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(1980) Nascimento, Abdias O quilombismo

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Livros do mesmo autor: 
Sortilégio (Mist ério Negro). Rio de Janeiro : T eatro Experimental d 
Negro. 1960. 
Dramas para Negros e Prólogo para Brancos (antologia de teatr 
negro-brasileiro) . Rio de Janeiro : Teatro Experimental d 
Negro. 1961. 
Teatro Experimental do Negro-Test:emunhos. Rio de Janeiro : ORO. 19 
O Negro Revoltado. Rio de Janeiro : GRD. 19'68. 
«Racial Democracy» in Brazil: Myth or Reality?, traduzido por Eli 
La.rkin Nascimento . . lbadan: Sketch Publishing Co. 1977. 
O Genocídio do Negro Brasileiro - Processo de. um Racismo Mascarad 
Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1978. 
1 
Sortilege (Black Mystery) , traduzido por Pete.r Lownds. Chicago: Thir 
World Press. 1978. 
Mixture. or Massacre? Essays in the genocide of a Black People, t.rad 
zido po.r Elisa Larkin Nascimento. Buffalo: Afrodiaspora. 197 
O QUILOMBISMO 
Documentos de uma militância 
pan-africanista 
) li l l 111111111111111111111111111111111 
[!] 
Petrópolis 
1980 
177298911 
\i: ... 
-
O TECA 
© 1980, Abdias do Nascimento 
Direitos de publicação: 
Editora Vozes Ltda. 
Rua Frei Luís, 100 
25600 Petrópolis RJ 
Brasil 
Diagramaçãó 
Beatriz Salgueiro 
Em memória 
dos 300 milhões de africanos 
assassinados por escravistas, 
invasores, opressores, racistas, 
estupradores, saqueadores, torturadores 
e supremacistas brancos; 
Dedico este livro 
aos jove.ns .negros do Brasil e do mundo, 
.na esperança de que continuem 
a luta por um tempo de justiça, 
liberdade e igualdade onde estes crimes 
não possam jamais se repetir. 
Com o amor f raiemo do 
Autor 
SUMARIO 
n"'.~Ml'TAWGNTO OG OI '601A fl'OL.I 
U .8TllOA 
Documento n• 1: Introdução à mistura ou massacre? 
Ensaios desde dentro do genocídio de um povo negro (USA), 11 
Bibliografia, 34 
1 Congresso das Culturas Negras das Américas 
Grupo D - Etnia e Mestiçagem 
(excerto das Conclusões e Recomendações propostas pelo 
Grupo e aprovadas pela assembléia geral do Congresso), 35 
Conclusões, 35 
Recomendações, 36 
Documento n• 2: Revolução cultural e futuro do pan-africanismo 
(Da r-es-Salaam, Tanzânia), 39 
ultura: uma unidade criativa, 42 
exemplo de Palmares, 46 
Lí ngua: um obstáculo para a unidade, 47 
Brasil: de escravo a pária, 49 
uilombos, insurreições e guerrilhas, 51 
cA luta continua», 58 
hico-Rei: histór.ia que se torna lenda, 62 
«Abolição» de quem?, 63 
negro heróico, 66 
Teatro Experimental do Negro, 68 
/\uto-suficíêncía e cultura pan-africana, 70 
A respeito de ciência e tecnologia, 73 
ap italismo versus comunalismo, 75 
Pa11-africanistas em ação, 77 
l vocação dos ausentes, dos silenciados e dos aprisionados, 78 
Bibliografia, 79 
Do_cumento n• 3: Considerações não-sistematizadas sobre arte, 
ri //gião e cultura afro-brasileiras ~lle-lfe e UNESCO), 81 
l111e ira providência: apagar a memória do africano, 84 
luta antiga da persistência cultural, 89 
1 licismo e religiões africanas, 94 
A destruição das línguas africanas, 101 
Cri to Negro: atentado- à religião católica, 105 
A imposição cultural ariana, 108 
O negro e os estudos lingüísticos, 112 
O negro no desafio nordestino e na canção de ninar, 114 
Algumas vozes negras recentes, 118 
O negro no teatro brasileiro, 122 
Música e dança, 127 
Artes plásticas, 133 
Um olhar sobre a nossa intelligentsia, 140 
Para finalizar, 149 
Bibliografia, 151 
Documento n• 4: Etnia afro-brasileira e política internacional 
(Washington D. C., Cali-Colômbia e Estocolmo, Suécia), 155 
De como o olho azul do ltamarati não vê, não enxerga o negro, 161 
A raça negra e os marxistas, 169 
A ação internacional do Brasil, 180 
Os votos do Brasil nas Nações Unidas, 185 
O embranquecime.nto compulsório como política oficial, 192 
Anti-racismo oficial: «humor branco» brasileiro, 198 
Tratado do Atlântico Sul: urânio, supremacia branca, anticomunismo, 201 
Bibliografia, 206 
Documento n• 5: Reflexões de um afro-brasiliano (USA), 209 
Bibliografia, 225 
t Documento n• 6: Nota breve sobre a mulher negra (Daca r), 227 
~ Escravidão e abuso sexual da mulher africana, 230 
Imagem da mulata na literatura e na ciência social, 234 
Alguns antecedentes históricos, 240 
Bibliografia, 244 
Documento n• 7: Quilombismo : 
do processo histórico-cultural das ma a 
Memória: a antiguidade do ab r n r - frl ' 11101 2·17 
Consciência negra e sentimento quilombl t , 2, :t 
Quilombismo: um conceito cientifico hl 1 rio m 1 1, 21 1 
Estudos sobre o branco, 265 
A B C do quilombismo, 269 
Alguns princípios e propósitos do qull mi 1 111111 'l7 
Semana da Memória Afro-Brasil ira, 27 
Bibliografia, 281 
O escravo que mC1ta o seu senhor 
pratica um legitimo ato de autodefesa. 
Luís Gama 
DOCUMENTO N9 1 
INTRODUÇÃO A MISTURA 
OU MASSACRE? 
ensaios desde dentro do genocídio 
de um povo negro 
Livro publicado por 
Afrodiaspora-Puerto Rican Studies and Research 
Center-State University o/ New York at Buffalo. 1979. 
~ .. ",~ .'.) ........... . . ... . '. 
... . -.. ... ,; ~ .,,. ...... 
. -. . a luta pela libertação é, antes de 
tudo, um ato cultural. 
Amílcar Cabral 
La Cultura fundamento 
dei movimi nto de liberación 
E. R"AIU•no •• 01•1to11. ~mo 
*N••zaa.. 
Várias razões me fizeram hesitar antes de decidir a 
publicação destes estudos em forma de livro. Uma razão pri-
meira: terem eles sido escritos em situações diferentes, com 
diferentes intenções e destinos, em tempo e espaço; conseqüente-
mente, sua reunião para formar um corpo único careceria tanto 
de unidade formal quanto de coerência expositiva. Havia, tam-
bém, problemas com a tradução dos textos. Entretanto, o fator 
básico das minhas dúvidas articulava-se na pergunta: - qual 
seria a utilidade efetiva de um livro como este? De uma coisa 
estava convencido: que uma coerência fundamental e uma 
unidade íntima entrelaçavam os ensaios entre si; e que essa 
essência unificadora se exprimia no objetivo comum de revelar 
a experiência dos africanos no Brasil, assim como na tentativa 
de relacionar dita ·experiência aos esforços das mulheres e dos 
homens negro-africanos de qualquer parte do mundo em Juta 
para reconquistar sua liberdade e dignidade humana, assumindo 
por esse meio o protagonismo de sua própria história. 
Considerei o alcance :da minha real' contribuição ao 
conhecimento recíproco na trajetória histórica dos afro-brasileiros 
e a dos seus irmãos do mundo africano de modo geral; nessa 
espécie de balanço, pesou na hora da decisão a clamorosa au-
sência de informação sobre o negro brasileiro, tanto aqui nos 
Estados Unidos como, sem exceção, entre os africanos de idioma 
inglês. É verdade que alguns scholars norte-americanos, quase 
todos brancos, têm publicado trabalhos em que focalizam o 
negro no Brasil; o mesmo pode ser dito de uns quantos bra-
ileiros, literatos ou cientistas sociais, também brancos. Quando, 
porém, o negro do meu país de origem alguma vez transmitiu 
1 ara os leitores dos Estados Unidos, diretamente, sem interme-
liários ou intérpretes, a versão afro-brasileira da nossa história, 
da nossas vicissitudes cotidianas, do nosso esforço criador, ou 
• 
13 
das nossas permanentes batalhas econômicas e sócio-políticas? 
Que eu saiba, nenhum afro-brasileiro jamais publ icou um livro, 
com tais finalidades, em inglê.s. Inv~rsam~n e do que ocorre no 
Brasil, onde vários livros d afro,..norte-americanos têm sido 
publicados em tradução portugues~. De memória posso lembrar, 
por exemplo, a Autobiografia de Booker T. Washington, que li 
ansioso, lá pela década dos 30. . . Também de há muito tempo 
me vem à lembrança o comovente Imenso Mar, do poeta 
Langston Hughes, com quem mais tarde eu trocaria esparsa e 
fraterna correspondência. Outra leitura inesquecível : Filho 
Nativo, de Richard Wright, e Negri.nho, parte de sua autobio-
grafia ; recordo ainda A Rua, de Ann Petry, e, mais recente-
mente, Giovani, Numa terra est111J.nlza e Da próxima vez, o fogo, 
todos de James Baldwin; e O povo do blue, de Le Roy Jones; 
Alma encarcerada, de Eldridge Cleaver. Estou quase certo de 
que também O homem invisível,de Ralph El lison, tenha sido 
publicado no Brasil, livro que li em tradução ao panhol. Mas 
certamente a última dessas obras negro-nortc-am ricanas edita-
das no Brasil terá sido Raízes Negras, de AI x li a! y. 
Obviámente nã·o estou citando todo livro e autores 
publicados, ou por ignõrância ou por fa lha da m mória. No 
entanto, o que importa é assinalar que livr 
brasileiro não existe aqui nos Estados Unido ; lll 
apenas aqui: em nosso próprio país, o s rlt r 
é um ser quase inexistente, já que um as rnrn. xc õ s só con-
firmam a regra. Os motivos? A respos ta lmpl : devido ao 
racismo . . Um racismo de tipo muit pc ln l, · lu iva criação 
luso, ti".r?sileira: sutil , difuso, eva mnu fl do, assi métrico, 
\i1â&ca'r.acfo, porém ião implacável r li;t 111 1 es tá liqui-
d~ndo_ definitivamente os hom ns 
Çqnsegui.ram sobrev.iver ao ma a r 
efeito -essa destruição coletiva t 111 
· ~!Jservaçã<? mundial pelo disfarc li 11111 1 ldt oi gia ele utopia 
raci~l denominada «Qemocracla racial», 11J n f nl a es tratégia 
têm . conseguido, em ·parte, confundir o pov11 11ho-brasileiro, do-
pa-ridó-g·, entorpecend_o-o lnteriormcnt ; tnl ldt•ologitt resulta para 
o- negro núm estado de frustraçã , p 1. qu Ih bn rra qualquer 
possibilidade de auto-afirmaçã e 111 lnt l{rltlnd , Identidade e 
orgulho: 
Mesmo observador tr inad h v '1. • nã 
da armadilha " da «democracia racial>. A lnf rmnçã 
14 
escapam 
dis torcida, 
s im · como a mantpulação de fatos e dados concretos na 
forr:n.ª perpetrada e perpetuada no BrasiÍ, Jtein resultado erd de-
plor.avel le~ão que prejudica o conhecimento e o estudo da 
r al1dade afro-brasileira. Ao ponto de até um historia.dor com-
petente e autorizado como é o caso de John Henrik Clarke ter 
hegado a afir~ar por duas _vezes que · 4 
Na América do Sul e índias Ocidentais 
(West- Indies), os senhores de escravos não 
pmibiam .o tambor africa~o as 
' ornamentações africanas, as religiões 
africanas, ou outras coisas estimadas 
que os africa,LJOS se lembrava111 do seu antigo 
caminho de vida. Nas áreas portuguesas, 
nas índias Oci9entais e freqüentemente na 
América do ~ui, os fçizendeiros compravam 
um navio cheio ou meio navio de escravos. 
Esses escravos geralmente vinham das mesmas 
áreas da África e, naturalmente falavam 
a mesma língua e, tinham a mesrr{a cultu;a 
básica. As · famílias , no geral, 
eram mantic!as juntas. 
(1974:118 and 1977:9) 
No decorrer da leitura destas páginas ·Se verá que o 
oposto corresponde melhor à verdade histórica. A expressão 
cultural afric~na, _ esp.ecialmente a religião, tem sido posta à 
1~argem ela lei, nao so durante os tempos coloniais: mesmo nos 
dias presentes, as réligiões de origem africana sofrem toda sorte 
de restrições, ofensas, perseguições e importun'ações. · · 
A história do Brasil é uma versão .. concebida por 
brancos, para os brancos e pelos brancos, exatamente como toda 
sua estmtura econômica, sócio-cultural, política ·e militar tem 
sido usurp~da da maioria da população para o beneficio exclusivo 
de ~1.ma eltte branca/ brancóide·, supostamente de orige~ ário-eu-
rope1a. Tei;ios de c?.nsidetar que a informação disponível nos 
~stados Untdos e, alias, em .quase todo o mundo, conduz a esse 
tipo de confusão. Citarei rapidamente, para ilustrar, os Negras no 
Brasil, de Donald Pierson, e Casa Grande e Senzala de Gilberto 
Freyre. Ambos fornecem uma visão suave acucarada das r:ela-
ções entre n.egros e brancos . no país. Refe
1
i:ente ao C~ribe .quero 
evocar o 119 Festival Mundial de Arte e Cultura Negras, em 
Lagos, 1977, quando os executantes da steel band, salvo engano, 
procedentes de Trinidad, em sua introdução ao público do teatro 
em que se apresentavam, afirmaram que sua orquestra, a mais 
original criação da música do caribe negro, tivera origem na 
proibição, nos tempos coloniai&, de os africanos tocarem seus 
tambores e outros instrumentos trazidos da Africa. A partir 
'.lessa proibição, os africanos passaram a batucar sobre qualquer 
lata vazia, caneco ou vasilhame inútil que podiam encontrar, a 
fim de não se submeterem ou deixar sucumbir sua música, in.s_ri-
minada de atividade delituosa. Em qualquer caso, a falsa imagem 
de uma escravidão humanizada, benemérita, com certa «liberdade» , 
tem sido atribuída ao Brasil como também à América Latina, de 
modo geral. E isto ocorre principalmente sob a justificação 
freqüente da mistura de sangue, de raças, como se idêntica 
miscigenação não tivesse ocorrido na própria escravidão norte-
americana. A mistura biológica e de culturas, da Africa e da 
Europa, aconteceu em todos os países do novo mundo onde 
houve escravidão. Assim, a tenaz persistência da cultura africana 
no Brasil e em outras partes da América do Sul não pode ra-
zoavelmente ser atribuída a uma suposta benevolencia dos ário-
latinos, nem ao caráter e cultura dos m smos. Não foram menos 
racistas nem menos cruéis do que sua e ntraparte ário-angl'o-
saxônica. Da mesma forma que nos stacl s Unidos, também 
na América Latina ou do Sul, e no Brasil, não permitiam aos 
africanos a prática livre de seus costum tradições. Estes, 
sim, é que forçaram os brancos a sucumbirem ao fato irreversível 
de sua integridade cultural através ide sua própria inventividade 
e perseverança. E, naturalmente, foram auxiliados por deter-
minadas circunstâncias históricas que difer nclavam América La-
tina e América do Norte, tais como o baixo pr ço do escravo 
rasi enormes concentrações d africanos tudo 
fac1 1 ado pela roximidaide das costas brasi l iras e africanas. 
Contava ainda, naquelas diferenças, as estratégias de div@ir os 
africanos por meio do estímulo às inimizades tribais, além de 
outros expedientes empregados, específicos de caida país opressor, 
os quais variavam segundo necessidades locais, condições dê vida 
rural ou urbana, etc. 
A luta comum dos povos negros e africanos requer o 
conhecimento mútuo e uma compreensão recíproca que nos têm 
sido negados, além de outros motivos, pelas diferentes línguas 
16 
u o opressor branco-europeu impôs sobre nós, através do 
m nopólio dos meios de comunicação, do seu controle exclusivo 
dos recursos econômicos, das instituições educativas e culturais. 
Tudo isto tem permanecido a serviço da manutenção da supre-
macia racial branca. A publicação deste livro teria como alvo 
fender esse bloqueio que nos isola, contribuindo, ainda que 
limitadamente, para iluminar e compreender o processo e as di-
versas estratégias utilizadas pelas forças que nos exploram, 
oprimem e alienam. Para o restabelecimento da integridade de 
nossa família - a família africana, no continente e fora dele 
- é imprescindível o reforço dos nossos vínculos ideológicos e 
culturais, como condição prévia de nosso sucesso. Estamos 
conscientes de que nossa luta transcende os limites dos nossos 
respectivos países: o sofrimento da criança, da mulher e do 
homem negros é um fenômeno internacional. O Presidente da 
Tanzânia, Julius Nyerere, colocou a questão em seus devidos 
termos quando disse: 
. . . os homens e as mulheres da Africa, 
e de descendência africana, têm tido uma 
coisa em comum - uma experiência de 
discriminação e humilhação imposta sobre eles 
por causa de sua origem africana. 
Sua cor foi transformada tanto na marca 
como na causa de sua pobreza, 
sua humilhação e sua opressão. 
(1974: 18-19) 
Um férreo e rígido monopólio do poder permanece, no 
nas mãos da camada «branca» minoritária, desde os 
t mpos coloniais até os dias de hoje, como se tratasse de um 
nômeno de ordem «natural» ou de um perene dfreito «demo-
rático». O mito da «democracia racial» está fundado sobre tais 
pr missas dogmáticas. Daí resulta o fato surpreendente de 
Ir das as mudanças sócio-econômicas e políticas verificadas no 
f Is, desde 1500 a 1978, não terem exercido a menor influência 
111 estrutura de supremacia racial branca, que continua impávida 
lntocada e inalterável. O fator raça permanece, irredutivel-
t nte, como a fundamental contradição dentro da sociedade 
r lleira. Aqui cabelembrar as oportunas observações do 
. Maulana Ron Karenga: 
17 
_ ... são as. contradições sociais, as quais 
são básicas à vida e à Juta, que deve~mos e 
necessitamos estudar e compreender. 
/. .. / Elas são partkulares· em seu 
movimento e essência, particulares 
a · uma respectivá sociedade. 
/ .. ./ Diferentes contradições exigem 
:diferentes soluções e. cometeríamos sérios 
enganos não compreendendo iste> 
e não atuando de acordo. 
(1975 :28) 
A concentração racial da renda e do poder exclusiva-
mente em mãos dos brancos foi e continua sendo um privilégio 
considerado «justo» e «necessário» pelas classes dominantes e 
também pela elite cultural - a famigerada «in tell igentsia» 
brasileira (Fernandes 1972:265) . Esse fenômeno chega ao ponto 
em que o regime de classes no Brasil não consegue altera r, nas 
relações negro/ branco, o fato apontado pelo Dr. Molefi K. Asante 
em relação aos Estados Unidos, de que a «raça é uma funda-
mental categoria de classe» (1978:4). 
Entretanto, há teóricos, tal é o caso de Carl N. Degler, 
cientista social, branco norte-americano, o qual foi referido 
num artigo de Marcelo Beraba, publicado em O Globo (julho 
6, 1976 :41) , intitulado «Sociólogos ana lisam a qu stão racial no 
Brasil», como adotando o «argum nto de u as barreiras enfren-
tadas pelos negros no Brasil são de arát r sócio-econômico e 
não racial ». Opiniões dessa natureza são desmentidas pelos fatos 
·da realidade. concreta. Sem nem precisar ir 1 nge, na mesma 
reportagem pode-se verificar q11e mesmo ntr a populaçÕes fa-
mintas e miseráveis do nordeste do pais fat r raça prevalece 
em suas relações internas. É o que afirma utr i ntista social, 
Carlos Alfredo Hasenbalg, o qual, depois de inf rmar que 80% 
da população negra vive ~em zonas rurais, diz: 
. a discriminação e a desigualdade se 
mantêm de forma ma i acentuada nas 
regiões ma is pobres, onde a 
população negra · majoritária. 
(grifo nosso) 
18 
N texfo deste võlume focalizarei esse problema de 
gu las, incluindo ~o último capítulo uma perspectiva das 
ntre os marxistas brasileiros e os esforços de liberta-
nvolvi·dos pela gente negra. Esse aspecto da luta tem 
r nhado importante papel também no movimento dos 
stadunidenses, segundo nota o Dr. Ronald Walters em 
rtigo «Marxismo-Leninismo e Revolução Negra», publicado 
Rlack Books Bulletin: 
Talvez a mais perigosa lição da década dos 30 
( 1930) tenha sido a da cooptação branca 
das organizações negras, dos indivíduos e 
·seus objetivos. Simplesmente não se pode 
terminar a leitura de The Crisis of the Negro 
/ntellectual (A crise do intelectual negro) 
de Harold Cruse, ou as últimas páginas de 
Pan-Afriwnism or Communism de 
George Padmore, ou Race and Radicalism 
de Wilson Record, sem uma esmagadora 
compreensão da traição e exploração da 
comunidade negra pela esquerda branca. 
. (1977: 15) 
No tocante a mim, cheguei também a idênticas conclu-
i! s não como resultado de educação acadêmica ou pel'a leitura 
livros, mas caminhando através da realidade e da existência 
povo neg ro do Brasil'. Tempos atrás, durante o transcurso 
mi nha infância e adolescência, comecei a testemunhar o fenô-
111 no que vem ocorrendo desde os fins do século XIX: ou seja, 
invasão do país por levas e levas de trabalhadores brancos 
vindos da Europa, com apoio de seus governos de origem, além 
lo ajuda financeira e outras facilidades dispensadas pelos gover-
11 s do Brasil. Ao mesmo tempo que isto acontecia, a enorme 
f rça de trabal'ho negra era rejeitada, ontem como hoje, por 
nqueles que corporificam o «sistema econômico». O «sistema» 
tliretamente, e os imigrantes indiretamente, excluíram o povo 
n gro, de maneira insensível e cruel; de qualquer oportunidade 
. ignif icativa de trabalho. Amb?s, tanto o chamado «sistema de 
prod ução», quanto o proletariado-im'grante, se beneficiaram e 
r sceram mercê da espoliação e do despojamento total do des-
. ndente african0. 
Evocando minha infância distante posso vislumbrar a 
imagem do meu pai, freqüentemente angustiado, sofrido, tentando 
obter um precário e mal pago trabalho em alguma fábrica de 
calçados; mas também consigo rever embaçada na distância sua 
figura maltratada pela vida e assim mesmo tão elegante e distinta, 
evadindo da dor cotidiana através ida música. Compreendia aquela 
sua tristeza cheia de resignação, fustigado pelas pressões inexo-
ráveis , que se canalizava para a fuga do violão. E ao findar das 
tardes melancólicas, pela boca ida noite, lá ia meu pai tocar violão 
para algum filme do cinema mudo da época, ou integrar o grupo 
fiel dos choros, valsinhas e serestas da madrugada. Meu pai sa-
pateiro, minha mãe cresce, avulta na lembrança, como a doceira 
da cidaide; costurava também, e quando nascia um novo irmão, 
minha mãe se transformava em ama-de-leite de filhos de planta-
dore~ de café. Foi assim que conheci de perto os grandes ca-
fezais e os imigrantes que lá trabalhavam o «ouro negro». 
Éramos seis irmãos e uma irmã - uma família negra e pobre; 
desde a .infância, os pés descalços, tentávamos contribuir, eu e o 
irmão mais velho, para a magra economia da casa. Ele, aprendiz 
de alfaiate; eu, entregando leite e carne às portas das casas bur..: 
guesas da cidade, isto bem cedinho, antes de começar as aulas 
do grupo escolar, às oito da manhã. . . Ganhava alguns tostões 
nessas tarefas e outros tantos no período da tande, limpando o 
consultório de um médico ou lavando vidros vazios e entregando 
remédios para a freguesia de uma farmácia. . . 
Pelas manhãs, normalmente minha mãe percorria a re-
sidência dos seus fregueses de doces, fazendo entrega de enco-
mendas, recebendo dívidas. . . Os doces em geral eram feitos à 
noite, quando minha mãe mexia com a colher de pau de cabo 
longo os enormes tachos de marmelada ou goiabada, às vezes 
substituídas pela geléia ide mocotó. A polpa do marmelo e da 
goiaba formava com o açúcar uma pasta fervente, avermelhada 
e cheirosa que ide instante a instante explodia em bolhas ígneas 
nos braços roliços e brilhantes de minha mãe. Vezes sem conta 
acompanhei minha mãe durante aquelas noites docemente afa-
nosas; enquanto o luar, no quintal , derramava sua palidez sobre 
as laranjeiras em flor, no fogão a lenha crepitava nas labaredas. 
Naquela luz de fogo eu gostava de contemplar o rosto redondo 
e sereno de minha mãe. Convivia intimamente com ela nessas 
noites, recebendo as lições diretas e exemplares da sua energia, 
Qa sua bondade, da sua esperança e da sua compaixão. Minha 
20 
e herdaré!2 antiga sabedoria africana da aciência e do u o 
: ervas; podia-se vê-la cons an emente envol ida na prepara-
ide remédios para alguma pessoa da família ou da vizinhança. 
•rta vez assisti minha..mã ornar a.. defesa de um garoto negro 
órfão, cole~ meu de grupo e chamado Felismino, a quem uma 
no a vizinh branc surrav em piedade. inha mãe, inva-
rl:ivelrnente tão tranqüila, entrou em luta corporal e arrancou 
I· •li mino das mãos <la vizinha. Esta cena, perdida nas dobras 
d longínqua infância, lá na pequena Franca natal, oeste ao 
I ~ tado de São Paulo, emerge e cresce como minha primeira 
llçfio de solidariedade racial e de luta pan-àfricana. Naquele 
r • uado e distante espaço de tempo, testemunhei vários exem-
ln concretos que me abriram os olhos, ilustrando para mim 
dificuldade d e ser negro, mesmo num país de maioria que des-
nd • de africanos. 
Com antecedentes dessa qualidade, aliados à minha 
p ri nci a biográfica, e ainda acrescidos com o meu testemunho 
·xistência levada pelo povo afro-brasileiro, não tenho base 
l'lll razões para aceitar a versão mitigada, rosificada da escra-
hl1 no Brasil. E sem qualquer propósito de elevar à glorifi-
1IÇ il a idéia do auto-sacrifício, considero, contudo, indispensável 
1•v1 ca r sempre, lembrar continuamente, o processo de massacre 
l t 1 tiva dos negros que ainda se encontra em plena vigência. 
. hawna Maglangbayan é uma das poucas mulheres negras não-
1 rasi lei ras consciente ido fato que 
No Brasil, é a minoriabranca que reina; 
isto é, do ponto de vista histórico, cultural, 
racial, e de classe, são os brancos o 
elemento dominante e explorador. 
( 1972: 87; grifo no original) 
Nós, os negros, temos sido forçados a esquecer nossa 
histó ria e nossa condição por um tempo demasiadamente longo. 
p r que ficarmos quietos, silenciosos, e perdoarmos ou esquecer-
mos o holocausto ide milhões sem conta - cem, duzentos, tre-
t. ntos milhões? - de africanos (homens, mulheres, crianças) 
írfamente assassinados, torturados, estuprados e raptados por 
rim inosos europeus durante a escravidão e depois dela? Ou será 
que não devemos clamar nem reclamar', cooperando com os es-
·ravocratas de ontem e de hoje, já que para os europeus· a es-
21 
cravidão constiti:!_iu =·o «passo necessário» à fundação e desenvol-
vimento do capitalismo, e sendo este a etapa obrigatória rumo ao 
«paraíso» socialista? Podemos ler as páginas da história da hu-
manidade abertas diante ·de nós, e a liçã.o fu ndamental que nos 
transmitem é de uma enorme fraude t órica e ideo lógic~ar­
ticulada para permitir que a supremacia ârio-euro-norte-ameri-
cana pudesse consumar sua imposiçã obr nós; e seu dictate 
econômico, sócio-cultural, ideológico polltlco nos modelasse 
qual uma camisa-de-força inevitável. 
Sob a lógica desse proc s , a massas negras -do 
Brasil só têm uma opção: d a par c r. jA an iquiladas pel~ 
força compulsória da miscigenação/assimll nçlio, ou através da 
ação direta da morte pura e s imples. t:: a s mbr so comprovar 
que uma dinâmica fatal de erradicação v m ifanido vidas 
negras, ininterruptamente, há quatro séculos. qu 1 apesar dessa 
espada sinistra suspensa sobre sua cab çn, negro jamais 
desfaleceu, nunca perdeu a esperança e a n rgln, s mpre esteve 
alerta à menor chance de recapturar os fios rompidos de sua 
própria história: começar e recomeça r f rç de dignificar 
seu ser, enriquecer sua cul'tura ori inal, 1 v. n 1 -a a um nível 
de verdadeira instituição nacional. N s ont xt obressai a 
pl'ena consciência do negro de qu 111 nt pod r ter um fu-
turo quando houver a transfonnaçll d ' t cl stru tura do 
país, em todos seus níveis: 
cultura, na política. O pov 
sua participação em todos 1 grnu 
de sua sobrevivência col tiva - e m 
nossa perspectiva, no que s r f r 
negro brasileiro difere da lut 
americanos. Aqui nos Estad s 
deada pela sociedade maj rlt ârl 
debaixo das variadas gradaçõ 
de descendência africana - o n gro 
luta do povo brasileiro. Se aband narm 11 tilos de racio-
cínio inerentes a cada um d s mro clomln tnl , verificaremos 
que o Brasil pratica na Américn d ' ui 11111 p lltica racial de 
conteúdo e conseqüência racistn - dl rlmlnntórla e segrega-
donista - baseada no exclu lvl m rn11 ~mln ritário exata-
mente nos moldes daquela praticada p 1 apart lstas da União 
Sul-Afrkana. 
22 
Não temos, no Brasil, de enfrentar o problema da 
t rra, que surge como uma questão básica 1ia luta do negro nos 
lados Unidos. Semelhantemente à situação dos irmãos negros 
d. União Sul-Africana, o que nos resta fazer é tomar posse e 
ntrole daquilo que nos pertence - ou seja, do país que edi-
ficamos ; e isto deverá ser realizado em fraterna igualdade e 
mu nhão com os poucos índios brasileiros que sobreviveram a 
idêntico massacre e espoliação racista sofridos pelos africanos. 
Não esqueçamos que enquanto os jesuítas tentavam domesticar 
aculturar os indígenas para, em seguida, serem sistematica-
mente dizimados, os africanos e seus descendentes construíam 
as fundações sócio-econômicas do país. Construíamos, enquanto 
e escória portuguesa que para aqui veio «COionizar, clVilizar., 
ristianizar» . torturava africanos, assassinava índios, estuprav 
negras e índias no fundo das redes, caçava com armas de logo 
aqueles africanos sublevado nos quilombos. São tempos pas-
ados e presentes, duramente produtivos. 
Uma possível tomada do poder pelos negros foi sempre 
um pesadelo perturbando o sono tranqüilo das classes dominan-
t s e governantes do país, durante todo o decorrer de nossa 
história. Por isso tornou-se um aspecto básico na concepção de 
uma técnica e de uma estratégia para o esmagamento e desa-
parecimento completo do negro do mapa demográfico. É obvio 
que não existem leis nem testemunhos escritos estabelecendo as 
linhas ide uma tal política, mas a documentação existente, do 
nlc io de 1800 até a metade deste século, é irrefutavelmente clara 
definitiva, conforme teremos oportunidade de examinar no 
apitulo 2. Aliás, os interesses que a fundamentam são tão 
profundos que se tornaram parte do inconsciente atuando ne-
S < tivamente nas oportunidades de trabalho, de moradia e de 
1· lucação - torna-se imperioso considerar a política imigratória 
d Brasil, concebida sob o explícito propósito de ário-europeizar 
população como uma prática metódica de tirar aos africanos 
1 seus descedentes os meios necessários de sobrevivência. O 
hl toriador Clóvis Moura nos recorda que 
Entraram mais ·imigrantes italianos nos 
30 anos depois da Lei Aurea do que escravos 
que foram beneficiados com a libertação. 
Com a Lei Aurea, a marginalização 
do negro estava instituída. 
(1977:27) 
23 
Ne$sa onda imigratória participavam também espanhóis, 
alemães, judeus, sírios, portugueses, poloneses, libaneses e ou-
tros; por último vierám os japoneses e os racistas brancos. ex-
pulsos ido antigo Congo belga (Zaire), de Angola e Moçamb~que, 
seguido dos fascistas que sobraram da queda do salazansmo 
em Portugal. Aí temos o proletariado artificial introduzido no 
país para deslocar os negros do mercado de trabalho «livr~»; 
ou, em outras palavras, um episódio cru e simples na his-
tória da espoliação do africano e seu descendente, sumaria-
mente excluído, violentamente expulso da classe trabalhadora. 
Todos os velhos barões latifundiários da cana-de-açúcar, do al-
godão ou do café, ou da borracha; os grandes comerciantes, os 
proprietários de terras improdutivas, os industriais e os ban-
queiros - toda a aristocracia rural e empresariado urbano -, 
todos foram e são de origem ário-européia, quer sejam do 
stock colonial português, quer provenham do stock mais recente 
da imigração. E enquanto os negros permanecem na base da 
escada social, durante quatro séculos, os imigrantes brancos que 
chegaram ao país em algumas décadas, ou, por assim dizer, há 
alguns dias, ascendem rapidamente a escala social e de todos os 
poderes, seja o econômico, o político ou o cultural'. Essa vertigi-
nosa mobilidade da sociedade brasileira não toca nem a pele negra 
da população majoritária. 
Manipuladores da utopia ideológica chamada «demo-
cracia racial», coletivo da classe dominante. Para que se ne-
cessitaria de uma legislação escrita, quando da prática social, da 
rotina existencial das camadas dominantes, resultou uma espécie 
de lei consuetudinária que sutilmente passou a integrar o elenco 
dos instrumentos básicos da politica do país? O exemplo de 
confrontação racial nos Estados Unidos aconselhou às nossas 
classes dirigentes um outro caminho; em lugar de um choque 
frontal entre pretos e brancos, a solução brasileira seria negar a 
existência do problema, negar, e sempre negar, que no Brasil 
exista qualquer tipo de questão ou problema de preconceito e 
discriminação raciais. Isto a :despeito das incontáveis denúncias 
da imprensa, das várias pesquisas da ciência social, dos livros 
publicados, dos depoimentos e das reivindicações coletivas dos 
afro-brasileiros, afirmando., provando o contrário. A classe do-
minante no Brasil procede como uma antecipação dos ensina-
mentos de Goebbels, o· famoso ideólogo do III Reich, de que a 
mentira, sustentada insistente e reiteradamente, é capaz de criar 
24 
uma nova verdade; em contrapartida, a vêrdade . passa a ser a 
mentira verdadeira. O Brasil oficial dispendeu grande esforço 
tentando criar a ficção histórica segundo a qual o país representa 
o único paraíso da harmonia racial sobre a terra, o modelo a 
er imitado pelo mundo. Não levou em conta a precariedade a 
l'ongo prazohistórico, do alcance eficaz da mentira-realidade 'ou 
da realidade-mentirosa que o próprio Goebbels tão bem exem-
plifica. Com a queda do colonialismo na Africa e o levante dos 
povos negros de todas as partes ido globo, também no Brasil 
~ de~i~tegra a parafernália de artifício, de subterfúgio, de 
h1pocns1a, montada para ocultar o crime que se pratica contra as 
massas negras. 
Entre os mecanismos executores do linchamento social 
do afro-brasileiro - deixando de lado a miscigenação compulsó-
ria, que significa o embranquecimento forçado do negro como 
único meio de melhoria sócio-econômica; indo além do precon-
ce ito de cor, da discriminação e ida segregação raciais·, os supre-
macistas brancos e brancóides manejam simultaneamente outras 
ferramentas de controle social' do povo negro, exercendo sobre 
le constante lavagem cerebral, visando entorpecer ou castrar sua 
capacidade de raciocínio. Esta tarefa vil quase não encontra 
bstáculos à sua frente, devido à situação de permanente penúria, 
fome, degradação física e moral, em que são mantidas as massas 
afro-brasileiras. Esta forma de mentecídio contribui muito signifi-
ativamente para o resultado ótimo buscado pela estratégia do 
cu aniquilamento total. Florestan Fernandes toca fundo no 
assunto, alertando-nos pa(á o que chama 
. . o «complexo» como formação 
psicodinâmica e sócio-dinâmica reativa, por 
meio da qual o branco invade a 
personalidade profunda do negro e debilita 
seu equilíbrio psíquico, 
o seu caráter e a sua vontade. 
(1972:273) 
Quais poderiam ser as conseqüências do fenômeno re-
krido? Uma dessas conseqüências pode ser. observada em São 
P. ulo, no coração do centro industrial do oaís. Lá se encon-
lrilm as tax~s mais altas de desemRrego e de suicídio entre os 
111 ros; o maior número de desequilibrados mentais está dentro 
25 1 ~ ... Flf. C. H11mana1 VFMG 
•l•LIOT•OA 
da comunidade negra; assim como furto, prostitu ição, roubo, 
enfim, delinqüência ou crime de natureza sócio-econômica, 
mostram -alta porcentagem· de negros. Mas há ainda a morta-
lidade infantil, a criança abandonada, a d linqíll!ncia infantil, 
setores onde os negros figuram em número u sproporcional à 
sua porcentagem na população- geral d Paulo. Em face 
de uma realidade tão chocante, c mo po f r mos esquecer ou 
perdoar? 
No Brasil, a minoria bran domina nte jamais hesitou 
em demonstrar e praticar sua 1 ai lld ri dade, de forma ativa, 
à sua origem étnica, cultu ral polltlco-militar, à Europa. Seus 
laços com Portugal, depois da ind p nd n ia d país, com graves 
implicações com o sangr nt govern e loni li ta de Salazar, 
testifica enfaticamente a permanência .desse c nluio o qual, seja 
dito, tem mais de subserviência e colonizaçã m ntal do que 
propriamente de honesta e dignificante lealdad . Adiante iremos 
examinar algumas das amostras daquela s lidariedaide entre 
«arianos» daquém e dalém mar, no capftul fina l do volume. 
Em tempo algum a autodenominada « n ciência nacional» 
brasileira questionou seriamente o comportam nt dessa classe 
dirigente, seus espúrios compromissos. A s li 1 ri dade européia 
e coesão racial , com sua contrapart brancn Américas, tem 
produzido enormes benefícios (para 1 s) lidado o poder 
em ambos os lados. 
Se a recíproca é v rdad ira, inda qu cm potencial, 
chegou o instante histórico d a m i ria n gr do Brasil, sem 
mesmo necessi tar de justificaçã , r .itar 11s liames com a 
Africa original, solidarizando- e m irma africanos do 
continente e da diáspora, m t d l n s de sua luta por 
independência, liberdade e dignlidad . r isa ir além o negro 
brasileiro: deve ele sustentar sua a fri anidaid m nível de poder, 
assim firmando um lugar próprio no nc rto das nações afri-
canas e negras. Institucionalizar o Bra il N gr - eis a exi-
gência que grita sua urgência na encruzi lhada de nossa história. 
Um Brasil Negro que substitua o poder ora vigente, destituído 
de legitimidade, ficção do poder ariocapi tal'ista e servo mimé-
tico do Euro-Estados-Unidos. 
Para a institucionalização do poder com base na au-
todeterminação das massas afro-brasileiras, temos o exemplo 
inspirador do Quilombo dos Palmares: isto significa ria a adoção 
da -estrutura progressist_a do comunalismo tradicional da Africa, 
2ô 
cuja longa experiência demonstrou que em seu seio não há lugar 
para exploradores e explorados. Aceitar o comunalismo africano, 
si tuá-lo no contexto das exigências conceituais, funcionais, e 
práticas da atualidade, significaria nada mais do que tornar a 
história a favor de nós mesmos. Valeria como optar por uma 
qualidade de socialismo cujo funcionamento na Africa tem a 
anção de vários séculos, muito antes que os teóricos europeus 
formulassem a sua definição «científica» de socialismo. Convém 
lembrar as palavras de um verdadeiro- líder africano, Amílcar 
abra!, ao se referir aos positivos valores culturais da Africa: 
. . . a luta de libertação é, acima de tudo, 
uma luta tanto para a preservação e 
sobrevivência dos valores culturais do povo, 
quanto para a harmonização- e desenvolvimento 
desses valores dentro da estrutura nacional. 
(1973:48) 
Considerando o ser humano como a autêntica base .do 
p der, a maioria de descendência africana terá condições de 
liminar, no Brasil, apoiada nesse comunalismo devidamente 
• lual izaido, os privilégios econômicos, políticos, culturais e so-
lais que atualmente institucionalizam as estruturas do poder. 
l't ra aqueles reacionários decrépitos, paladinos de nosso perma-
11 nte atraso, assumir nossa própria identidade, proclamar nosso 
dlr ito legítimo ao poder, é o mesmo que praticar um racismo 
avessas. Estes recusam qual'quer razão ou o esclarecimento 
111, Is lógico e justo. São dogmáticos neste ponto. Entretanto, 
1 lnki Madhubuti tem uma frase clara, simples e definitiva: 
É necessário esclarecer que ninguém 
está contra os brancos porque eles são brancos 
- estamos contra os brancos por causa da 
irrefutável documentação de sua guerra 
continua contra os negros. 
Nós estamos a favor dos negros 
( 1977: 242; grifo no original). 
Todos os ensaios foram revistos, corrigidos, cortados 
r scentados, fato que pode ter alterado a dimensão ou a 
riginal, mas que não modificou o sentido do seu res-
27 
p ctivo conteúdo. ~t~anscreve o paper que preparei 
para o VI Gongresso Pafl-Áfricano, a pedido do Ministro ido 
Exterior da Tanzânia Mr. John Malecela, Chairman do Steer-ing 
Committee .do Congresso, realizado em junho de 197 4 em 
Dar-es-Salaam. Já me encontrava em Nova York, procedente de 
Buffalo, a fim de participar da reunião na qualidade de dele-
gado brasileiro e único sul-americano, quando recebi telegrama 
de Mr. Malecela, simultaneamente, mas independentes entre si, 
com a informação de que a delegação da Guiana e o coordenador 
da região Caribe-América do Sul, o irmão Eusi Kwayama, ti-
nham sido impedidos de viajar para a Tanzânia e excluídos do 
Congresso. Após momentos de perplexidade, vacilando entre não 
comparecer a Dar-es-Salaam em solidariedade à delegação d'a 
Guiana - a opção do líder pan-africanista C. L. R. James -
e estar presente ao Congresso e protestar contra a inaceitável 
discriminação, decidi pelo último caminho, comparecendo. En-
quanto lia meu discurso para a assembléia, recebi cerca de três 
ou quatro avisos escritos do presidente do Congresso Mr. Aboud 
Jumbe, Primeiro Vice-Presidente da Tanzânia, para que não me 
alongasse em meu pronunciamento; eu deveria terminar no ato, 
supostamente por carência de tempo. Todavia eu tinha ouvido 
vários delegados de outros países usarem a tribuna freqüente-
mente, e seus longos discursos não eram perturbados. Houve 
uma linha ideológica imposta rigidamente sobre o Congresso 
por certas facções, a qual será discutida mais adiante; a tenta-
tiva de me fazer calar serve como amostra do clima predominante. 
Insisti, não abandonei a tribuna, e ao microfone continuei a 
leitura até o final do paper. Era irônico, naqueles instantes, 
lembrar que a força inspiradora do VI CongressoPan-Africano 
e seu original organizador, C. L. R. James, na etapa prepara-
tória em Washington D. C., teve um encontro comigo articulado 
pelo nosso velho companheiro de lutas Roosevelt Brown. Na-
quela ocasião Mr. James expressou sua intenção de dedicar um 
dia inteiro da sessão plenária do Congresso para discutir a si-
tuação brasileira; com toda a razão, Mr. James considerava o 
despertar da consciência do afro-brasileiro um fato de decisiva 
importância à causa pan-africana. Somos a maior nação negra 
fora do continente africano, com mais de 70 milhões de des-
cendentes dos ex-escravos. E naquele Congresso eu represen-
tava não apenas o Brasil, mas todo o continente da América do 
Sul, além de que apresentava um estudo que me fora solicitado. 
28 
entanto, tentavam silenciar-me! Embora estivesse limitado 
p las f.egras do regimento interno, ao finalizar meu discurso 
d lxei registrado meu desacordo com a política de exclusão ou 
d intimidação patrocinadas por governos reacionários de 
ualquer coloração ideológica. 
Durante uma conferência preparatória do Congresso, 
r alizada em Kingston, Jamaica, em 1973, tive oportunidade de 
nhecer pessoalmente a Sra. Amy Jacques Garvey, viúva de 
Marcus Garvey e autora de idois importantes livros sobre o 
arveysmo. Em sua agradável casa rodeada de um pomar, 
p ssamos uma tarde trocando idéias e informações sobre a luta 
n gra; pequenos desacordos e muitos acordos com aquela ines-
quecível mulher negra que doou toda sua energia, inteligência e 
ração nas muitas batalhas de libertação da raça. Pouco tempo 
d pois desse encontro Mrs. Garvey faleceu, mas a fortaleza do 
u espírito continua nos inspirando e transmitindo energias. 
Na manhã seguinte ao ato inaugural do Congresso em 
ar-es-Salaam, fui recebido na State House para uma audiência 
privada com o Presbdente Julius Nyerere que durou duas horas. · 
1 urante os poucos minutos que estive ·na sala de espera, revi 
nn memória a imagem daquele Presidente que conheci no dia:' 
• nterior, primeiro de longe, no salão cheio do Congresso, 
1uando ele pronunciou o discurso inaugural; depois, na noite 
1 sse mesmo dia, quando o Presidente deu uma recepção aos 
ngressistas no jardim da State House, quando comparamos 
11 ssos cabelos brancos e rimos. Então vi aquele riso tão puro 
seu rosto mostrava uma alegria resplandecente de criança; 
v rdadeiramente eu estava diante da face radiante da Africa, 
livre e plena de esperanças. . . Mantive com o Presidente 
yerere uma conversa franca sobre a situação racial no Brasil, 
deixei seu agradável e simples gabinete com meu espírito en-
uecido pela comunicabilidade inteligente e humana daquele 
lld r africano. 
Um problema sério que defronta qualquer participação 
r -brasileira em evento internacional dessa natureza está no 
lusivismo lingüístico que exige dos africanos que falam por-
tu uês - o grande contingente que inclui Brasil, Angola, Mo-
mbique e Guiné-Bissau - o uso obrigatório do inglês ou do 
111cês, exigência que significa para nós uma dupla colonização 
m termos de linguagem. A necessidade de tradução especial 
meu discurso, já que o serviço normal de tradução do 
29 
Congresso não incluía o português, impunha um tempo dobrado 
para .minha intervenção. Nesse difícil transe fui assistido _pelo 
corajoso esforço de. uma mulher francesa, membro do corp_o 
oficial de tradutores fornecido pela OAU, que, embora nao 
fosse tradutora de português, fez o melhor que pôde, com o por-
tuguês restrito que conhecia, e forneceu uma tradução simultâ-
nea do meu discurso para o francês ; isto permitiu que o que ey 
disse pudesse também transitar pelos canais das línguas i~gles~ 
e árabe. Quero apresentar minhas sinceras desculpas por nao ter 
guardado o nome dessa mulher da França, porém, mesmo assim, 
expresso a ela meu especial agradecimento por sua inesquecível 
dedicação e gentileza. 
O Capítulo o meu discurso ao Encounter: African 
World Alterna 1ves, promovido em Dacar, Senegal, e organizado 
pelo esforço enérgico de Wole Soyinka, manejan~o ~s arm~s 
forjadas por Ogun em seu nunca acabado salt_o trans1tóno atra_v~s 
do abismo existencial, rumo à liberdade afncana. Ao contrano 
do encontro de Dar-es-Salaam, cujo documento final ressoa como 
o próprio atestado de óbito da idéia pan-africana, a reunião de 
Dacar, sem a interferência de poderes governamentais ou de 
delegações oficiais tocando suas próprias fanfarras, decorreu e!11 
clima construtivo. No final dos trabalhos votou-se uma moçao 
de solidariedade à luta armada do MPLA em Angola; criou-se 
uma Associação de Pesqu isadores do Mundo Africano, sob a 
presidência de Cheikh Anta Diop; estes foram f_atos ~ositi_vos pa:a 
nossa organização internacional, comprometida na llbertaçao 
total do continente. A União dos Escritores dos Povos Africanos, 
patrocinadora da conferência, aprovou sua constituição e tomou 
drásticas decisões para a adoção de uma língua africana - o 
Swahili - como língua franca pela qual todos os africanos 
pudessem finalmente comunicar-se entre si. Mas enquanto a 
língua comum para o continente e a diáspora não for realidade, 
as dificuldades prosseguem; e eu teria de enfrentar novamente 
o problema da tradução, e, conseqüentemente, pressionado sob as 
implacáveis limitações de tempo. 
Dividido em duas partes, o Ca itulo 3 é constituído de 
dois seminários ministrados no Departamen o de Línguas e Li-
teraturas Africanas, Universidade de Ife, na Nigéria. Àquela 
época dirigido pelo professor Wande Abimbola, esse depart~­
mento cumpria um papel extremamente relevante na errad1caçao 
dos males produzidos pela colonização mental e cultural dos 
30 
kanos. Nessa linha de orientação, os val'ores africanos de 
ltura, religião, língua, filosofia, artes, história, costumes -
tcrnat'camente negados, distorcidos ou subestimados durante o 
lonialismo inglês - estão sendo reafirmados, recuperados 
marginalização, da degradação e da vergonha, reconhecidos 
r taurados em suas inerentes e relevantes funções sócio-cultu-
1 numa sociedade nigeriana que progressivamente assegura 
u;1 orig inalidade e soberan ia . A Universidade de Ife mantém 
Inda um Projeto das Culturas Africanas na Diáspora - sob a 
. ponsabilidade dos professores Abimbola, Soremekun e Akin-
- o qual, por seus objetivos básicos, i"mplicitamente 
tfl envolvido em todos os movimentos, esforços ou iniciativas 
f rentes às culturas de origem africana nas Américas. Seria 
111 ato de grande visão e sabedoria, no âmbito da' política 
ultural pan-africana, se aquela universidade enfatizasse esse 
rr jcto dentro de sua estrutura acadêmica, com recursos finan-
' lros e todos os meios necessários, a fim de que o Projeto 
11t.J sse expandir e estabilizar as atividades que tão auspiciosa-
' •nte iniciou, com apreciáveis trabalhos de pesquisa, estudos e 
nl rcâmbios entre , Africa: o continente e a diáspora. Aquele 
1•minário do Corpo Docente, mantido pelo Departamento de 
1 guas e Literaturas Africanas, foi para mim um forum alta-
1111·nte informativo e estimulante. Oportunidade de contato hu-
lllí"1 e intercâmbio acadêmico - embora fique consignado o 
.1r:\ter confessadamente não-acadêmico e não-scholar de minha 
1111tribuição. Minhas calorosas congratulações ao Departamento 
por ter cr iado veículo tão efetivo de izado e ensino. 
Encerrando o volume, Ca ítulo 4 transcreve minha 
1 11tri b11ição ao I Congresso das Culturas Negras nas Américas, 
wn tecido em Cáli, Colômbia, em agosto de 1977, no qual 
pr ·ntei, na qualidade de delegado do Brasil, o Projeto das 
11lturas Africanas na Diáspora, da Universbdade de lfe, Nigéria. 
1 ui eleito pres 'dente do Grupo de Trabalho D - Etnia e 
f . cigenação; .no fim desta Introdução transcrevo excertos das 
onclusões e Recomendações votadas por esse Grupo. Infeliz-
1111111 , as recomendações completas do Congresso não se achavam 
f níveis quando organizava o presente livro. Entretanto estas 
publicarei no final , votadas pelo Grupo D, foram aprovadas 
/\ssembléia Geral do Congresso, eoriginalmente redigidas 
11 panhol. Como assessora do grupo elegeu-se a antropóloga 
lnm iana Nina S. de Friedmann. 
31 
Sem dúvida o congresso de Cáli marcou um passo 
adiante na história · africana da diáspora; pela primeira vez em 
400 anos, os negros das três Américas se reuniram, depois que 
seus ascendentes africanos, trazidos à força para a escravização 
no Novo Mundo, foram divididos e isolados. O leitor dos Es-
tados Unidos deve ter notado que evitei o uso do termo «afro-
americano» ou «negro-americano» para qualificar os negros 
desse país. Uma tentativa para estabelecer e afirmar o fato de 
que os Estados Unidos não esgotam as Américas: afro-ameri-
canos e negro-americanos podem ser encontrados desde o norte 
do Canadá ao extremo sul da Argentina. O monopólio no uso 
dessa expressão pelos negros norte-americanos tende a obscure-
cer neles a lembrança dos negros das outras partes do continente. 
O Congresso das Culturas Negras das Américas reforçou os 
liames de nossa unidade como povos negros de todas as Américas. 
Em Cáli atuamos num ritmo e numa atmosfera bastante favorá-
veis; nem as discussões, nem as votações sofreram qualquer 
censura de caráter ideológico ou repressão político-partidária. O 
único episódio negativo registrou-se nas típicas manipulações 
burocráticas, tradicionais no comportameoto do racismo brasileiro 
e da ditaidura militar que nos «governa», impedindo o compareci-
mento da delegação brasilei ra ao Congresso, encabeçada pelo 
historiador Clóvis Moura. Teria sido a mais numerosa dele-
gação no congresso, na correta proporção da presença majoritária 
afro-brasileira na respectiva população do país, bem como 
relativamente à população n gra pecf fica de cada país ame-
ricano. 
Entre as recom ndaçõ s ad tadas p lo Congresso, houve 
uma que apresentei ap land dand continuidade à decisão 
votada pela União id scrít r s African s, em Dacar: a re-
comendação do ensino d uma lln ua africana em todas as 
universidades de pafs s am ri an e m p pulação negra; assim, 
a longo prazo, em esforç rd nad c m a ação semelhante no 
continente, todos os african pod rã um d ia dispensar em sua 
comunicação recíproca lnt rm diári lingüísticos alienígenas. 
É oportuno mencionar aqui outr fat de relação lingüística: 
entre os eventos de Dacar de áli , t v lugar o II Festival 
Mundial de Artes e Cultura N gra e Africanas, em Lagos, 
Nigéria, em janeiro-fevereiro de 1977. Ne sa ocasião foi apro-
vada pelo Colóquio daquele Festival uma proposta de minha 
autoria incluindo o português como uma das lf nguas oficiais em 
32 
f do futuro encontro internacional do mund f . 
0 a d' - - o a ncano urante . iscussao e votaçao dessa proposta contei co : .. 
do eminente teórico e lútador negro norte m ~ apo10 . dec1S!VQ 
Kare o 1 t -amencano Dr Rori nga. re a o completo de minha polêmica f ·. :. 
, o l ~quio. ~e Lagos, perturbada pelo constante ett~~ç1~1pd;a~el~~ 
gaçao oficial do governo brasileiro em tentar ·1 ·. ·• 
nas páginas do meu livro O Genocídio do me si enc1ar,. e_~ta 
dição Paz e Terra, 1978. Negro Brasileiro, 
Ao encerramento de . s:us trabalhos, o plenário do 
ongresso de Cáli tomou a dec1sao de 
las Culturas Negras nas Américas ~~m~v9e7r9 o II Congress.o 
i1 s d . . 1 , no Panama 
. eguran o a continuidade desse laço vital ao f t d ' 
n gros no No o M d E . u uro os povos 
~ . un o. speremos que nessa próxima ·reunião 
negros braslleiros possam comparecer e pa f . 1 
m perturbações, restrições ou ameaças. r icipar p enamen!e, 
. - Quero por fim tornar públicos meus sentimentos de 
gra tidao ao Centro de Pesquisas e Estudos p t . 
Puerto Rican Studies and Research Center) d o~o~nqu~nhos 
lo Estado de Nova York em Buffalo (State U .ª _niverfsidade 
Y l t B ff nivers1ty o New or < a u alo)' pelo apoio que tem dis ensad . 
mais de sete ª .nos . M~us colegas e her!anos ~r~n~~~o d~:~~t: 
Alfredo Mat11Ja, assim como os estudantes p t . .h 
t m sido fonte de inspiração coragem e or o-nquen os, 
li t 1 • esperança, em nossa 
r a comum pe a descolonizaç~o, liberdade, igualdade é di nid~de 
ti s povos negros de Porto Rico e Brasil Meus a d !f t 
t Depa t t d L' · gra ecimen os ' r amen o e mguas e Literaturas Africanas U . . 
d:tde de lfe, pelo estímulo que me ofereceu durante ' mvers1-
I. passei como Professor Visitante em Ilé If. M o ano q~e 
1 t t d · ' - e. eu reconheci-
' icln o es e~be:se ainda a todos aqueles que de uma forma ou de 
•Ili ra contn tttram para a existência deste r . . . 
l 0111 0 t t ivro, se1a discutindo a~ or os e~as e idéias nele contidos, seja colaborando 
11. lraduçao ou datilografando os textos Entre t 
1 m CI. . B . - . es es se encon-
ov1s .. ngaga~, Nanci Valadares, Vera Beato Kath n 
1 v rna, Max1mo Sonano, Érica Fritz e minha mulh ' Er ry 
111 m es te livro muito deve. ' er isa, a 
A. N. 
Centro 
Universidade do Estado de Nova y k 
de Pe · or squ1sas e Estudos Porto-riquenhos 
Buffalo, 13 de maio de 1978 
33 
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34 
1 CONGRESSO DAS CULTURAS NEGRAS DAS AMÉRICAS 
Grupo D - Etnia e Mestiçagem 
(excerto das Conclusões e Recomendações propostas 
pelo Grupo e aprovadas 
pela assembléia geral do Congresso) 
Conclusões 
Embora nos Estados Unidos certas leis particulares do 
cismo tenham sido abolidas, na atualidade a discriminação 
rncial é exercida em nível privado e institucional de uma maneira 
que pretende ser encoberta, mas que continua protegida pela lei. 
Na América Latina se pratica a discriminação racial de 
m neira mascarada sutil, aberta ou encoberta. 
Tal discrimina ão utiliza as diferen es to de.. co.t:. 
1 pidérmica do negro como mecanismo para conseguir que o ho-
m m ne ro desa · · en.to, 
<LJJ.W:LM.a.....WJ....J.l.!.Wl!.S!;!!.....!~~~a~r a~o~b~te~r...2!.m e lho res co · ç.Q_es d e 
~ 11Le..caojsm se destrói a solidariedade po-
11 11 a, econômica, religiosa e familiar dos grupos negro-s.--
A- contínua repetição do tratamento daido pelos brancos 
o negros no passado, sem enfatizar suas realizações criativas e 
11 .1 participação na construção da América, é outra maneira de 
l . criminação. 
A atitude adotada por intelectuais de orientações polí-
particulares que negam a existência da questão racial como 
1111 elemento que participa na existência de problemas sociais, sus-
t 11 lando que a situação é de ricos e pobres, oprimidos e opressores, 
uma maneira de discriminação racial. 
Recç1m~n4_ações · 
II. Debatendo a situação racial na Colômbia, focalizou-se 
a ausência de participação do negro na economia e na políticado 
país, assim como as causas da mesma. Foi aprovada um~ ~ro­
posta tendo-se em conta que, além do telão de fundo econom1co-
social, existe o elemento raça usado para negar ao negro uma 
devida participação, em todos os níveis, na vida do país. 
- A criação de uma consciência política e social que 
promova uma autêntica participação ido negro na Co-
lômbia e em outros países da América. E, para esse 
efeito, desvirtuar todos os esquemas homogeneizantes que 
reúnem o lumpen branco, negro ou indígena, ou o prole-
tariado branco, negro ou indígena, num só bloco que 
não leva em conta a interiorização do domínio que os 
grupos brancos exercem sobre os não-brancos. 
III. Tendo-se em conta o perigo iminente do Brasil , 
Argentina e Chile, que por inspiração dos Estados Unidos estão 
em negociações, em colaboração com a União Sul-Africana, p~~a 
assinar um Tratado do Atlântico Sul que integraria a Umao 
Sul-Africana no perímetro de defesa dos Estados Unidos e do 
mundo ocidental, o que efetivamente seria um pacto militar 
ofensivo contra os negro-africanos do sul da Africa, foi aprovada 
a seguinte proposta: 
- Que o Congresso se dirija aos governos dos Esta-
dos Unidos, Brasil, Argentina, Chile, às Nações Unidas, 
à Organização dos Estados Americanos e à Organiza-
ção da U nidaide Africana, manifes tando nossa repulsa 
e nossa enérgica oposição às manobras e conversações, 
diplomáticas ou militares, ou qualquer tipo de fato que 
possa conduzir à realização de uma Aliança ou Tratado 
do Atlântico Sul', ou à criação de qualquer outro orga-
nismo que disfarce o objetivo de colaborar com os cri-
minosos racistas que encabeçam os governos dos 
Estados do sul da Africa. 
IV. Enfrentando a pergunta de como resolver os pro-
blemas de discriminação e racismo que o negro sofre E. reco-
36 
que eles ·surgem · de um sistema institucionalizado 
e vasto, afirmamos que 
- Os descendentes africanos das Américas terão que 
estar conscientes que seus problemas não se resolverão 
com pequenas modificações ou reformas de natureza 
tópica, senão que se necessitará de uma mudança 
estrutural básica da sociedade e do sistema econômico-
político vigente. Portanto, não nos limitaremos a uma 
atuação no !ano intelectual elitista senão 
--.!:Lgtremos aos povos trabalhadores, marginalizados, 
analfabetos, inclusive, a fim de trabalhar com eles rumo 
a uma ven a eira revo ução de caráter econômico, social, 
político e cultural que nâo permita nem a exp oraçao 
nem o racismo. 
VI. Conside_rando a necessidade de instrumentos para 
oncretizar os ideais e os objetivos de estudo, intercâmbio de 
ld ias e de estratégias ide Juta, se propõe: 
- A criação de organismos dinâmicos em cada país, 
encarregados de investigar, dirigir, desenvolver e apoiar 
todas as atividades tendentes a transformar as estru-
turas econômicas e sociais, tendo-se em conta a liber-
tação do negro nas Américas. Haverá um organismo 
central confederado no qual cada país tenha um ,dele-
gado. Tal organismo constaria das seguintes seções, 
entre outras: 
a) Atividades política e estratégica (Ação) 
b) Atividade cultural (Ciências, Artes, Economia) 
c) Desenvolvimento tecnológico. 
VII. Discutindo o problema da comunicação dos ides-
' 11 lentes africanos com seus irmãos no Continente, e conside-
0111d que devemos erradicar todas as formas de colonização, 
111 lus ive a lingüística, 
- Foi proposto aos órgãos educativos dos países da 
América o ensino de uma língua africana, a qual, a 
longo prazo, possa ser utilizada como instrumento de 
37 
educação e comunicação universal entre os negros de 
todo o mundo. 
IX. Na discussão do conceito ide que o negro tem sido 
um co-colonizador em diferentes países da América, surgiu a 
recomendação seguinte: 
- Que tendo-se em conta que em muitos estudos es-
critos o negro tem sido assinalado como um co-colo-
nizador da América e que a colonização foi uma obra 
de genocídio físico e cul'tural realizado pela cultura 
ocidental, Solicitamos que se retifique essa noção, es-
clarecendo que, pelo contrário, a participação do negro 
foi como um dos construtores da América. 
XI. Em todos os países da América se observam fe-
nômenos ,de dispersão e de divisão entre pessoas desprevenidas 
como resultado de manipulação do poder dominante, econômico 
e sócio-político. Assim, 
- Esta denúncia exorta aqueles que são vítimas d 
( tais manobras, para que impeçam com sua sensatez que 
se estimule a divisão e a confrontação entre grupos 
l negros, já que isto só favorece os seus exploradores. 
38 
DOCUMENTO Nt 2 
REVOLUÇÃO CULTURAL 
E FUTURO DO PAN-AFRICANISMO 
Apresentado à assembléia geral 
VI Congresso Pan-Africano 
23 de junho de 1974 
Dar-es-Salaam, Tanzânia 
... nós, negros africanos~ t:m?s sido 
convidados sem muita ins1stencia . 
a nos submetermos a uma segunda epoca 
de colonização - esta v~z por Uf1!ª. 
abstração universal-humanóide. def 1md~ 
e conduzida por indivíduos cuias teonas ~ 
e prescrições são derivadas da apreensao 
do seu mundo e sua história, 
suas neuroses sociais 
e seu sistema de valores. 
Wole Soyinka 
M yth, Literature artd the Af rican W orld 
Em primeiro lugar desejo agradecer ao Presidente Julius 
Nyerere, ao Partido TANU e ao povo da Tanzânia a calorosa 
fraterna recepção oferecida a este representante das massas 
n gras do Brasil. Gostaria de expressar também a incondicional 
lidariedade dos afro-brasileiros aos movimentos armados de 
libertação nacional e às guerras contra o colonialismo no con-
tinente africano sustentadas por nossos irmãos africanos. 
Isto que hoje constitui as aspirações do pan-africanismo 
f i uma realidade para os nossos ancestrais. Eles viveram numa 
t rra que era deles, possuíam suas próprias culturas, religiões, 
llnguas, civilizações e estilos de vida; unicamente eles eram os 
d nos dos frutos resultantes do seu trabalho, dos quais .dispunham 
gundo seus interesses e desejos (Diop 1977 e 1978). Aquela 
h rmonia - homem, natureza, trabalho e cultura: existência e 
lvência no continente - foi rompida pela invasão imperialista 
t uropéia e sua cons·eqüente espoliação colonial. Presumo que 
te VI Congresso Pan-Africano real'iza-se sob a é 1ae daquele 
livre espírito original qu~ inspira toda luta pan-africana. Es 
pois o Congresso da unidade ferida e inter.!Q!!J ida, .s.-q 
n. apenãS os africanos do continente, mas os ovos negros 
1 todo o mundo, dese·am resgatar, recompor e enriquecer, se-
ttndo as necessidades de modernização imposfãSPela constru-
,de uma ~ocieda e industrializa a e p rogress1s a. 
Em linhas muito grosseiras e gerais, talvez sejam estas 
circunstâncias his.tóricas existentes na Africa e no cenário 
rnacional que presidem e tornam significativo este Congresso 
11 qual ora participamos. Atravessamos uma longa e árdua estrada 
de o primeiro desses Congressos, até chegarmos a este que 
r sexto nà linha de sua sucessão. 
Com efeito, a partir do domínio colonial, desenvolveu-se 
os povos africanos a pungente consciência da tragédia que 
traduziu na ocupação do seu continente, e agora progredimos 
rumo ao que hoje revela e confirma o processo de libertação 
pan-africana. Constituíamos o ser invadido, estuprado e explo-
rado - a terra africana ocupada, seus filhos e filhas raptados 
e avaliados apenas por seu serviçalismo; seus recursos naturais 
desviados do seu destino de direito para a ilegítima acumulação 
da riqueza material do Ocidente; desse ponto, marchamos agora 
para a ,direção oposta: rumo ao processo de formação e pro-
moção do autogoverno soberano. Aquilo que significava espírito 
na Africa foi transformado em capital na Europa/ Amériea do 
Norte. O que era ser -humano foi reêficado nas terras do capi-
talismo, ou .nativizado em sua própria pátria de origem, pelos in-
teresses e abusos do racismo colonial, primo gêmeo do impe-
rialismo europeu. 
A restituição aos africanos daquilo que era antes uni-
camente seu, neste momento histórico de crise aguda do capi-
talismo, apresenta necessariamente implicações de relevantefunção ecumênica. Pois uma vez mais a redenção do oprimido, 
em sua plena consciência histórica, torna-se em instrumento de 
libertação do opressor encurralado nas prisões a que foi condu-
zido pela ilusão ida conquista. 
Cultura: uma unidade criativa 
É geral o reconhecimento de que a chamada cultura 
do Ocidente chegou a um ponto visfv 1 de impasse que denuncia 
sua exaustão histórica. Extinguiu-se a vigência funcional e 
criativa que a caracterizava, seu declínio produziu as tensões na 
humanidade contemporânea, e os pov s se defrontam e con-
frontam-se em porções cada vez mais d s integradas e inimigas. 
O império em decadência aí está, exangu e perplexo, e sua única 
alternativa são as guerras. Assim c nstatamos facilmente que 
aquelas sociedades mais intrinsecamente ocidentalizadas são as 
menos capazes de deter o acelerado processo da própria dete-
rioração. Dessa circunstância advém a certeza de que o de-
sempenho de um papel não apenas importante, como urgente, 
está desafiando o potencial criativo de todos os povos, nações, 
homens e mulheres. E nesta etapa da trajetória humana, vemos 
emergir, num certo lugar da terra, um ponto insuspeitado, alguma 
coisa intrigante, talvez um mistério histórico: o fenômeno da 
cultura de uma área específica, até agora marginaliza 'lia, proje-
tando-se na direção da área de expansão ecumênica. 
42 
. Falo das culturas africanas d 
dizer, culturas dos africanos e as culturas negras, quer 
as destes últimos podem ou n~ de se~s ~escendentes na diáspora ; 
são típicas das comunidad o ser inteiramente africanas, porém 
E são todas essas culturas es negras em seus respectivos países. 
colhidas criticamente par ' comt· s~as nuanças características es-
. a cons 1tu1r uma unid d Jºb progressista que suportam t a e 1 ertadora e e ' ' e es ruturam a cult f . om Am1Jcar Cabral sabemos ura pan-a ncana. 
cultura, para fazer a h1"stó . e( lq9ueremos «preservar e criar a 
na» 73: 14). 
Neste VI Congresso d , 
termos de detalhes nert· t po era ocorrer nosso desacordo em 
" inen es a nossas va · d · 
assim como a nossas articul . . _na as contnbuições, 
nho a ser trilhado parap a co ar.e~ vrsuahzaçoes do melhor cami-
o elemento básico está n nqurs. a do futuro. Não imporfa ; pois 
o conceito da unidad f · contra a exploração do . e a ncana na Juta 
seus agentes que aqui spovof. negro, seja pelo imperialismo ou 
' e a 1rma como a es A • nosso encontro Que . senc1a mesma do 
. · mais poderia ser a lt 
unidade criativa de forças d cu ura senão a -
dispersas e enfraquecidas que, e outra. for~a, poderiam estar 
T A • em suas próprias singularidades? 
anzama compreendeu nossa . - . . . 
deste país está absorv·d pos1çao histórica. O povo 
· 1 o em autoquestion t interrogativa do futuro. é - amen os, numa reflexão 
' por m em açao sim Ir · aquelas experiências do seu ' u anea, incorpora 
sua existência do presente p~sa~o que se mostram válidas à 
crescentemente significativa ; o uturo.. Sua cultura torna-se 
- o Ujamaa por exemplo . ua p~rspectiva global da sociedade 
gotado conteÚdo histórico ;-- revde a-se uma experiência de ines-
' ornan o-se um símbol 
convergem a atenção internacional e o para o qual 
massas dos povos negros O p .d as esperanças das grandes 
todos nós quando afirma. rdes1 ente Julius Nyerere fala por 
nosso ever de · 
Reconquistar nossa antiga atitude mental 
- nosso tr~dicional socialismo africano 
- e aplicá-lo nas novas sociedades 
que estamos edificando hoje. 
(1974:8) 
Explícita e lisamente 0 p · 
li ssa identidade cultural que d" . residente Nyerere aponta 
ut1 de apelativo, já que Ujama~pensa 0 empréstimo de conceito 
43 
\ 
. . . descreve nosso socialismo. Ele se opõe 
ao capitalismo, o quál procura edificar uma 
sociedade feliz baseado na exploração do 
homem pelo homem; ele igualmente se opõe 
ao socialismo doutrinário que procura 
edificar uma sociedade feliz baseado na 
filosofia do inevitável conflito entre o 
homem e o homem. 
(1974: 12) 
Segundo minha própria perspectiva, a noção de auto-
suficiência ( selfreliance) mergulha suas raízes na mitopoesia, isto 
é, no espaço profundo onde a cultura exerce uma função crítica 
imanente ao seu fundamento criativo e libertador do ser humano 
e da sociedade nacional. O Presidente da Tanzânia afirmou 
várias vezes que tanto a terra como o poder da criatividade ar-
tística são doações de Deus: ambos constituem instrumentos 
de similar importância no processo da revolução pan-africana 
( 1974 :2). 
Permitam-me definir o que entendo como sendo o nosso 
objetivo. Fique desde logo claro que não se trata do problema 
de introduzir um novo e não provado conhecimento para preen-
cher um suposto vazio que importa de imediato para o futuro 
da Africa e dos africanos, mas de renovar, criticar, ampliar e 
atualizar nosso conhecimento já existente. 
Tentarei esquematizar os elementos necessários à revo-
lução pan-africana. Um deles está na possibilidade e na pro-
messa de libertação da personalidade humana, sem a abdicação 
de sua responsabilidade como um ser histórico. Conseqüente-
mente, os homens e mulheres africanos devem demonstrar a si 
mesmos que são capazes de transformar as circunstâncias nas 
quais eles vivem; e que tendo sido um povo que foi submetido 
e conduzido por outros recuperou a capacidade de conduzir 
seu próprio de·stino; que são, portanto, capazes de reaver a 
história roubada e manter permanentemente a soberania sob 
seu próprio legado cole.tivo; que eles podem e desejam liber a 
si mesmos daqueles instrumentos estrangeiros .de d~minação que 
no passado os oprimiram e alienaram; e que vig0rosa e decidi-
damente rejeitam todas as forças de exploração e submissão. 
De um lado, é necessário reafirmar nossa tradicional in-
tegridade presidida pelos valores igualitários .de nossa sociedade 
44 
pan-africana: cooperação criativid d . 
coletivas. Ao mesmo tem~o t ª e'. prop~1edade e riqueza 
tradição em um ativo viável ' orn~-se imperativo transformar a 
pelo crivo crítico seu~ aspect~s o~~rv u~o ser soei:!,. fazendo passar 
palavras, 'atualizando a tradiç- a ~res _anacronicos; em outras 
temporâneas as culturas af . ao, mo ernizando-a. Tornar con-
lt ncanas e negras na dinâ . d cu ura pan-africana mund' 1 . mica e uma 
parece ser 0 objetivo pri~~ '. prog~essrsta ~ .anticapitalista, me 
espera de nós todos Com an?, t a ~r:efa bas1ca que a história 
~ínua luta contra o . imperi~li~~~g~a instrument? .de uma ~on­
J unto com as efetivas estratégias e ôo . neocol??iahsmo, forjada 
progressista pan-africana ser, co~ mico-pol~ttcas,. essa cul'tura 
libertação. a um e emento pnmordiaJ da nossa 
Há os que situam as trad· - f · 
como pertencentes à fase iço.es ~ ncanas do comunalismo 
mundial, sendo, portanto tra/r~-cap1tal~sta do .desenvolvimento 
recedoras de rejeição. 'Esses içoes arca!cas e pe~emptas, só me-
ainda pela ausência d . q~e assim raciocmam concluem 
de economia «primitiv:» r~1onal;dade «ci.entífica» naquele tipo 
Devemos rejeitar tais juliame~~~ oucorrena «espontaneamente». 
de. uma perspectiva crítica equivoc~d: e; gera,I se. re.vestem ou 
matico, de um primarismo in ~ ' e um ap~ionsmo dog-
Iógica maliciosa Em genuo.' ou de uma distorção ideo-
tradicionais afri~anas év:!a~e,d a dmâm~ca intrínseca às culturas 
Todo o conhecimento ue a tº que nao pode ser subestimado. 
oposto çlesse imobilismo \ue sfhe e:erdess?s ~ult.uras demonstra o 
razão de ser da producão cultur~I e':1 impmg1r, como a própria 
.de extraordinária rique~a criar africana: sempre foi plástica, 
fosse xenofobia. Este é um f i~a, . se~ 9ua.Jquer noção do que 
deixar de reconhecer Se h a o irre utivel que ninguém pode 
1 . ouve uma qu·ebra de seu ·t a go como uma parada estática e - . n mo ou 
senvolvimento histórico, isto se deve n:o~p~og.re~s1va em seu de-
por todo um aparato ideoló . . u missao pelas armas e 
culturas africanas. não consf~i.co !~posto pelo c:_olonialismo às 
bilismo inerente ~ elas. i i, por anto, um fenomeno de imo-
. Em face de tais críticas, sou levado a . . 
sentimentoexpresso· por Cheikh A t D' . pa~cip.ar do 
de ciência humana ou ·hi' tó . n ª iop de que um sistema 
s nca para Africa « -- t 
um terren~ estritamente científico. Isto é , .... na_o par e de 
nunca partir do caminho cie t'f o mais importante: 
acientificismo são óbvias 
1
• á qn 1 1_co» d( 1977 :31) · As razões desse 
' ue gran e parte da «ciência» tem-se 
45 
provado apenas como instrumento de ·distorção, de opressão e 
de alienação. De fato às culturas africanas são aquilo que as 
massas criam e produzem: por isso elas são flexíveis e criativas, 
ass im como bastante seguras de si mesmas, a ponto de interagir 
espontaneamente com outras culturas, aceitando e incorporando 
valores «científicos» ou/e «progressistas» que porventura possam 
funcionar de modo significativo para o homem, a mulher e a 
sociedade africana. Entretanto, convém insistir neste ponto: as 
culturas africanas, além de conterem sua intrínseca e valiosa 
cíêné:ia, também oferecem uma variedade de sabedoria necessária, 
pertinente a nossa existência orgânica e histórica. O mínimo 
que se pode dizer é que seria um desperdício recusar os fun-
damentos válidos de nossos ancestrais. Eles são o espírito e 
a substância do nosso amanhã que os gastos chavões mecânicos 
europeus e americanos não quiseram ou não foram capazes de 
construir para as massas africanas do continente e da diáspora. 
O exemplo de Palmares 
... lá pelos anos de 1590 e pouco, alguns afri-
canos escravizados no Brasil romperam os grilhões que 
os acorrentavam e fugiram para o seio das florestas 
situadas onde estão hoje os Estados de Alagoas e Per-
nambuco. Inicialmente foram uns poucos, pequeno 
bando de fugitivos. Porém o grupo cresceu pouco a 
pouco até se tornar uma comunidade de cerca de trinta 
mil rebeldes africanos, homens e mulheres. Estabelece-
ram o primeiro governo de africanos livres nas terras 
do Novo Mundo, indubitavelmente um verdadeiro Es-
tado africano - pela forma de sua organização sócio-
econômica e política - conhecido na história como a 
República dos Palmares. 
Mais ou menos à época de Palmares, aqui muito 
perto do nosso Congresso, nas terras vizinhas de An-
gola, a rainha Ginga resistia com bravura, à frente de 
suas tropas, à invasão portu uesa do solo africano 
Estes são apenas dois exemplos na longa história de 
lutas e resistência contra a dominação estrangeira, as 
quais const ituem parte integral <le nossa herança 
africana no continente e na diáspora. 
46 
~ República dos Palmares co 
laçao relativamente à . d _m sua enorme popu-
rial de mais ou meno:poca, t om1nou uma área territo-
tugal. Essa terra erten~·m erço do tamanho de Por-
resultado do trabafho c /~.a todos os palmarinos, e o 
comum. Os autolibertos o :f i~o também era propriedade 
uma produção agrícola div~;s~~-os llant~vam e colhiam 
nocultura vigente na c IA . ica a, diferente da mo-
agrícolas com seus ? _onh1a; permutavam os frutos 
Ef. . v1zm os brancos . d' ic1entemente organizados t t . e m igenas. 
mente, em sua m . an_ o social quanto politica-
também altamente a~~~~~ic:~ncana tradicional~ foram 
p 1 os na arte da guerra a mares pôs em quest- . 
teira: o exército . t ao a estrutura colonial in-
. , o s1s ema de po d 
patnarcas portugueses ou . sse .. ª _terra dos 
como .desafiou o poder' t d se1a, o lahfund10, assim 
1. o o-poderoso da I · 1ca. Resistiu cerca de 27 gre1a cató-
çadas pelos portugueses e guerrahsl de destruição lan-
d . os o andeses · iram e ocuparam lon que mva-
cano. Palmares mant~~e tesmpo o. te:rit_ório pernambu-
século: de 1595 a 1695. ua ex1stenc1a durante um 
Zumbi, de origem banto f . . . 
mares; é celebrado na ~ o1 .~ ~!timo Rei dos Pal-
Brasil como 0 nosso . . xp~ie~~ia pan-africana do 
Não apenas Zumbi !~~m~ir~ eroi do pan-africanism . 
mares devem ' 0 0 0 povo heróico de Pal'-
ser reconhecidos e 1 b 
pan-african'smo mundi 1 ce e rados pelo 
fundador do próprio ª . como exemplo militante e 
movimento pan-africanista. 
Lf.ngua: um obstáculo para a unidade 
. _Todos nós conhecemos os meios 
subterfug1os utilizados pelos colonial' t visí~eis ass_im como os 
conder e evitar o avanço da luta ~s as a. fim de impedir, es-
contra a opressão a ex 1 - os afncanos e dos negros 
. 1 ' p oraçao e o racis D' .. 
iso ~r e solapar nossa for a . . ~.º· iv1d1r, separar, 
contmuada estratégia emp ç :JS1ca e espmtual têm sido uma 
resistência. Dentro do sis~=~~ ~eco~tra . noss~ unidade e nossa 
nós, existe ·este absurdo f t d arre1_ras mterpondo-se entre 
C • - ª o e necess1tarm omumcaçao recíproca a r d os usar em nossa 
mgua os opressores. Està circunstân-
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da lingüística, além de outras, é a razão principal. da ausênci: 
cios afro-brasileiros nos prévios Congressos Pan-Afncanos ; nesL 
fa to temos uma trágica instância da separação a nós impost ... 
pelas barreiras Jingüísticas construídas pelo colonialismo. ) 
Por causa de suas condições sócio-econômicas, já que-
º; negros brasileiros só existem no mais baixo espaço· da escala 
social, inexistem para eles oportunidad~s de educação, e, muito 
éspecialmente, para o aprendizado e o treinamento de línguas 
estrangeiras. Este é um campo de escolaridade quase . comple~a­
mente inacessível aos negros. Contudo os encontros 111ternac10-
rtais do mundo pan-africano têm-se auto-restringido ao usô> 
exclusivo do francês e . do inglês; a língua portuguesa nunca 
foi adotada como um dos idiomas oficiais ou mesmo como uma 
linguagem de fato, _em tais reuniões. O resultado disso é que 
os negros brasil'eiros têm permanecido do lado de fora e, para 
todos os efeitos práticos, têm sido barrados ,de participar nos 
assuntos pan-africanos e na . edificação da sua história. 
· Quem são aqueles que normalmente participall'! de 
encontros internacionais? Os brasileiros de origem europêia, das 
classes média e alta, os únicos que possuem os meios econôm!c~s 
para a aquisição da habilidade e e.ducaç~o A Jin.gi.iística._ O .. cn-
tério das línguas francesa e inglesa, ex1genc1a dos ·'?efJ~gs 
pan-africanos, abre ·o caminho para que certos estudios-.. '> pro-
fissionais do negro e de sua cultura, em geral brancos, ;ejam 
a:queles invariavelmente escolhidos para falar e representar os 
afro-brasileiros. De uma perspectiva do negro, entre tanto, esses 
scholars ou cientistas sociais representam um ponto de vista 
exógeno, e/ou quando não estranhos à nossa reali.dade sócio-
cultural colocam-se como devotos de uma posição estática e 
imobilis
1
ta cuja verbalização acadêmica somente agencia interesses 
1 • • 
eurocentristas. Assim tais delegados oficiais ou oficiosos 111ev1-
tavelmente fornecem aos estrangeiros um retrato altamente dis-
forcido quando não completamente falso da situação ~eal do 
descendente africano na sociedade brasileira. Não importa se 
;uas intenções são boas, que isto não altera sua' ignorância de 
uma intransferível experiência histórica de racismo que pertence 
única e exclusivamente aos negros. Podem conhecer alguma 
coisa de fora, mas nunca militaram conosco numa relação de ~ 
iguais, em face dos problemas que emergem da situação e 
c_Írcunstância afro-_brasile!ras. 
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• 
i. Este fenômeno de elitismo lingüístico, obviamen 
'do .de outros, representa um dos motivos decisivos que im 
atem a presença e visibilidade dos negros brasileiros na ar 
Jas lutas internacionais de sua raça. E, pior ainda, temos sid 
mal representados naquelas ocasiões por presunçosos delegados, 
os quais arrogantemente apresentam uma versão .de nossa his-
tória, .de nossa identidade e da nossa existência de cuja elabo-
ração não participamos. Tem-nos sido imposta uma ausência 
física; no entanto," jamais houve qualquer negligência por parte 
dos negros conscientes, durante esse. período de Juta incessante, 
r.ie batalhas e sofrimentos no mundo africano. 
Brasil: de escravo a pária 
A esta altura, não tem muita importância saber com 
prec1sao a data inicial do regime escravista no Brasil; o registro 
da história assinala que os primeiros africanos escravizados 
chegaram logo após a invasão de Pedro

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