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BIOLOGIA MOLECULAR E BIOTECNOLOGIA Beatriz Dal Pont Duiarte Genética do câncer Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar alterações genéticas e epigenéticas que podem resultar no desenvolvimento do câncer. � Compreender o conceito de oncogenes e de supressores tumorais e como as alterações epigenéticas e genéticas levam ao aparecimento e expressão desses genes. � Analisar o mecanismo de ação de alguns fármacos que interferem na atividade de enzimas que alteram epigeneticamente o DNA ou as histonas. Introdução Apesar dos grandes avanços em áreas farmacológicas e médicas, as neoplasias malignas continuam sendo as doenças que mais apresentam risco à vida. De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 7,6 milhões de pessoas morrem de câncer todos os anos, e a previsão é que essa estatística aumente, podendo chegar a 11 milhões em 2030 (ORGANIZAÇÃO..., c2018). Neste capítulo, você vai estudar os conceitos de neoplasias e sua origem genética. Você irá aprender também como alterações em deter- minados genes podem acarretar o desenvolvimento de cânceres, e como o entendimento dessas alterações está levando ao desenvolvimento de novos fármacos. Neoplasias e alterações genéticas e epigenéticas Nomenclatura e classificação do câncer As neoplasias surgem devido ao crescimento anormal das células, formando uma massa celular ou tumor. Em alguns casos, essa proliferação permanece de forma controlada dentro do tecido em que teve origem e, nesses casos, denominamos como tumor benigno. Já quando o crescimento tumoral se dá de forma descontrolada, com invasão dos tecidos adjacentes, com possível capacidade metastática, denominamos como tumor maligno. O surgimento de um tumor maligno é o que chamamos de câncer. A classificação dos cânceres é feita a partir do tecido em que ele teve início e do tipo celular do qual ele se originou. Os sarcomas, por exemplo, são tumores que surgiram de tecidos conectivos. Já os carcinomas, são tumores que derivam de células epiteliais. Além dessas duas formas, alguns tumores malignos se originam de células hematopoiéticas, como no caso das leucemias, do sistema linfático, dos linfomas e das células do sistema nervoso, no caso de gliomas. Os tumores que iniciam o processo canceroso são denominados tumores primários. Algumas células desses tumores podem se desprender da massa tumoral e atingir os vasos sanguíneos, movendo-se pela corrente sanguínea. Ao alcançarem um novo tecido, as células tumorais podem iniciar um novo tumor. Esse tumor, que teve origem por um processo de metástase, é deno- minado tumor metastático (Figura 1). A formação do tumor primário se inicia com a perda do controle do ciclo celular e da morte celular. Essa perda geralmente é acompanhada por mu- tações nos genes ou por modificações epigenéticas em genes que controlam esses processos celulares. Porém, uma única mutação não é suficiente para a formação do processo tumoral. Estudos demonstram que são necessárias várias alterações raras e, em geral, independentes para a formação do câncer. Após a formação tumoral, as alterações continuam ocorrendo, acarretando diferentes subpopulações celulares dentro de um mesmo tumor. Entre essas subpopulações, podemos encontrar uma pequena população de células capazes de manter o câncer chamadas células-tronco cancerosas (ou células-tronco tumorais). Essas células “são capazes de se renovar indefinidamente e originar células que se dividem rapidamente e com trânsito amplificado” (ALBERTS et al., 2017). As células-tronco cancerosas podem surgir a partir de células-tronco mutadas do tecido em que se encontra o tumor, ou também de células diferen- ciadas que sofreram transformação, passando para um estado indiferenciado. Genética do câncer2 Figura 1. Etapas do processo de metástase. A figura ilustra a disseminação de um tumor de um órgão, podendo ser a bexiga, por exemplo, para o fígado. As células tumorais entram na corrente sanguínea de maneira direta, pela invasão da parede de um vaso sanguíneo ou pela invasão da parede de um vaso linfático, cujo conteúdo (linfa) é despejado, por fim, na corrente sanguínea. As células tumorais que penetram o vaso linfático costumam ser segregadas no linfonodo e dão origem a metástases no linfonodo. Fonte: Alberts et al. (2017, p. 1102). Migração ao longo da corrente sanguínea (menos de 1 em 1.000 células sobreviverão para formar metástases) Colonizam o fígado, formando uma metástase completa Escapam dos vasos sanguíneos para formar micrometástases Aderem às paredes dos vasos sanguíneos no fígado Vasos Epitélio normal Lâmina basal Células crescendo como um tumor benigno no epitélio Células se tornando invasivas e entrando nos vasos Bases genéticas e epigenéticas no câncer As alterações que levam à formação de um tumor geralmente acarretam o crescimento e a multiplicação descontrolada. Essas alterações incluem mutações em genes críticos para esses mecanismos, e podem estar presentes desde a célula germinativa. A síndrome do câncer hereditário se refere a essas mutações que são herdadas e que podem vir a causar o surgimento de um tumor. Entretanto, sabe-se que a maioria dos cânceres diagnosticados tem origem esporádica, ou seja, são mutações adquiridas durante a vida do organismo. Essas mutações podem ter origem ambiental, como no caso de cânceres ocasionados por exposição à radiação. Substâncias que, assim como a radiação, podem induzir a formação de um processo canceroso são conhecidas como carcinógenos. 3Genética do câncer Os carcinógenos são substâncias que atuam a partir da formação de dano ao DNA, podendo gerar mutações no genoma das células. Os agentes carci- nogênicos, em sua maioria, agem de forma indireta, ou seja, não é a própria substância que leva ao dano, mas os produtos da sua metabolização. Um exemplo de carcinógeno de ação indireta é o benzopireno, um mutagênico encontrado na fumaça do cigarro. Além do surgimento tumoral devido às alterações induzidas por carci- nógenos, alterações do genoma causadas pela ocorrência de erro durante o processo de divisão celular também podem levar ao desenvolvimento tumoral. Durante a replicação do DNA, vários nucleotídeos são inseridos de maneira errônea, desencadeando mutações. Porém, a maioria dos erros ocorridos durante a replicação é detectada por proteínas que controlam o ciclo celular. No caso desses erros não poderem ser corrigidos, vias de morte celular são ativadas, impedindo, assim, que a célula defeituosa se multiplique, passando as alterações para as gerações celulares seguintes. As mutações que escapam do sistema de controle celular, assim como aquelas causadas por fatores ambientais, podem alterar a proliferação celu- lar. Com o processo de proliferação alterado, a possibilidade de novos erros aumenta. Desse modo, as células começam a acumular pontos de alterações em seu genoma e, quanto maior o número de alterações, maior o grau de probabilidade de novas alterações ocorrerem devido à instabilidade gerada no genoma. Em determinado ponto da linhagem celular, esse acúmulo de modificações acaba levando ao surgimento do câncer. Além de mutações no genoma, modificações de cunho epigenético também são encontradas em genes alterados no tumor. Essas modificações alteram o padrão de compactação do DNA, permitindo alterações nos níveis de expressão gênica, podendo acarretar até mesmo o silenciamento completo do gene. As modificações epigenéticas ocorrem por meio de mecanismos envolvendo processos de metilação, acetilação, ubiquitinação e fosforilação. Com os avanços das pesquisas tumorais, observou-se que alguns genes eram encontrados repetidamente alterados no câncer. Além disso, foi possível notar que os genes que eram superexpressos, geralmente, eram superexpressos em mais de um tipo tumoral, e o mesmo ocorria com genes que estavam silen- ciados. Esses genes “[…] cujas alteraçõescontribuem para a causa do câncer” passaram a ser designados como genes críticos para o câncer (ALBERTS et al., 2017). A seguir, veremos alguns desses genes e aprenderemos como alterações genéticas e epigenéticas levam ao aparecimento e expressão desses genes. Genética do câncer4 Um termo muito utilizado em estudos com células tumorais é o termo transição epitélio- -mesenquimal (EMT). Você sabe a que se refere esse termo? A EMT é um processo que permite que células do epitélio percam suas junções de adesão entre célula-célula e entre célula-matriz. Dessa forma, elas perdem sua ancoragem, adquirindo um fenótipo mesenquimal, permitindo que elas migrem e invadam outros tecidos. Oncogenes e supressores tumorais O conjunto de alterações genéticas e epigenéticas encontrado em diferentes tipos de câncer é, em geral, distinto para cada tumor. Porém, quando anali- sados, os genes críticos para o tumor costumam apresentar o mesmo padrão de alteração em diferentes tipos de câncer. Os genes críticos para o câncer são classificados em dois subtipos: os oncogenes e os supressores tumorais. Oncogenes Os oncogenes são genes que, quando apresentam um aumento significativo da sua expressão, podem levar ao surgimento de um tumor maligno. Os oncogenes surgem a partir de proto-oncogenes mutados. Os proto-oncogenes, em geral, são genes que regulam a proliferação celular. As mutações que ocorrem em um proto-oncogene, transformando-o em um oncogene, são consideradas dominantes. Assim, a mutação não precisa ocorrer nos dois alelos gênicos para acarretar a formação de um tumor (NELSON; COX, 2014). Os tipos de modificações que tornam um proto-oncogene hiperativo e o convertem em um oncogene, geralmente, envolvem pontos de mutação e amplificação gênica. Essas mutações podem ocorrer dentro da região codifi- cadora do gene e levar a uma proteína modificada. A modificação da proteína pode acarretar uma hiperativada. Quando a mutação ocorre em uma região reguladora, o gene pode acabar ficando permanentemente expresso, levando a uma superprodução da proteína (ALBERTS et al., 2017). As modificações em oncogenes podem ocorrer também por uma ampli- ficação gênica. Nesse caso, a célula passa a ter múltiplas cópias do gene. Nos casos de câncer, a amplificação gênica, em geral, ocorre devido a uma 5Genética do câncer duplicação cromossômica — ou duplicação de uma região cromossômica. Uma alteração curiosa, que pode levar a uma amplificação gênica, é o caso dos cromossomos duplos diminutos, que aparecem no cariótipo celular como minicromossomos e podem chegar a dezenas de cópias. Além das alterações citadas, o gene pode ser hiperexpresso devido a um rearranjo cromossômico. Esse rearranjo pode ocorrer ao translocar o proto- -oncogene, localizado em uma região da cromatina inativada, para uma região com uma alta atividade transcricional. O rearranjo também ocorre quando há fusão de duas regiões de cromossomos diferentes, formando genes quiméricos (veja, a seguir, o exemplo do cromossomo Philadelphia). O produto dos oncogenes é composto pelas oncoproteínas. As oncoproteí- nas participam de mecanismos que auxiliam o crescimento tumoral como, por exemplo, os mecanismos de proliferação celular, de morte celular, de transcri- ção gênica e de reparo do DNA. Uma classe de oncoproteínas que exerce papel fundamental no crescimento de tumores é a derivada dos fatores de crescimento. Os fatores de crescimento são essenciais para a comunicação celular, e estão envolvidos nos processos de proliferação. Os fatores de crescimento liberados por uma célula podem acarretar sinalização para as células vizinhas (forma parácrina), ou podem atingir a corrente sanguínea, levando a sinalização a células de diferentes tecidos (forma endócrina). No caso das células tumorais que apresentam algum tipo de modificação nas proteínas que atuam como fatores de crescimento, ou nos receptores de fatores de crescimento, a célula pode responder ao próprio fator secretado (forma autócrina). Assim, a célula tumoral passa a controlar a própria sinalização recebida. A seguir, veremos um pouco mais sobre três proteínas que atuam com oncoproteínas. � EGFR (receptor do fator de crescimento epidermal): trata-se de uma família de receptores transmembrana ativados por ligantes específicos. Vários membros dessa família de receptores vêm sendo relacionados a diferentes tipos de tumores. Um exemplo bem descrito na literatura é o caso do receptor HER2. A hiperexpressão de HER2 em células de câncer de mama é um indicativo de agressividade tumoral. Os receptores da família EGFR são ativados após a ligação de proteínas como EGF e PDGF em sua porção extracelular. Com essa ligação, os receptores passam de sua forma inativa para sua forma ativa, com a formação de dímeros em sua porção intracelular. No caso de mutações dos receptores EGFRs, a dimerização pode acontecer mesmo sem o contato com o ligante, mantendo o receptor constantemente ativo. Essa ativação faz com que o EGFR passe por um processo de autofosforilação, desen- Genética do câncer6 cadeando vias celulares que acarretam principalmente a ativação de mecanismos de proliferação celular. Uma das principais cascatas de reações que são afetadas na sinalização de EGFR é a RAS. � RAS: as proteínas RAS agem na célula como uma espécie de interruptor liga/desliga de diversas vias celulares. Essas proteínas são GTPases monoméricas, e auxiliam na transmissão de sinal do exterior da célula para o seu interior. A RAS foi o primeiro proto-oncogene humano a ser desvendado, e encontra-se mutada em um a cada cinco cânceres diagnos- ticados. A proteína RAS pode ser encontrada de duas formas em células somáticas normais: em seu estado ativo, quando ligada a uma molécula de GTP (guanosina trifosfato), e em seu estado inativo, quando ligada a uma GDP (guanosina difosfato). Na maioria das mutações encontradas em RAS em células tumorais, a proteína não precisa mais da ligação ao GTP para ser ativada, permanecendo interruptamente ativa, mesmo ligada a uma molécula de GDP. Essa ativação constante de RAS causa um desequilíbrio entre a proliferação celular e a apoptose, favorecendo o crescimento tumoral. Além disso, a sinalização de RAS está envolvida na capacidade invasiva e na formação de novos vasos sanguíneos em tumores. � MDM2: o gene MDM2 está relacionado com a proliferação celular, e sua ação na oncogênese está ligada à função da proteína P53, um supressor tumoral que iremos ver a seguir. A proteína MDM2 age na P53 de duas formas: por meio da ubiquitinação de P53, acarretando a degradação da proteína pelo proteossomo; e como inibidor direto da transcrição gênica de P53. Assim, a MDM2 leva à inibição do controle do ciclo celular e das vias de ativação de morte celular, devido à inibição de P53. A amplificação do gene MDM2 é encontrada em tumores do tecido adiposo, osteossarcomas e carcinomas de esôfago. O cromossomo Philadelphia é um pequeno cromossomo anormal encontrado em 90% dos casos de leucemia mieloide crônica. Essa anomalia é causada por uma translocação cromossômica envolvendo os cromossomos 9 e 22. Essa junção dos dois cromossomos causa uma fusão entre o gene ABL presente no cromossomo 9 com o gene BCR do cromos- somo 22. O gene ABL codifica uma tirosina-quinase, que está envolvida com o crescimento celular. Em condições normais, a ação da quinase é altamente controlada; já na proteína quimérica derivada da junção dos dois genes, a proteína está constantemente ativa. 7Genética do câncer Supressores tumorais Os genes considerados supressores tumorais são genes que, quando silenciados ou mutados de forma que há perda de função, podem levar ao surgimento de um câncer. Os supressores de tumores são genes recessivos, ou seja, os dois alelos gênicos precisam sofrer alterações que levam à perda da função proteica para desencadear processos tumorais. Entre as alterações que podem levar à perda da função de um gene supressortumoral estão as mutações, as deleções cromossômicas e o remodelamento da cromatina. As mutações podem ocorrer na região codificadora – levando a uma proteína mutada, sem capacidade de exercer sua função – ou em regiões promotoras, inibindo sua transcrição e produção proteica. As deleções cromossômicas são muito comuns em câncer. Nesses casos, a região cromossômica na qual o gene se encontra é perdida durante a divisão ce- lular. Outra forma de silenciamento em genes supressores dá-se por mecanismos epigenéticos. Esses mecanismos podem ocorrer pela modificação das histonas, levando a um processo de heterocromatização, deixando o gene inacessível aos fatores de transcrição. Outro mecanismo epigenético muito utilizado pelas células tumorais para o silenciamento gênico ocorre por meio da metilação de regiões promotoras. O grupamento metil ligado a uma região promotora impede a ligação dos fatores de transcrição a essa região, inativando o gene. Os genes supressores tumorais em seu estado normal têm ação protetiva nas células. Esses genes agem controlando mecanismos de apoptose, e atuam no controle do ciclo celular. Os genes que atuam de forma direta no ciclo, controlando-o, são chamados de supressores tumorais do tipo controladores (gatekeepers). A maioria desses genes atua nos pontos de checagem do ciclo. A passagem pelos pontos de checagem indica que o ambiente e as condições internas da célula estão propícios para a divisão. Por sua vez, os genes supres- sores tumorais de manutenção (caretakers) atuam no reparo ao dano do DNA. Caso ocorra dano ao DNA, a célula precisa parar o ciclo, impedindo que o erro se propague. Os supressores tumorais controladores agem impedindo que o ciclo continue nesses casos, podendo desencadear mecanismos de correção de dano pela ativação de genes de manutenção ou morte celular, nos casos em que o dano seja irreparável. A seguir, veremos três exemplos de genes supressores de tumores. Genética do câncer8 � P53: o gene P53 é um dos supressores tumorais mais estudados, e está envolvido em mais de 50 tipos de câncer. Essa proteína tem uma função essencial no controle do ciclo celular em caso de dano ao DNA. O P53 age como um fator de transcrição. No caso de algum dano ao DNA ser constatado durante a divisão celular, o P53 ativa a transcrição de P21. O P21 é um inibidor do complexo CDK, que é essencial para a progressão do ciclo celular. No caso de o dano ao DNA não ser reparável, além da parada do ciclo, a proteína P53 também pode induzir a apoptose. Todas essas ações da P53 são essenciais para impedir que as células mutadas se proliferem. Dessa forma, a ação normal da P53 pode inibir a proliferação de células transformadas, impedindo a formação tumoral. No caso de a P53 estar inativa, as células com modificações no DNA podem passar pelo controle de qualidade do ciclo celular, propagando o erro para as células-filhas, podendo acarretar formação tumoral. � RB: o gene RB foi o primeiro supressor tumoral descrito, descoberto após pesquisadores observarem que mutações nesse gene estavam di- retamente relacionadas com os casos de retinoblastoma. Assim como a proteína P53, a proteína RB, codificada pelo gene de mesmo nome, está envolvida diretamente com o controle do ciclo celular. A forma ativa da RB inibe a entrada no ciclo celular. Essa ação da RB deve-se ao fato de ela permanecer ligado à E2F quando essa proteína está ativa, inibindo sua ação. A E2F por sua vez, é um fator de transcrição essencial para a passagem da fase G1 para a fase S do ciclo celular. A RB também inibe a transcrição gênica por meio do remodelamento da cromatina. Perdas de funções da RB podem acarretar descontrole do ciclo celular, levando ao desenvolvimento de tumores malignos. � BRCA1 e BRCA2: os genes BRCA1 e BRCA2 codificam proteínas que atuam na correção do dano ao DNA e na ativação da transcrição gênica de genes envolvidos no controle do ciclo celular. As proteínas BRCA1 e BRCA2 agem por meio da associação com RAD51, formando um complexo proteico capaz de reconhecer e reparar quebras duplas da fita de DNA. Alterações que levam à perda de função de BRCA1 e BRCA2 podem favorecer a ocorrência e o acúmulo de outras mutações responsáveis pelo tumor (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). As mutações nesses genes estão relacionadas com o desenvolvimento de câncer de mama e de ovário. 9Genética do câncer Assista ao vídeo a seguir para conhecer um pouco mais sobre a função do supressor tumoral BRCA1. https://goo.gl/PxzAbG Fármacos e sua interferência na atividade de enzimas que alteram o DNA ou as histonas Atualmente, o conjunto de quimioterápicos disponíveis é constituído, em sua maioria, de moléculas que atacam especificamente uma proteína alterada no tumor. Um exemplo desses quimioterápicos é o gleevec (mesilato de imatinibe), que atua como inibidor da proteína quimérica BCR-ABL no cromossomo Philadelphia. Outro exemplo é o tamoxifeno, um antagonista de receptor de estrógeno utilizado no combate a cânceres de mama que tem hiperexpressão desses receptores. Apesar desses tratamentos apresentarem boas taxas de remissão tumoral, esses quimioterápicos são específicos para determinados subtipos de câncer. Com o conhecimento atual sobre os mecanismos utilizados pelas células tumorais durante o processo de transformação, principalmente os relacionados a mecanismos epigenéticos, muitas pesquisas têm sido realizadas para o de- senvolvimento de fármacos capazes de reverter esses efeitos. Esses fármacos têm a vantagem de agir de maneira global no tumor, podendo reverter, por exemplo, o silenciamento de genes repressores de tumores. Dentro dessa linha de pesquisa, os maiores avanços foram em relação a fármacos que têm como alvos a metilação do DNA e as histonas desacetilases. Gleevec é o nome comercial do mesilato de imatinibe nos Estados Unidos. Genética do câncer10 https://goo.gl/PxzAbG Inibidores com ação em mecanismos de metilação do DNA A metilação do DNA ocorre por meio da transferência de um grupo metil (CH3) a uma citosina (C) pela ação de enzimas da família DNA metiltransferase (DNMT). As DNMTs estão divididas em dois grupos: as do tipo DNA metil- transferases (DNMT2, DNMT3A e DNMT3B1), responsáveis pela metilação de regiões do DNA que não apresentavam metilação prévia; e as DNMT1, responsáveis por padrões de metilação preexistentes. As regiões de metilação do DNA estão relacionadas com o silenciamento gênico. Em relação à possibilidade de alvos terapêuticos, os inibidores de DNMT1 têm demonstrado outras possibilidades de uso. Dentro desse grupo, há os fármacos azacitidina e decitabina, que são análogos de nucleosídeos e, quando ministrados ao paciente, incorporados pelo DNA da célula durante o processo de divisão celular. Após a incorporação do fármaco pela molécula de DNA, a azacitidina e a decitabina podem se ligar às DNMTs covalentemente, inibindo a ação da enzima, levando a um processo de hipometilação do genoma. Os efeitos celulares observados pela ação dos fármacos são o aumento das taxas de morte celular e a diminuição da proliferação. O provável mecanismo de ação está relacionado à hipometilação de genes supressores tumorais, que estavam silenciados nas células cancerígenas pelo mecanismo de metilação do DNA. Alguns inibidores de DNMTs conhecidos não pertencem ao grupo dos análogos de nucleosídeos. Esses inibidores, como o polifenol EGCG, a pro- cainamida e a hidrazalina, foram foco de várias pesquisas. Infelizmente, esses compostos necessitaram de concentrações muito altas para a observação do efeito terapêutico, o que desencadeou problemas de toxicidade, não permitindo o avanço em testes clínicos. Inibidores com ação em mecanismos de acetilação de histonas A acetilação de histonas ocorre por meio da transferência de um grupo acetílico para o grupamento amino do aminoácido lisina em histonas H3 e H4. Essa transferência é mediada pelas enzimas histona-acetiltransferases (HATs).As regiões superacetiladas geralmente estão relacionadas com regiões ativas da transcrição gênica. Esse processo pode ser revertido pela desacetilação das histonas, por intermédio da ação da enzima histona de- sacetilase (HDAC). 11Genética do câncer Os inibidores de HDAC são os fármacos mais avançados em relação a terapias epigenéticas voltadas para o câncer (Quadro 1). A maioria dos fár- macos contra HDAC atua pela ligação ao íon de zinco encontrado no sítio ativo da enzima, levando à inibição da HDAC. Um inibidor que apresenta esse mecanismo de ação e que já é utilizado no tratamento de câncer é o vorinostat. O efeito desse medicamento na célula é semelhante ao encontrado no trata- mento com inibidores de DNMTs, aumentando as taxas de morte celular e de diminuição da proliferação. É possível que essa ação esteja relacionada com o fato de a acetilação de histonas levar a uma maior taxa de transcrição gênica devido ao relaxamento na interação entre a fita de DNA e o nucleossomo. Portanto, ao inibir a HDAC, o fármaco mantém regiões do DNA expostas a fatores de transcrição, podendo levar à expressão de genes reguladores do ciclo e da morte celular. O inibidor de HDAC gavinostat é um medicamento em fase 2 de teste clínico. A diferença essencial entre o varinastat e o gavinostat é que este possui múltipla ação inibitória. Além da inibição de HDAC, o fármaco também possui ação contra citocinas pró-inflamatórias. Existe uma relação, ainda não compreendida completamente, entre uma maior agressividade tumoral e a ação de fatores inflamatórios. O gavinostat também possui ação contra uma mutação específica no receptor JAK2. Essa mutação deno- minada JAK2(V617F) está relacionada com vários subtipos de leucemias, e a inibição do receptor mutado apresenta efeito direto na diminuição da proliferação celular. O inibidor de HDAC quisinostat também encontra-se em fase 2 de teste clínico. Esse medicamento possui uma ação elevada na inibição de HDACs que atuam em histonas da região do gene da E-caderina. A E-caderina é uma proteína-chave na adesão intercelular no tecido epitelial. A repressão de E-caderina nesses tecidos acarreta perda das junções célula-célula, permitindo que as células epiteliais percam a adesão ao tecido epitelial, causando a transição epitélio-mesenquimal. Essa transição é determinante para o processo invasivo das células tumorais e para o desencadeamento de processos metastáticos. Desse modo, ao impedir a inibição da transcrição do gene de E-caderina, o fármaco quisinostat acarreta diminuição da capacidade invasiva do tumor. Genética do câncer12 Inibidores de HDAC Tipos de cânceres tratados Estágio do estudo Belinostat** Linfoma periférico de células T Aprovado Romidepsin** Linfoma cutâneo de células T Linfomas de células T periféricas Aprovado Chidamide** Linfomas de células T periféricas Aprovado Panabinostate Mieloma múltiplo Aprovado Mocetinostat** Linfoma folicular Linfoma de Hodgkin Leucemia mieloide aguda Fase 2 de teste clínico Entinostat** Câncer de mama Câncer de pulmão Fase 2 de teste clínico Kevetrin* Câncer de ovário Fase 1 de teste clínico Quadro 1. Inibidores de HDAC no tratamento de cânceres. O ácido anacárdico é um inibidor de HAT proveniente da castanha-de- -caju e um potencial quimioterápico em estudo. A ação desse ácido está relacionada com a diminuição da proliferação celular e com a ativação de vias de morte em células tumorais. Esses efeitos foram observados em diferentes tipos de câncer, como melanomas, cânceres de cólon, de pulmão, de próstata e de mama. *N. RT.: trata-se de um fármaco em estudo de fase pré-clínica, ou seja, ainda não está em fase de comercialização. **N. RT.: medicamento não comercializado no Brasil. 13Genética do câncer Fármacos em estudos relacionados a outros mecanismos epigenéticos A terapia epigenética em câncer apresenta maior avanço quando relacionada com mecanismos de metilação do DNA e de desacetilação de histonas. Isso ocorre, principalmente, devido ao fato da menor dualidade desses dois meca- nismos. Enquanto a metilação do DNA está envolvida com o silenciamento gênico, a acetilação de histonas está relacionada com a ativação da transcrição gênica. Já os processos de metilação e ubiquitinação de histonas podem levar tanto à inibição como à ativação da transcrição gênica. Apesar desses fatos, vários fármacos que atuam nesses mecanismos vêm sendo objeto de estudo. A seguir, veremos algumas dessas substâncias. � O HCI-2509 é um inibidor de histonas desmetilases. Esse inibidor atua em desmetilases responsáveis pela retirada do grupo metil do resíduo de lisina na posição 4 na histona 3. A metilação desse resíduo está relacionada com a ativação da transcrição. Assim, a ação do inibidor está relacionada com a ativação de genes que foram silenciados durante o processo tumoral. O uso de HCI-2509 em estudos demonstrou que ele possui efeito na indução da apoptose em células de câncer derivadas de sarcoma de Ewing e em carcinomas endometriais. � Ciclopentona é um inibidor de deubiquitinase. O efeito da ubiquitina- ção de histonas no controle da expressão gênica é semelhante ao visto no processo de metilação, além de ser dependente da quantidade de ubiquitinas na cadeia e do resíduo de lisina e de histona. Estudos de- monstraram que esse fármaco acarreta ativação da apoptose dependente de P53 em câncer colorretal. � Pimozida é outra substância inibitória de desubiquitinase. Essa subs- tância é um antipsicótico usada no tratamento da síndrome de Tourette e em casos específicos de esquizofrenia. Porém, estudos demonstraram que esse fármaco também é capaz de atuar em mecanismos de prolife- ração em cânceres de mama e melanomas. Além disso, foi demonstrado que a pimozida reverte a resistência tumoral à cisplatina em casos de câncer de pulmão. Genética do câncer14 A maioria das mutações encontradas no supressor P53 ocorre de forma esporádica. Porém, na síndrome Li-Fraumeni (LFS), as mutações de P53 são encontradas na linhagem germinativa, caracterizando uma condição de câncer hereditário. A LFS é uma síndrome rara, entretanto, é transmitida de modo dominante, ou seja, necessita de apenas um dos alelos de P53 mutado. A LFS está relacionada com o surgimento de vários tipos de carcinomas como, por exemplo, câncer de tecido hematopoiético, mamário, em tecidos ósseos, entre outros. A manifestação da LFS, de modo geral, ocorre precocemente, e nos portadores dessa síndrome existe alta ocorrência de múltiplos tumores primários. A expectativa para os pacientes com LFS é que em torno de 50% desenvolvam alguma forma de câncer invasivo até os 30 anos de idade. ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. ORGANIZAÇÃO Mundial da Saúde. OMS, c2018. Disponível em: <http://www.who. int/eportuguese/countries/bra/pt/>. Acesso em: 21 mar. 2018. Leituras recomendadas BANNISTER, A. J.; KOUZARIDES, T. Regulation of chromatin by histone modifications. Cell Research, v. 21, n. 3, p. 381-395, 2011. CHIRCOP, M.; SPEIDEL, D. Cellular stress responses in cancer and cancer therapy. Frontiers in oncology, v. 4, p. 304, 2014. COSSÍO, F. P. Fármacos epigenéticos. 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