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A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL slides

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A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL
Três referenciais fazem parte do contexto de produção da Psicologia Social: os relacionados com o progresso de áreas afins como a sociologia, a antropologia, a educação, a história social e a própria psicologia; o avanço da psicologia social em países da Europa, nos Estados Unidos e, mais recentemente, na América Latina e ainda às condições históricas e econômicas mundiais, especialmente, às condições nacionais que, aliadas às demandas sociais de comunidades, grupos e movimentos sociais, abriram caminhos no campo do conhecimento psicossocial.
Primeiro livro com título específico referido a Psicologia Social foi publicado, no Brasil, somente em 1921. De autoria de Francisco José de Oliveira Viana, intitulado “Pequenos estudos de psychologia”, este fora composto de artigos publicados em jornais, versando sobre temas como o meio social e o meio político. Havia um pensamento psicossocial no Brasil, que é normalmente denominado de "pensamento social brasileiro". Dentre os autores que mais se destacaram neste sentido, ainda no século XIX ou na passagem para o XX, citam-se Sylvio Romero, Raimundo Nina Rodrigues e Manoel Bomfim, cujas ideias traziam as marcas brasileiras de uma época de pouca industrialização, domínio da oligarquia rural e um contexto intelectual regido pelo predomínio das ideias positivistas.
Na década de 1930 surgiram os primeiros cursos superiores em Psicologia Social. Cabendo a Raul Carlos Briquet o pioneirismo docente. Médico, nascido em São Paulo em 1887, ele foi responsável pela cadeira de Psicologia Social na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo.
O segundo curso de Psicologia Social foi ministrado em 1935 por Arthur Ramos – médico, nascido em Alagoas em 1903 - que resultou na edição do livro “Introdução à Psychologia Social”, publicado em 1936, na Escola de Economia e Direito da extinta Universidade do Distrito Federal1. Para ele, a Psicologia Social era uma disciplina entre a Psicologia e a Sociologia que necessitava de maiores delimitações do seu campo, com crescente importância, embora seus métodos e objetivos ainda não estivessem claros. Na sua visão, caberia à Psicologia Social estudar: as bases psicológicas do comportamento social, as inter-relações psicológicas dos indivíduos na vida social e ainfluência total do grupo sobre a personalidade.
A década de 1940 foi marcada, segundo Bomfim (2003b), por missões estrangeiras que chegaram ao Brasil no auge da II Grande Guerra Mundial, acrescentando, portanto, várias contribuições psicossociais. Desse grupo pode-se destacar Pierre Weil que chegou ao país em 1948 para trabalhar em treinamentos do recém-criado Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), no Rio de Janeiro. Entre suas obras, merece destaque “Dinâmica de Grupo e Desenvolvimento em Relações Humanas” (1967) e a partir dessa obra ele desenvolveu, com colegas, a técnica de Desenvolvimento das Relações Humanas (DRH).
Na década de 1950, a ideologia desenvolvimentista torna-se mais impregnante no pais, com a crença de que um parque industrial forte melhorará a qualidade de vida do Brasil, de que a industrialização e a urbanização levarão à qualificação dos recursos humanos, ou seja, construir-se-á um país moderno e desenvolvido. Para tanto, houve maior ênfase no setor educacional. Assim, foram criados órgãos como o “Conselho Nacional de Pesquisas” (CNPQ) em 1951, “Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário” (CADES) em 1954 e o “Serviço de Educação de Adultos”, em 1957. Este momento foi importante para a Psicologia Social, pois possibilitou as primeiras teses de doutorado com temáticas comprometidas com essa perspectiva, como a tese de Carolina Bori, que versava sobre a “Análise dos Experimentos de Interrupção de Tarefas e da Teoria da Motivação” na obra de Kurt Lewin (1953) e a tese de Dante Moreira Leite com o título “Caráter Nacional do Brasileiro” (1954), que analisou a visão do que seja o "brasileiro" em diferentes obras representativas do chamado "pensamento social brasileiro", apontando, nelas, seu caráter conservador ou progressista.
A Psicologia Social, até o início dos anos 1960 parecia que daria respostas a todos os problemas sociais, mas foi atravessada por uma polêmica em torno de seu caráter teórico e ideológico, ocasionando uma crise. Tal crise foi devida tanto à sua metodologia como às formas de teorização utilizadas, pois a Psicologia de até então não havia desenvolvido uma base sólida de conhecimentos estruturada na realidade social e nas vivências cotidianas. Sua teorização era centrada, segundo Krüger (1986), no cognitivismo (relevo aos fatores cognitivos do indivíduo), no experimentalismo como método de pesquisa, no individualismo (ou seja, na análise dos fenômenos sociais a partir da perspectiva do indivíduo), no etnocentrismo (já que este modelo de indivíduo era o estabelecido na cultura norte-americana), no uso de microteorias (ou seja, na investigação de micro-espaços do social) e, finalmente, na perspectiva a-histórica, já que o "homem“ estudado através destes diversos invólucros seria um homem presente em todos os tempos e espaços. Para superar a crise, segundo Bonfim (2003a), seria necessário buscar uma maior e mais cuidadosa produção de conhecimento, discutindo as questões ideológicas, elucidando os conflitos sociais, analisando as diferenças individuais, grupais e comunidades e questionando seu papel político.
A década de 1960 também foi importante para a Psicologia pela conquista de sua autonomia e pelo reconhecimento da profissão de psicólogo regulamentada pela Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que estimulou a criação de novos cursos, assim como consolidou o ensino da Psicologia nos cursos superiores. Dessa forma, ocorreu o desenvolvimento da produção psicossocial, principalmente em relação a disciplinas, como “Dinâmica de Grupo e Relações Humanas”, “Seleção e Orientação Profissional” e “Psicologia da Indústria”, além da obrigatoriedade da “Psicologia Social”.
Na década seguinte, 1970, o Brasil continuava sob o regime militar que durante muitos anos buscou controlar a população, suas ações e pensamentos. A Psicologia, por sua vez, ainda vivia a crise da década passada, refletida em fóruns de discussões, os impasses da psicologia social enquanto ciência e espaço de práticas políticas e ideológicas.
O campo da Psicologia continuava crescendo, com a implantação dos primeiros cursos de mestrado específicos em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, os quais geraram dissertações com temáticas voltadas à realidade brasileira.
O Brasil na década de 1980, ainda sob o regime militar, vivenciou novas greves resultantes do processo recessivo, devido às perdas salariais e à instabilidade no emprego. O poder já não estava somente com o Estado, mas também em instituições sociais que criticavam e denunciavam exclusões e opressões. Nesse período, a Psicologia Social no Brasil, de acordo com Bomfim (2003a), buscou autonomia científica, por um conjunto de atividades: crescimento expressivo da produção publicada, detalhamento das temáticas anteriormente abordadas (educação, saúde, comunidade, trabalho, etc.), inclusão de outras (representações sociais, relações de gênero, movimentos sociais, etc.) através de estudos realizados, além de publicação de estudos e ampliação da divulgação de aplicações da psicologia social, principalmente em relação aos trabalhos com comunidades carentes. Predominou, nesse momento, a busca por uma nova identidade, com muitos debates, congressos, encontros, publicações, reflexões.
Essa década foi importante para a Psicologia Social, pois além do aumento da produção de artigos e dissertações de mestrado, foram criados os primeiros cursos de doutorado específicos nessa área e defendidas as primeiras teses nos cursos instituídos. Vale ressaltar que com a criação das associações científicas, entre elas a “Associação Brasileira de Psicologia Social” (ABRAPSO), em julho de 1980, e a “Associação Nacional de Pesquisa
e Pós-Graduação em Psicologia” (ANPEPP), em julho de 1983, a Psicologia, de modo geral e a social de modo específico, deram um salto de qualidade por meio dos encontros promovidos com a categoria em diferentes eventos científicos.
O Brasil da década de 1990 mantinha algumas características da década anterior, tais como estagnação econômica, grave crise social, inflação descontrolada e caos nas finanças públicas, devido às dívidas internas e externas. Foi a época em que a Psicologia, segundo Bock (1999), partiu para a sistematização da diversidade construída na década de 1980, quando os psicólogos refletiram e construíram novas ideias.
A categoria que, anteriormente, almejava uma identidade para o psicólogo, deu lugar, na década de 1990, à preocupação com a imagem da Psicologia e do psicólogo junto à população. Segundo Bock (1999, p. 127): “[...] Em 1990, vamos nos deparar com mais certezas e posições. Se a década de 80 levantou questões, a década de 90 parece se propor a respondê-las”.
A Psicologia Social que hoje conhecemos e com a qual convivemos, nos diferentes centros de investigação e trabalho, foi e está sendo construída por profissionais que estão aí, em pleno exercício das suas atividades, comprometendo-se com as demandas e necessidades explícitas em seus locais de atuação. Trata-se de pessoas que viveram a “crise” da psicologia social, e colaboraram para chamar a atenção sobre realidades sociais e cotidianas que se diferenciavam daquelas vividas nos centros de domínio econômico, político e científico (FREITAS, 2000).
A crise
No início dos anos 70 acumulávamos uma década de reconhecimento do curso de psicologia em nosso país, no entanto, a psicologia já se deparava com questionamentos a respeito da sua cientificidade, do seu direito à existência e do seu pertencimento ao campo das ciências naturais ou ao campo das ciências humanas. Estávamos diante do que alguns autores denominaram de "crise" da psicologia. Consideraremos como crise o momento de reflexão que a psicologia começou a viver nos fins dos anos 60 e início dos anos 70. Parecia que a necessidade de uma interrupção se fazia presente, ou seja, o questionamento sobre "onde estamos e para onde devemos ir" passou a mobilizar a psicologia como um todo. 
Após a segunda guerra mundial a psicologia social obteve um grande impulso nos Estados Unidos e segundo um dos mais importantes historiadores da psicologia social naquele país, ou seja, Allport: a psicologia social seria um fenômeno tipicamente norte-americano. A migração dos psicólogos da gestalt, da Áustria e da Alemanha para os Estados Unidos em função dos nazistas, foi uma das fontes de inspiração para a psicologia social norte-americana e uma das causas responsáveis pela sua individualização. 
A crise na psicologia social moderna teve início na década de 60. Várias críticas vão ser apresentadas a proposta de se acumular dados de pesquisa para em seguida se chegar à formulação de teorias globalizadoras. Estes questionamentos irão caracterizar "a crise da psicologia social moderna". Vários outros questionamentos serão apresentados à psicologia social norte-americana, no entanto, é na Europa que estas críticas são mais incisivas e contundentes. A denúncia do seu caráter ideológico e mantenedor da ordem social estabelecida passa a ser objeto de reflexão para os psicólogos sociais em geral. Na América Latina, a psicologia social reproduzia os conhecimentos desenvolvidos nos Estados Unidos e na Europa. A busca de "leis universais" que regem o comportamento dos indivíduos impedia que se pensasse em teorias que atendessem as questões dos países latino-americanos, que apresentavam sociedades e culturas diferentes da norte-americana e européia. 
A crise da psicologia social é objeto de denúncia no Congresso de Psicologia Interamericana, realizado no ano de 1976 em Miami, (que teve como primeiro presidente o professor Aroldo Rodrigues) com a participação de psicólogos sociais de vários países da América Latina. No Congresso posterior, que ocorreu em Lima, Peru, no ano de 1979, algumas diferenças expressivas puderam ser observadas, ou seja, as críticas à psicologia social norte-americana eram mais precisas e visavam uma redefinição da psicologia social. Durante este Congresso foi discutida a criação da Associação Latino-Americana de Psicologia social (ALAPSO), que tinha por objetivo promover o intercâmbio entre os psicólogos sociais latino-americanos. 
Há algumas análises sobre a "crise da psicologia social" brasileira na década de 1970. Lane e Bock (2003) destacaram a importância dos Congressos da Sociedade Interamericana de Psicologia (SIP), quando a partir de meados de 1970 surgiram críticas à psicologia social cognitivo-experimental estadunidense, hegemônica na América Latina, bem como a importância do I Encontro Brasileiro de Psicologia Social em 1979. Machado (2016) e Bomfim (2003) destacaram a importância do Setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ou apenas Setor, tendo Célio Garcia como fundador e diretor, onde se discutiam e desenvolviam novas formas de psicologia social, como psicossociologia francesa, ecologia humana, análise institucional, inclusive realizando contato com países estrangeiros e visitas internacionais trazendo novas perspectivas ao Setor. Molon (2001) mostrou a importância do papel de Silvia Lane e do curso de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), dos trabalhos em comunidades e dos Congressos da SIP.
Jacó-Vilela (2007) aponta que as respostas surgidas no período de "crise" ainda são atuais, como a psicologia sócio-histórica, representações sociais, análise institucional e a Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso). Lacerda Junior (2013) apresentou como as transformações na sociedade brasileira na década de 1970, com a retomada das lutas sociais contra a ditadura, promoveram transformações na psicologia, especialmente a partir do campo da psicologia social, especificamente dos debates sobre a "crise". Yamamoto (1987) apontou que a "crise" era de toda a psicologia, surgida dos questionamentos sobre a função social do psicólogo, geradas devido à crise no mercado de trabalho e restringida a uma "crise de consciência", resultando em respostas agrupadas em dois eixos: (1) psicologia alternativa, que reunia propostas em contraposição ao tradicional e possuem duas tendências, a (a) busca por originalidade sem a preocupação de não reproduzir ou não os problemas da psicologia tradicional, como as abordagens corporais e a que (b) procura uma saída para a Psicologia por meio do alcance à maioria popular que não era alcançada pela psicologia; (2) contrapsicologia, com críticas e busca por uma redefinição da Psicologia.
 Embora a crise da psicologia social no Brasil tenha o significado de busca de novas teorias que fundamentassem a ação social do psicólogo em nosso meio, não podemos deixar de considerar a continuidade da influência exercida pela psicologia social norte-americana. Aroldo Rodrigues é certamente um dos mais importantes divulgadores desta psicologia social. Professor do Programa de Pós-Graduação da PUC-RJ constituiu-se em uma referência para a psicologia social no Rio de Janeiro, embora, posteriormente, tenha sido alvo de críticas por parte dos psicólogos sociais cariocas e brasileiros. Suas obras "Psicologia Social" de 1972 e "Estudos em Psicologia Social" de 1979 são, nos dias atuais, estudadas em muitos cursos de psicologia social no país.
No Brasil, nesse mesmo período histórico, Silvia Lane já apontava para a necessidade de se buscar caminhos próprios para a psicologia social em nosso país, que atendessem a nossa realidade cultural, social e política. Um dos sinais da crise da psicologia social a partir dos anos 60 foi a busca, por um lado, do atendimento da necessidade de intervenção social para a melhoria das condições de vida das sociedades, e por outro, a tendência de contrariedade ao rigor da metodologia experimental de laboratório. Este dilema colocava,
de um lado, a psicologia social norte-americana que tinha a preocupação de reproduzir o modo de fazer ciência das ciências naturais, mas que a partir do final da década de 60, também buscava responder as necessidades de relevância em suas pesquisas; e em uma posição distinta, uma outra maneira de pensar a psicologia social, que se configurava a partir de críticas ao modelo positivista de ciência e que passou a sustentar como uma de suas preocupações a busca da relevância social.

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