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Icterícia: Causas e Sintomas

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Icterícia. É um sinal muito comum nas diversas doenças pancreáticas. A dosagem da bilirrubinemia mostra predomínio da fração direta, indicando colestase extra-hepática.
Pode ser discreta e fugaz na pancreatite aguda, principalmente na forma edematosa, por uma das seguintes razões: (1) obstrução do colédoco terminal, determinando a icterícia e a própria pancreatite; (2) edema do tecido pancreático, comprimindo o colédoco intrapancreático e causando a icterícia ou contribuindo para o aumento da obstrução.
Pode ser de grande intensidade, acompanhada de prurido, colúria e, às vezes, acolia fecal. Nesta eventualidade, a causa, quase sempre, é uma obstrução do colédoco terminal provocada por cistos ou neoplasias localizadas na porção cefálica do pâncreas, ocasionada por fibrose desta área, como na pancreatite crônica.
Assim, entre pessoas mais rudes, a icterícia é chamada de “tiriça”; o termo “amarelão”, ou estar “amarelo”, comumente não se relaciona com a coloração amarelada da pele e mucosas (icterícia), mas sim com a palidez encontrada nas síndromes anêmicas.
Icterícia. Icterícia consiste em uma coloração amarelada da pele e das mucosas, devida à impregnação dos tecidos por pigmentos biliares (só se consegue detectar icterícia quando os níveis de bilirrubina são maiores que 2 mg/dℓ (normal, 1 mg/dℓ).
Em algumas pessoas hígidas, a pele apresenta tonalidade amarelada, mas, nesse caso, a esclerótica não fica pigmentada. Alguns alimentos (cenoura e mamão) e certos medicamentos, em especial os antimaláricos, contêm substâncias que podem conferir coloração amarelada à pele, mas, nesses casos, a esclerótica também permanece de cor normal.
Nas pessoas da raça negra, pode-se perceber uma tonalidade amarela na parte exposta da esclerótica, dado o acúmulo, na conjuntiva, de uma camada de gordura. Mas, como ela não atinge toda a superfície anterior do olho, basta um exame mais detalhado dos olhos para descartar a possibilidade de icterícia.
A investigação diagnóstica de um paciente com icterícia inclui tempo de duração, intensidade e evolução da icterícia, se foi de instalação súbita ou gradativa, se aumentou progressivamente ou se está havendo flutuação da intensidade. Interessa, também, saber a cor da urina e das fezes e se há ou não prurido.
SÍNDROME ICTÉRICA
É uma síndrome caracterizada pela elevação da bilirrubina no soro, em níveis superiores a 2 mg/100 mℓ, cuja exteriorização clínica principal é a coloração amarelada da esclerótica, mucosas, pele e líquidos orgânicos.
A distribuição das bilirrubinas nos tecidos depende do tipo de pigmento predominante e de sua concentração. A bilirrubina conjugada penetra mais facilmente no tecido conjuntivo por ser hidrossolúvel, por isso, a icterícia é mais acentuada do que a produzida pela bilirrubina não conjugada. Todos os líquidos orgânicos podem conter bilirrubina, tais como pleural, ascítico, cerebrospinal, sinovial, lágrimas, urina, esperma e suor. Nos derrames cavitários, o grau da icterícia é proporcional à concentração proteica.
A bilirrubina não conjugada, por ser lipossolúvel, tem afinidade com o tecido nervoso e pode causar kernicterus em recém-nascidos por impregnação dos núcleos da base.
A classificação da síndrome ictérica é apresentada no Quadro 93.1.
O primeiro grupo compreende as situações nas quais há aumento da bilirrubina não conjugada, por um desses quatro mecanismos: (1) produção excessiva de bilirrubina em setores distantes do fígado, condição na qual a conjugação é incapaz de atender a oferta; (2) no nível da membrana, quando o pigmento não pode ser transportado até o hepatócito, devido à competição de vários elementos que se ligam à albumina; (3) no nível do hepatócito, quando houver incapacidade de captar e fixar a bilirrubina à proteína Y (ligandina), também por fatores competitivos; (4) no nível microssomal, quando há defeito ou ausência de enzimas que promovem a conjugação, impedindo a transformação de bilirrubina indireta em direta.
Em todas essas situações, se a bilirrubina não é completamente conjugada, ocorre, no plasma, um nítido predomínio da fração indireta ou não conjugada sobre a direta. Essa forma de hiperbilirrubinemia raramente ultrapassa 5 mg/100 mℓ, e a icterícia não é acentuada, sendo percebida, em geral, apenas nas escleróticas. Por ser uma fração insolúvel, a bilirrubina indireta não é filtrada pelos rins e, por isso, não há colúria.
Quadro 93.1 Classificação das icterícias.
	Hiperbilirrubinemias não conjugadas
■Produção excessiva de bilirrubina
•Hemólise
•Alteração da eritropoese
■Defeito de transporte
•Recém-nascidos
•Medicamentos (competição)
■Defeito de captação
•Medicamentos (competição)
•Recém-nascidos
■Defeito de conjugação
•Icterícia fisiológica do recém-nascido
•Síndrome de Gilbert
•Síndrome de Crigler-Najjar
•Síndrome de Lucey-Driscoll
•Icterícia do leite materno
	Hiperbilirrubinemias conjugadas
■Intra-hepática
•Hepatocelular
∘Defeito de excreção (síndromes de Rotor, de Dubin-Johnson)
∘Adquirida (hepatites, álcool, cirrose etc.)
•Canalicular
∘Medicamentos (esteroides, clorpromazina)
∘Cirrose biliar primária
∘Atresia de vias biliares
∘Colangite esclerosante
∘Colangiocarcinoma
■Extra-hepática
•Benigna (colelitíase, coledocolitíase, atresias, ligadura do colédoco)
•Maligna
■Intrínseca (neoplasias da papila, colédoco, vesícula)
■Extrínseca (neoplasias do pâncreas)
O segundo grupo pertence às hiperbilirrubinemias conjugadas, que constituem as causas mais frequentes de icterícia.
O mecanismo básico é a excreção deficiente da bilirrubina direta, seja de origem intra ou extra-hepática. As alterações intra-hepáticas ocorrem nos níveis hepatocelular e canalicular. No primeiro caso, existem condições nas quais o defeito excretório é congênito e seletivo (síndromes de Dubin-Johnson e de Rotor), ou o defeito é generalizado e adquirido (colestase intra-hepática). As condições extra-hepáticas caracterizam-se por um obstáculo ao fluxo de bile, sejam intrínsecas ou extrínsecas à árvore biliar.
Qualquer que seja a causa, a icterícia por aumento da fração conjugada pode alcançar níveis bastante elevados, muitas vezes de evolução progressiva. A característica principal é o predomínio da bilirrubina direta. A indireta também se encontra elevada, mas sempre em níveis inferiores à conjugada. Alguns mecanismos estão envolvidos no aparecimento da bilirrubina direta no plasma, tais como a regurgitação do pigmento para os sinusoides, a alteração da permeabilidade canalicular e a ruptura de canalículos por necrose. Não há uma explicação satisfatória para o aumento paralelo da fração não conjugada, sendo admitida certa inibição da atividade da UDP-glicuronil-transferase.
Independentemente dos mecanismos e das causas, a hiperbilirrubinemia conjugada tem como denominador comum a colúria (a bilirrubina direta é hidrossolúvel) e a impregnação evidente dos tecidos, tornando fácil o reconhecimento da síndrome.
Diagnóstico clínico e laboratorial
A avaliação diagnóstica deve começar pelo reconhecimento e caracterização da própria icterícia. Para isso, o paciente deve ser examinado à luz natural. Por vezes, em obstrução de longo tempo com profunda icterícia, a pele do doente adquire um tom esverdeado (icterícia verdínica), devido à oxidação da bilirrubina e ao acúmulo de biliverdina.
Toda icterícia mostra-se nas escleróticas. Quando apenas a pele está amarelada, poupando as escleróticas, o fenômeno é geralmente secundário à hipercarotenemia.
O reconhecimento bioquímico da icterícia é feito pela dosagem das bilirrubinas. Este exame é útil apenas para distinguir as formas não conjugadas das conjugadas.
É importante lembrar que a hiperbilirrubinemia indireta não faz diagnóstico diferencial das diversas causas da síndrome. O mesmo acontece com a hiperbilirrubinemia direta.
Um método prático, à beira do leito, de distinguir os dois tipos de hiperbilirrubinemia é o exame da espuma obtida após agitar-se a urina coletada em um frasco ou bolsa. Somente a bilirrubina conjugada é filtrada pelos rins e aparece na urina, conferindo coloração amareladaà espuma.
A história do paciente e seus antecedentes pessoais e familiares são dados fundamentais, e, muitas vezes, constituem-se na chave diagnóstica.
As icterícias hemolíticas não apresentam dificuldade em seu diagnóstico.
Na hepatite viral, a história epidemiológica pode ser típica, associada a icterícia, anorexia, febre e bom estado geral. O uso de medicamentos deve ser inquirido insistentemente, pois muitas substâncias podem ser icterógenas.
Nos cirróticos, é possível observar os estigmas da insuficiência hepática, e, frequentemente, há história de alcoolismo ou hepatite.
Febre e calafrios estão presentes nas formas com colangite.
A esplenomegalia é percebida nas anemias hemolíticas, hepatopatias agudas, crônicas e neoplasia.
A hepatomegalia está presente com frequência nas hepatites, cirroses, carcinomas primitivos e metastáticos.
O prurido é um dos sinais mais comuns nas colestases intra e extra-hepáticas; por vezes, pode ser desesperador, sendo comum a infecção secundária das coçaduras. Este sintoma está relacionado com a concentração dos sais biliares.
A icterícia precedida de cólicas no quadrante superior direito, vômitos e febre é sugestiva de litíase vesicular ou coledociana. A febre acompanha a colecistite e a colangite. Na coledocolitíase, a icterícia mostra aumento progressivo e variável e pode durar por muito tempo até o tratamento definitivo. A vesícula pode estar palpável na obstrução completa das vias extra-hepáticas (sinal de Courvoisier-Terrier). No carcinoma da vesícula, além de palpável e tensa, ela pode apresentar-se com superfície irregular. As obstruções extra-hepáticas malignas de causas intrínsecas, e principalmente extrínsecas, como o, ocorrem em grupo etário mais idoso, com icterícia muitas vezes silenciosa e sempre progressiva, de evolução relativamente prolongada e visível comprometimento do estado nutricional.
A anemia é encontrada nas icterícias hemolíticas e processos neoplásicos. A leucocitose é vista nas colangites, neoplasias e algumas formas mais graves de hepatite viral. A atividade protrombínica está diminuída nas icterícias hepatocelulares (insuficiência hepática aguda ou crônica).
As transaminases do aspartato (AST) e da alanina (ALT), quando elevadas, traduzem necrose hepatocitária. Valores acima de 400 UI geralmente possibilitam o diagnóstico de hepatite viral aguda; entretanto, outras formas de hepatite, como as provocadas por medicamentos e álcool, também provocam elevação acentuada das enzimas. Valores séricos pouco elevados são notados em várias hepatopatias agudas e crônicas, sem traduzir um diagnóstico específico. A gamaglutamil transpeptidase (GGT) e a fosfatase alcalina são enzimas conhecidas como marcadores de colestase, encontrando-se elevadas nas colestases intra e extra-hepáticas, benignas ou malignas. A GGT eleva-se nas hepatopatias alcoólicas com ou sem icterícia. A fosfatase alcalina, por possuir vários isômeros, mostra-se elevada em algumas doenças ósseas e na gravidez. O colesterol sérico total está elevado nas colestases extra-hepáticas prolongadas e diminuído nas icterícias hemolíticas.
A albumina encontra-se diminuída nas icterícias hepatocelulares crônicas, enquanto é observada a elevação da gamaglobulina.
OLESTASE
Colestase é uma alteração da secreção biliar hepatocelular, envolvendo todos os componentes da bile (Popper). Geralmente, ela representa um obstáculo ao fluxo biliar, dificultando ou impedindo a chegada da bile ao duodeno. Tal situação constitui a colestase mecânica, comprometendo a árvore biliar extra-hepática ou a intra-hepática. Mas existem situações nas quais não há obstáculo ao fluxo biliar e, às vezes, nem icterícia, caracterizando a forma de colestase intra-hepática, cuja natureza é devida a alterações provavelmente metabólicas.
Do ponto de vista laboratorial, as colestases cursam com hiperbilirrubinemia à custa da fração conjugada (pode haver colestase anictérica), elevação da fosfatase alcalina e GGT. O aumento dessas enzimas não possibilita o diagnóstico diferencial entre as colestases intra e extra-hepáticas.
A colestase pode ser dividida em obstrutiva intra ou extra-hepática e não obstrutiva, ou simplesmente colestase intra-hepática.
Colestase intra-hepática
Apresenta-se sob duas formas: metabólica e mecânica.
Metabólica. A colestase intra-hepática de causa metabólica apresenta-se com ou sem lesão hepatocelular, sendo a última mais frequente. Exemplos de colestase intra-hepática sem lesão hepatocitária são: (1) reação aos anticoncepcionais e esteroides anabolizantes, dependentes do determinismo genético, pela sensibilidade aos radicais contidos no carbono na posição 17 (C17) destas substâncias; (2) colestase da gravidez, que pode apresentar-se somente com prurido (prurido da gravidez) ou com prurido e icterícia; (3) na criança, a colestase pode aparecer associada a uma série de situações, tais como infecções virais (hepatite, células gigantes, citomegalia), metabólicas e atresias intra ou extra-hepáticas.
As colestases com lesão hepatocitária ocorrem principalmente nas hepatites e cirroses.
Mecânica. Compreende as colestases secundárias a obstáculo ao fluxo biliar intra-hepático. Os principais exemplos são: (1) cirrose biliar primária, que se acompanha de colestase nos últimos estágios, quando há evidente destruição dos ductos biliares, além de inflamação e fibrose periductal; (2) metástases hepáticas, nas quais a colestase só ocorre quando grande parte do parênquima está invadido e os nódulos tumorais comprimem os ductos biliares; (3) doença de Hodgkin, por lesão destrutiva dos ductos biliares, lesão centrolobular e formação de cicatrizes fibróticas; (4) câncer da bifurcação do hepático comum, a icterícia tem característica de extra-hepática, com dilatação ductal a montante; (5) atresia dos ductos (intra e/ou extra-hepática), assim como a dilatação congênita dos ductos intra-hepáticos (doença de Caroli), manifesta-se com icterícia desde os primeiros meses de nascimento e pode estar associada à cirrose; (6) cálculos intra-hepáticos provocam icterícia, quando numerosos e disseminados.
Colestase extra-hepática
Na obstrução extra-hepática, geralmente não há lesão hepatocitária, e a icterícia é produzida por um obstáculo situado entre a bifurcação do hepático comum e a papila de Vater, dentro ou fora do tronco biliar. Quando a obstrução é prolongada, as estruturas acima dela tornam-se dilatadas, e o colédoco e os ductos biliares podem aumentar até 10 vezes o seu diâmetro.
As causas mais comuns de obstrução extra-hepática são coledocolitíase e câncer (papila, pâncreas).
Outras causas pouco comuns são: obstrução das vias biliares devido à penetração de áscaris no colédoco, carcinoma da vesícula e blastomicose sul-americana cuja adenomegalia parasitária comprime as estruturas do hilo hepático.
Manifestações clínicas e bioquímicas
A icterícia é o dado clínico dominante e a cor da pele vai de amarelo-pálido até verde intenso (icterícia verdínica).
Em geral, há prurido e este pode alcançar tal intensidade que o paciente se coça dia e noite, tornando-se profundamente irritado. As coçaduras deixam marcas na pele e comumente ficam infectadas. Não se conhece ainda seu mecanismo de produção. Provavelmente está relacionado com os sais biliares, ou um fator produzido no fígado. Cumpre lembrar que nem sempre sua intensidade é proporcional à icterícia.
Os xantomas, pequenas elevações elásticas e amareladas na pele, aparecem nas colestases muito prolongadas. Localizam-se no pescoço, nas mãos e pálpebras, ocupando quase todas as superfícies extensoras na fase final. Estão relacionados com a hiperlipemia com mais de 3 meses de duração.
A febre ocorre em colangites, neoplasias e infecções secundárias. A ausência de sais biliares no intestino leva a má absorção secundária de vitaminas lipossolúveis. O quadro clínico pode associar-se a hipoprotrombinemia, osteomalacia, osteoporose e desnutrição com grande perda de peso. A incidência de úlcera duodenal está aumentada nas colestases crônicas.
As bilirrubinas conjugada e não conjugadaficam elevadas, com predomínio da primeira.
A fosfatase alcalina sempre se eleva, sendo um bom “marcador” de colestase, pois está aumentada mesmo nas formas anictéricas.
A 5’-nucleotidase eleva-se da mesma maneira que a fosfatase alcalina, sendo, entretanto, específica das afecções hepáticas, sem se relacionar com alterações ósseas ou gravídicas.
As transaminases apresentam valores variáveis e grandes elevações quando existem lesões hepatocitárias associadas.
A GGT mostra sua atividade elevada em todas as formas de colestase, com exceção das formas gravídicas e por anticoncepcionais.
As frações lipídicas elevam-se paralelamente ao colesterol. As proteínas séricas não se alteram, mas a albumina diminui quando há insuficiência hepática.
Anticorpos antimitocondriais estão presentes na cirrose biliar primária em até 98% dos casos.

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