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Pedagogia Luzia Marta Bellini Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais Co n te ú do s e M et od ol og ia d o En si n o de C iê n ci as N at u ra is Pedagogia Luzia Marta Bellini Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais Co n te ú do s e M et od ol og ia d o En si n o de C iê n ci as N at u ra is B444c Bellini, Luzia Marta. Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais./ Luzia Marta Bellini. – João Pessoa: FUNEPI, 2016. 94f. ISBN: 1. Ciências naturais. 2. Estudo e ensino. 2. Ensino- metodologia. I. Título. FUNEPI CDD: 372.35 Diretor Geral: Daniel Porto Campello NEAD - Núcleo de Educação a Distância Pró-Diretoria de Educação à Distância: Thiago Silveira Coelho Coordenação de Curso: Veridiana Xavier Dantas Capa e Editoração: Andresa Guilhen Zam; André Morais; Diego R. Pinaffo; Renata Sguissardi; Welder Henrique O. Carvalho Revisão Textual e Normas: Rosângela Maria de Carvalho Ficha catalográfica realizada pela bibliotecária Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da FACULDADE TRÊS MARIAS FICHA CATALOGRÁFICA - SERVIÇO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - FACULDADE TRÊS MARIAS SOBRE A FACULDADE A Faculdade FUNEPI, atualmente, Três Marias é uma instituição de ensino superior pluricurricular, credenciada pela Portaria do Ministério da Educação nº 663 de 1º julho de 2015, que tem como objetivo ministrar cursos presenciais e a distância nas diversas áreas de conhecimentos; atender a demanda do setor produtivo, industrial, comercial e de prestação de serviços; desenvolver pesquisa nas áreas de saúde, educação, ciência e tecnologia, bem como atuar na extensão universitária. Para atendimento aos estudantes, contará com as organizações empresariais como parcerias que terão papel de auxílio na integração da faculdade com a comunidade, além dos programas institucionais de apoio aos discentes. MISSÃO Formar profissionais diferenciados, que atuem de forma autônoma, capazes de atender a demanda do mercado, com ética e espírito empreendedor. VISÃO Ser reconhecida como instituição de ensino superior por meio da oferta qualificada de cursos de graduação e de pós- graduação de alto nível. VALORES Gestão consciente, ética, respeito mútuo, qualidade de ensino, e compromisso social. APRESENTAÇÃO Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais Luzia Marta Bellini Olá, querido(a) aluno(a)! Sou Luzia Marta Bellini,formada em Ciências Biológicas pela USP, campus de Ribeirão Preto, SP em 1977. Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, SP; Doutora em Psicologia Social, pela USP de São Paulo. Fui professora do Ensino Fundamental e Médio em São Paulo, SP. Sou professora da Universidade Estadual de Maringá desde 1986. Estudo e produzo trabalhos nas áreas de Epistemologia Genética, Retórica e Argumentação. Faço pesquisas nas áreas de ensino em ciências. Tenho publicado artigos e livros nesses campos com especial enfoque na análise nos livros didáticos e na mudança de sentidos dos conteúdos desses livros quando passam pela transposição didática. Acredito no enfoque interdisciplinar ou não disciplinar porque penso que AP RE SE NT AÇ ÃO somente como andarilhos de fronteiras seremos capazes de nos tornar intelectuais e pessoas comprometidas com o novo, com a democracia e com o fim da submissão aos aparelhos ideológicos dominantes na sociedade. Este pequeno livro contém, antes de tudo, as crenças da autora em um ensino de ciências comprometido com a liberdade de ser, de pensamento e de viver. Como Carl Sagan (1996), penso que as ciências devem ser a vela acesa na escuridão da sociedade que utiliza as ciências mais para dominar do que para nos libertar dos velhos e arcaicos modos de vivermos juntos. Sagan (1996) nos diz que nos EUA morrem muitas pessoas devido ao uso indiscriminado da aspirina. Se conhecêssemos a composição da aspirina, de sua ação sobre o corpo humano talvez não tivéssemos essas mortes. A falta de informação, de formação científica aprisiona nossos cérebros e corpos. Quando nos educamos nos campos das ciências ficamos mais críticos, mais atentos ao que compramos, ao que escolhemos, ao que queremos ter como ciências na sociedade. Disso, depreendemos que uma boa alfabetização científica é necessária e urgente. As ciências são produtos das atividades humanas e como tal devem ser o norte para uma vida melhor de todos os homens e mulheres. Educar as crianças, nesse sentido, requer de nós uma formação sólida, um compromisso ético com as gerações mais novas e uma boa dose do lúdico. SU M ÁR IO UNIDADE 1: O QUE SÃO AS CIÊNCIAS NATURAIS? 11 INTRODUÇÃO .....................................................................................13 Por que devemos ensinar ciências naturais às crianças? ......................... 18 UNIDADE 2: PARA PENSAR A APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS NATURAIS: FUNDAMENTOS TEÓRICOS 37 INTRODUÇÃO .....................................................................................39 A DIMENSÃO DAS REPRESENTAÇÕES ACERCA DOS FENÔMENOS NATURAIS DA CRIANÇA.....................................................................40 A DIMENSÃO COGNITIVA ..................................................................45 A DIMENSÃO DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO ....................48 A DIMENSÃO DO FAZER ESCOLAR ..................................................48 UNIDADE 3: PARA TRABALHAR COM O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS: FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS 61 INTRODUÇÃO .....................................................................................63 OS INSTRUMENTAIS PARA O PENSAMENTO DAS CRIANÇAS EM CIÊNCIAS NATURAIS ........................................63 O QUE AS CRIANÇAS PODEM PESQUISAR? ...................................68 CRIANDO ATIVIDADES COM OS PEQUENOS EM PRÁTICAS DE CIÊNCIAS NATURAIS ..........................................................................80 PROCEDIMENTO: ...............................................................................81 SU M ÁR IO CONCLUSÃO 93 REFERÊNCIAS 94 O que são as ciências naturais? UNIDADE 1 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Introduzir o estudante à história do ensino de Ciências no Brasil. • Compreender o papel transformador do ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental. PLANO DE ESTUDO Serão abordados os seguintes tópicos: • Significado do termo ciências • Por que devemos ensinar ciências às crianças Luzia Marta Bellini 13 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais INTRODUÇÃO Estudei para devolver ao país o que havia recebido dele. Estava mergulhado num projeto de responsabilidade social. Era partíci- pe da construção de um país, no qual se escutava continuamente conversações sobre o bem-estar da comunidade nacional que seus membros contribuíam para construir. Eu não era o único (Humberto Maturana. Emoções e linguagem na Educação e na Política). Propus-me, nessa Unidade I, a descrever sobre a definição de Ciências Naturais para que você, aluno(a), possa iniciar seu percurso por esse novo caminho que é o dos conhecimentos científicos. Antes você, aluno(a), poderia definir o que é a ciência? Ou melhor, o que são as ciências, no plural? Não existe a CIÊNCIA, existem as CIÊNCIAS. Isso porque as ciências abrangem campos científicos diferentes, como a Biologia, a Química, a Matemática, a Física; as ciências humanas, como a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia, a História, entre outras; as chamadas ciên- cias da Terra, como a Geografia; as intituladas ciências exatas, como as engenharias, incluindo aí a Matemática. A rigor, todos esses cam- pos são produtos da atividade científica humana; portanto, todas as 14 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais áreas científicas são humanas. Chamamos de ciências todosos conhecimentos que são constituídos empregando métodos que se distanciam dos conhecimentos do nos- so senso comum. Em outras palavras, são conhecimentos reificados, elaborados por uma comunidade de profissionais, os pesquisadores, que utilizam métodos, técnicas e procedimentos para conseguir efe- tivar seus estudos. Nesse sentido, reificado significa conhecimentos organizados diante de múltiplas estratégias, técnicas, teorias, fabrica- das pelos cientistas para dar respostas a um ou vários fenômenos, se- jam os avocados sociais, naturais ou exatos. Então, quando falamos em ciências estamos apresentando um percurso feito por cientistas em um caminho que contém uma história, métodos, aceitação ou não de seus resultados. As ciências são produtos históricos e como tais suas teorias são substituídas por outras conforme mudamos o enfo- que do trabalho e da pesquisa. Isso aproxima todas as ciências. 15 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais REFLITA Poderia definir o que é a ciência? Ou melhor, o que são as ciên- cias, no plural? Um exemplo que demonstra que as ciências estão imersas em um con- texto histórico é a teoria de que o Sol era o centro de nosso Universo e não a Terra. A teoria de que a Terra era redonda e era o Centro de nos- so Universo foi, pela primeira vez pensada por Erastóstenes (276 a.C. – 197 a.C.), um físico-matemático de Cirene (hoje Líbia). Após estudos em Alexandria e Atenas tornou-se diretor da biblioteca de Alexandria e aí trabalhou com geometria e os números primos. Leu muitos do- cumentos na biblioteca, entre eles alguns que mostravam diferen- ças nas sombras projetadas em dias diferentes. Com essa questão, pôde pensar que uma sombra em Alexandria (cidade centro-norte do Egito) no meio dia de um verão era diferente da sombra na cidade de Sienne (hoje Aswan, cidade do Sul do Egito). Com essa descoberta, Erastóstenes mediu a circunferência da Terra com extrema precisão. Ao meio dia de 21 de junho, no solstício de verão uma barra vertical foi 16 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais posta em Sienne a 800 km de Alexandria. Erastóstenes pôde ver que, nesse dia, ao meio dia, a barra não fazia sombra em Sienne, mas havia sombra na barra de Alexandria. Se isso ocorria, provavelmente a Terra era redonda. Ele estabeleceu que a linha equatorial da Terra media23º 51’ 15’’ (ver vídeo de Carl Sagan, série Cosmos, nº1). No entanto, ape- sar dessa maravilhosa descoberta, a teoria de Erastóstenes ficou à espera de sua confirmação no século XVI-XVII com Galileu. Perguntamos então: O que aproxima as ciências e o que as difere? O que as aproxima como dissemos, é que todos os conhecimentos produzidos no campo científico são chamados de ciências, uma vez que originam em um lugar (comunidade científica, associação, insti- tuição científica, entre outros) e formulado pelos cientistas que, para realizar seus projetos científicos, seguiram determinados princípios, regras e métodos. O que as distingue? É que cada campo científico é estabelecido por um objeto diferente. Expliquemos: um biólogo, um químico e um his- toriador produzem conhecimentos científicos, porém pesquisam com métodos diferentes, com técnicas diferentes e com objetos diferentes. 17 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais Se compararmos um biólogo com um físico, veremos que o primeiro trabalhará com objetos derivados de fenômenos biológicos, como a fisiologia animal ou das plantas, os fenômenos da hereditariedade ou da evolução. O segundo investigará fenômenos da mecânica, da ter- modinâmica, do eletromagnetismo e as manifestações mais contem- porâneas como a física quântica, entre outros fenômenos. Um químico pesquisará a constituição de moléculas (biológicas e não biológicas), seus comportamentos, sua dinâmica etc. Biologia, Física e Química aproximam-se porque as três áreas depen- dem – para sua constituição dos experimentos; todavia, distanciam quando pesquisam objetos diferentes. No entanto, os três campos científicos se encontram quando estudam fenômenos que envolvem a investigação de objetos complexos. Por exemplo, um biólogo estu- dando como fazer a limpeza de esgoto com determinada bactéria jun- to com um químico que investiga a qualidade da água desse esgoto com a exposição da bactéria. Muitos estudos desse tipo levam-nos ao que é chamado de investigações interdisciplinares. A essa partilha de campos entre a Biologia, a Física, a Química e por 18 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais que não dizer de outras ciências, denominamos de Ciências Naturais. Podemos, então, definir Ciências Naturais como o campo científico no qual são estudados os fenômenos de ordem da natureza, ou seja, fenômenos biológicos (moleculares, celulares, fisiológicos, genéticos, evolutivos, ambientais, ecológicos, entre outros), fenômenos sobre o movimento dos corpos físicos, da luz, do calor, das ondas, fenôme- nos químicos como o das cores, dos elétrons (e outras partículas da matéria), das moléculas etc. Veja você, aluno(a), que, muitas vezes, os fenômenos são da mesma fronteira de investigação. Finalizamos esta introdução ao nosso tema com Rubens Alves (1981, p.9): “O que eu desejo que você entenda é o seguinte: a ciência é uma es- pecialização, um refinamento de potenciais comuns a todos. Quem usa um telescópio ou um microscópio vê coisas que não poderiam ser vistas a olho nu. Mas eles nada mais são que Extensões do olho. Não são órgãos novos. São melhoramentos na capacidade de ver, comum a quase todas as pessoas. Um instrumento que fosse a me- lhoria de um sentido que não temos seria totalmente inútil, da mes- ma forma como telescópios e microscópios são inúteis para cegos, 19 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais e pianos e violinos são inúteis para surdos. A ciência não é um órgão novo de conhecimento. A ciência é a hipertrofia de capacidades que todos têm.” Passemos, então, ao próximo item para aprofundar questões delimita- das ao ensino teórico e metodológico das Ciências Naturais. Por que devemos ensinar ciências naturais às crianças? Vamos começar a responder a pergunta desse item da Unidade I pelo magnífico excerto de Carl Sagan (1996, pp.20-21): “Em todo o mundo, existe um enorme número de pessoas inteligen- tes e até talentosas que nutrem uma paixão pela ciência. Mas essa paixão não é correspondida. Os levantamentos sugerem que 95% dos norte-americanos são cientificamente analfabetos. A porcenta- gem é exatamente igual à de afro-americanos, quase todos escra- vos, que eram analfabetos pouco antes da Guerra Civil quando havia penalidades severas para quem ensinasse um escravo a ler. É claro que existe um grau de arbitrariedade em qualquer determinação de analfabetismo, quer ele se aplique à língua, quer à ciência. Mas qual- quer índice de analfabetismo próximo de 95% é grave. Toda geração se preocupa com o declínio dos padrões educacionais. Um dos en- saios curtos mais antigos, escrito na Suméria há 4 mil anos, lamenta 20 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais que os jovens sejam desastrosamente mais ignorantes do que a ge- ração imediatamente anterior. Há 2400 anos, o idoso e rabugento Platão, no livro VII das Leis, deu a sua definição de analfabetismo científico: “Aquele que não sabe contar um, dois, três, nem distinguir os núme- ros ímpares dos pares, ou que não sabe contar coisa alguma, nem a noite nem o dia, e que não tem noção da revolução do Sol e da Lua, nem das outras estrelas [...]. Acho que todos os homens livres devem estudar esses ramos do conhecimento tanto quanto ensinam a uma criança no Egito, quando ela aprende o alfabeto. Naquele país, os jo- gos aritméticos foram inventados para ser empregados por simples crianças, e elas os aprendemcomo se fosse prazer e diversão [...]. Com espanto, eu [...] no final da vida, tenho tomado conhecimen- to de nossa ignorância sobre essas questões; acho que parecemos mais porcos do que homens, e tenho muita vergonha, não só de mim mesmo, mas de todos os gregos”. Não sei até que ponto a ignorância em ciência e matemática contri- buiu para o declínio da Atenas antiga, mas sei que as consequências do analfabetismo científico são muito mais perigosas em nossa épo- ca do que em qualquer outro período anterior. ” “É perigoso e temerário que o cidadão médio continue a ignorar o aquecimento global, por exemplo, ou a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo, o desflorestamento 21 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais tropical, o crescimento exponencial da população. Os empregos e os salários dependem da ciência e da tecnologia. Se a nossa na- ção não puder fabricar, com alta qualidade e a preços baixos, os produtos que as pessoas querem comprar, as indústrias continu- arão a se deslocar e a transferir um pouco mais de prosperidade para as outras partes do mundo. Considerem-se as ramificações sociais da energia de fissão e fusão, dos supercomputadores, das super-rodoviasde informações, do aborto, do radônio, das redu- ções maciças de armas estratégicas, do vício das drogas, da in- tromissão do governo nas vidas de seus cidadãos, da TV de alta resolução, da segurança das linhas aéreas e dos aeroportos, dos transplantes de tecidos fetais, dos custos da saúde, dos aditivos alimentares, dos remédios para melhorar a mania, a depressão ou a esquizofrenia, dos direitos dos animais, da supercondutividade, das pílulas anticoncepcionais tomadas após a relação sexual, das alegadas predisposições antissociais hereditárias, das estações espaciais, da ida a Marte, da procura de curas para a AIDS e o câncer.” 22 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais Este lúcido texto mostra-nos que conhecer as Ciências Naturais não nos leva somente ao diploma e ao trabalho, elementos tão necessá- rios para nossa sobrevivência. Promove, além disso, nosso encontro com a cidadania, ao poder de escolha de questões de nosso local de moradia, de trabalho, ao conhecimento de que cidade eu preciso, da sociedade que desejo. Meinardi (2010, pp.19-21) baliza admiráveis questões sobre a neces- sária relação entre a aprendizagem em ciências e a cidadania. Diz a pesquisadora: obviamente educar em ciências serve para prosseguir os estudos. Serve também para a inserção no trabalho em diferentes campos, mas não uma inclusão acrítica. Uma boa educação cien- tífica serve à compreensão crítica e cidadã. Assim, podemos, com o ensino de ciências, motivar os alunos à crítica da ciência veicu- lada pelos meios de comunicação de massa que tendem a mostrar os aspectos mais sensacionalistas da área. Mais importante ainda é levar nossos jovens a tomar decisões sobre assuntos públicos tec- nocientíficos que fundamentam deliberações de interesse social, por exemplo, decidir como queremos tratar o lixo de nossa cidade. Com 23 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais o ensino de ciências aprendemos a relacionar a ciência a conteúdos de caráter aplicável, como educação ambiental, segurança do traba- lho etc. O que ensinamos na escola pode se aplicar às questões coti- dianas. Em uma escola básica temos que perguntar: Deve-se aplicar a vacina em crianças? Quais são os cuidados para evitar a dengue? A pílula anticoncepcional evita o HIV? São perguntas que enfrenta- mos todos os dias e que, se bem respondidas, podem melhorar nos- sa qualidade de vida. Além disso, satisfazemos curiosidades pesso- ais sobre temas ligados à cultura ou lugar de procedência do aluno e constituímos uma cultura mais ampla. Os conhecimentos científicos constituem um capital cultural acessível a todos os cidadãos. As dimensões postuladas por Sagan (1996) e Meinardi(2010) vão ao encontro dos objetivos dos Parâmetros Curriculares para as Ciências Naturais para os alunos de 1a a 4a séries. Ou seja, ao ensino de Ciências Naturais devemos incluir a formação cidadã enfatizando a participação social e política, o exercício dos direitos e deveres, a adoção de práticas de solidariedade, cooperação, repúdio às injus- tiças, o respeito ao outro e a si mesmo. Também são objetivos dos 24 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais parâmetros: a) um posicionar-se de maneira crítica e construtiva nas diferentes situações sociais, b) a construção da noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País; d) o co- nhecimento da pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro para uma formação ética contra qualquer discriminação baseada em di- ferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais; e) perceber-se integran- te, dependente e agente transformador do ambiente; f) desenvolver o conhecimento de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social; g) conhecer e cuidar do próprio corpo e relacionar a sua saúde com a saúde coletiva; h) utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal para sua comunicação; i) saber utilizar diferentes fontes de informação e recur- sos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; j) questio- nar a realidade formulando-se problemas e buscar sua resolução. Até chegarmos aos parâmetros para as Ciências Naturais na década de 1990, percorremos um longo caminho histórico para a consolida- ção do ensino de ciências no país. 25 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais No Brasil, a necessidade do ensino de ciências para crianças e jovens pouco se desenvolveu até 1960. O debate sobre o ensino de ciências no país inicia-se nessa década. Por várias razões, nos anos iniciais, os conhecimentos científicos escolares não eram importantes para o país. Além disso, faltavam professores com formação nos campos científicos e disciplinares ligados à produção científica do Brasil e do mundo. Até 1960 e mesmo depois, o ensino das ciências para crianças era entendido como ensino de noções elementares de saúde, porém no sentido mais ideológico do que científico. A década de 1960 foi um marco devido à adesão dos EUA aos estudos de física e à corrida espacial. Nos EUA e também no Brasil, tivemos o que foi chamado da primeira geração de projetos para o ensino de Física, Matemática, Química e Biologia. São dessa fase os livros didá- ticos de Física (Physical Science StudyCommitee – PSSC), de Biologia (Biological Science Curriculum Study – BSCS), de Química (Chemical Bond Approach – CBA) e (Science MathematicsStudyGroup – SMSG) (Ver Miriam Krasilchik). Esses livros didáticos priorizavam a noção de 26 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais método científico, falavam em problemas e hipóteses de pesquisa. No Brasil, a Lei nº 4024, de Diretrizes e Bases da Educação, de 21 de dezembro de 1961, levou à expansão das disciplinas científicas no país. Tanto no antigo ginasial como no ensino chamado colegial (hoje Ensino Médio) as disciplinas de Física, Biologia e Química passaram a ter mais horas-aulas. Em 1965, o Ministério da Educação – MEC – criou seis Centros de Ciências nos Estados da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo para desenvolver um ensino de ciências inovador. Em 1967 houve a criação da Fundação Brasileira para o desenvolvimento do Ensino de Ciências – FUNBEC – sediada na Universidade de São Paulo. A FUNBEC produziu guias didáticos de laboratórios, kits comexperimentos em Física, Química e Biologia, as- sim como treinamentos para professores. O objetivo era desenvolver o espírito científico nas gerações mais jovens (NASCIMENTOet al., 2013). Dos seis Centros de Ciências existe ainda o de Belo Horizonte e o do Rio de Janeiro. O de Belo Horizonte é ligado à Faculdade de Educação 27 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG. O Centro do Rio é mantido pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do estado do Rio de Janeiro. Na década de 1970, no governo da Ditadura Militar o ensino de ci- ências foi pensado como estratégia para modernizar o país. Porém, essa modernização foi mais pensada como preparação de trabalha- dores com qualificação para as indústrias que se estabeleciam no Brasil. Nessa perspectiva, foi instaurada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971, a LDBEN n° 5692/71 que promovia as disciplinas científicas, porém ao mesmo tempo as prejudicava por- que tínhamos também as disciplinas técnicas que eram o norte para o ingresso dos alunos no trabalho industrial. Na verdade, era o ensino profissionalizante e não científico (NASCIMENTOet al., 2013). Em relação aos aspectos formais, a disciplina “ciências” como com- ponente curricular obrigatória nos anos iniciais do Ensino Fundamental data dessa Lei de Diretrizes e Bases – LDB nº 5.692, de 1971. Antes dessa data, até 1961, os alunos estudavam ciências apenas no que atualmente seriam os dois últimos anos do Ensino Fundamental. De 28 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais 1961 até 1971, a obrigatoriedade foi estendida para os quatro últimos anos deste ensino. Em termos de metodologia do ensino, na década de 1970, a escola situou-se no campo da instrução sustentada pela transmissão de co- nhecimentos. Era uma transmissão baseada na repetição das lições do professor e na fixação dos conteúdos pelo aluno. Quanto à aprendizagem em ciências pela experimentação, poucas es- colas tinham laboratório ou professores preparados para essa orien- tação. Apenas as escolas federais tinham mais condições para um ensino de ciências inovador. As escolas do sistema estadual ficaram à mercê do ensino pela transmissão de conteúdos (ver Anísio Teixeira). Era comum, nas aulas de ciências, discursar sobre a divisão do cor- po humano ou definir ilha, em geografia, como uma porção de terra cercada por água por todos os lados. Professores, à esteira dos li- vros didáticos, perguntavam “como é dividido o corpo humano”. Eles mesmos respondiam: “cabeça, tronco e membros”. No entanto, es- sas definições em biologia ou geografia foram portadoras de sérios 29 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais obstáculos à formação científica. As perguntas eram limitadas e limi- tantes. Limitadas porque seus enunciados eram falsos: um corpo hu- mano não é dividido; nem uma ilha é uma porção de terra cercada de água por todos os lados. Limitantes porque os alunos eram ensinados a dar respostas deformadas despidas de contexto interdisciplinar e pobre para a educação de crianças. Educar-se em ciências é saber estruturar diálogo com os conhecimen- tos, é constituir ações para formular problemas, hipóteses, resolver desafios, ter compromissos éticos, fazer parcerias de alunos-alunos, alunos-professor e, sobretudo, é lembrar nosso compromisso com a contemporaneidade. Na década de 1980 o Brasil sofreu uma reviravolta política. Foi a dé- cada da contestação à ditadura, foi a década em que muitos debates sobre educação revigoraram. Muitas teorias sobre aprendizagem fo- ram discutidas, entre elas a teoria de Piaget que desde a década de 1960 era estudada nas universidades brasileiras. Na década de 1990, houve muitas mudanças nos paradigmas da 30 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais educação em geral e no ensino de ciências em particular. Houve mui- tos estudos renovadores para o ensino de ciências e em matemática para as crianças das séries iniciais, sobretudo, de pesquisadores de instituições universitárias. Na década de 2000 ampliou-se o debate do papel da educação e do ensi- no de ciências; cada vez mais o ensino desse campo deveria ser vinculado à cidadania, às mudanças tecnológicas no planeta e aos atos de escolha e crítica dessa sociedade tecnológica. Nas décadas de 2000 a 2013, muito se fala, ainda, da necessidade de uma “educação científica”, destinada a formar cidadãos críticos e 31 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais aptos para assumir posições políticas e sociais sobre o aquecimento global, as doenças sexualmente transmissíveis; a destinação de lixos tóxicos, os impactos ambientais etc. Entretanto, olhando a escola que temos encontramos um enorme fracasso em ciências e também em matemática. Mas, para enfrentar o desafio de ensinar ciências precisamos per- guntar: de quem é o fracasso? Certamente, esse fracasso não é das crianças! Para conhecer realmente o que é que fracassa no ensino em geral e em ciências em particular, é necessário ampliar esse debate e partir para a ação. Vejamos duas questões centrais para localizar os problemas: 1o – Enquanto os estudos sobre educação científica avançaram nas décadas que apontamos aqui nesta Unidade, a organização do tra- balho docente não avançou, pelo contrário retrocedeu. Os docentes ficam mais tempo em sala de aula do que pode ser permitido a um intelectual que está formando crianças. O tempo docente em sala de aula não lhe permite o estudo, a dedicação necessária ao seu trabalho de professor. Como o docente pode se informar e ter uma formação 32 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais continuada sem tempo para seus estudos pessoais e profissio- nais? Sem esse tempo, o professor passa a ser um repetidor das lições dos livros didáticos; ele empresta sua voz ao livro didático e assim fica escravo das lições dos autores desses livros. 2o – A perpetuação do método da transmissão de conteúdos, ou seja, da repetição das lições dos livros didáticos ou de aposti- lados. Estudiosos do campo de ensino puderam então investigar e propor outras maneiras de ensinar para crianças. Eles mostra- ram novos domínios teóricos e como tratar o sujeito da aprendi- zagem, ou seja, as crianças. Mostraram também que as arcaicas tradições educacionais tratavam o ensino de modo bastante sim- plista: ensinar era apenas uma tarefa de passar os conteúdos e fazer os alunos repetiram em forma de longas listas de exercícios ou fórmulas para memorizar. O primeiro problema diz respeito à política dos governos diante da profissão docente. Diferentes governos em diferentes épocas negligenciam a educação, a escola e a formação humana e cien- tífica das gerações mais jovens. Um país e seu futuro dependem 33 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais da educação de suas gerações mais jovens, diz Maturana (2002, p.12). “No fundo, a pergunta é: O que queremos da educação? Acho que não se pode considerar nenhuma pergunta sobre os afazeres hu- manos, no que diz respeito ao seu valor, à sua utilidade ou àquilo que se pode obter deles, se não se explicita o que é que sequer. Perguntarmos se a educação chilena serve, requer respostas a questões como: O que queremos com a educação? O que é edu- car? Para que queremos educar? E, em última instância, a grande pergunta: Que país queremos? [...]Temos um projeto de país? Talvez nossa grande tragédia atual é que não temos um projeto de país.. Se os professores são tratados com menosprezo por seus gover- nos, aos poucos é criada uma representação dos docentes como pro- fissionais desvalorizados, desvestidos de importância, de criatividade. Como disse, com muita lucidez, Tragtenberg (1978, p.28) a organização escolar de nossasociedade ajuda este mecanismo de desqualificação do professor:“as instituições totais desenvolvem mecanismo de despojamen- to e mortificação do ego: decisões autônomas são eliminadas mediante a programação coletiva de atividades diárias”. 34 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais Isso faz com que as velhas tradições se mantenham na escola: na maioria das vezes, os professores aceitam também a arcaica re- presentação de uma criança: esta é um ser ignorante, sem cultura ou saberes que deve ser transformada, mediante as lições repetidas dos conteúdos, em adultos cultos e úteis à sociedade. Daí, encontramos o segundo problema: os conhecimentos, embora haja tanta mudança teórica e metodológica, ainda são vistos como uma montanha de conteúdos – de caráter universal – que as gerações mais velhas deixam às mais novas (ver Pozo, 2002). Um problema nes- se pensamento: os que atualmente são chamados de conhecimentos são aqueles inscritos nos livros didáticos. E de fato, chamamo-los de conhecimentos escolares. Ora, sabemos que os conteúdos de livros didáticos são uma massa de conhecimentos, organizada por autores que passam por uma seleção de escolha de seus livros. Essa seleção inicia-se nas editoras e continua em outras instâncias (MEC, escolas) e nem sempre o melhor livro, o livro mais adequado às crianças é o escolhido. Examinemos, então, o que ocorre com esses conhecimentos: os livros 35 UNIDADE I - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais didáticos são tomados como uma coletânea de verdades que o pro- fessor transmite aos alunos via a maneira mais tradicional que exis- te em uma escola: a aula expositiva com a velha receita, a repetição dessas lições caracterizando uma educação empirista, isto é, aquela que acredita que o conhecimento vem de fora para dentro e para isso depende de ler e repetir o que leu. Felizmente, esse modo de educar foi criticado e novas maneiras de ensino foram elaboradas. As preocupações das pesquisas em ensino e aprendizagem centraram-se em como pensam os jovens aprendizes e em como os docentes poderiam recriar aulas atrativas e adequa- das à inteligência das crianças. Foi, então, necessário ultrapassar a ideia de transmissão de conhecimento, foi preciso compreender como pensam as crianças e jovens, estudar criticamente o papel dos livros didáticos e assumir que ensinamos para que um novo mundo seja pensado pelas gerações mais jovens. SAIBA MAIS Apresentamos aqui links para vídeos que são muito importantes para nossa formação em educação e em ensino de ciências. Ajudam-nos a 36 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais melhorar nossa percepção de mundo e de nossas produções. 1 – Vídeo sobre a biblioteca de Alexandria, de Carl Sagan, série Cosmos, no qual aborda magnificamente a história de Erastóstenes. Trata também da importância da leitura e das ciências na história hu- mana. Link:<http://www.youtube.com/watch?v=JNKyEVtIfjE>. 2 – Vídeo sobre a História das coisas. Link para o vídeo sobre o que produzimos e o que gastamos para essa produção. Link:<http://www. youtube.com/watch?v=7qFiGMSnNjw>. INDICAÇÃO DE LEITURA Apresentamos dois livros de Carl Sagan e um livro de Rubens Alves. O primeiro é um extenso e agradável livro sobre as conquistas científicas e sobre a história de muitos cientistas. Livro raro por sua qualidade, escrita e humanidade. O segundo livro,O Mundo Assombrado pelos Demônios, traz as mais belas lições sobre o problema das ciências como também de suas 37 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais conquistas científicas. Discute o analfabetismo científico na sociedade que permite que muitos sejam enganados por propagandas. Mostra o quão sublime são os conhecimentos humanos e das ciências. Faz um apelo para que eduquemos cientificamente nossas crianças. Outro livro importante é o de Rubens Alves, Filosofia da Ciência. O autor nos mostra como é tranquilo e lúdico o estudo das premissas científicas. Apresenta, de modo divertido e instigante, muitas lições das ciências ini- ciando-nos na caminhada dos conhecimentos. REFLITA Sagan foi um dos grandes ícones da divulgação científica. Veja, por meio deste link, sua ultima entrevista. É uma emo- cionante defesa das ciências e da educação científica. Vídeo1: A última entrevista de Carl Sagan Antes de sua morte – precoce perda nossa – Sagan falou de Ciência, sociedade, esperança. Link:<http://www.youtube.com/watch?v=h9DwkAWJTew>. O vídeo 2, Pálido ponto azul, de Carl Sagan mostra o páli- do ponto azul, ou seja, a Terra vista no conjunto de nosso 38 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais universo: um pequeno ponto azul. Com ciência e poesia a Terra é outra depois que assistimos a esse encantador documentário. Vídeo 2: Pálido ponto azul – Carl Sagan Link: <http://www.youtube.com/watch?v=yUJk-4Rwtjs>. INDICAÇÃO DE FILME COSMOS, de Carl Sagan <http://www.youtube.com/ watch?v=8M-7LkanIqw>. CONSIDERAÇÕES FINAIS O ensino de ciências é como algo precioso; não é um mero receituário de lições ou longas listas de exercícios. A ele está ligada a vida cidadã, o desenvolvimento da inteligência e da criatividade humana e por que não afirmar, o futuro de um país como afirma Maturana (2002). Quando a criança inicia sua jornada pelas ciências ela está constituin- do a sua imaginação exploratória e sua imaginação criadora. Desse modo, ela começa a participar da vida em sociedade na direção mais rica, menos medíocre, mais integrada, menos inculta. Para isso, 39 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais precisamos de docentes que não tenham medo de ideias perigosas. De professores com visão integrada, ampla. Não teremos nenhuma mudança na sociedade e na cultura sem pessoas que não têm cultivo pelas leituras, pela busca de novidades, pela motivação e mudança. ATIVIDADES 1) Por que falamos ciências no plural e não a Ciência? 2) Quais os pressupostos sociais para um ensino de ciências para crianças? 3) Fale sobre os argumentos para o ensino de ciências para crianças. 4) O que são as velhas tradições em ciências na escola? 5) Quais situações devemos criar para efetivar um ensino de ciên- cias para crianças? Para pensar a aprendizagem em ciências naturais: fundamentos teóricos UNIDADE 2 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Compreender a necessidade política e cognitiva da Educação Científica para crianças. • Conhecer os principais aspectos dos fundamentos teóricos para programar um Ensino de Ciências contemporâneo e crítico. • Propiciar o estudo das dimensões teóricas do ensino de ciências para crianças.. PLANO DE ESTUDO Serão abordados os seguintes tópicos: • O papel da UNESCO e de outras instituições na universalização do ensino de ciências para crianças • As dimensões sociais, escolar, cognitiva e da linguagem para o ensino de ciências Luzia Marta Bellini 42 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais INTRODUÇÃO “A ciência pode ser difícil de entender. Pode desafiar opiniões quenutrimos. Quando seus produtos são colocados à disposição de políticos ouindustrialistas, pode levar a armas de destruição em massa e a gravesameaças ao meio ambiente. Mas uma coisa é pre- ciso reconhecer: ela cumpre a sua parte (Carl Sagan. O mundo as- sombrado pelos demônios).” Como dissemos na Unidade I, o ensino de ciências deve propiciar a educação para a cidadania. Crianças excluídas desse processo de- mocrático de ensino têm menos chances de participar de decisões públicas. Os estudiosos e pesquisadores que se preocupam com uma sociedade democrática e cidadã elaboraram a Declaração de Budapeste, na Conferência Mundial sobre a Ciência do século XXI, re- alizada em 1999, para nortear a participação dos cidadãos na adoção de decisões relativas àsaplicações de todos os conhecimentos. Quanto à alfabetização científica, a UNESCO (1990, 1994), o International Council for Science (UNESCO – ICSU, 1999), o International Bureau ofEducation(Poisson, 2000), a Organizacion de Estados Ibero-americanos para laEducacion, laCiencia e la Cultura 43 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais (OEI, 2001) preconizaram: a alfabetização científica e tecnológica, b) a compreensão pública da ciência; c) a ciência para todas as pesso- as, a adoção de uma cultura científica e tecnológica e e) a educação CTS (ciência, tecnologia e sociedade), entre outros (MEINARDI, 2010, pp.24-25). Do ponto de vista teórico, a alfabetização científica, para Meinardi (2010, p.27), carrega três características: a conceitual, caminho para a compreensão dos conhecimentos e sua relação com a sociedade; a procedimental, que diz respeito à obtenção e ao uso da informação científica, à aplicação da ciência na vida cotidiana e a comunicação da ciência ao público de maneira compreensível. A ênfase nessa carac- terística é para ultrapassar a barreira científica e cultural que exclui os alunos da compreensão das ciências. A terceira é a dimensão afetiva, que diz respeito ao apreço e interesse às ciências. A essas dimensões acrescentamos outras da ordem das representa- ções sobre a natureza da criança, da cognição, da linguagem, da orga- nização escolar. Todo docente que está disposto a trabalhar com ensino de ciências com crianças deve percorrer esses caminhos teóricos para 44 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais o enriquecimento de sua vida como profissional e como intelectual que gosta de crianças e quer educá-las para um mundo melhor. A DIMENSÃO DAS REPRESENTAÇÕES ACERCA DOS FENÔMENOS NATURAIS DA CRIANÇA Educar em ciências significa construir modos de pensar, de fazer e de falar e a capacidade de reunir esses aspectos. Uma das dimensões importantes para o professor passar por esses percursos e ser um do- cente preocupado com o ensino de ciências começa quando este está disposto a conhecer como a criança pensa. Sim, porque as crianças pensam de modo distinto dos jovens e dos adultos e, progressivamen- te, conquistam a maneira de pensar dos adultos. Um livro interessante de Piaget sobre o pensamento infantil é A Representação do Mundo na Criança. Aí, ele mostra as representa- ções dos pequenos nas fases animistas, realista e mesmo como tra- balham com os mitos. Desde crianças perguntamos sobre os fenômenos naturais que 45 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais envolvem a noção de vida. A criança mediante essas perguntas cons- trói o conceito de vida. Dos3-4 anos de idade até os 12 anos, vemos essa construção por meio das perguntas: “Quem fez o sol?”, “Como começou o sol?”, “Quem fez a lua?”, “Os rios?”; “As nuvens?”; “Como apareceram os homens?”; “Os bichos?”; “A pedra é viva?”, entre tan- tas outras perguntas tão singulares. Para explicar a origem do sol, da lua e das estrelas, e da natureza, Piaget(1975) mostra que existem três estágios que a criança passa para chegar à compreensão do que são esses astros. No primeiro es- tágio, entre 5 a 6 anos, as crianças elaboram hipóteses antropocên- tricas, isto é, foram os homens que fizeram os astros. Também, em alguns casos levantam hipóteses de origem divina, ou seja, foi Deus quem os fez. Entre os 7 aos 8 anos de idade, o segundo estágio, as crianças rea- firmam que a natureza foi feita pelos homens. São hipóteses antro- pomórficas. Os homens fizeram os rios, o mar, as montanhas, por exemplo. No terceiro estágio, após os 8 anos, as crianças procuram inventar uma hipótese natural; já elaboraram explicações partindo dos próprios fenômenos naturais. 46 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais Nesse percurso, às vezes, as crianças recorrem ao animismo, uma maneira de pensar o mundo sem distinguir o mundo físico do mundo psíquico. Então, elas dão vida e consciência aos seres inanimados, por exemplo, a uma pedra ou dão consciência aos seres naturais. Os pequenos também recorrem ao que Piaget(1975) chama de realismo. Por exemplo, uma criança de 7 a 8 anos de idade é realista quando não distingue seu sonho da realidade. Se perguntarmos à criança dessa idade o que é um sonho e de onde ele vem, ela responde que é a noite que faz sonhar ou que os sonhos vêm da cabeça ou que se sonha com os olhos. Esse modo de ver o mundo conduz a criança, diz Piaget(1975), à ilusão antropocêntrica. Em outras palavras, para as crianças dessa faixa etária, os astros, as nuvens, por exemplo, podem vir das fumaças das casas ou outros locais. Também se observou que algumas hipóteses das crianças sobre o mundo natural advêm de pensamento mitológico ou de crenças pes- soais e/ou universais. Julia, por exemplo, com 4 anos de idade, um mês após ter ouvido uma história do livro “De onde viemos”, das edi- ções Paulinas, sobre a relação do universo e Deus, perguntou:Quem 47 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais fez o mundo? Sua mãe pede que ela mesma responda a pergunta. Então, ela diz: “Os homens que construíram o mundo ficaram dentro do esgoto? Onde eles pisaram? Eu acho que eles furaram o esgoto em buraquinhos e fizeram o chão do mundo”. Essa hipótese é antro- pomórfica (os homens fizeram o chão do mundo), ao mesmo tempo é similar ao mito de Vo, mito de Genebra que as crianças resgatam para pensar a formação do planeta. Vo é um verme que sai de um buraco da Terra e vomita o seu chão. A mesma criança, Júlia, com quatro anos, disse ao ver o zero na placa de uma mesa de restaurante:“Eu acho que o zero é um número tão pequeno, tão pequeno que ele não existe”. Ainda intrigada com os bebês Julia perguntou: De onde eu vim? Sua mãe respondeu-lhe que nascera de sua barriga. Dias depois, refez a pergunta: Mãe, e você, de onde você veio? A mãe responde que viera da barriga de sua avó. Ainda incomodada, meses depois perguntou: E a sua mãe de onde veio? E ainda: E a primeira mulher, de onde veio? Essas perguntas concatenadas em um tempo que não é o da escola mostram a busca da explicação do que é a vida e de sua evolução. Outras crianças, como Arthur, com 5 anos, viajando de Marília (SP) a 48 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais Araraquara (SP), no carro, olhando a estrada, perguntou à sua mãe: Mãe, para onde vão os dias que ficam para trás? Ou outro garoto, no Rio de Janeiro, com 6 anos, que perguntou à mãe: O que é maior, os números ou o céu? Carl Sagan (1996), em Não existe perguntas imbecis, dá exemplos de várias perguntas que as crianças fazem: Qual o dia do aniversário do mundo? Existe um número inteiro entre 1 e 2? Qual o futuro do mundo?. Essas questões mostram que as crianças pensam! E pensam de ma- neiras diferentes dos adultos. De nossa parte devemos ficar atentos para as explicações e as hipóte- ses para as crianças no processo da alfabetização em ciências. Assim, respeitar o pensamento da criança e apostarmos em sua criatividade. Isso leva o docente a pensar uma diversidade de procedimentos para encontrar heurísticas novas. Mesmo que as crianças improvisem, suas invenções são embasamentos para o encontro de novas respostas ou de miniteorias como diz Seymour Papert(1996). 49 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais A DIMENSÃO COGNITIVA Para trabalhar como docentes de ciências com os pequenos preci- samos conhecer como a inteligência da criança se constitui. Como docentes precisamos, antes de tudo, compreender como são forma- dos os conceitos científicos de força, respiração, átomo, fecundação, tempo, calor etc., que são, na perspectiva de Piaget(1976), conheci- mentos físicos. Há também os conceitos linguísticos, como cadeira, telefone,liberdade, alegria etc., que são os conhecimentos sociais; e os conceitos matemáticos, como número, espaço, os da geometria básica etc. Para compreendermos melhor o que estamos dizendo, vamos trazer os tipos de conhecimento que, de acordo com as investigações de Piaget(1976), são o norte do desenvolvimento mental das crianças: 50 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais “1- Conhecimento físico: é o conhecimento que a criança extrai dos ob- jetos do seu entorno físico. A criança conhece seu mundo manipulando objetos e ao mesmo tempo pensando-os. Desse modo, retira proprieda- des desses objetos. Essas propriedades são, por exemplo, tamanho, cor, forma, textura, espessura, os sons, o peso, a flexibilidade, a temperatura etc. Essas propriedades não estão nos objetos; elas são apreendidas pelas crianças pela observação e experiência, ou seja, pela ação sobre esses objetos. Saberqueumobjeto vai cair se o largamos no ar é també- mumexemplo de conhecimento físico. 2- Conhecimento lógico-matemático: decorre do conhecimentofísi- co, mas é o conhecimento constituído pela criança mediante as rela- ções que mentalmente são estabelecidas sobre ouentre os objetos. Um exemplo é quando dizemos que um objeto é maior do que o outro. A propriedademaiornão está no objeto, mas na relação mental que a criança estabelece quando compara os objetos. Tomemos um exemplo: vamos imaginar que temos sete carrinhos em uma mesa. Estes têm diversos tamanhos, cores, formas. A isso chamamos de conhecimentos físicos. Quando a criança afir- ma que um carrinho da mesa é menor que o outro carro, a proprieda- de “ser menor” não está no carro, mas advém da comparação feita mentalmente entre os carros. A criança pode estabelecer entre os sete carrinhos os diferentes tamanhos. 3- Conhecimento social: é resultado das interações das crianças 51 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais com os mais velhos. A raiz do conhecimentosocial está nas conven- ções culturais, sociais e na própria linguagem.” Os conhecimentos físico e lógico-matemático são universais, já o conhecimento social está vinculado ao país em que a criança vive, na cultura que carrega. Desses três tipos de conhecimento, o mais difícil de ser compreendido é o conhecimento lógico-matemático. Isso porque precisamos compreender quais são as relações mentais que a criança estabelece em seu percurso rumo à constituição da inteligência. Não basta repetirmos palavras a ela e esperar que es- tas memorizem. A esse modo de educar e pensar a inteligência da criança chamamos de empirismo. Ou seja, a crença de que temos o conhecimento da criança vem de fora para dentro. Se o docente pensa dessa maneira, ele, na prática do ensino de ci- ências, vai apenas falar dos objetos das Ciências Biológicas como se os alunos já tivessem ideias do que são as ciências. Para uma apren- dizagem em ciências é necessária a experimentação (ou prática em ciências) com as necessárias abordagens metodológicas. Não basta o professor fazer um experimento para todos e demonstrar na gente 52 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais eles. É preciso que os alunos atuem sobre os objetos de conhecimen- tos das Ciências Biológicas. A criança deve fazer as experimentações em grupo e discutir como as fez com outros grupos para que haja interação entre as crianças. É também necessário o instrumental para o pensamento das crianças. Esses instrumentais são a problematização de um fenômeno, a cons- trução de hipóteses, o conhecimento de modelos científicos. Com isso, as crianças poderão alcançar procedimentos similares aos dos cientistas como elaborar hipóteses, procedimentos cognitivos como re- lacionar, comparar, sintetizar, calcular uma quantidade, operar com pro- porções, resolver um problema, interpretar um gráfico. Também podem conseguir elaborar aspectos motores como pegar e manipular uma pi- peta, pesar uma substância, focar um microscópio etc. E, por último,ela- borar uma linguagem para representar em palavras, desenhos e imagens (MEINARDI, 2010). 53 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais A DIMENSÃO DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO O professor deve ainda pensar a linguagem que o leva a comunicar os conhecimentos. Precisa saber que muitas palavras são polissêmi- cas, ou seja, têm vários sentidos. Outras palavras são desconhecidas das crianças. E outras, por sua origem em conceitos científicos, ainda não são conhecidas pelos pequenos. Por exemplo, uma professora de ciências fala a Terra tem muita água. Ora, a criança poderá pensar na terra, chão e não em planeta. Há outros conceitos como o de força em física, de energia que são também complexos para a criança. Ela pode pensar em força de seus músculos, de seu corpo, quando o pro- fessor fala de energia no sentido do fenômeno físico. Outro aspecto enfatizado por Galli (2010), no mesmo livro de Meinardi, é a imagem popular das ciências. Muitos livros didáticos aludem a uma imagem ingênua de ciência e de método científico. Isto leva a distorções na compreensão de ciências. 54 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais A DIMENSÃO DO FAZER ESCOLAR Para o ensino de ciências de crianças precisamos saber que estas fazem um longo caminho e uma longa transição entre suas primeiras compreensões e o entendimento do modelo científico, que exige um nível mais aprimorado de entendimento. Também é importante obser- var a pesquisa espontânea da criança com seu entorno para depois provocá-la com problemas, contraexemplos, incentivando a imagina- ção científica dos pequenos. O professor deve ser um andarilho de fronteiras permitindo-se ser um docente com conhecimentos em um enfoque interdisciplinar. Um ensi- no de ciências nessa ótica seria um ensino que prioriza a ação espon- tânea da criança. Pensar na criança como sujeito da ação é introduzir situações de sala de aula com vários interesses, significações, finali- dades, representações, leituras, argumentações etc. Isso implica em favorecer a atividade reflexiva e interativa. Fazer aulas práticas em sala de aula ou laboratórios pode ser um trabalho inútil se não temos ob- jetivos claros. Se os professores já dão respostas aos alunos, ou não ligam as atividades práticas a uma compreensão teórica apropriada, 55 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais às idades das crianças os alunos não entendem o que estão fazendo. Nas aulas práticasde ciências para saber como as plantas respiram, como medir a altura de um animal, como “ver” o ar, como trabalhar com um carrinho e medir sua velocidade, é preciso superar as ativida- des demonstrativas ou ilustrativas feitas só pelo professor. As tarefas das crianças devem levá-las à atividade reflexiva mediante práticas com problemas claros, procedimentos interessantes, chegar às interpreta- ções e, por fim, organizar as informações e representá-las (MEINARDI, 2010). Temos que favorecer os procedimentos cognitivos dos alunos; uma atividade prática só é útil ao aluno se existem ferramentas intelectuais disponíveis (MEINARDI, 2010). 56 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais SAIBA MAIS Entre as atividades que você, aluno(a), pode fazer para ampliar os es- tudos desta Unidade, recomendamos: 1 – A tese de Sidnei Pesada elaborada na USP de São Paulo sob a orientação da professora Anna Maria Pessoa de Carvalho sobre ativi- dades sociocientíficas de alunos em sala de aula de Física. Link: <http://www.sbfisica.org.br/v1/arquivos_diversos/SNEF/XIII/XIII- Resumos.pdf>. 2 – Veja o vídeo de Piaget sobre o que é Epistemologia genética e o desenvolvimento da Inteligência da criança. O vídeo é intitulado PIAGET POR PIAGET (dublado). Link:<http://www.youtube.com/watch?v=FWYjDvh3bWI&list=PLD8E- 539E4B511677B>.57 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais INDICAÇÃO DE LEITURA Veja e leia o maravilhoso livro de Piaget Psicologia e Pedagogia no qual ele discute e apresenta questões do ensino de ciências para crianças e jovens.Editora Forense Universitária. Pode ser encontrado na internet em pdf. Outro livro muito interessante para aqueles que querem combinar os computadores com o ensino de ciências é o de Seymour Papert, A Máquina das Crianças.Editora Artes Médicas. É um livro divertido, com ideias revolucionárias para a educação de crianças. Propõe uma educação contemporânea, que inclua o com- putador nas salas de aula. Apresentamos aqui uma resenha elaborada por Daniel Feitosa Barro, em 29/03/2011, para o site Recanto das Letras. Disponível em: http:// www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=76679. A Máquina das Crianças PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na 58 UNIDADE II - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais era da informática. Edição Revisada. Porto Alegre: Artmed, 2008. Seymour Papert, autor do livro “A Máquina das Crianças”, nasceu a 1 de março de 1928 em Pretória, África do Sul, onde cresceu e partici- pou do movimento antipartheid. Tem sua formação na Universidade de Cambridge, onde desenvolveu um trabalho de pesquisa em Matemática de 1954 a 1958. Seu doutoramento se deu em matemática devido o grande interesse pela pesquisa realizado na área. Trabalhou e conviveu com Jean Piaget na UniversityofGeneva de 1958 a 1963. Seu principal objetivo era considerar o uso da matemática afim de entender como as crianças podem aprender e pensar. No início dos anos 60, Papert afi- liou-se ao MIT onde, junto com Marvin Minsky, fundaram o Laboratório de Inteligência Artificial. Publicou vários artigos sobre matemática, Inteligência Artificial, educação, aprendizagem e raciocínio. Papert, Seymour M. por meio de seu livro, A Máquina das Crianças: Repensando a Escola na Era da Informática, vêm abordar ao longo dos dez capítulos do livro as diversas formas de utilização dos com- putadores pessoais na educação. Tendo vivido na época da histó- ria da computação, mais especificamente na década de 50, Papert 59 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais pôde presenciar a evolução dos computadores desde as criações das primeiras máquinas informatizadas de grande porte (enormes) e de acesso limitado a poucas pessoas até aos dias atuais com o desen- volvimento delas para máquinas portáteis, onde estas já estão presen- tes nas residências e na vida de muitas pessoas em diversas classes sociais. A máquina das Crianças aponta as contribuições e benefícios da im- plantação dos computadores na educação, assim como também co- loca as barreiras criadas pela escola para aceitar a presença e utilida- des dos computadorespara o processo de ensino-aprendizagem. Até hoje se discute a questão da substituição do trabalho do homem pelo trabalho das máquinas, não seria descartável se a escola temes- se a possibilidade de substituição dos professores pelos computado- res. Há de se concordar que muitas vezes tem-se medo de se aceitar o “Novo” pelo simples fato de não saber quais as reações e/ou as formas de aceitação do público por aquilo que acaba de surgir. Tendo que a educação formal prestada pela escola é tida como referência para sociedade o “novo” de alguma forma poderia vir a esfacelar essa 60 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais imagem, daí um dos motivos das restrições do uso dos computadores pelas escolas. Papert trabalha muito bem as contribuições instrucionistas e constru- cionistas do computador na prática educativa; expõe os softwares que ajudam o indivíduo a criar suas próprias ideias e construir seus conheci- mentos, como também os softwares que cedem as ferramentas ao usu- ário e o guia como instrutor precisando algumas vezes de um mediador que possa vir a ajudar no processo de construção do ensino. No capítulo 08 (oito) – Seymour fala sobre a evolução e entendimento de como os computadores podem ser usados no processo ensino- -aprendizagem, uma das ideias principais citadas pelo autor em seu livro é a dos computadores conectados em redes (por exemplo, inter- net), pois por meio dos computadores ligados à internet as crianças ou os usuários como um todo passaram a ter uma maior facilidade e disponibilidade ao acesso de informações e notícias dispersas pelo mundo inteiro, sem precisar depender da assistência direta de um pro- fessor ou outro adulto responsável, no processo de busca e constru- ção de conhecimentos. Neste mesmo capítulo, o computador é posto 61 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais como um facilitador no processo de busca, interpretação e formação dos conhecimentos, pois ele ajudará o professor a passar o conteúdo aos alunos de maneira mais fácil. Papert trata da inclusão dos computadores na sociedade, como uma forma de contribuir para a formação dos indivíduos, tanto na educa- ção quanto na família e sociedade como um todo. Os computado- res são expostos como facilitadores que tem como principal função ajudar os indivíduos a buscarem “sozinhos” a aquisição de conheci- mentos sem necessariamente a ajuda de outra pessoa; essa temática voltada para escola seria de grande prosperidade a partir do momento que os professores conseguissem introduzir os conteúdos trabalha- dos em sala com a tecnologia (computadores) no processo de en- sino, assim os alunos poderiam aprender a aprender criando novas formas de assimilação e aprendizagem, deixando um pouco de lado a retórica tradicionalista, onde só o professor fala e os alunos interna- lizam o conhecimento do professor. Com a ajuda dos computadores na educação os discentes e docentes constroem o saber juntos, pois ambos poderão usufruir da facilidade que as máquinas dispõem para 62 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais o processo de ensino. É importe ressaltar também que Papert cita em seu livro as formas de utilização dos computadores na sociedade. O computador pode ser visto como mais uma porta para o processo de socialização, pois os alunos e/ou indivíduos por meio dos computadores podem interagir e trocar informações com milhares de pessoas do mundo inteiro, au- mentando ainda mais a diversidade e amplitude de formas de apren- dizagem; a partir do momento que uma pessoa pode interagir e trocar informações com uma outra pessoa do outro lado do mundo, essa mesma pessoa estará enriquecendo seu vocabulário de conhecimen- tos, conhecendo outras culturas, línguas, sociedades, comunidades, religiões, disciplinas, condutas etc. O aluno pode adquirir milhões de conhecimentos e novos saberes sem nem precisar sair da sala de aula ou mesmo da própria casa. Sem falar que o autor trabalha muito bem a importância das máquinas na formação do intelecto dos alunos (in- divíduos), trazendo a ideia de que o aprendiz gera uma autonomia intelectual, onde eles passam a criar sozinhos, suas próprias ideias a aprendem a conhecer os conhecimentos científicos e empiristas em 63 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais seus primeiros anos de escola. A Máquina das Crianças traz grandes incentivos e ideias para a prática docente dos professores, apesar de possuir um vocabulário remoto dificultoso ao entendimento dos leitores; em sua literatura o livro é possuidor de conteúdo enriquecedor e superimportantepara a mente dos leitores trazendo muitas formas de introduzir os computadores (tecnologia) na educação. Ele vem abordar as diversas contribuições da tecnologia para a prática do professor e no processo de ensino- -aprendizagem. Talvez o livro apresentasse uma melhor interpretação se proporcionasse até mesmo uma maior visão do conteúdo e mais ideiaspelos leitores de como trabalhar a temática na educação, se ele fosse reeditado e atualizado seu vocabulário. Recomendado a todos os professores e alunos ativos e passivos que dispõe dúvidas sobre como implantar e fazer uso de computadores e tecnologias em geral na educação, preferencialmente aos acadêmi- cos do curso de graduação em Licenciatura em Pedagogia pelo fato destes serem os principais influenciadores na formação de opiniões e mediador na educação e no processo de ensino-aprendizagem. 64 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais INDICAÇÕES DE LEITURA Outro livro de Sagan que vale a pena ler é este, Os Dragões do Éden. O livro OsDragões do Éden é outra obra de Carl Sagan sobre as con- quistas científicas de nossa era. Além disso, nesse livro lemos belas páginas sobre o modelo do cérebro trino, sobre o comportamento ani- mal, sobre a evolução de animais e homens. Como é um livro esgota- do no Brasil encontramos na internet em pdf. REFLITA 1 –Veja e faça uma reflexão sobre o vídeo Infância, ética e amor com Humberto Maturana e Ximena Davila. Nesse vídeo os estu- diosos perguntam: “Como estamos fazendo o que estamos fazendo?”. Essa é uma das perguntas do diálogo entre Humberto Maturana e Ximena Davila, no Instituto Alana. Link: <http://www.youtube.com/watch?v=bhkrB8WntNA>. 2 –Veja e faça uma reflexão sobre o vídeo de Yves de La Taille, 65 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais professor da USP de São Paulo sobre Educação moral e forma- ção ética. Link: <http://www.youtube.com/watch?v=KgxIegd7FiU>. CONSIDERAÇÕES FINAIS As crianças precisam de aulas instigantes e os docentes necessitam conhecer como estas agem e pensam. O saber começa quando é possível fazer um problema de um fenômeno que antes era apenas uma evidência. “O caminho da aprendizagem científica é doloroso porque implica a perda daquilo que já se sabe” (BACHELARD, 1989 in MEINARDI, 2010, p.112). Desse modo, o ensino deve fundamentar-se mais na solução de pro- blemas ou tarefas abertas do que em exercícios fechados porque en- sinar é perguntar mais do que dar respostas. Respostas prontas não estimulam os alunos. É necessário centrar a aprendizagem nos próprios alunos para que es- tes também se sintam responsáveis por sua aprendizagem. A avalia- ção deve ser de forma divergente para incitar nas crianças diversidade 66 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais de resultados em vez de buscar um efeito homogêneo e uniforme. Para finalizar, a aprendizagem é uma tarefa de cooperação social. Os alunos devem aprender juntos, devem conversar sobre as respostas que encontraram em vez de serem apenas crianças solitárias que competem entre si. ATIVIDADES 1) Por que a UNESCO e outras instituições preocuparam-se com o ensino de ciências para crianças? 2) Descreva as dimensões sociais para um bom ensino de ciências. 3) Qual a importância da dimensão cognitiva no ensino de ciências? Descreva os tipos de conhecimentos que as crianças desenvol- vem em suas jornadas rumo à construção da inteligência. 4) Por que as perguntas das crianças são importantes para o profes- sor na prática da sala de aula? 5) Fale sobre a dimensão da linguagem no ensino de ciências? Para trabalhar com o ensino de ciências naturais: fundamentos metodológicos UNIDADE 3 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Compreender quais são as imagens das ciências na sociedade. • Analisar o papel da problematização, do levantamento de hipóteses e da experimentação no ensino de ciências. • Entender o que são os instrumentais para o pensamento da criança no ensino de ciências. • Indicar práticas e atividades científicas em sala de aula no ensino de ciências de crianças. PLANO DE ESTUDO Serão abordados os seguintes tópicos: • Os instrumentais para o pensamento das crianças em ciências naturais • O que as crianças podem pesquisar • Atividades com os pequenos nas práticas de ciências naturais Luzia Marta Bellini 69 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais INTRODUÇÃO “É melhor acender uma vela do que praguejar contra a escuridão. (Adágio in: Carl Sagan)” Nesta Unidade vamos abordar os desdobramentos das teorias sobre o ensino de ciências, trazendo exemplos de práticas de ciências para as crianças. Quando nossa questão é pensar o ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental referimo-nos, especificamente, ao conhecimento de noções básicas das chamadas ciências naturais, ou seja, dos fundamentos básicos da biologia, da química e da física como falamos na Unidade I. No entanto, não basta para isso, um livro didático e transmissão dos conteúdos. Não é algo tão simples que fazemos sem passar por uma série de questionamentos e de aprendizagem docente. OS INSTRUMENTAIS PARA O PENSAMENTO DAS CRIANÇAS EM CIÊNCIAS NATURAIS Um questionamento que podemos fazer para esta Unidade é 70 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais desbastar o mito da ciência e dos cientistas. Vamos pensar o que Rubens Alves (2013) diz aqui: O que é que as pessoas comuns pensam quando as palavras ciên- cia ou cientista são mencionadas? Faça você mesmo um exercício. Feche os olhos e veja que imagens vêm à sua mente. As imagens mais comuns são as seguintes: o gênio louco, que inventa coisas fantásticas; o tipo excêntrico, ex-cêntrico, fora do centro, manso, distraído; o indivíduo que pensa o tempo todo sobre fórmulas incompreensí- veis ao comum dos mortais; alguém que fala com autoridade, que sabe sobre que está falando, aquém os outros devem ouvir e...obedecer. Veja as imagens da ci- ência e do cientista que aparecem na televisão. Os agentes de pro- paganda não são bobos. Se eles usam tais imagens é porque eles sabem que elas são eficientes para desencadear decisões e compor- tamentos. É o que foi dito antes: cientista tem autoridade, sabe sobre o que está falando e os outros devem ouvi-lo e obedecê-lo. Daí que imagem de ciência e cientista pode e é usada para ajudar a vender cigarro. Veja, por exemplo, os novos tipos de cigarro, produzidos cien- tificamente. E os laboratórios, microscópios e cientistas de aventais 71 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais imaculadamente brancos enchem os olhos e a cabeça dos telespec- tadores. E há cientistas que anunciam pasta de dente, remédios para caspa, varizes, e assim por diante. O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso. Quando, então, pensamos em ensino ciências para crianças nós, os docentes, temos que perceber as ciências como produtos de um con- texto histórico e construídas por comunidades de cientistas que tam- bém são humanos como nós. As diferenças estão na especificidade do trabalho. Na escola quando falamos em ensino de ciências estamos tratando de conhecimentos que são científicos, mas são conhecimentos científi- cos escolarizados. Em outras palavras, são conhecimentos que sofrem transposição da ciência para a escola e, nesse sentido, os conteúdos linguísticos são mudados. Essa alteração pode trocar os sentidos dos textos e dar outra conotação aos conteúdos. Exemplo dessa transposição vemos nos livros didáticos. Os autores dos livros didáticos transportam ideias e noções dos conhecimentos científicos da comunidade das ciências para uma linguagem mais 72 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais palatável aos alunos. Nesse movimento de linguagem alguns concei- tos podem ser deformados. Por exemplo: nos artigos científicos sobre a infecção do HIV em humanos, lemos que o vírus interage com as células T4. Os autores de livros didáticos, querendo facilitar a lingua- gem para os alunos traduzem a palavra interação por ataque. Ou seja, usam a metáfora GUERRA no lugar da metáfora INTERAÇÃO. Essa transposição dos termos mudam os sentidos dos conteúdosdos li- vros didáticos. “O contexto pedagógico do tema HIV/Aids traduz-se como metáfora GUERRA, retirandodo estudante não só o modelo mais próximo da metáfora INTERAÇÃO utilizadapelos cientistas, mas impondo uma série de noções não científicas, como: a guerra dos “víruscomo enti- dades infecciosas” contra o homem; dos “vírus parasitas das células humanas”; do HIV que “invade o organismo”, que “ataca” os linfóci- tos T4, “inserindo seu código genéticocomposto de RNA”, ou de um vírus e de uma síndrome para a qual “não existe quimioterapia”,pois “o organismo se encarrega” de “eliminar os parasitas”(BELLINI; FRASSON, 2006, p.270).” Ocorre, então, que os alunos compreendem a síndrome de outra maneira, isto é, como ataque do HIV às células T4 quando, na verdade, HIV e T4 73 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais interagem do ponto de vista bioquímico, levando ou não à infecção. Outro modo de a escola ensinar ciência é pela demonstração das lições dos livros didáticos. Ensina-se ciências como aulas de matemática, ou seja, pela demonstração utilizando as ilustrações dos livros didáticos. No entanto, o que são essas ilustrações? São desenhos pouco atraen- tes, no plano, de objetos de estudo complexos. Por exemplo, ensina-se o corpo humano, narrando ao aluno as partes do corpo do desenho do livro. Ou ensina-se o que é um caule de árvore sem tratar da árvore inteira. Esse modo é um obstáculo cultural e cognitivo para instruir a criança e o jovem. Observemos como acontece um ensino anticientífico na escola lendo a descrição de Almeida (1985, pp.146-147): [...] numa sala de aula, usando uma dessas reproduções do corpo hu- mano onde se veem artérias, veias, vasos, etc., o professor explica a algumas pessoas que às vezes conversam, prestam atenção, comem chocolate, viram para trás, falam alto, pedem para sair, chutam a da frente... o professor explica ... a circulação do sangue. No esquema a visão é fria, científica. Num corpo estático, o sangue é uma linha de tinta fixa. O professor diz que ele circula e, no entanto, está tão parado... e 74 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais os alunos tão agitados [...] na lousa a vida é homem circulação parado [...] na sala os alunos são homens [...] sangue corpo fluem [...] agitam seus desejos, ódios, vontades, políticas. O professor quer que os alu- nos prestem atenção ao corpo parado, o professor exige para o en- tendimento do corpo no desenho exposto que as pessoas tenham a mesma atitude do desenho, paralisem-se numa pose gráfica, escutem palavras lineares. Enfim, a pretensão científica, o conhecimento pedra da produção exige disciplina. A visão da ciência pede identificação com a verdade proposta. As pessoas em aula devem realizar com seus cor- pos a metáfora do gráfico. E como arma invisível, dragão esquecido, surge entre as pessoas, no encontro político daquela sala, algo respi- rado nos quartéis e indústrias - a disciplina. E aí, irremediavelmente, as pessoas se definem como alunos e professor, a ciência se impõe como verdade e castração, a conversa dá lugar ao diálogo pedagógico, o conhecimento uma questão de reprodução numa prova, avaliação ou qualquer outra coisa mais livre ou moderna de controle de verdades ad- quiridas ao longo de uma vida, que, ignorada pela escola se transforma em uma aberração fascista chamada progresso educativo. [...] O corpo, verdade total, é separado em suas partes. A vida não é [...] a vida dá lugar às funções. Você não existe. Você é um corpo que funciona. Tática antiga, dividir para dominar. Cada parte do corpo assume a função do todo. A pessoa é composta de aparelhos, sistemas. Blocos fechados. Quando você beija alguém, você toca parte do sistema digestivo? [...] bem, mas [...] não se beija em sala de aula [...] O corpo é visto a partir da produtividade. Corpo-máquina. Consome energia, produz energia, par- tes que precisam funcionar harmoniosamente. Os conflitos são meras 75 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais disfunções físicas. O professor fala de um corpo que não existe, um corpo da ilustração, mal feita, do livro didático. Uma aula assim é entediante e anticientífi- ca. Esse hábito de ensinar ciências manifesta a incapacidade dea es- cola fazer algo diferente e desafiador. Vejamos o que escreveu Piaget (1980, p.17), em Para onde vai a educação?,sobre as escolas e suas lições arcaicas: [...] a incrível falha das escolas tradicionais, até estes últimos anos inclusive, consiste em haver negligenciado quase que sistematica- mente a formação dos alunos no tocante à experimentação. Não são com efeito as experiências que o professor venha a fazer perante eles, ou as que fizerem eles mesmos com suas próprias mãos, se- guindo porém um esquema pré-estabelecido e que lhes é simples- mente ditado, que lhes haverão de ensinar as regras gerais de toda experiência científica. [...] os métodos do futuro deverão conferir uma parte cada vez maior à atividade e às tentativas dos alunos [...], pois uma experiência que não seja realizada pela própria pessoa, com plena liberdade de iniciativa, deixa de ser, por definição, uma experiência, transformando-se em simples adestramento, destituído de valor formador por falta de compreensão suficiente dos pormeno- res das etapas sucessivas. 76 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais O que Piaget afirma aqui é que o ensino de ciências deve combinar os resultados das aulas práticas e a práxis reflexiva. Ou seja, os dados dos fenômenos que os alunos investigaram e a reflexão do que fize- ram e compreenderam. O QUE AS CRIANÇAS PODEM PESQUISAR? As crianças podem estudar ou pesquisar fenômenos de como o corpo reage ao frio e ao calor, como uma semente germina etc. Não há como compreender fenômenos elementares da natureza sem aula com ativi- dades práticas. Rubens Alves(1981) assevera que na busca do espírito científico estamos em busca da ordem das coisas, dos fenômenos. Vejamos o que diz Alves (1981, pp. 28-29): Não importam as diferenças que separam o senso comum da ciên- cia: ambas estão em busca de ordem. Você não acha curioso este fato? Cada um à sua moda, o menino Azande e o mais sofisticado cientista estão atrás de uma mesma coisa. Por quê? Para responder a esta pergunta temos de sair dos domínios da filosofia da ciência e entrar no mundo fascinante do com- portamento dos organismos e das pessoas. E aí descobrimos quea 77 UNIDADE III - Conteúdos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais exigência de ordem se fundamenta na própria necessidade de sobre- vivência. Não existe vida sem ordem nem comportamento inteligente sem ela. Pense sobre as seguintes afirmações de Prescott Lecky:“A habilidade para prever e predizer os acontecimentos ambientais, de entender o mundo em que se vive, e assim a capacidade para anteci- par eventos e evitar a necessidade de reajustamentos bruscos, é um pré-requisito absoluto para que o indivíduo se mantenha inteiro. O in- divíduo deve sentir que ele vive num ambiente estável e inteligível, no qual ele sabe o que fazer e como fazê-lo...”. “A aprendizagem parece ser, basicamente, um processo unificador cujo objetivo é uma atitu- de livre de conflitos” (Prescott Lecky. Self-Consistency. p.83). O que eu desejo que você anote é isto: a inspiração mais profunda da ciência não é um privilégio dos cientistas, porque a exigência da or- dem se encontra presente mesmo nos níveis mais primitivos da vida. Se não necessitássemos de ordem para sobreviver não a procuraría- mos. E é somente porque a procuramos que a encontramos. A ciência é uma função da vida. Justifica-se apenas enquanto órgão adequado à nossa sobrevivência. Uma ciência que se divorciou da vida perdeu a sua legitimação. Não se pode negar, por outro lado, que o senso comum e a ciên-
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