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Resumo critico- Ética e legislação

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO
Ética e Legislação 
Turma: 01
MOSSORÓ
2020.1
Márcio Fabiano Nogueira de Freitas Filho
 
Resumo critico: “Justiça, o que é fazer a coisa certa”
O documentario “Justiça, o que é fazer a coisa certa”, de Michael Sandel, explora grandes questões da filosofia política e propõe uma ampla reflexão moral que invade o campo da Política, fazendo-nos raciocinar de modo crítico sobre importantes assuntos da vida coletiva. Trata-se de uma análise filosófica sobre as idéias centrais que movem a vida cívica: justiça e direitos honra e virtude, moral e lei, na qual Sandel propõe um exercício ao senso crítico do leitor com instigações pungentes capazes de nos levar a questionar o que é a justiça a partir de diálogos filosóficos e morais baseados no pensamento de grandes mestres da filosofia e da política e ilustrados com exemplos da vida cotidianos.
Sandel apresenta refinados processos de raciocínio moral, sendo um dos questionamentos centrais do livro a busca por saber se uma sociedade justa procura promover a virtude dos seus cidadãos. Assim, para Sandel, é preciso perguntar como uma sociedade justa distribui as coisas que valoriza, e se distribui corretamente dando a cada o que é seu.
Desse modo, o autor coloca três caminhos distintos, que irão refletir o raciocínio filosófico de pensadores específicos, para identificar a distribuição de bens e a justiça na sociedade. A primeira delas se relaciona com a perspectiva do utilitarismo, realçando o bem estar como prioridade; a segunda está liga ao liberalismo e coloca a liberdade no centro da discussão; e a terceira está focada na noção de virtude e finalidade da ação política.
A primeira grande linha teórica relevante discutida no livro é o utilitarismo, representado por Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Para o primeiro pensador, o mais elevado objetivo da moral é maximizar a felicidade, assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor, sendo que todo argumento moral deve inspirar-se na busca pela maximização da felicidade. Sandel coloca varias objeções a este posicionamento filosófico, ressaltando que a dignidade humana transcende a noção de utilidade e que os direitos devem possui uma base maior que seja maior e mais ampla que a mera utilidade. Para Sandel, o utilitarismo considera-se uma ciência de moralidade baseada na quantificação e agregação de felicidade, mas que pesa preferências sem julgar nem atribuir valores a elas, tomando, portanto, a escolha moral como um cálculo instrumental utilitário, supondo que os valores têm toda a mesma natureza e igual importância. Desse modo, Sandel apresenta algumas críticas a esta interpretação mais estrita do utilitarismo de Bentham, argumentando que as preferências humanas são de natureza distinta e que não possuem o mesmo peso, acarretando conseqüências mais amplas e que impõem a necessidade de um cálculo moral mais refinado. Assim, sustenta que é impossível traduzir valores morais em termos numéricos e monetários, pois não se pode comparar e mensurar todos os valores e bens a partir de uma única escala de medida, rejeitando, portanto, a noção quantitativista do utilitarismo.
Em complemento, e a partir de uma visão mais “soft” do utilitarismo proposto por Bentham, Sandel discorre sobre o pensamento moral de John Stuart Mill, pensador que reformulou o utilitarismo em bases mais humanas e menos calculistas ao revisar o utilitarismo rigoroso de Bentham. O autor afirma que o princípio central da filosofia utilitarista é sim a maximização da felicidade e a liberdade dos indivíduos para agirem livremente nesse sentido, contudo, Mill faz uma ressalva importante: as pessoas devem ser livres, contanto que não façam mal aos outros, sendo que o individuo só deve explicações à sociedade por atos que atinjam os demais. Além disso, segundo Mill, é necessário levar em consideração o caráter e o desenvolvimento humano para além dos cálculos primitivos de busca pelo prazer, o que indica o ideal moral de dignidade e de caráter independente de utilidade que Mill defende.
Por fim, Sandel ressalta a importante distinção entre prazeres morais mais ou menos elevados que Mill coloca ao destacar que alguns ideais morais são independentes da utilidade, adotando, portanto, uma perspectiva de mensuração da felicidade mais qualitativa e menos calculista, em contraste com Bentham, que prega um utilitarismo maximizador que despreza estas nuances. Logo, percebemos a partir dos apontamentos de Sandel que Mill é a porta voz de um utilitarismo mais humanizado e qualitativo, ao passo que Bentham formulou uma visão mais consistente e dura do utilitarismo.
A segunda grande linha teórica apresentada por Sandel é a ideologia libertária e os questionamentos sobre se realmente somos donos de nós mesmos e a decorrente problematização sobre a liberdade. Sandel discute os limites do interesse público versus as ambições privadas à luz dos argumentos libertários, segundo os quais não há injustiça nem desigualdade econômica desde que ela não resulte do uso da força ou da fraude, mas sim de escolhas feitas numa economia de livre mercado. De acordo com esta corrente de pensamento, é injusto que se cobre impostos dos ricos para supostamente beneficiar os pobres, pois isto é uma violência ao direito inalienável da liberdade, cabendo somente uma decisão autônoma dos indivíduos de entregarem ou não parte das suas riquezas privadas ao Estado ou a terceiros. Enfim, os libertários querem fazer valer o direito fundamental aos mercados livres e pregam a ausência de regulação do Governo em quaisquer áreas, não em nome de eficiência econômica, mas sim para resguardar a
liberdade humana de ação. Além disso, rejeitam o paternalismo, a legislação estatal sobre a moral e a redistribuição de renda via leis distributivistas e impostos, pois o Estado na visão libertária deve ser mínimo e apenas desempenhar a função de garantidor da liberdade dos contratos, proteger a propriedade privada e manter a paz. Se o Estado for mais interventor do que o necessário para assegurar o livre mercado, ele é moralmente injusto e, portanto, repelido pelos libertários.
Em suma, os libertários acreditam que para a aquisição de riqueza de forma justa, é preciso que haja justiça na aquisição das pessoas e em sua transferência. Assim sendo, se as fortunas pessoais são frutos de negociações legais num mercado de livres trocas e sem ganhos ilícitos, ela é justa e não cabe a ninguém interferir neste processo. Os fundamentos morais da liberdade são intocáveis para os libertários, e estão acima do dinheiro, sendo esta a base fundamental do pensamento teórico desta corrente, sustentando que os indivíduos são donos de si mesmos, bem como de todo o produto do seu trabalho, que lhes pertence integralmente e só deve ser cedido de maneira voluntária, sendo completamente repudiável qualquer tipo de intervenção sob pretexto de injustiça ou distribuição de resultados, conforme Sandel evidencia com os casos dos salários dos astros esportivos e mesmo exemplos de libertarianismo mais extremado no caso das liberdades individuais sobre o próprio corpo, como o canibalismo consentido e o suicídio assistido.
Ainda dentro do âmbito do liberalismo, Sandel discute e expõe alguns limites morais do livre mercado, argumentando que, devido a restrições econômicas e sociais, alguns indivíduos não seriam tão livres na hora de interagir no mercado, como é o caso do recrutamento em exércitos voluntários, no qual cidadãos com dificuldades variadas agindo sob pressões econômicas estariam agindo por necessidade, e não por livre escolha, sendo este mercado não tão livre quando pregam os libertários. Assim, Sandel aponta para o risco de coerção e iniqüidade, para os casos de consentimento comprometido e para a existência constrangedora de virtudes e outros bens morais que transcendem as leis do mercado e desafiam o poder do dinheiro, ameaçando as escolhas individuais no livre mercado. Em suma, Sandel olha para o liberalismo radical através de uma perspectiva mais crítica, apontandofalhas e limitações deste pensamento teórico fazendo-nos refletir se em quais condições somos realmente livres ao agir num suposto livre mercado.
Sandel aborda outra importante linha de pensamento teórico para subsidiar as reflexões sobre a justiça ao discorrer sobre Kant e a motivação como fator determinante
 para a ação moral. A discussão kantiana aponta para importantes noções de direitos humanos universais das quais o filósofo é precursor, destacando alguns conceitos importantes da sua filosofia moral, como autonomia, imperativo categórico, a universidade da dignidade humana e a questão central da intencionalidade e da motivação como motores da ação moral para este filósofo. A moralidade e a justiça para Kant estão ligados fundamentalmente aos princípios, muito mais do que às conseqüências das ações humanas. Assim sendo, segundo esta visão, o que importa para que os indivíduos ajam de maneira moralmente válida é que sejam governados por uma lei auto-imposta pelo livre arbítrio dos indivíduos, que é o que caracteriza a autonomia para Kant.
Um aspecto chave da filosofia moral de Kant destacado por Sandel é o papel da razão. Segundo Kant, é a “pura razão prática” que deve guiar o processo de autoimposição de uma lei moral capaz de livrar os homens das pressões exteriores que moldam seu comportamento. Deste modo, trata-se de uma razão pura, que cria “leis a priori”, independentes de quaisquer outros objetivos empíricos, sendo esta razão a única capaz de orientar uma moralidade genuína nos indivíduos. Neste ponto, é válido apontar o contraste que esta noção de razão apresenta com a função de racionalidade instrumental e meramente calculista preconizada pelo utilitarismo, a qual Kant rejeita, por acreditar que a moralidade fundamentada em interesses e preferências destrói a dignidade humana, a qual representa um bem por si só.
Em suma, a justiça para Kant passa necessariamente pela noção de respeito à humanidade em si e pela capacidade racional dos indivíduos que se fazem livres ao agir por motivados pelo dever de obediência à lei moral. Para Kant, portanto, dentro da noção de imperativo categórico, a justiça obriga a todos a preservar os direitos humanos independente de quaisquer condições, devido ao simples fato de sermos humanos e racionais.
Sandel apresenta também uma noção de justiça baseada na equidade, expressa no pensamento do filósofo John Rawls. Segundo este pensador, podemos entender o que é a justiça partindo de uma situação puramente hipotética, na qual pessoas racionais e com interesses próprios celebrariam um contrato social em posições originais de equidade. O resultado disso, em termos ideais, para Rawls, seria a escolha de dois princípios basilares de justiça, sendo o primeiro relacionado às liberdades básicas de expressão e religião e o segundo à equidade social e econômica. Sandel pondera sobre as insuficiências morais dos contratos reais, afirmando que estes nem sempre são justos
apesar da necessidade imperativa do respeito ao consentimento que deles emanam, pois alguma das partes pode estar em posição privilegiada devido ao maior nível de conhecimento ou maior poder de barganha na hora da negociação. Além disso, um acordo consentido não garante necessariamente a equidade, e um contrato verdadeiramente justo e equânime deve prezar pelos benefícios mútuos e pela reciprocidade absoluta entre ambas as partes.
Logo, os contratos formais que existem na realidade não são instrumentos morais autossuficientes. Sendo assim, justifica-se o raciocínio filosófico a partir da concepção ideal de um contrato hipotético perfeito como uma ferramenta moral para estabelecer os princípios primordiais de uma justiça distributiva. No entanto, segundo o filósofo, “não se pretende que a concepção da posição original explique a conduta humana, exceto na medida em que ela tenta dar conta de nossos juízos morais e nos ajuda a explicar o fato de termos um senso de justiça”.
Fundamentalmente, as cláusulas centrais deste contrato ideal são aqueles princípios dos qual ninguém, raciocinando sob o “véu da ignorância”, jamais abriria mão. Para Rawls, não optaríamos pelo utilitarismo, mas sim pelas liberdades individuais mais fundamentais e pela permissão das desigualdades somente se visassem ao benefício dos desfavorecidos. Nesse sentido, Rawls repudia o mérito moral como fundamento da justiça distributiva ao afirmar que o talento que privilegia alguém não é de mérito exclusivamente individual, sendo influenciado por aspectos contingentes importantes como a valorização social de determinadas funções e demanda por certas qualidades, as quais são moralmente arbitrárias.
Assim, Rawls atribui relevância a forças externas moralmente arbitrárias que possam vir a manchar o seu puríssimo conceito de justiça. Ter talento que coloque o indivíduo numa situação privilegiada, segundo Rawls, não é um mérito completamente atribuído a ele, sendo que há contingências e fatores arbitrários que influenciam estas vantagens. É válido destacar que isso é radicalmente contrário à lógica libertária, que apregoa que todas as virtudes e méritos são exclusivos do indivíduo, podendo ele fazer o uso de seus dotes livremente, fazendo valer suas vantagens em situações competitivas, pois o âmago da reivindicação libertária é justamente a posse absoluta de si mesmo, do seu trabalho e talento.
Nesse contexto, a alternativa teórica de Rawls, no intuito de equilibrar a distribuição desigual de aptidões e dotes entre os indivíduos para se chegar a uma
Justiça genuinamente equitativa, sem, entretanto impor limitações aos mais talentosos está expresso na teoria igualitária de justiça, alicerçada no basilar “Princípio da Diferença”, que sintetiza esta concepção equitativa de justiça, como explica o próprio filósofo:
“O princípio da diferença representa, na verdade, um acordo para considerar a distribuição das aptidões naturais um bem comum e para compartilhar quaisquer benefícios que ela possa propiciar. Os mais favorecidos pela natureza, não importa quem seja, só devem usufruir de sua boa sorte de maneira que melhorem a situação dos menos favorecidos. Aqueles que se encontram naturalmente em posição vantajosa não devem ser beneficiados simplesmente por ser mais dotados, mas apenas para cobrir os custos com treinamento e educação e usar seus dotes de modo a ajudar também os menos afortunados. Ninguém é mais merecedor de maior capacidade natural ou deve ter o privilégio de uma melhor posição de largada na sociedade. Mas isso não significa que essas distinções devam ser eliminadas. Há uma outra maneira de lidar com elas. A estrutura básica da sociedade pode ser elaborada de forma que essas contingências trabalhem para o bem dos menos”
Portanto, depreende-se desta significativa passagem de Rawls uma inegável tendência à solidariedade social como base do seu entendimento de justiça, pois, segundo esta visão, somente são permitidas as desigualdades socioeconômicas que visem o benefício dos membros menos favorecidos da sociedade. Por fim, temos a concepção teórica de justiça para Aristóteles, que parte de um raciocínio teleológico, ou seja, pensar sobre justiça é pensar a partir do telos, da finalidade da ação humana. Desse modo, é necessário conceber a melhor forma de viver e somente depois disso, passar a refletir e deliberar sobre os rumos da política. Este pensador não acredita na neutralidade da justiça, e pensa que justiça tem a ver com honra, virtude e a natureza de uma vida boa. É uma concepção particular e bem definida do que é o bem humano, que abrange a realização da natureza humana e o desenvolvimento das capacidades individuais. O propósito da política é definido de antemão por Aristóteles, de maneira independente: devemos ser capazes de formar bons cidadãos e cultivar o caráter reto, que deve estar ligado a uma noção de fomento da virtude e da idéia de justiça, principalmente através da educação cívica dos membros da comunidade. O verdadeiro telos da atividade política, para Aristóteles, é, portanto, cultivar a virtude dos cidadãos. A políticapossui um significado mais amplo e mais nobre do que a mera promoção de interesses e celebração de alianças, sendo preciso aprender a viver a vida boa e permitir que as pessoas desenvolvam suas capacidades e virtudes humanas. Próprias, pois somente assim é possível deliberar sobre o bem comum, desenvolver um julgamento prático, participar da autodeterminação do grupo e cuidar do destino da comunidade como um todo.
No geral, percebemos que Sandel, ao discorrer sobre as várias tradições filosóficas e políticas em busca da resposta sobre o que é a justiça, busca sempre apontar para as insuficiências de cada visão teórica explorada, ressaltando a prevalência de certos valores e limites morais sobre os anseios mais imediatos de satisfação dos desejos humanos. Esse autor empreende uma busca por um mínimo ético irredutível, desenvolvida na exploração do significado de justiça, que é a linha central do seu pensamento. Especialmente, Sandel enfatiza a necessidade de raciocinarmos e deliberarmos sobre o que é uma vida boa, além da ampliarmos as fronteiras da nossa cultura pública, valorizando, sobre tudo uma nova política de engajamento moral com a elevação das noções de cidadania e uma equalização do materialismo utilitarista.
Nesse sentido, é clara a aproximação de Sandel com o pensamento e a concepção aristotélica de justiça que passam necessariamente pela discussão da natureza da boa vida e pelo abandono das pretensões de neutralidade presentes nas teorias liberais. Logo, ao assumirmos uma posição pessoal neste debate, é difícil discordar de Sandel e de Aristóteles, pois, de fato, pensar a política e refletir sobre a justiça é, fatalmente, exercitar nossa capacidade deliberativa e assumir um posicionamento valorativo inescapável ao estabelecer que os cidadãos devam exercitar sua sabedoria prática e abraçar uma noção exigente de cidadania.
Com isto em mente, portanto, temos que tomar a decisão moral e filosófica de determinar e deliberar o que é realmente justo para uma determinada sociedade num dado contexto histórico, buscando incutir nos cidadãos o cultivo da virtude e a busca incessante do bem comum, colocando-o acima das paixões materialistas e dos utilitarismos multifacetados, ressaltando sempre a importância suprema da participação política cidadã como o caminho mais seguro para se evitar as tortuosas veredas da servidão coletiva e tomando a política como a mais nobre atividade, pois é através da sua prática virtuosa que os seres humanos expandem suas capacidades e podem decidir o que é uma vida boa.
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Referências Bibliográficas:
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

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