dia	de	trabalho	duro	e	de	um
congestionamento	terrível	na	Marginal,	Alfredo	consegue	enfim
colocar	 o	 carro	 na	 garagem,	 de	 volta	 para	 casa.	 Hoje,
particularmente,	 ele	 deveria	 estar	 feliz	 da	 vida,	 pois	 não	 lhe
faltam	 bons	 motivos	 para	 comemorar:	 fechou	 um	 negócio
milionário,	que	pode	lhe	garantir	uma	participação	acionária	na
empresa,	mas,	sinceramente,	não	é	isso	que	lhe	vai	pela	cabeça
naquele	momento.
Agora,	são	completamente	outras	as	suas	preocupações...
Embora	 tenha	 acabado	 de	 jogar	 fora	 um	 cigarro,	 que	 fumou
quase	 até	 o	 filtro,	 acendeu	 outro	 imediatamente,	 movido	 por
uma	 ansiedade	 muito	 maior	 do	 que	 a	 normal.	 Quanto	 ao
veículo,	 embicou-o	 de	 qualquer	 jeito	 ao	 lado	 do	 da	mulher,	 e
pulou	 para	 fora,	 quase	 esquecendo	 no	 banco	 de	 trás	 a	 pasta
com	 os	 documentos	 do	 negócio	 fechado.	 Procurou	 justificar
para	si	mesmo	a	sua	afobação,	reconhecendo	que,	no	assunto
com	 que	 se	 preocupava,	 ele	 era	 ainda	 um	 marinheiro	 de
primeira	viagem.
Respirando	 fundo,	 deixou	 a	 garagem	 e	 atravessou	 o
jardim,	com	passos	rápidos,	em	direção	à	porta	de	entrada	da
residência,	que	a	empregada	já	tinha	aberto	ao	ver	o	carro	do
patrão	 chegando.	 Alfredo	 dá	 boa	 noite	 à	 doméstica,	 enquanto
afrouxa	o	nó	da	gravata	e	avança	em	direção	à	sala	de	estar.
Ali,	Valéria,	sua	mulher,	o	aguarda,	sentada	do	 lado	direito	do
sofá,	 com	 uma	 revista	 feminina	 entre	 as	 mãos.	 Valéria	 olha
para	 o	 marido	 que	 chega	 e	 dá	 um	 sorriso	 que	 nada	 tem	 de
esclarecedor.	 Antes,	 a	 mulher	 apresenta	 uma	 expressão
enigmática,	de	quem	está	querendo	fazer	suspense.
Alfredo	 se	 aproxima	 e	 beija	 os	 lábios	 da	 esposa	 com
delicadeza,	mas	deixa	 claro	que	não	está	para	mistérios,	 indo
direto	ao	ponto:
-	E	então,	foi	ao	médico?
Acariciando	 a	 barriga	 de	 seis	 meses,	 por	 trás	 do
confortável	vestido	de	gestante,	Valéria	sorri	e	faz	que	sim	com
a	cabeça,	mas	não	dá	de	imediato	a	resposta	que	Alfredo	tanto
deseja.	Quer	que	o	marido	compartilhe	da	expectativa	que	ela
também	experimentou	durante	boa	parte	da	 tarde,	na	sala	de
espera	 do	 ginecologista.	 Entretanto,	 Valéria	 não	 consegue
segurar	a	notícia	por	mais	do	que	alguns	segundos.	Não	tanto
pela	expressão	ansiosa	que	o	rosto	de	Alfredo	traz	estampada,
mas	 porque	 ela	 mesma	 está	 muito	 contente	 com	 o	 que	 tem
para	contar.
-	 É	 um	 menino	 -	 participa,	 afinal,	 com	 um	 sorriso
carinhoso	e	um	beijo	terno	no	rosto	do	marido,	que	já	havia	se
sentado	a	seu	lado	no	sofá,	segurando-lhe	as	mãos.
-	Deu	pra	ver	direitinho	na	ultrassonografia.
-	É	um	menino!	-	Alfredo	exclama,	deixando	bem	clara	a
sua	satisfação.
Cada	 vez	 mais,	 os	 casais	 de	 um	 modo	 geral	 -	 e
particularmente	aqueles	de	bom	nível	socioeconômico	-	querem
antecipar	o	conhecimento	a	respeito	do	sexo	dos	filhos	que	eles
vão	 ter.	Não	há	nada	de	anormal	nisso	e,	 já	que	a	 tecnologia
médica	 da	 atualidade	 assim	 o	 permite,	 por	 que	 não	 fazê-lo?
Saber	 se	o	 futuro	bebê	será	do	sexo	masculino	ou	 feminino	é
algo	que	pode	ajudar	no	planejamento	doméstico	e	econômico
do	 casal.	 Fica	 mais	 fácil	 e	 seguro	 preparar	 o	 enxoval	 e	 até
montar	o	quarto	da	criança,	mas,	além	disso,	o	conhecimento
prévio	 obtido	 por	 um	 exame	 ultrassonográfico	 pode	 ajudar	 os
pais	 a	 elaborar	 todo	 o	 arsenal	 de	 fantasias	 que	 naturalmente
alimentam	a	respeito	do	filho	que	vão	ter.	Nessa	questão,	o	que
não	faltam	são	expectativas,	e	uma	noção	precisa	da	realidade
sempre	ajuda	a	lidar	com	elas	de	uma	maneira	mais	sensata	e
racional.{2}
Não	se	pode	mais	dizer,	pelo	menos	no	que	se	refere	ao
mundo	ocidental,	que	predominem	as	expectativas	por	um	filho
homem.	 Ao	 contrário	 do	 que	 ocorre	 na	 China,	 onde	 a
superpopulação	 e	 o	 consequente	 controle	 governamental	 da
natalidade	obriga	os	casais	a	terem	não	mais	do	que	dois	filhos,
tornando	o	anseio	por	bebês	do	sexo	masculino	uma	obsessão
nacional.	 A	 imprensa	 internacional	 denuncia	 com	 alguma
frequência	o	abandono	e	até	o	assassinato	de	meninas	recém-
nascidas.
No	 Brasil,	 apesar	 do	 machismo	 tradicional	 e	 do	 caráter
ainda	 patriarcal	 de	 nossa	 sociedade,	 o	 desejo	 de	 ter	 filhas	 já
não	é	mais	uma	exceção	à	regra.	Também	já	não	é	incomum	a
preferência	por	não	 ter	 filhos.	Há	homens	que	pensam	assim:
"Não	quero	nem	pensar	em	ter	 filhos,	pois	 já	vi	os	problemas
que	 a	 adolescência	 trouxe	 à	 vida	 dos	 meus	 colegas.
Adolescentes,	 para	 se	 auto	 afirmar,	 abalam	 profundamente	 a
vida	familiar".
Porém,	há	expectativas	variadas,	dependendo	do	sexo	que
cada	membro	do	casal	deseja	para	seu	filho	e	ainda	de	acordo
com	a	complexidade	 individual	de	cada	ser	humano.	Por	outro
lado,	 podemos	 apontar	 algumas	 que	 invariavelmente	 se
manifestam	quando	 o	 pai	 ou	 a	mãe	 anseiam	por	 um	menino.
Conhecê-las	 é	 crucial	 para	 podermos	 nos	 aproximar	 do	 tema
que	será	desenvolvido	ao	longo	de	todo	este	livro.
Para	 começar,	 analisemos	 a	 situação	 do	 ponto	 de	 vista
masculino.	Certamente,	entre	as	ideias	que	vagueiam	na	mente
de	um	futuro	pai	encontra-se	a	de	projetar-se	no	futuro	de	seu
filho	 e	 vê-lo	 como	 um	 homem	 que	 há	 de	 experimentar	 as
oportunidades	 que	 ele	 mesmo,	 pai,	 não	 teve,	 de	 modo	 a
assegurar	ao	menino	condições	de	vida	melhores	do	que	a	sua.
É	 claro	 que	nisso	 se	 incluem	 também	as	 experiências	 que	 ele
teve,	para	poder	moldar	o	filho	como	um	"pequeno	eu",	um	"eu
homenzinho".
Além	disso,	com	certeza,	um	homem	se	sente	muito	mais
seguro	 de	 lidar	 com	 uma	 criança	 do	mesmo	 sexo	 que	 o	 seu,
que	ele	"conhece"	bem,	por	experiência	própria,	ao	contrário	do
sexo	 oposto,	 cujo	 íntimo	 ele	 efetivamente	 desconhece.	 Mais
ainda,	 um	 filho	 homem	 pode	 significar	 para	 ele	 um
companheiro,	 com	 quem	 ele	 vai	 compartilhar	 seus	momentos
de	 lazer,	 indo	 ao	 futebol	 ou	 ao	 autódromo.	 É	 com	 ele	 que
poderá	 cortar	 o	 cabelo,	 sonhar	 com	 a	 mulherinalcançável,
sentir	 de	 novo	 o	 tesão	 pela	 vida.	 Ou	 ainda	 uma	 espécie	 de
discípulo,	 a	 quem	 ele	 vai	 transmitir	 seus	 conhecimentos	 e
habilidades,	 de	 modo	 a	 fazê-lo	 dar	 continuidade	 ao	 seu
trabalho,	 sem	 falar	 que	 um	 menino	 também	 carrega	 o
significado	 de	 levar	 adiante	 o	 nome	 da	 própria	 família.
"Cumprirei	o	que	meu	pai	falava	de	nós,	do	nosso	sobrenome."
"Não	deixarei	morrer	o	nome	da	família."
Já	para	a	mulher,	o	fato	de	dar	à	 luz	a	um	homem	pode
ter	 conteúdos	 diversos.	 A	mulher	 pode	 imaginar	 que	 um	 filho
lhe	 trará	menos	problemas	do	que	uma	filha,	caso	ela	mesma
tenha	tido	dificuldades	no	relacionamento	com	outras	mulheres,
como	 sua	mãe,	 suas	 irmãs,	 ou	mesmo	 colegas	 e	 amigas.	 Do
mesmo	 modo,	 o	 desejo	 de	 ter	 um	 filho	 pode	 esconder	 a
necessidade	de	resolver	problemas	que	ela	tenha	com	a	própria
sexualidade.	 Talvez	 reflita	 alguma	 inveja	 em	 relação	 ao	 sexo
oposto,	 que	 lhe	 parece	 mais	 livre	 e	 bem	 posicionado
socialmente.	"Meu	filho	não	vai	se	humilhar	como	eu."{3}
Para	a	mulher,	principalmente	para	aquela	cuja	vida	está
centrada	no	âmbito	do	lar,	um	filho	homem	significa	também	a
possibilidade	de	grandes	realizações	intelectuais	ou	profissionais
que	 ela	 mesma	 não	 conseguiu	 concretizar.	 Pode	 ainda	 ser	 a
oportunidade	 que	 sempre	 lhe	 faltou	 de	 dirigir	 a	 vida	 de	 um
homem,	 depois	 de	 ter	 tido	 a	 própria	 vida	 constantemente
dirigida	por	eles.	Ou	talvez	a	única	maneira	que	ela	encontra	de
ter	algum	domínio	sobre	alguém	do	sexo	masculino.
O	 ser	 humano	 é	 muito	 complexo	 e	 está	 repleto	 de
conflitos	 internos.	Muitas	expectativas	alimentam	o	desejo	por
um	filho	homem.	Coexistem	a	angústia	e	o	medo	 tão	grandes
quanto	 as	 expectativas,	 pois	 não	 há	 -	 nem	 pode	 haver	 -
garantias	de	que	o	filhão	vai	corresponder	a	todas	elas.	Assim,
medo	e	angústia	concorrem	com	a	presença	de	frustração.
De	 qualquer	 modo,	 desejos,	 fantasias,	 projeções,
expectativas,	 medos	 e	 angústias	 dos	 pais,	 diretamente
relacionadas	 ao	 sexo	 masculino	 do	 filho	 que	 vai	 nascer,	 são
indicações	 dos	 materiais	 com	 que	 vão	 ser	 confeccionadas	 as
máscaras	que	o	homem	acabará	colocando	ao	longo	de	toda	a
vida,	de	modo	a	esconder	dos	outros	e	até	de	si	mesmo	o	seu
verdadeiro	eu,	como	veremos	logo	adiante.
Entretanto,	nesse	primeiro	momento	em	que	o	filho	ainda
está	 para	 nascer,	 o	 material	 bruto	 de	 confecção	 das	 várias
máscaras	do	homem	já	existe,	mas	ainda	não	está	determinado
como	 ele	 será	 efetivamente	 empregado.	 Para	 o	 pai,	 aliás,	 a
época	 do	 nascimento	 do	 filho	 é	 um	 momento	 de	 muita
conturbação	 e	 conflitos	 internos.	 Ele	 não	 sabe,	 por	 exemplo,
quanto	 vai	 conseguir	 amar	 o	 seu	 garoto.	 Eis	 alguns	 exemplos
de	questionamentos	íntimos:
	
-	"	O	que	é	amar	alguém	do	sexo	masculino?"
-	"	O	que	é	amar?"
-	"	Como	pai	ama?"
-	"	Como	quero	ou	como	se	deve	amar?"
-	 "	Será	que	vou	aguentar,	não	vou	me	perder,	perder	o
meu	eixo?"
	
Ele	 também	 experimenta	 um	 medo	 muito	 grande	 da
responsabilidade	de	ser	pai,	principalmente	quando	se	trata	do
primeiro	 filho:	 "Será	 que	 eu	 vou	 dar	 conta	 dessa
responsabilidade?"	Ao	mesmo	tempo,	ele	tem	a	confirmação	de
que	 gerou	 um	 novo	 ser,	 de	 modo	 que	 não	 pode	 haver	 mais
dúvidas	 de	 sua	 masculinidade.	 Mesmo	 não	 sendo	 a	 primeira
gravidez,	gerar	um	homem	é	se	multiplicar	para	a	humanidade.
Mas	 trataremos	 das	 máscaras	 que	 o	 pai	 -	 como	 pai,	 como
genitor	-	veste	mais	adiante.{4}
O	 que	 importa	 aqui	 é	 que	 o	 nascimento	 de	 um	 filho
homem	é	o	momento	em	que	 se	determina	a	obrigatoriedade
do	uso	de	máscaras.	Nasceu,	é	menino?	 Isso	significa	que	vai
ter	de	usar	máscara,	porque	homem	usa	máscara,	homem	não
se	mostra,	 a	 priori.	 Isso	 está	 na	 cabeça	 do	 pai,	 porque	 ele	 é
assim.	Isso	está	na	cabeça	da	mãe,	porque	ela	vai	educar	o	seu
filho	assim.	E	 isso	está	 com	a	sociedade	que	espera	que	esse
homem	use	máscaras,	esconda	seus	sentimentos	e	emoções.
Mas	por	que	usar	máscaras?
O	 uso	 de	 máscaras,	 obviamente,	 não	 é	 um	 fenômeno
natural.	O	homem	não	necessita	de	máscaras,	nem	de	usá-las
indiscriminadamente:	um	ser	puro,	com	uma	essência	de	vida,
com	a	possibilidade	de	se	construir	como	ser	humano,	com	uma
proposta	 pessoal	 de	 realização,	 uma	 alma	 que	 está	 vindo	 ao
mundo,	 em	 princípio	 não	 teria	 razões	 para	 se	 esconder.	 O
convívio	 e	 a	 pressão	 social,	 entretanto,	 geram	 outras
necessidades.	 O	 homem	 precisa	 usar	 várias	máscaras	 porque
necessita	de	uma	série	de	artifícios	para	conseguir	suportar	as
várias	 fases	 de	 sua	 vida,	 para	 poder	 desempenhar	 os	 vários
papéis	 que	 lhe	 serão	 impostos	 ao	 longo	 do	 tempo	 da	 sua
existência,	para	dar	conta	de	enfrentar	as	 inúmeras	cobranças
que	lhe	serão	feitas.	A	máscara	disfarça,	não	mostra,	ou	mostra
o	que	não	é,	como	se	fosse.	Na	verdade,	é	como	se	o	homem
não	 pudesse	 encarar	 a	 vida	 de	 frente,	 caso	 não	 usasse
máscaras.	Como	se,	sem	as	máscaras,	ele	estivesse	vulnerável,
indefeso,	 despreparado,	 desprotegido.	 Então,	 é	 o	 caso	 de
perguntarmos:	mas,	 afinal,	 do	 que	 as	máscaras	 o	 protegem?
De	 alguma	 forma,	 as	máscaras	 o	 protegem	da	 "contaminação
do	 mundo",	 permitindo-lhe,	 ao	 menos	 na	 aparência	 externa,
que	ele	não	sofra	os	seus	efeitos	cruéis	e	perversos.	Em	outras
palavras,	as	máscaras	dão	ao	homem	as	condições	de	enfrentar
o	 "mundo	 mau"	 como	 um	 gladiador,	 um	 batalhador,	 um
guerreiro.	A	máscara	é	um	escudo,	além	de	um	disfarce.
Quero	ficar	com	a	mamãe,	mas	não	conta	para	o	papai
O	caráter	 traumático	do	nascimento	é	um	 fato	científico,
constatado	 pela	 psicologia	 desde	 suas	 origens,	 na	 virada	 do
século	XIX	para	o	século	XX.	As	mais	recentes	descobertas	da
neurociência	têm	examinado	as	características	fisiológicas	desse
trauma,	mas	 não	 é	 necessário	 descer	 às	minúcias	 da	 biologia
para	 compreendê-lo.	 Com	 o	 parto,	 o	 recém-nascido	 deixa	 o
ambiente	 superprotegido	 do	 útero	materno,	 onde	 se	 encontra
confortavelmente	alojado,	integrado,	e	sente	que	todas	as	suas
necessidades	 vitais	 são	 satisfeitas.	 A	 partir	 de	 então,	 está
exposto	 a	 um	mundo	 que	 lhe	 é	 naturalmente	 hostil,	 no	 qual
emerge	 como	 um	 corpo	 estranho.	 Agora,	 vai	 conhecer	 outros
ritmos,	 outras	 temperaturas,	 outras	 necessidades:	 o	 frio,	 o
calor,	a	nova	maneira	de	alimentar-se;	o	próprio	ar	que	respira,
em	substituição	ao	líquido	amniótico,	constituem	invasões	para
o	seu	corpo	frágil.
À	medida	que	se	desenvolve,	entretanto,	o	bebê	adapta-
se	com	relativa	tranquilidade	e	rapidez	ao	novo	meio	onde	vive,
o	que	 lhe	será	 facilitado	pela	sua	capacidade	de	comunicação.
Através	 do	 choro,	 particularmente,	 ele	 se	 descobre	 capaz	 de
"contar"	a	mãe,	ao	pai,	ou	às	outras	pessoas	que	cuidam	dele,
suas	necessidades.	Aprende	a	pedir	comida,	a	"dizer"	que	está
molhado	 ou	 com	 dor	 de	 barriga.	 Desse	 modo,	 nos	 primeiros
meses	ou	anos	do	 convívio	doméstico,	a	 criança	não	 se	 sente
desamparada,	 pois	 conta	 com	 tantos	 cuidados	 no	 meio
doméstico,	que	permanece	superprotegida	como	se	encontrava
no	ambiente	uterino.	No	entanto,	essa	situação	reconfortante	e
encorajadora	rapidamente	se	altera.	Num	espaço	de	tempo	que
se	torna	cada	vez	menor,	o	menino	é	forçado	a	deixar	o	lar	para
enfrentar	 os	 lugares	 públicos,	 que	 lhe	 são	 completamente
desconhecidos	 e,	 portanto,	 assustadores.	 Hoje	 em	 dia,	 vale
lembrar,	uma	criança	de	até	dois	anos	já	se	vê	matriculada	em
escolas	maternais.	Assim,	em	 termos	psicológicos,	muito	mais
do	 que	 cronológicos,	 é	 extremamente	 pequeno	 o	 período	 de
transição	entre	o	Útero	real,	o	quarto	do	bebê	-	que	não	deixou
de	representar	a	segurança	uterina	-,	e	um	local	como	a	escola.
O	 contato	 da	 criança	 com	 seus	 semelhantes,	 com	 outros
adultos,	 em	 novos	 espaços,	 outros	 sons,	 novas	 vozes,	 é
geralmente	 marcado	 por	 um	 rompimento	 hostil	 associado	 à
separação	 familiar	 e	 à	 sensação	 de	 perda	 profunda.É
precisamente	nos	momentos	 iniciais	desse	estágio	 -	a	 fase	de
socialização	 do	 indivíduo	 -	 que	 vêm	 se	 instalar	 as	 primeiras
máscaras	 do	 homem.	 Nas	 primeiras	 manhãs	 ou	 tardes	 no
maternal	 ou	 na	 pré-escola,	 começa	 a	 delinear-se	 a
diferenciação	 entre	 meninos	 e	 meninas.	 Crianças	 do	 sexo
masculino	 e	 feminino	 podem	 estar	 frequentando	 as	 mesmas
classes,	brincando	com	os	mesmos	brinquedos.	No	entanto,	de
alguma	forma,	o	menino	receberá	informações	do	mundo	à	sua
volta	e	começará	a	entender	que	ele	é	diferente	da	menina,	que
há	coisas	que	elas	podem	fazer,	mas	que	eles	não.
A	entrada	na	escola	e	o	consequente	afastamento	do	lar	e
dos	 cuidados	maternos	 é	 difícil	 e	 dolorosa.	 Na	 perspectiva	 da
criança	 ela	 permaneceria	 onde	 estava,	 sem	 compreender	 por
que	deve	abandonar	sua	segurança	e	conforto.	Aliás,	não	lhe	é
dado	 o	 direito	 de	 fazer	 uma	 opção.	 Não	 lhe	 é	 permitido
permanecer	 em	 casa	 pelo	 tempo	 de	 que	 internamente
necessita,	de	modo	a	realizar	a	separação	por	si	mesma,	no	seu
tempo.	A	mensagem	que	 recebe	de	 todos	que	a	 rodeiam	é:	 "
Você	tem	de	ir	para	lá."	"	Você	precisa	ir	para	a	escola."	"	Você
precisa	 permanecer	 com	 os	 outros."	 "	 Vai	 ser	 melhor	 para
você."{5}
Para	complicar,	no	novo	ambiente	-	estranho	e	assustador,
nunca	é	demais	enfatizar	 -,	além	de	privado	do	carinho	e	dos
cuidados	 especiais	 que	 recebia	 em	 casa,{6}	 o	 menino	 se	 vê
cercado	 por	 seus	 semelhantes,	 cujas	 ações	 e	 atitudes	 em
relação	 a	 ele	 não	 têm	 como	 tônica	 uma	 acolhida	 amistosa	 ou
fraterna.	 Cada	 criança	 é	 uma	 individualidade,	 com	 impulsos,
anseios,	desejos,	medos	e	angústias	próprios,	e	sem	uma	noção
precisa	 de	 solidariedade.	 Portanto,	 encontra-se	 sujeita	 aos
desígnios	 das	 outras,	 dos	 grupos	 variáveis	 que	 se	 formarão
entre	elas	no	dia-a-dia.	Nesse	período,	é	comum	uma	rotina	de
enfrentamentos,	 afrontas	 e	 humilhações.	 Para	 resistir	 a	 ela	 e
adaptar-se,	 é	 preciso	 principalmente	 esconder	 o	 medo.	 Isso
vale	 sobretudo	para	os	meninos,	pois	às	meninas	é	 concedido
que	sintam	saudades	da	casa	e	da	mãe.
Aí,	em	geral,	iniciam-se	as	mensagens	diferenciadas	para
eles	e	para	elas.	Os	meninos	recebem	mensagens	relacionadas
a	 enfrentamentos,	 agressividade,	 coragem,	 atividades	 de
confronto;	 as	 meninas,	 de	 proteção,	 acolhimento,
condescendência	 com	 a	 sua	 delicadeza.	 Ao	 contrário,	 os
meninos	 precisam	 revelar-se	 corajosos	 e	 independentes,	 de
modo	 a	 não	 passar	 por	 "frouxos"	 ou	 "mariquinhas"	 diante	 de
seus	colegas.	Serão	essas	as	atitudes	e	os	comportamentos	que
serão	 valorizados	 não	 só	 pelos	 colegas,	 como	 também	 pela
equipe	 de	 educadores	 e	 de	 funcionários	 da	 escola,	 bem	 como
pelos	próprios	pais.	Quanto	às	professoras	dos	maternais,	não
se	 pode	 deixar	 de	 dizer	 que	 muitas	 consideram	 uma	 missão
"ajudar"	 as	 crianças	 do	 sexo	 masculino	 a	 assumirem	 um
comportamento	forte	e	firme,	de	"homens	de	verdade".	O	pior	é
que,	como	"educadoras",	acabam	convencendo	os	próprios	pais.
Verdadeiramente,	 não	 há	 muita	 novidade	 nisso.	 Um
romance	 clássico	 da	 literatura	 brasileira,	 O	 Ateneu,	 de	 Raul
Pompeia,	 capta	 com	 brilhantismo	 essa	 situação	 desde	 suas
páginas	iniciais,	revelando,	por	sinal,	como	o	caráter	traumático
da	entrada	na	escola	se	mantém	inalterado	há	bem	mais	de	um
século,	quando	o	 livro	 foi	publicado	pela	primeira	vez.	O	tema
do	livro	é	justamente	as	dificuldades	de	adaptação	do	narrador
que	apresenta	suas	memórias	da	vida	escolar	durante	a	infância
e	a	adolescência.
Logo	 no	 primeiro	 capítulo,	 o	 texto	 começa	 com	palavras
muito	 significativas,	 em	 que	 o	 autor	 narra	 a	 sua	 entrada	 no
Colégio	 Ateneu:	 "Vais	 encontrar	 o	mundo,	 disseme	meu	 pai	 à
porta	 do	 Ateneu.	 Coragem	 para	 a	 luta."	 Todo	 o	 restante	 do
início	da	obra	enfatiza	a	dor	da	ruptura	com	a	vida	familiar	que
Raul	Pompeia	define	como	"aconchego	placentário"	e	"estufa	de
carinho".{7}
Coagido	a	não	mostrar	seus	sentimentos	verdadeiros,	que
se	originam	de	grandes	e	profundos	medos,	o	menino	chega	a
se	 envergonhar	 do	 que	 está	 sentindo:	 quer	 ficar	 com	 a	mãe,
mas	 não	 pode	 revelar	 essa	 realidade	 nem	 mesmo	 ao	 pai.
Assim,	 através	 da	 auto	 supressão	 e	 da	 inibição,	 medo	 e
vergonha	formam	o	amálgama	de	sua	primeira	máscara.
Ai,	hoje	apanhei	pela	primeira	vez...
A	 sala	 de	 aula	 nem	 sempre	 é	 um	 espaço	 hostil.	 Ali,	 o
menino	pode	talvez	contar	com	a	proteção	da	professora	e	não
se	 sentir	 totalmente	 desamparado.	 Mas	 a	 sala	 de	 aula	 é
somente	 um	 dos	 ambientes	 que	 a	 criança	 vai	 frequentar	 no
espaço	 escolar,	 que	 comporta	 ainda	 outros	 locais,	 onde	 as
realidades	são	diversas:	o	ônibus	escolar,	o	pátio	do	recreio,	os
tanques	de	areia,	as	proximidades	do	colégio.	Nesses	 lugares,
os	 meninos	 terão	 possivelmente	 seu	 primeiro	 contato	 com	 a
violência	 física,	 com	 a	 brutalidade	 alheia	 (pelo	 menos	 com
estranhos,	 pois	 podem	 tê-lo	 tido	 com	 irmãos	 mais	 velhos	 ou
com	 os	 próprios	 pais).	 De	 qualquer	 forma,	 a	 experiência	 é
marcante	 em	 todos	 os	 sentidos.	 Por	 um	 lado,	 pelo	 significado
intrínseco	 que	 carrega:	 ao	 apanhar,	 o	 menino	 constata	 de
maneira	 dolorosa	 seus	 limites,	 verificando	 incapacidades,
percebendo	 sua	 impotência	 diante	 de	 certas	 situações	 e
sentindo	 uma	 das	 mais	 profundas	 humilhações	 que	 a	 criança
pode	experimentar	e,	pior	que	isso,	concluindo	claramente	que
está	 só.	 Por	 outro	 lado,	 ter	 apanhado	 é	 uma	 experiência	 em
geral	 sucedida	 por	 uma	 nova	 lição	 do	 uso	 da	 máscara
masculina,	como	ficará	exemplificado	no	caso	que	narraremos	a
seguir:
	
Beto	 tem	 sete	 anos	 e	 vive	 numa	 cidade	 do	 interior
paulista.
Está	na	primeira	série	do	ensino	fundamental	e,	por	morar
perto	do	colégio	onde	estuda,	costuma	ir	para	a	escola	a	pé.	No
caminho,	costuma	também	passar	por	uma	banca	de	jornais	de
esquina,	onde	compra	chicletes,	gibis	ou	pacotes	de	figurinhas.
Os	 álbuns	 de	 figurinhas	 parecem	 ser	 uma	diversão	 cíclica	 das
crianças.	 Muitas	 vezes,	 as	 editoras	 deixam	 de	 lançá-los,	 eles
desaparecem	 do	 mercado	 e	 uma	 geração	 inteira	 de	 meninos
nem	sabe	o	que	isso	é.	Passam-se	alguns	anos	e	as	figurinhas
reaparecem	nas	bancas,	com	temas	do	momento,	tornando-se
uma	mania	para	outras	gerações	de	jovens.
É	exatamente	esse	o	caso	de	Beto	e	de	seus	coleguinhas
de	 turma,	 que	 estavam	 empolgados	 com	 um	 álbum	 de
figurinhas	 de	 super-heróis,	 lançado	 por	 uma	 grande	 editora
paulista.	No	dia	de	sua	vida	que	focalizamos,	Beto	estava	com
sorte.	 Ao	 passar	 na	 banca	 de	 revistas,	 a	 caminho	 da	 escola,
comprou	três	pacotes	de	figurinhas.	Mal	abria	o	primeiro	deles,
deparou-se	 com	 uma	 das	 estampas	 mais	 difíceis	 do	 álbum,
cobiçada	por	todos	os	seus	colegas.	Chegou	à	escola	eufórico	e,
antes	 de	 começarem	 as	 aulas,	 bem	 como	 durante	 as	 lições,
entre	sussurros,	exibiu	a	figurinha	para	todos	os	seus	amigos	e
conhecidos.
Como	é	 comum	acontecer	 em	pequenas	 comunidades,	 a
notícia	 da	 sorte	 de	 Beto	 espalhou-se	 de	 boca	 em	 boca.
Rapidamente,	 não	 existia	 um	 só	 garoto	 das	 séries	 iniciais	 do
ensino	fundamental	que	não	soubesse	da	novidade.	Entre	eles,
Pedro	 Paulo,	 dez	 anos,	 que	 frequentava	 a	 quarta	 série.	 Por
sinal,	Pedro	Paulo	era	um	verdadeiro	craque	do	jogo	de	"bafo",
ou	de	 "bater	 figurinhas".	 Para	quem	não	sabe	ou	não	 lembra,
essa	brincadeira	consiste	em	empilhar	as	estampas	com	a	face
voltada	para	baixo	e	bater	nelas,	com	a	mão	em	concha,	para
fazê-las	 virarem	 e	 ficar	 de	 frente,	 exibindo	 a	 ilustração.	 Em
geral,	 o	 jogo	 é	 para	 valer,	 com	 as	 próprias	 figurinhas
desempenhando	o	papel	de	fichas:	quem	consegue	virá-las	tem
o	 direito	 de	 ficar	 com	 elas.	 Hábil	 na	 brincadeira,	 Pedro	 Paulo
havia	 se	 tornado	 o	 campeão	 daquela	 escola,	 num	 torneio
informal	 que	 grupos	 de	 alunos	 tinham	 promovido.	 O	 menino
ostentava	 o	 título	 com	 bastantesatisfação,	 dado	 que	 era
particularmente	 chegado	 a	 exibições	 das	 próprias	 habilidades.
Ao	 inteirar-se	 da	 sorte	 do	 Beto,	 nos	 primeiros	 momentos	 do
recreio,	Pedro	Paulo	veio	desafiá-lo	para	um	jogo	de	"bafo".
A	 princípio,	 Beto	 ficou	 na	 dúvida,	 vacilou,	 uma	 vez	 que
não	era	muito	bom	naquilo	e	não	 tinha	a	mínima	 intenção	de
arriscar-se	a	perder	a	 figurinha	difícil	com	que	a	sorte	o	havia
presenteado.	 Entretanto,	 nenhum	 dos	 coleguinhas	 aprovou	 a
sua	atitude	vacilante.
-	Deixa	de	ser	covarde!	-	dizia	um.
-	 Cara,	 você	 tem	 que	 mostrar	 que	 é	 homem	 -	 falava
outro.
-	 Faz	 isso,	 meu	 -	 insistia	 um	 terceiro.	 -	 Pelo	 bem	 da
primeira	série!
A	maioria	da	 turma	o	 incentivava	a	 jogar,	argumentando
que	ele	não	poderia	rejeitar	o	desafio	e	sugerindo	também	que
ele	 talvez	 ganhasse,	 pois	 aquele	 parecia	 ser	 o	 seu	 dia	 de
sorte...	Enfim,	depois	de	muita	hesitação,	Beto	resolveu	aceitar
a	 proposta.	 Juntamente	 com	 Pedro	 Paulo,	 dirigiu-se	 para	 um
canto	 afastado	 do	 pátio	 da	 escola,	 onde	 não	 havia	 sinal	 de
"tias",	bedéis	ou	supervisores.	Ali,	os	dois	se	sentaram	no	chão,
em	meio	a	uma	roda	de	colegas,	que	formaram	as	torcidas	para
cada	 um	 dos	 jogadores.	 Beto	 não	 levou	 vantagem	 nas	 duas
primeiras	 rodadas.	 Perdeu	 rapidamente	 um	 punhado	 de
figurinhas	 que	 havia	 posto	 em	 jogo.	 A	 torcida	 do	 adversário
vibrava.	Nos	lances	seguintes,	porém,	a	situação	se	inverteu.	O
menino	menor	recobrou	o	prejuízo.	Pouco	depois,	já	estava	no
lucro.	As	vitórias	o	incentivaram	e	Beto	perdeu	o	medo.
Chegou	 até	 a	 pôr	 no	 jogo	 a	 figurinha	 difícil	 que	 o
adversário	 exigiu	 na	 hora	 de	 fazer	 uma	 "rodada	 de	 fogo".
Faltavam	 cerca	 de	 três	 minutos	 antes	 de	 terminar	 o	 recreio.
Beto	topou	a	parada.
-	 Tá	 legal!	 -	 exclamou,	 decidido,	 para	 Pedro	 Paulo,
olhando-o	no	fundo	dos	olhos.
Para	espanto	de	todos	que	assistiam	à	cena	e	para	êxtase
total	da	sua	torcida,	Beto	conseguiu	vencer	o	campeão.	Faturou
mais	 de	 uma	 dúzia	 das	 suas	 figurinhas.	 Pedro	 Paulo	 engoliu
seco	e	levantou-se	resmungando.	Voltou	para	a	classe,	sombrio,
mal	escutou	a	campainha	que	anunciava	o	fim	do	intervalo.	No
final	 da	 tarde,	 quando	 as	 aulas	 terminaram,	 Beto	 tomou	 o
caminho	 de	 casa,	 satisfeitíssimo.	 Estava	 certo	 de	 que	 aquele
tinha	 sido	 um	 dos	 melhores	 dias	 de	 sua	 vida.	 Afastou-se	 da
escola	 e,	 dois	 quarteirões	 adiante,	 enveredou	 por	 um	 terreno
baldio	 que	 servia	 de	 atalho	 para	 a	 sua	 residência.	 Era	 o	 seu
caminho	 habitual,	 que	 trilhava	 diariamente	 sozinho	 ou,	 às
vezes,	 com	 outros	 colegas.	 Ao	 atingir	 a	 região	 central	 do
terreno,	 onde	 a	 trilha	 se	 perdia	 em	meio	 a	 arbustos	 e	 a	 um
mato	 cerrado,	 seus	 passos	 foram	 subitamente	 interrompidos
pela	aparição	de	Pedro	Paulo,	acompanhado	de	Luizão	e	Topete,
dois	outros	alunos	da	quarta	série.
-	Fica	parado	aí,	moleque!	-	Os	três	ordenaram	a	uma	só
voz,	 embora	 nem	 fosse	 preciso,	 pois	 Beto	 já	 estava
praticamente	paralisado.
Num	 salto,	 Luizão	 e	 Topete	 se	 puseram	 atrás	 de	 Beto	 e
seguraram	seus	braços.
-	 Devolve	 minhas	 figurinhas	 -	 exigiu	 Pedro	 Paulo,	 aos
gritos.	 Aliás,	 não	 eram	 somente	 as	 suas	 que	 ele	 queria,	mas
também	a	estampa	difícil	que	não	conseguira	ganhar	no	 jogo.
Na	verdade,	o	 trio	não	deu	ao	Beto	 sequer	a	 chance	de	dizer
não	ou	de	 fazer	qualquer	protesto.	Os	 três	caíram	sobre	ele	a
socos	e	pontapés,	 arrancando	a	mochila	 onde	o	menino	havia
guardado	as	figurinhas.	Caído	no	chão,	sem	meios	para	reagir,
Beto	viu	Pedro	Paulo	despejar	o	conteúdo	da	mochila	e	revirá-lo
até	encontrar	o	que	desejava.	Colocou	no	bolso	da	bermuda	o
produto	do	saque	e	sorriu,	triunfante.	Então,	o	trio	se	deu	por
satisfeito	e	fugiu	correndo.
Amargurado,	 Beto	 levantou-se,	 recolheu	 seus	 pertences
retomou	 o	 caminho	 de	 casa.	 Ao	 chegar,	 nem	 disse	 o	 seu	 oi"
tradicional	 à	 empregada	 que	 lhe	 abriu	 a	 porta.	 Como	 a	 mãe
estava	em	São	Paulo,	visitando	a	avó,	o	menino	trancou-se	em
seu	 quarto,	 decidido	 a	 esperar	 o	 pai	 e	 contar	 o	 que	 havia
acontecido.	Só	com	ele	conseguiria	se	abrir,	pois	tinha	a	certeza
de	que	o	genitor	saberia	compreendê-lo.
Álvaro,	o	pai	de	Roberto,	tocou	a	campainha	de	seu	lar	às
oito	da	noite,	como	fazia	todos	os	dias,	de	volta	do	trabalho.	Ao
escutá-la,	Roberto	pulou	da	cama	e	correu	para	abrir	a	porta,
atropelando	a	empregada.	O	menino	abraçou-se	ao	adulto,	aos
prantos,	 tentando	 costurar,	 numa	 série	 de	 frases	 nervosas
desconexas,	 a	 narrativa	 do	 terrível	 acontecimento	 do	 dia.
Entretanto,	o	pai	nem	 lhe	deu	 tempo	para	 isso.	Mal	o	 filho	se
pôs	 a	 chorar,	 empurrou-o	 para	 longe	 de	 si,	 exclamando,
espantado:
-	 O	 que	 é	 isso,	meu	 filho?...	 Homem	 não	 chora!	 Isso	 é
coisa	de	menina!
Beto	só	conseguiu	contar	a	desventura	das	figurinhas	dez
minutos	mais	tarde,	quando	recobrou	a	calma	-	o	que	teve	de
fazer	sozinho,	por	sinal.
-	Só	vou	falar	com	você,	quando	você	tiver	se	controlado
e	estiver	se	comportando	como	um	homem	-	foi	a	advertência
que	o	pai	fez	ao	menino:	Este	escutou	calado,	tentando	reprimir
o	choro.
A	 reação	 de	 Álvaro	 diante	 do	 desespero	 do	 filho	 foi
certamente	a	"grande	lição"	que	o	menino	recebeu	naquele	dia.
A	mensagem	que	 o	 pai	 lhe	 passou	 era	 clara	 e	 evidente:	Beto
não	 tinha	 o	 direito	 de	 apresentar	 a	 ninguém	 suas	 fraquezas,
incertezas,	temores	e	angústias.	Ao	contrário,	devia	se	mostrar
impassível	 e	 forte,	 se	 quisesse	 obter	 a	 oportunidade	 de	 ser
escutado.
Vale	 notar	 que	 essa	 "grande	 lição"	 foi	 ministrada	 ao
"aluno"	de	duas	maneiras.	Uma	explícita,	no	discurso	do	pai	que
profere	o	 lugar-comum	sobre	o	 fato	de	um	homem	não	poder
demonstrar	 seus	 sentimentos	ou	 fraquezas.	Outra	 implícita	na
própria	figura	insensível	e	firme	do	"professor",	que	é	ninguém
menos	 que	 um	 dos	 principais	 modelos	 de	 conduta	 de	 que	 o
menino	dispõe:	seu	pai.
Assim,	 na	 mente	 de	 Beto,	 a	 situação	 acaba	 se
configurando	da	seguinte	maneira:	"Meu	pai	é	grande,	é	forte,
não	expõe	suas	 fraquezas,	não	se	desespera.	É	assim	que	um
homem	deve	ser.	Apanhar	pode	até	fazer	parte	da	vida	de	um
homem.	 Perder,	 ser	 roubado	 também.	 Mas	 chorar	 por	 causa
disso,	não.	É	preciso	ser	forte,	controlado,	duro.	É	assim	que	eu
tenho	 de	 ser.	 A	 máscara	 do	 endurecimento	 forma-se	 assim,
anestesiando-o	contra	a	dor	(às	vezes	até	física)	que	ele	sentiu.
Tô	morrendo	de	medo:	deixa	a	luz	acesa
De	 modo	 geral,	 o	 que	 contamos	 do	 Beto	 aplica-se	 com
variações	 em	 outras	 tantas	 situações	 similares.	 Essa	 é	 a
conduta	que	 se	espera	do	menino,	essa	é	a	primeira	máscara
que	lhe	é	imposta.	Esses	estímulos,	essa	mensagem	é	recebida
pelo	menino	de	maneira	quase	mítica,	como	um	ritual.	Para	sua
imaginação	 infantil,	 é	 como	 se	 estivesse	 ouvindo	 uma	 voz	 de
trovão,	que	vem	do	além,	e	 lhe	dá	uma	ordem	absoluta,	uma
determinação	 imperativa,	 que	 ele	 -	 à	 semelhança	 dos	 povos
primitivos	 -	 recebe	 como	 uma	 revelação	 e	 um	 mandamento
divino.	Trata-se	efetivamente	de	um	ser	primitivo	-	o	menino	-
que	está	recebendo	uma	ordem	e	que	vai	aceitá-la,	de	modo	a
determinar	a	partir	dela	todo	o	seu	percurso	de	vida.	Por	fora,
na	aparência,	ele	tem	de	demonstrar	firmeza	e	impassibilidade,
independentemente	do	 fato	de	 -	por	dentro,	na	essência	 -	ele
estar	dilacerado.	Por	dentro,	há	dor,	angústia,	vontade	de	berrar
e	 uma	 terrível	 vergonha	 de	 se	 importar	 com	 aquilo	 que	 os
outros	meninos	fizeram	e	fazem	com	ele,	além	do	medo	daquilo
que	eles	ainda	vão	fazer.	Não	por	acaso,	a	hora	de	dormir	é	um
momento	 em	 que	 essa	 situação	 latente	 se	 manifesta	 de
maneira	mais	clara.	Isso	ocorre	quando	a	criança	já	passou	dos
quatro,	 cinco	 anos	 e	 não	 está	 mais	 naquela	 fase	 do	 choro
característico	 dos	 bebês,	 embora	 pareça	 retornar	 a	 ela.	 É	 na
solidão	de	um	quarto	escuro	que	a	angústia	e	a	incerteza	vêm	à
tona.	Para	a	maioria	dos	meninos,	a	hora	de	se	deitar	constituium	momento	que	ele	procura	adiar,	por	artifícios	diversos.	Por
isso,	muitos	meninos	fazem	questão	de	dormir	com	a	luz	acesa
e	 a	 televisão	 ligada,	 de	 modo	 a	 exorcizar	 seus	 mais	 íntimos
fantasmas.{8}
Por	outro	 lado,	essa	atitude	deixa	perdidos	ou	chocados,
quando	 não	 irritados,	 os	 pais,	 que	 geralmente	 aproveitam	 a
ocasião	para	incrustrar	outra	vez	no	filho	a	máscara	da	firmeza
e	 da	 coragem,	 uma	 vez	 que	 não	 têm	 acesso	 ao	 verdadeiro
significado	da	situação.	Mais	uma	vez,	tendem	a	encarar	como
fraquezas	 as	 solicitações	 de	 amparo	 e	 carinho,	 as	 quais,	 na
verdade,	 são	 reações	 normais	 diante	 da	 situação	 a	 que	 a
criança	se	vê	exposta.
Sem	chorar	nem	rir
Basicamente,	é	no	 terreno	do	medo	que	as	máscaras	 se
instalam.	Mas,	em	consequência	do	medo	-	que	o	menino	não
deve	 sentir,	 de	acordo	 com	as	mensagens	que	 recebe	 -	 surge
ainda	a	vergonha.	Se	o	medo	é	o	terreno,	a	vergonha	é	o	clima,
e	essas	duas	emoções	juntas	formam	o	ecossistema	em	que	as
máscaras	vão	florescer	como	ervas-daninhas.
Em	geral,	com	o	passar	do	tempo,	a	máscara	conseguirá
encobrir	o	medo	de	maneira	que	seu	usuário	não	o	perceba.	Ela
prolifera,	 desenvolve-se,	 entremeia-se	 nela	 mesma,	 tece	 e
entretece	 com	 uma	 tela	 das	 mais	 resistentes.	 A	 vergonha,
porém,	 tende	 a	 se	 transformar	 numa	 companheira.	 Uma
companheira	da	qual	o	homem	dificilmente	vai	se	libertar.	Uma
sombra	que	denuncia	 tudo	que	ele	mais	quer	esconder.	Só	 se
livra	 dela,	 se	 conseguir,	 depois	 de	 um	 longo	 trabalho
terapêutico,	 desde	 que	 também	 tenha	 o	 privilégio	 de	 uma
relação	profissional	de	profunda	confiança.
A	 esta	 altura,	 é	 importante	 acrescentar	 que,	 além	 do
medo	 e	 do	 choro,	 há	 também	 outros	 afetos	 sujeitos	 a	 se
tornarem	alvos	do	 tiroteio	 repressivo	 inerente	à	 educação	dos
meninos.	 Mesmo	 emoções	 e	 sentimentos	 de	 caráter	 mais
positivo,	 como	 a	 alegria,	 o	 deslumbramento,	 o	 fascínio,	 o
entusiasmo,	acabam	enfrentando	os	mesmos	obstáculos	ao	se
manifestarem.
Por	exemplo,	Duda	vai	a	um	cinema	assistir	a	um	filme	de
super-herói,	 em	 que	 predomina	 a	 mágica,	 a	 fantasia,	 com
efeitos	especiais	de	grande	beleza.	As	imagens	o	fascinam.	Mas
ao	 tentar	 comentar	 com	um	adulto	 esse	 deslumbramento	que
sentiu,	 Duda	 vai	 escutar	 comentários	 do	 tipo:	 "Como	 você	 é
bobo!	 Como	 pode	 se	 entusiasmar	 com	 cenas	 tão	 fantásticas,
que	não	têm	nada	a	ver	com	a	vida	real?!"
Da	mesma	maneira,	Edu	que	foi	a	um	acampamento	-	os
pais	 de	 hoje	 em	 dia	 costumam	 fazer	 questão	 de	 enviar	 seus
filhos	 a	 acampamentos	 de	 férias	 -	 e	 ficou	 fascinado	 com	 a
natureza	que	encontra	no	campo:	com	o	céu	azul,	as	cores	das
plantas,	 das	 árvores	 e	 das	 flores,	 a	 beleza	 do	 sol	 etc.	 Então,
escreveu	 uma	 carta	 para	 a	 mãe,	 contando	 extasiado	 suas
experiências	 e	 as	 emoções	 que	 sentiu	 com	elas,	mas	 recebeu
uma	resposta	indignada	dos	pais:	"Mas	como?	Você	foi	aí	para
brincar	 com	 outros	 meninos,	 para	 praticar	 esportes,	 e	 fica
ligando	 para	 essas	 bobagens...	 Estamos	 muito	 preocupados
com	você."
Por	 sua	 vez,	 diante	 de	 uma	 mensagem	 como	 essa,	 o
menino	só	podia	pensar:	"Então	eu	não	devia	me	entusiasmar
com	nada.	Não	era	correto	eu	me	entusiasmar,	principalmente
se	 o	 motivo	 se	 ligava	 a	 sensações,	 afetos	 e	 emoções..."	 Em
outras	 palavras,	 não	 se	 tratava	 somente	 de	 que	 "homem	não
chora".	Para	a	sociedade,	homem	também	não	pode	sorrir,	não
pode	 se	 entusiasmar,	 não	 pode	 ficar	 alegre.	 Quem	 sabe,	 não
pode	ter	prazer,	nem	amar.
Pesquisas	 recentes	 refletem	 muito	 bem	 essa	 situação
indicando	que,	no	convívio	social,	os	meninos	são	sempre	mais
introvertidos	do	que	as	meninas	que,	ao	contrário,	apresentam
tendência	majoritária	à	extroversão.
Meninas	são	um	saco...
Existem	 vários	 dados	 estatísticos	 muito	 significativos
sobre	 as	 diferenças	 no	 processo	 educacional	 de	 meninos	 e
meninas.	Deixando	de	lado	os	números	precisos,	que	não	vêm
ao	 caso,	 é	 interessante	 apontar	 que,	 da	 educação	 infantil	 ao
ensino	médio,	os	meninos	apresentam	médias	inferiores	às	das
meninas.	Particularmente,	as	notas	dos	meninos	são	piores	em
leitura	 e	 redação,	 não	 por	 acaso,	 duas	 disciplinas	 que	 estão
diretamente	ligadas	à	expressão	emocional	e	à	sensibilidade.
Encaradas	 pela	 família	 e	 pela	 sociedade	 de	 modo
completamente	 oposto	 às	 crianças	 do	 sexo	 masculino,	 as
meninas	 têm	 o	 direito	 de	 expor	 os	 sentimentos	 e	 de
comportarse	 de	 maneira	 afetiva.	 A	 elas,	 é	 permitida	 maior	 e
mais	 prolongada	 proximidade	 com	 a	mãe,	 assim	 como	 lhes	 é
concedido	 o	 direito	 de	 chorar,	 sorrir	 ou,	 enfim,	 emocionar-se.
Elas	também	não	são	obrigadas	a	cultuar	os	espaços	exteriores,
podendo	permanecer	e	brincar	em	casa	quando	quiserem.
Para	 os	 meninos,	 essa	 oposição	 fica	 bem	 clara	 e	 a
tendência	deles	é	encarar	as	meninas	como	um	modelo	inverso
ao	 que	 eles	 têm	 de	 seguir.	 Por	 isso,	 na	 primeira	 infância,	 os
garotos	 não	 conseguem	 se	 interessar	 por	 meninas,
considerando-as	 "um	 saco",	 conforme	 dizem.	 Afinal,	 elas	 não
têm	de	ser	fortes,	não	têm	de	correr,	não	têm	de	lutar,	não	têm
de	 enfrentar	 a	 vida	 como	 os	 homens.	 "Meninas	 são	 chatas!"
Desse	modo,	os	meninos	vão	construindo	suas	relações	sociais
de	 maneira	 caótica	 e	 contraditória.	 A	 mensagem	 que	 lhes	 é
incutida	 deixa	 claro	 que	 eles	 devem	 se	 relacionar	 com	 seus
semelhantes,	criaturas	que	os	humilham,	que	lhes	dão	chutes	e
socos.	É	a	esse	bando	que	eles	pertencem	e,	por	isso,	é	entre
seus	 inimigos	 que	 os	meninos,	 paradoxalmente	 vão	 encontrar
os	seus	amigos,	formando	o	que	se	poderia	chamar	de	a	"turma
dos	mascarados".	Para	entrar	nessa	 turma,	o	menino	 fará	um
grande	 esforço	 adaptativo	 e	 tomará	 como	 modelo	 os	 colegas
que	 se	 destacam	 nas	 atividades	 esportivas,	 no	 futebol,	 que
correm,	chutam,	gritam,	que	conquistam	os	espaços	exteriores
-	a	rua,	o	pátio,	a	quadra,	o	campo	-,	que	expulsam	as	meninas
do	seu	convívio,	pois	elas	são	frágeis	e	sensíveis.
Sendo	esse	o	universo	dos	meninos,	não	são	de	espantar
outros	 fatos	 apontados	 pelas	 pesquisas	 sobre	 a	 infância:	 eles
são	 três	 vezes	 mais	 vítimas	 da	 violência	 do	 que	 as	 meninas
(embora,	 em	 contrapartida,	 as	 meninas	 sofram	 mais	 abuso
sexual).	 Mas	 poderia	 ser	 de	 outro	 modo?	 O	 seu	 mundo,	 o
mundo	 que	 eles	 são	 forçados	 a	 construir	 é	 intrinsecamente
violento.	 E	 a	 sociedade	 espera	 que	 ele	 esteja	 preparado	 para
essa	violência.
Por	 isso,	 incentivam-se	 os	 meninos	 a	 participar	 de
atividades	 físicas,	esportivas,	grupais	e	sociais	que	contenham
atitudes	 e	 comportamentos	 violentos.	 Por	 isso,	 eles	 são
estimulados	a	ter	uma	liberdade	que,	realmente,	é	a	liberdade
de	 estar	 exposto	 à	 violência.	 Começam	 também	 a	 surgir
contatos	 físicos	 e	 percepções	 de	 uma	 sexualidade	 brotando.
Irritação	e	impulso	se	confundem.{9}
O	caos	da	sexualidade	emergente
Os	anos	finais	da	infância	e	a	pré-adolescência	constituem
uma	fase	da	vida	marcada	pelos	primeiros	movimentos	sexuais.
Suas	 manifestações	 se	 dão	 no	 nível	 fisiológico,	 com	 as
primeiras	 sensações	 de	 excitação.	 Entretanto,	 elas	 também
emergem	nos	níveis	psicológico	e	 social.	A	maneira	 como	 isso
ocorre,	 no	 plano	 psíquico,	 é	 variável	 de	 acordo	 com	 a
personalidade	de	cada	um.
Socialmente,	 porém,	 vamos	 encontrar	 uma	 imensa
interferência	dos	códigos	de	conduta	especialmente	formulados
para	as	crianças	do	sexo	masculino.	É	pelo	contato	com	amigos
e	 colegas	 que	 o	 menino	 vai	 formar	 suas	 primeiras	 noções
acerca	 da	 sexualidade,	 em	 geral,	 distorcida.	 São	 informações
muito	 novas,	 fascinantes,	 sigilosas,	 perigosas.	 Altos	 conluios,
grandes	 segredos.	Muitas	 palavras	 não	ditas.	 Silêncio.	 Escuro.
Sensações	 de	 prazer	 proibido	 sem	 identificações	 precisas.
Mensagens	 subliminares	 que	 permeiam	 a	 mentalidade
masculina,	 a	 mídia,	 de	 um	 modo	 geral,	 e,	 maisespecificamente,	as	publicações	e/ou	filmes	e	vídeos	de	caráter
erótico-pornográfico.	 Encontros	 cinestésico-sensoriais,
disfarçados	toques	ou	contatos	físicos	impronunciáveis.
Assim,	 nessa	 faixa	 etária,	 a	 sexualidade	 irrompe	 de
maneira	 caótica	 e	 indiscriminada,	 cujos	 objetivos	 não	 estão
claramente	definidos.	A	masturbação	é,	na	maioria	dos	casos,	a
iniciação	 sexual	 dos	meninos	 e,	 além	dos	movimentos	 físicos,
ela	 comporta	 também	 um	 verdadeiro	 exercício	 da	 imaginação
infanto-juvenil.	 As	 vagas	 noções	 de	 sexualidade	 dos	 garotos
dessa	 faixa	 etária	 os	 levam	 a	 dirigir	 seu	 interesse	 pelo	 sexo
oposto,	 embora	 não	 às	 meninas	 de	 sua	 idade,	 mas	 àquelas
mais	velhas,	que	já	têm	acentuadas	as	formas	femininas.
Entretanto,	 é	 importante	 ressaltar	 que	 o	 modo
indiscriminado	 de	 irrupção	 da	 sexualidade	 também	 se	 dá	 de
maneira	subreptícia	ou	 implícita	nos	contatos	corporais	que	os
meninos	 têm	 entre	 si.	 O	 contato	 corporal,	 seja	 nas	 práticas
esportivas	 ou	 nas	 brincadeiras	 de	 luta,	 possibilitam	 grande
aproximação	 física	 e	 substituem,	 em	muitos	 casos,	 a	 energia
sexual.	Também	são	 frequentes,	entre	os	meninos	dessa	 faixa
etária,	os	contatos	sexuais	de	caráter	mais	explícito,	conhecidos
popularmente	 como	 "troca-troca".	 Para	 muitos,	 esse	 tipo	 de
experiência	 é	 absorvido	 com	 naturalidade	 e	 superado	 com	 o
passar	 do	 tempo.	 Para	 outros,	 entretanto,	 esses	 contatos
sexuais	 têm	 caráter	 traumático,	 despertando	 sentimentos	 de
culpa	e	vergonha	que	podem	se	transformar	em	fantasmas	que
vão	assombrá-los	até	a	maturidade,	só	podendo	ser	exorcizados
quando,	ao	longo	de	específicos	processos	terapêuticos,	podem
finalmente	encará-los	ou	desmascará-los.	De	qualquer	modo,	o
importante	 a	 observar	 aqui	 é	 a	 relevância	 desses	 momentos
iniciais	 da	 sexualidade	 e	 seu	 caráter	 caótico	 e	 indiscriminado,
sujeito	 ou	 submisso	 aos	 códigos	 de	 conduta	 impostos	 aos
meninos.	 Esses	 momentos,	 que	 os	 estudos	 masculinos	 não
valorizavam	até	recentemente,	são	decisivos	na	modelagem	das
máscaras	do	homem.
As	manifestações	iniciais	da	sexualidade,	caso	não	sejam
bem	 orientadas	 e	 resolvidas,	 podem	 se	 transformar	 em
verdadeiros	dragões	que	 lançam	chamas	ameaçadoras	sobre	a
identidade	 masculina.	 Contudo,	 as	 questões	 relacionadas	 à
sexualidade	 vão	 emergir	 de	 maneira	 mais	 clara	 numa	 fase
posterior	 da	 vida	 individual,	 a	 adolescência,	 focalizada	 no
capítulo	a	seguir.
	
DOIS	-	O	desafio	da	adolescência.
O	código	dos	meninos
Cláudio,	37	anos,	é	médico	e	mora	na	cidade	de	Santos,
no	litoral	paulista.	Tem	o	consultório	perto	de	sua	residência	e,
portanto,	 pode-se	 dar	 ao	 luxo	 de	 almoçar	 em	 casa	 todos	 os
dias.	 Ao	 meio-dia	 e	 meia	 de	 uma	 manhã	 de	 julho,	 quando
estacionava	 seu	 automóvel	 na	 frente	 de	 casa,	 pôde	 observar
pela	 janela	 do	 veículo	 que	 sua	 filha,	 Mansa,	 de	 nove	 anos,
brincava	 com	 duas	 amigas	 no	 quintal,	 enquanto	 o	 filho,
Arnaldo,	 cinco	 anos,	 estava	 agachado	 na	 calçada,	 com	 os
braços	cruzados	sobre	os	joelhos,	onde	escondia	a	cara,	numa
pose	 de	 tristeza	 e	 desânimo.	 O	 médico	 desceu	 do	 carro	 e
aproximou-se	 do	menino,	 acariciando	 seus	 cabelos.	 Perguntou
de	 imediato:	 "Mas	 o	 que	 é	 que	 houve,	 Naldinho?	 Você	 está
chorando?	Estava	brigando	com	sua	irmã?"
O	menino	levantou	a	cabeça	e	olhou	para	o	pai,	revelando
os	 olhos	 vermelhos,	 dos	 quais	 as	 lágrimas	 ainda	 escorriam.
Entre	soluços,	ele	procurou	explicar	a	Cláudio	o	que	se	passava:
"Pai,	a	gente	estava	brincando	de	casinha...	A	Mansa	era	a	dona
da	casa	e	estava	recebendo	a	visita	das	amigas.	Eu	era	o	dono
da	casa	e	elas	disseram	que	eu	tinha	de	sair.	Não	podia	ficar	em
casa	porque	sou	homem	e	 lugar	de	homem	é	na	 rua.	Daí,	eu
acabei	 ficando	 sozinho	 aqui	 fora,	 e	 ainda	 sem	 ninguém	 para
brincar	comigo..."
Verídico,	 o	 caso	 apresentado	 faz	 uma	 síntese	 de	 temas
básicos	 do	 capítulo	 anterior:	 como	 se	 vê,	 já	 na	 infância,	 fica
estabelecida	 a	 percepção,	 a	 princípio	 inquestionável,	 de	 que
lugar	de	homem	é	na	rua,	no	mundo.	O	pequeno	Arnaldo	aceita
a	imposição	que	lhe	é	feita	pela	irmã	e	as	amigas.	Entretanto,
ao	 ver-se	 fora,	 não	 consegue	 evitar	 o	medo	 e	 a	 tristeza,	 não
pode	deixar	de	sentir-se	isolado,	só	e...	excluído.
Em	 geral,	 essa	 é	 a	 situação	 existencial	 imposta	 aos
meninos	em	nossa	sociedade.	Ao	estar	 fora,	porém,	o	menino
costuma	se	defrontar	com	outros	meninos	iguais	a	ele,	com	os
quais	 desenvolve	 um	 relacionamento	 ambíguo,	 que	 comporta
interações	 de	 conflito	 e	 de	 solidariedade,	 de	 modo	 que	 os
encara	simultaneamente	como	amigos	e	inimigos.	É	nesse	meio
social	 que	 vão	 se	 solidificar	 as	 normas	 ou	 injunções	 de	 um
código,	 ao	 mesmo	 tempo	 tácito	 e	 explícito,	 que	 o	 psicólogo
clínico	 norte-americano	 William	 Pollack,	 da	 Universidade	 de
Harvard,	definiu	como	The	Boys	Gode,	"o	código	dos	meninos".
Os	 garotos	 aprendem	 esse	 código	 nos	 primeiros
momentos	 da	 infância,	 assim	 que	 se	 separam	 dos	 pais	 e
passam	 a	 frequentar	 playgrounds,	 tanques	 de	 areia,
parquinhos,	salas	de	aula,	acampamentos,	festinhas	e	reuniões.
Segundo	 este	 receituário,	 que	 oferece	 os	 fundamentos	 das
diversas	 máscaras	 de	 que	 o	 homem	 se	 utilizará	 ao	 longo	 de
toda	a	vida,	há	quatro	imperativos	a	serem	seguidos:
	
1.	 Os	 homens	 devem	 ser	 estoicos,	 heroicos,	 estáveis	 e
independentes.	 Em	 outras	 palavras,	 devem	 estar	 preparados
para	 suportar	 pacientemente	 todas	 as	 adversidades	 da	 vida,
sem	se	deixar	abalar	por	elas.	Não	podem	mostrar	 fraqueza	e
nem	compartilhar	suas	emoções	com	ninguém.
	
2.	 Os	 meninos	 têm	 que	 ser	 sólidos	 como	 rocha.	 Isso
significa,	 na	 verdade,	mostrar-se	 completamente	 impassível	 e
inabalável.	 Nada	 lhes	 importa,	 nada	 lhes	 diz	 respeito.	 Desse
modo,	 sua	 postura	 se	 assemelha	 à	 de	 modelos	 que
encontramos	 no	 cinema,	 em	 personagens	 interpretados	 por
John	Wayne,	 Clint	 Eastwood	 e	 Bruce	 Lee	 -	 heróis	 solitários	 e
invulneráveis	em	seu	íntimo,	o	que	lhes	permite	enfrentar	toda
sorte	de	perigos	e	qualquer	inimigo,	por	mais	terrível	que	seja.
	
3.	A	vida	é	uma	roda-gigante!	As	diversas	situações	que	a
vida	 apresenta	 têm	 de	 ser	 encaradas	 como	 o	 "momento	 de
decisão",	a	"grande	rodada".	Transformando	todas	as	situações
em	 momentos	 decisivos,	 os	 meninos	 liberam	 de	 modo
extremado	 sua	 agressividade	 e	 agem	 de	 modo	 a	 evitar	 a
vergonha	 a	 qualquer	 custo,	 reprimindo	 os	 sentimentos	 de
fracasso.	 Só	 assim	 sentem	 que	 podem	 realizar	 conquistas	 e
atingir	o	status,	o	domínio	e	o	poder.
	
4.	 Homem	 tem	 que	 ser	 macho!	 Nada	 de	 "bichice":
sentimentos	 e	 comportamentos	 afetivos,	 como	 empatia,
compaixão,	 carinho,	 são	 entendidos	 como	 femininos,	 homens
não	 devem	 experimentá-los	 e,	 caso	 os	 experimentem,	 estão
ameaçados	 em	 sua	 masculinidade,	 devendo	 considerar-se
efeminados.	Evitar	supostas	manifestações	de	"efeminação"	ou
"homossexualismo"	é	a	palavra	de	ordem.
	
Os	 imperativos	 deste	 código	 constituem	 verdadeira
camisa-de-força	 que	 impede	 os	 meninos	 de	 expressar	 seus
sentimentos,	 os	 quais,	 embora	 sejam	 naturais	 e	 legítimos,
acabam	 por	 provocar-lhes	 vergonha.	 Esta,	 por	 sua	 vez,	 vai
gerar	no	garoto	a	baixa	confiança	e	a	baixa	autoestima,	o	que
moldará	 personalidades	 com	 tendência	 ao	 isolamento,	 à
introversão,	à	solidão	e	à	tristeza.
Esse	 modo	 distorcido	 de	 encarar	 a	 masculinidade	 é
reforçado	 nas	 mais	 diversas	 situações,	 criando	 um	 círculo
vicioso	 que,	 em	 inúmeros	 casos,	 jamais	 poderá	 ser	 quebrado.
Além	 disso,	 pode	 estabelecer	 percepções	 paradoxais	 da
realidade,	com	consequências	desastrosas	não	somente	para	o
equilíbrio	 mental	 do	 menino,	 mas	 também	 para	 sua	 saúde
física.	Os	estudos	psicológicos	na	atualidade	têm	demonstrado	a
relação	entre	a	autoestima	e	o	sistema	de	defesa	do	organismo
eressaltado	 as	 possibilidades	 de	 somatização	 das	 emoções
negativas.
O	 caso	 de	 Levi	 é	 exemplar,	 foi	 apresentado	 pela	 própria
mãe	 a	 seu	 terapeuta.	 Até	 a	 entrada	 na	 escola,	 Levi	 havia
apresentado	uma	saúde	normal,	não	tendo	demandado	mais	do
que	os	cuidados	médicos	de	praxe	até	os	sete	anos,	data	de	sua
entrada	 na	 escola.	 A	 partir	 daí,	 tornaram-se	 constantes
manifestações	alérgicas,	gripes	e	resfriados,	além	de	frequentes
problemas	gastrointestinais.
Interessado	 nos	 problemas	 do	 filho	 de	 sua	 paciente,	 o
terapeuta	 da	 mãe	 procedeu	 a	 um	 levantamento	 da	 rotina	 do
menino.	Descobriu	que,	quando	ele	se	encontrava	em	perfeitas
condições	de	saúde,	não	só	tinha	de	frequentar	a	escola,	como
também	seguir	uma	rotina	rígida.	Esta	incluía	cursos	de	inglês	e
informática	e	prática	de	natação,	o	que	o	mantinha	afastado	de
casa	cerca	de	sete	horas	diárias.	Ao	contrário,	quando	o	menino
se	 mostrava	 doente,	 os	 pais	 aceitavam	 serenamente	 que	 ele
faltasse	 às	 atividades	 diárias.	 Não	 só	 não	 lhe	 eram	 feitas
cobranças	acerca	de	 seu	desempenho	na	escola,	nos	 cursos	e
nos	 esportes,	 como	 também	 lhe	 era	 permitido	 fazer	 o	 que
normalmente	não	podia.	Levantar	da	cama	mais	tarde,	assistir
aos	programas	na	televisão	antes	e	depois	do	almoço,	além	de
permanecer	ao	lado	da	mãe	praticamente	o	dia	inteiro,	desde	a
hora	de	acordar	até	a	hora	de	dormir.	Mais	ainda,	de	volta	do
trabalho,	 o	 pai	 também	 se	 tornava	 carinhoso	 com	 ele,
procurando-o	 no	 quarto,	 conversando	 com	 ele,	 com	 beijos	 e
abraços.
Tendo	 percebido	 a	 diferença	 de	 rotina	 e	 do	 tratamento
dado	a	Levi	pelos	pais,	na	saúde	e	na	doença,	o	terapeuta	não
teve	dificuldade	de	mostrar	à	mãe	o	que	estava	acontecendo	e
de	 que	 modo	 se	 processavam	 na	 mente	 do	 menino	 as
informações	 sobre	 seu	 modo	 de	 vida.	 Assim,	 tornou-se	 fácil
explicar	 à	paciente	os	motivos	por	 trás	de	uma	 frase	de	 Levi,
que	 ela	 não	 conseguia	 entender	 e	 considerava	 extremamente
preocupante:	"É	tão	gostoso	ficar	doente!"	Havia	dito	o	menino
à	mãe,	em	tom	de	lamentação,	ao	recobrar-se	de	um	resfriado
e	ver-se	mais	uma	vez	forçado	a	retomar	sua	rotina	exaustiva,
distante	da	casa	e	dos	pais.
Crescimento	e	mudança
Os	 pais	 temem	 dar	 amor	 em	 demasia	 a	 seus	 filhos,
achando	que	isso	"estraga	o	menino".	Consideram	que	o	amor
"em	 excesso"	 pode	 transformá-los	 em	 pessoas	 frágeis	 e
dependentes.	 Essa	 percepção	 não	 tem	 nenhum	 fundamento
sólido.	 Em	 primeiro	 lugar,	 o	 amor	 não	 é	 um	 fenômeno
quantitativo,	que	se	possa	medir	a	ponto	de	determinar	qual	é
o	nível	 ideal	para	ele	ser	transmitido,	ou	quando	se	ultrapassa
esse	limite	e	se	atingem	níveis	excessivos.
Em	 segundo	 lugar,	 o	 amor	 é	 a	 própria	 essência	 do	 ser
humano.	 Dar	 amor	 jamais	 pode	 ser	 prejudicial	 e	 não	 estraga
ninguém	 em	 hipótese	 alguma.	 Ao	 contrário,	 a	 falta	 de	 amor
alimenta	 sentimentos	 prejudiciais,	 como	 o	 ressentimento	 e	 o
ódio,	estimulando	a	agressividade.
Quanto	maior	a	proximidade	-	não	só	física,	mas	também
afetiva	 -	 do	 pai	 e	 da	mãe	na	 infância	 dos	 filhos,	 tanto	menor
será	 a	 tendência	 de	 os	 meninos	 se	 afastarem	 dos	 próprios
sentimentos.	 E	 depois,	mais	 tarde,	 de	 si	mesmos.	A	 presença
física	 e	 afetiva	 dos	 genitores	 diminui	 a	 possibilidade	 e	 a
necessidade	de	se	criarem	máscaras	a	todo	momento.
Assim,	nunca	é	demais	retornar	ao	momento	decisivo	que
se	 localiza	 na	 fase	 pré-escolar	 e	 no	 início	 da	 escola,	 quando
ocorre	 a	 separação	 do	 menino	 em	 relação	 à	 mãe.	 Esse
momento	 altamente	 traumático	 para	 o	 filho	 -	 que	 até
recentemente	 não	 havia	 recebido	 a	 devida	 atenção	 dos
estudiosos	 -	 também	 pode	 ser	 analisado	 por	 outra	 ótica	 que
não	a	da	própria	criança:	o	ponto	de	vista	materno.	Em	geral,
as	 mães	 parecem	 aceitar	 passivamente	 a	 separação	 de	 seus
filhos,	por	considerá-la	necessária	e	útil.	Elas	querem	que	seus
filhos	se	transformem	em	"homens",	ou	seja,	que	eles	venham
a	 ser	 "fortes",	 "atléticos",	 "machos",	 e	 acreditam	 que	 o
sofrimento	da	separação	pode	ajudar	nisso.
Por	outro	 lado,	se	observarmos	a	questão	de	modo	mais
atento,	 perceberemos	 que	 também	 para	 as	mães	 o	momento
está	 repleto	 de	 conflitos.	 Ao	 lado	 do	 que	 entende	 como
"masculinidade",	 ao	 lado	 do	 desejo	 de	 que	 seu	 filho	 seja	 um
"homem"	 forte	 e	 estável,	 ela	 também	 deseja	 para	 o	 menino
aquilo	 que	 espera	 de	 seu	 companheiro,	 isto	 é,	 que	 seja	 um
homem	 sensível,	 carinhoso,	 compreensivo,	 que	 não	 tenha
vergonha	de	demonstrar	seus	sentimentos.
Por	 isso,	 a	 conduta	 da	mãe,	 no	momento	 da	 separação,
costuma	 ser	 marcada	 pela	 ambiguidade,	 pelas	 ações	 em
sentidos	 opostos,	 buscando	 ao	 mesmo	 tempo	 permitir	 o
afastamento	 do	 filho	 e	 também	 impedi-lo.	 Essa	 ambiguidade
confunde	ainda	mais	a	mente	da	criança,	que	se	sente	perdida
diante	dela	("Minha	própria	mãe	tem	dúvidas	sobre	como	devo
ser.")	 e	 não	 consegue	 encontrar	 aí	 um	 ponto	 de	 apoio	 para
romper	 com	 as	mensagens	machistas	 que	 o	 bombardeiam	 de
todos	 os	 lados.	 Desse	 modo,	 as	 informações	 que	 recebe	 no
convívio	 social	 e	 familiar	 durante	 toda	 a	 infância	 serão
transportadas	pelo	menino	para	a	sua	adolescência,	na	qual	se
deflagra	 um	 processo	 de	 endurecimento,	 como	 reação	 à
supressão	 de	 suas	 carências	 de	 afeto,	 às	 humilhações	 que
sofreu	 no	 convívio	 social	 imposto,	 à	 auto	 inibição	 de	 seus
sentimentos.
Ademais,	 para	 o	 rapaz,	 a	 adolescência	 é	 marcada	 por
outra	 separação	 tão	 traumática	 quanto	 a	 anterior.	 Se,	 no
período	 infantil,	 a	 separação	 da	 mãe	 é	 o	 que	 mais	 pesa	 na
criança,	 durante	 a	 adolescência,	 é	 a	 separação	 em	 relação	 ao
pai	que	terá	destaque.	Se,	na	infância,	o	pai	costumava	abraçar
e	beijar	o	filho,	na	adolescência,	esta	proximidade	física	já	não
vai	 existir	 tanto.	 Ambos	 se	 sentirão	 incomodados:	 o	 pai	 com
medo	de	torná-lo	menos	másculo,	o	filho	com	vergonha	do	que
os	outros	podem	pensar	dele.
Na	 infância,	 a	 distância	 entre	 o	 pai	 e	 o	 filho	 também
decorre	 do	 papel	 social	 do	 homem,	 do	 trabalho	 e	 do	 próprio
aumento	de	suas	responsabilidades	econômicas	que	advém	do
nascimento	 de	 um	 filho.	 Na	 adolescência,	 esta	 distância	 vai
aumentar	de	maneira	exponencial,	pois	para	isso	vão	concorrer
atitudes	tanto	do	pai	quanto	do	filho.
"Meu	filho	é	um	vagabundo"
Durante	a	adolescência,	diante	do	processo	de	mudanças
pelo	qual	passa	seu	 filho,	o	pai	 tem	ainda	maior	 temor	de	 lhe
demonstrar	 proximidade	 ou	 carinho.	 Em	 geral,	 em	 relação	 ao
filho	 jovem,	o	homem	vai	 demonstrar	 três	 tipos	de	 atitude.	A
mais	 conhecida	 delas	 é	 a	 da	 projeção,	 isto	 é,	 a	 do	 pai	 que
empurra	o	filho	para	fazer	o	que	ele	fez	ou	gostaria	de	ter	feito.
Trata-se	 dos	 pais	 que	 impõem	 ao	 filho	 uma	 profissão	 ou	 o
desenvolvimento	de	qualquer	atividade	que	agrada	a	eles,	pais,
independentemente	da	vontade	ou	da	vocação	do	filho.
	
-	Meu	filho	é	igualzinho	a	mim.
-	Meu	filho	puxou	ao	pai.
-	Meu	filho	vai	ter	a	oportunidade	de	ser	tudo	aquilo	que
eu	não	fui.
	
Essas	 são	 frases	 características	 desse	 procedimento
paterno	 que	 mascaram	 uma	 atitude	 de	 incompreensão	 e	 de
autoritarismo.	 Nas	 duas	 primeiras,	 por	 trás	 de	 uma	 suposta
igualdade,	 existe	 efetivamente	 uma	 imensa	 necessidade	 de
autoafirmação	que	usa	o	filho	como	instrumento	e	desconsidera
as	 diferenças	 existentes	 entre	 ambos.	 Por	 aí	 também
transcorrem	o	desejo	e	o	alívio	das	ansiedades	paternas	em	ver
o	 pleno	 desenvolvimento	 heterossexual	 do	 filho.	 Vê-lo	 em	um
namoro	 ou,	 às	 vezes,	 em	 relações	 sexuais,	 mesmo	 com
prostitutas,	 aliviam	 o	 receio	 da	 homossexualidade.	 A	 primeira
relação	sexual	do	filho	muitas	vezes	é	um	grande	alívio	para	os
pais.	 Só	 que	 nem	 sempre	 tem	 um	 significado	 real	 nessa
questão,	além	de	propiciar	o	desenvolvimento	de	máscaras	que
não	serão	nada	úteis	em	futuras	relações	amorosas.Na	 terceira	 frase,	 dar	 uma	pretensa	 "oportunidade	 e,	 na
verdade,	uma	forma	de	impor	sobre	o	filho	a	vontade	do	pai,	o
seu	desejo,	o	seu	projeto	de	vida	não	realizado.	Mais	uma	vez,
o	menino	 acaba	 sendo	usado	 para	 realizar	 "missões"	 que	 não
são	 suas,	 pelas	 quais	 ele	 não	 escolheu.	 Em	 outras	 palavras,
acreditando	 fazer	 o	 que	 é	 melhor	 para	 o	 filho,	 o	 pai	 está
realmente	 colocando-o	 para	 fazer	 o	 que	 é	 melhor	 para	 ele
mesmo.	 Essa	 atitude	 conduz	 necessariamente	 ao
distanciamento	entre	os	dois,	pois	o	filho,	mesmo	fazendo	o	que
o	pai	quer,	não	pode	deixar	de	desenvolver	certo	ressentimento
e	 revolta	 em	 relação	 ao	 genitor,	 que	 não	 compreende	 seus
verdadeiros	anseios	e	impõe-lhe	o	caminho	que	terá	de	seguir,
em	geral,	para	toda	a	vida.
Outra	típica	atitude	paterna	é	desvalorizar	tudo	aquilo	que
o	 filho	 faz,	 alegando	 sempre	 ter	 feito	melhor,	 quando	 tinha	 a
mesma	idade.	Trata-se	daqueles	pais	que,	ao	ver	o	filho	chegar
em	 casa	 com	 uma	 nota	 9,0	 no	 boletim	 escolar,	 dá	 uma
risadinha	 de	 desprezo	 e	 diz:	 "Só	 isso?	 No	 meu	 tempo,	 eu
sempre	 tirava	 dez	 nessa	 matéria..."	 Essa	 atitude	 pode	 estar
associada	à	anterior,	 isto	é,	uma	vez	que	o	 filho	não	segue	as
pegadas	 do	 pai,	 resolvendo	 avançar	 por	 caminhos	 próprios,
estes	 passam	 a	 ser	 desmerecidos	 pelo	 genitor,	 que	 não	 os
considera	válidos	ou	relevantes.	Não	importa	o	que	o	filho	faça,
se	 não	 é	 o	 que	 o	 pai	 quer,	 não	 tem	valor.	 É	 o	 que	 vemos	 no
depoimento	 de	 Flávio	 Augusto,	 contador,	 48	 anos,	 sobre	 seu
filho	Ricardo,	25:
	
"Procurei	dar	a	melhor	educação	ao	Ricardo	e	trabalhei
muito	 para	 isso.	 Queria	 ver	 o	 menino	 se	 formando	 numa
universidade	e	ganhando	o	título	de	doutor.	Dei	a	ele	liberdade
para	 escolher	 o	 que	 queria.	 Podia	 ser	 advogado,	 médico,
engenheiro,	enfim,	a	carreira	que	lhe	agradasse	mais.	Paguei	as
melhores	 escolas,	 desde	 o	 primário	 até	 o	 ensino	 médio.	 Mas
você	pensa	que	adiantou	alguma	coisa?	Adiantou	nada.	Aquele
ali	 só	 vai	 pela	 cabeça	 dele,	 o	 Ricardo	 nunca	 quis	 saber	 de
estudar...	Quando	estava	fazendo	cursinho,	aos	dezoito	anos,	o
Ricardo,	 junto	 com	 um	 amigo,	 resolveu	 montar	 uma	 loja	 de
roupas	femininas,	sei	 lá	por	quê.	Os	dois	arrumaram	dinheiro:
Ricardo	tirou	de	uma	poupança	que	a	mãe	fez	para	ele,	o	outro
eu	não	sei.	Alugaram	um	ponto	numa	rua	do	bairro,	compraram
estoque	 e	 abriram	 as	 portas	 do	 seu	 comércio.	 Eu	 não	 fui
propriamente	 contra	 o	 negócio.	 Tinha	 dito	 para	 o	Ricardo	 que
tudo	 bem.	 Se	 ele	 queria	 ganhar	 um	 dinheirinho	 a	 mais,	 não
tinha	 problema	 algum.	 Era	 bom,	 até	 me	 ajudava	 um	 pouco,
mas	deixei	 sempre	bem	claro	que	aquilo	não	podia	atrapalhar
os	 estudos.	 Ele	 estava	 às	 vésperas	 do	 vestibular,	 precisava
estudar	 bastante	 para	 poder	 entrar	 numa	 boa	 universidade	 e
ter	 um	 diploma,	 afinal.	 Mas	 o	 garoto	 era	mesmo	 um	 cabeça-
dura.	Não	queria	saber	de	estudar.	A	história	da	loja	funcionou
como	 pretexto	 para	 ele	 deixar	 os	 estudos	 de	 lado.	 Ele	 fez	 o
vestibular,	 entrou	na	 faculdade,	mas	nem	chegou	a	passar	 do
segundo	 ano.	 O	 comércio	 estava	 dando	 certo.	 Depois	 de	 três
anos	ali,	na	rua	do	bairro,	ele	e	o	sócio	resolveram	abrir	outra
loja	 num	 shopping	 e	 estão	 lá	 até	 hoje,	 tocando	 os	 dois
estabelecimentos,	vendendo	roupas	 femininas,	coisas	 finas,	de
madame.	 Parece	 que	 vão	 abrir	 uma	 terceira	 loja	 daqui	 a	 dois
meses.	É	isso.	O	Ricardo	não	estudou,	não	tirou	diploma.	Virou
um	simples	comerciante.	Fica	esfregando	a	barriga	no	balcão	de
segunda	 a	 sábado,	 isso	 quando	 não	 abre	 aos	 domingos.	 Não
quer	saber	de	nada.	É	um	cabeça-dura."
	
Na	 continuação	 deste	 mesmo	 depoimento,	 que
transcrevemos	 apenas	 em	 parte,	 o	 contador	 Flávio	 Augusto
ainda	 chegou	 a	 revelar	 que	 Ricardo	 ganha	 mais	 do	 que	 ele,
apesar	da	profissão	que	escolheu,	pois	é	alguém	de	tino	para	os
negócios	 e	 fez	 sucesso	 no	 comércio.	 Isso,	 entretanto,	 não	 foi
valorizado,	 ao	 contrário,	 foi	 desmerecido	 o	 desempenho	 do
filho,	 já	 que	 este	 optou	 por	 uma	 área	 não	 planejada
inicialmente	pelo	pai.	Essa	atitude	de	desmerecimento	também
pode	 se	 radicalizar,	 chegando	 ao	 ponto	 de	 o	 pai	 anular	 por
completo	as	conquistas	do	filho,	não	as	reconhecendo	de	modo
algum,	 por	mais	 evidentes	 que	 elas	 sejam.	Outro	 depoimento
paterno	exemplifica	 o	 fenômeno.	Eis	 as	palavras	de	Reynaldo,
52	anos,	engenheiro	mecânico,	sobre	seu	filho	Luís	Felipe,	23:
	
"O	 Luís	 Felipe	 é	 um	 vagabundo.	 Nunca	 quis	 saber	 de
nada.	Desde	pequenininho,	só	queria	saber	do	mar.	O	negócio
dele	era	praia	e	água.	Aos	dezesseis	anos,	me	pediu	para	fazer
um	curso	de	mergulho	e	eu	deixei,	claro	que	deixei.	Sempre	fiz
todas	as	vontades	dele.	A	única	condição	que	eu	impunha	era	a
de	 ele	 estudar,	 tirar	 notas	 boas	 na	 escola.	 Ele	 até	 que	 não	 ia
mal	 na	maioria	 das	matérias,	mas,	 depois	 que	 começou	 essa
história	 de	 mergulho,	 as	 coisas	 mudaram.	 Era	 mergulho,
mergulho,	mergulho.	O	moleque	só	pensava	nisso.	Não	queria
saber	de	mais	nada.	É	um	vagabundo	o	Luís	Felipe!	E	olha	que
eu	 nunca	 desestimulei.	 Deixava-o	 mergulhar	 á	 vontade,
contanto	 que	 se	 dedicasse	 também	 a	 assuntos	 mais	 sérios,
pensasse	 em	 uma	 profissão,	 em	 ganhar	 dinheiro	 para	 fazer	 a
vida,	não	passar	necessidades	no	futuro.	Dei	até	um	barco	para
ele!	Agora,	dizer	que	vale	a	pena	ele	mergulhar,	que	isso	é	algo
que	preste...	Isso	eu	nunca	disse	porque	não	acho	que	é.	Para
que	serve	isso?	Não	serve	para	nada,	sem	falar	que	é	perigoso.
Qualquer	dia	desses,	o	Luís	Felipe	se	dá	mal.	Mas	ele	não	está
nem	aí.	É	um	vagabundo,	não	quer	saber	de	mais	nada.	Hoje,	o
Luís	Felipe	está	com	23	anos.	Para	me	contrariar,	abandonou	os
estudos	e	abriu	uma	loja	de	material	para	mergulho,	máscaras,
pés-de-pato,	cilindros	de	oxigênio,	essas	coisas...	Pode?"
	
Independentemente	da	opinião	de	Reynaldo,	que	não	sabe
para	que	serve	a	atividade	do	filho,	Luís	Felipe	obteve	sucesso
no	comércio	e	na	importação	de	materiais	para	mergulho.	Sua
loja	especializada	no	ramo	é	uma	das	maiores	de	uma	grande
capital	 brasileira.	 Vale	 notar	 também	 que	 o	 "vagabundo"
ganhou	diversos	troféus	e	medalhas	em	torneios	de	mergulho	e
de	caça	submarina.
O	fato	é	que,	de	maneira	geral,	os	pais	estão	apegados	a
uma	visão	convencional	do	conhecimento,	da	 inteligência	e	do
trabalho,	 que	 nem	 sempre	 corresponde	 às	 novas	 realidades.
Hoje	 em	 dia,	 é	 comum	 o	 jovem	 adquirir	 rapidamente
habilidades	que	o	pai	não	tem	(casos	frequentes	se	relacionam
ao	mundo	dos	computadores	e	da	informática)	e	desenvolvê-las
à	 sua	 maneira.	 Esse	 desenvolvimento	 acaba	 não	 sendo
reconhecido	 pelos	 genitores	 que	 estão	 apegados	 a	 modelos
tradicionais,	 não	 conseguindo	 perceber	 a	 evolução	 dos	 filhos.
Evidentemente,	se	não	há	percepção	das	habilidades	dos	filhos,
os	 pais	 também	 não	 podem	 estimulá-los,	 nem	 os	 auxiliar	 a
leva-las	 adiante.	 Ao	 contrário,	 tendem	 a	 questioná-los	 e	 a
criticá-los,	 o	 que	 gera	 ainda	 mais	 confusão	 na	 cabeça	 dos
rapazes.	Desse	modo,	desaparece	por	completo	a	possibilidade
de	 amizade	 e	 de	 entendimento	 entre	 pai	 e	 filho.	 Quando	 o
próprio	pai	 tenta	esboçar	gestos	de	aproximação,	a	 reação	do
adolescente	 pode	 ser	 surpreendente	 e	 inesperada.	 A	 confusão
que	existe	no	relacionamento	dos	dois	pode	beirar	os	limites	do
non-sense.
Um	cartum	de	Miguel	Paiva,	publicado	no	Jornal	do	Brasil,
capta	 com	 bom	 humor	 e	 grande	 poder	 de	 síntese	 essa
realidade.	 O	 desenho	 mostra	 um	 pai,	 carente,	 tentando
aproximar-se	do	filho,	propondo-lhe:
-	E	aí,	filho...	Podíamos	sair,	pegar	um	cinema,	tomar	um
sorvete	e	depois	comer	um	sanduba...
Ao	que	o	filho,	mal-humorado,	responde:
-	Qualé,	 pai?	Caretice!	Vou	 sair	 com	a	 turma!	 Pegar	 um
cinema,	tomar	um	sorvete	e	depois	comer	um	sanduba,	sacou?
Outra	 situação	 significativa	 de	 distantes	 visões	 da
realidade:
"Puxa,	pai	A	gente

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