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Texto sobre Gestalt-terapia

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O PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO EM GESTALT-TERAPIA [footnoteRef:1] [1: ANDRADE, C.C. (2007) O processo terapêutico em Gestalt-terapia. In: ANDRADE, C.C. A vivência do cliente no processo psicoterapêutico: um estudo fenomenológico na Gestalt-terapia. Dissertação de mestrado. Universidade Católica de Goiás. Goiânia. Cap. IV. P. 106-183. Disponível em: http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_arquivos/11/TDE-2007-05-29T114928Z-329/Publico/Celana%20Cardoso%20Andrade.pdf. ] 
Mesmo no retraimento mais profundo existe uma vaga inquietação da alma que anseia pelo encontro genuíno com o outro. 
Hans Trüb
 
Com o intuito de discutir o processo psicoterapêutico em Gestalt-terapia, faz-se mister introduzir o próprio campo das psicoterapias. Iniciar-se-á por um artigo de Ludwig Binswanger (1970), no qual o autor, em conferência a estudantes de medicina, questiona a possibilidade de um processo de tratamento, sem medicação (como é o caso da psicoterapia). Em seguida apresentar-se-á a psicoterapia nos dias atuais, que segue em seu processo de evolução. Nessa evolução, emergiram várias linhas de atuação, contudo, qualquer que seja a abordagem, existe a intenção comum de buscar o bem-estar e o crescimento saudável do ser humano. Cada linha psicoterapêutica apresenta uma maneira singular de agir com o cliente, pois elas se baseiam em perspectivas epistemológicas, metodológicas e conceptuais totalmente diversas. Com o propósito de melhor compreender a Gestalt-terapia – abordagem na qual os colaboradores vivenciaram seus processos psicoterapêuticos – será apresentado um breve histórico de seu nascimento oficial, com o objetivo de evidenciar as influências recebidas pelo principal representante dessa abordagem, Fritz Perls, e de sua esposa Laura Perls e, posteriormente, como a Gestalt-terapia chegou ao Brasil. 
Ao conhecer um pouco as influências pessoais, teóricas, filosóficas e metodológicas – diretas ou indiretas – sofridas pelo casal Fritz e Laura Perls, essas correntes serão apresentadas e, em seguida, discutidas como a Gestalt-terapia, de algum modo fez uso delas em sua teoria e em sua prática psicoterapêutica. Tratadas essas bases teóricas (Psicologia da 107 Gestalt, Teoria Organísmica Holística e Teoria de Campo), filosóficas (Existencialismo e Humanismo) e metodológicas (Fenomenologia), serão definidos os conceitos básicos da clínica gestáltica – contato, awareness, mudança paradoxal, auto-regulação, figura-fundo, ajustamento criativo, aqui-agora, diálogo – a maioria originada dessas fundamentações teóricas, filosóficas e metodológicas. Por fim, será focalizado o processo psicoterapêutico na abordagem gestáltica, que incorporou os saberes destas teorias como instrumento de trabalho e, atualmente, com 55 anos desde sua primeira publicação, encontra-se mais amadurecida e, a cada dia, tem ampliado seu campo de trabalho para outras áreas além da psicoterápica. 
No decorrer dessa discussão teórica, que busca dar inteligibilidade às diferentes categorias encontradas nos resultados (capítulo III), tentar-se-á articular a teoria com as falas dos colaboradores, sempre que possível, a fim de confrontar a teoria com o momento empírico, visto que o empírico é inseparável do teórico. Destacar-se-á, em negrito, o que será ilustrado pela fala dos colaboradores. 
4.1 Psicoterapia 
Já no início do século XX, Binswanger (1970) tentava explicar, aos seus jovens estudantes de medicina, como se podia atuar, com eficácia, na psicoterapia – uma prática que prescinde do uso das mãos, dos medicamentos e mesmo da eletricidade, mas que age “com a comunicação humana, a palavra e todos os outros meios pelos quais o homem entra em contato com um outro homem e pode, assim, atuar nele” (p. 137). Na conferência, o autor expôs uma nova situação médica que apresentava uma nova forma de comunicação. A psicoterapia, segundo Binswanger (1970), trata da “esfera do ser interhumano” (p. 138). Em toda forma de psicoterapia médica, existem dois homens face a face, de algum modo dirigidos um para o outro, portanto, são homens que estão um com o outro e separados 108 um do outro, enfim, é uma co-presença operante dialogante. Estar um com o outro somente é possível quando se cumpre a condição de bilateralidade da experiência e quando o psicoterapeuta retribui a confiança do cliente ao oferecer, por sua vez, o presente da confiança humana. A psicoterapia é uma relação entre homens (como existentes) e com homens e seus princípios são a atenção, o cuidado, a assistência, o tratamento em si e a comunicação. 
Por essas razões, Binswanger (1970) defende a possibilidade da psicoterapia: 
A possibilidade de psicoterapia não repousa em mistério nem em segredo algum, como vocês têm ouvido, nem sequer em algo novo e nem extraordinário, senão em um traço fundamental da estrutura do ser humano com o “ser-no-mundo” (Heidegger), e precisamente o “ser com o outro e para o outro”. Enquanto esse traço fundamental da estrutura do ser humano “se conservar”, a psicoterapia será possível. (pp. 139-140, grifos do autor).
A relação psicoterapeuta e cliente, como já dito, é uma co-presença operante dialogante em uma postura dialética, ou seja, de um para o outro. De acordo com Binswanger (1970), a dialética é o verdadeiro fundamento de toda psicoterapia e, um bom psicoterapeuta, sempre é aquele que prioriza a relação dialética. O psicoterapeuta deve ser habilidoso na tarefa de contato-afastamento, ou seja, de desenvolver uma sincronia que permita tanto aproximar e ver claramente o fato, quanto afastá-lo o suficiente para continuar no exercício de sua profissão.
No entanto, “as exigências de uma concreta situação psicoterapêutica podem ser mais fortes que as indicações teóricas do mestre” (Binswanger, 1970, p. 142). Nesse momento, suspendem-se os conhecimentos teóricos, filosóficos ou metodológicos e permanecem dois seres humanos em relação. 
Outro ponto relevante da psicoterapia é o poder de reconciliação do homem consigo mesmo e, portanto, com o mundo, que é alcançado quando há a transformação de inimizade contra si mesmo em amizade para consigo mesmo e, portanto, com o mundo (Binswanger, 1970). Essa concepção era muito nova naquela época e ainda o é nos dias atuais. No entanto, apesar da pouca idade, o campo das psicoterapias tem crescido muito e de forma preocupante, pois nem sempre a teoria e a prática de uma abordagem estão associadas a uma construção coerente e a uma fundamentação sólidas. Holanda (2005) destaca a necessidade de compreender a proposta de uma abordagem, a fim de poder alcançar o verdadeiro sentido de sua contribuição. Para ele, 
a passagem da teoria para a prática ocorrerá por conseqüência, e não por isolamento e elementarização; por dialética, e não por segmentação; por significado, e não por atribuição (...). Far-se-á por fundamentação, e não por fantasia; por sedimentação, e não por “geração espontânea”; por fortalecimento, e não por simplificação. Com isto, as contribuições (...) tornar-se-ão científicas e não mágicas; concretas e não subjetivas; sólidas e não abstratas. (p. 25, grifo do autor).
Esta preocupação implica superar o psicologismo inerente à ciência psicoterápica e, até mesmo, obter uma segurança qualitativa nas diversas abordagens que são de alcance público na atualidade. Por muito tempo, segundo Penna (1997), o tema da unidade da Psicologia impôs-se diante de uma extensa dispersão imposta pela utilização de perspectivas epistemológicas, metodológicas e conceptuais significativamente distintas. No entanto, o autor entende ser essa dispersão irremediável, tornando o sonho da unidade do pensamento psicológico uma tarefa utópica. Ressalta, ainda, que a impossibilidade de unificação, de nenhum modo, compromete a Psicologia no que se refere à sua condição de conhecimento no singular. 
Penna (1997) focaliza quatro perspectivas epistemológicas que determinaram trajetos diversos para os estudos psicológicos, envolvendo métodos e conceitos: a perspectiva positivista, que fundamentou o Behaviorismo; a crítica, desenvolvida pela escola de Frankfurt, quemelhor alicerça a Psicanálise; a fenomenológica, desenvolvida inicialmente por Husserl, sobre a qual se propõe uma Psicologia Eidética; e a existencial, produzida, sobretudo, por Heidegger, e que fornece a base de sustentação da Psicologia Existencial. 
Este estudo busca uma maior compreensão sobre a abordagem gestáltica que, de acordo com Holanda (2005), também necessita construir uma epistemologia da teoria e da prática gestáltica. Tal escolha justifica-se por esta pesquisadora ter buscado, em sua pesquisa, investigar a vivência do cliente no processo psicoterapêutico que tinha como base a fundamentação gestáltica. 
4.2 Gestalt-terapia 
Gestalt significa configuração, forma, todo ou totalidade. Trata-se da configuração de algo que toma forma ao se completar, ou seja, qualquer todo estruturado ou organizado. Tudo que tem uma forma estruturada, um sentido perceptual, ou cognitivo, ou afetivo ou social, é uma Gestalt, um todo com forma ou com sentido, algo completo e que faz sentido. 
Yontef (1998) caracteriza a Gestalt-terapia com base em três princípios, e cada um deles inclui os demais: a) a Gestalt-terapia é fenomenológica e seu objetivo e metodologia são a awareness[footnoteRef:2] ; b) a Gestalt-terapia baseia-se no existencialismo dialógico e; c) a base conceitual da Gestalt-terapia e sua visão de mundo estão alicerçadas no Holismo e na Teoria de Campo. [2: Yontef (1998) define awareness como uma “forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo-meio, com total apoio sensório-motor, emocional, cognitivo e energético” (p. 215). 
] 
Ribeiro (1985) amplia essa caracterização alegando que a Gestalt-terapia, necessariamente, assume um posicionamento existencialista, mas que ela nem sempre é dialógica. O autor enfatiza que a essência do existencialismo é o sentido de respeito e responsabilidade pela própria existência e pelo outro. Por isso, o terapeuta deve respeitar a experiência do cliente como a autoridade máxima para a compreensão do seu funcionamento e para seu ajustamento criativo. 
A Gestalt-terapia é um modelo pautado pela filosofia fenomenológico-existencial. A expressão fenomenológico-existencial é a mais correntemente utilizada, embora não haja consenso entre os próprios teóricos da Gestalt-terapia. Há autores que consideram um erro epistemológico usar a expressão fenomenológico-existencial e argumentam que essa nomeação associa indiscriminadamente duas abordagens que, por vezes, se excluem. Além disso, essa expressão refere-se a abordagens distintas, tais como a Logoterapia, a Abordagem Centrada na Pessoa ou, mesmo, a Gestalt-terapia (Holanda, 2005). 
O recorrente nesse modelo é que clientes e terapeutas devem estar, necessariamente, em diálogo, isto é, precisam comunicar suas perspectivas um ao outro, com o propósito de mostrarem-se o mais verdadeiramente possível. Assim, a ênfase dada ao processo psicoterapêutico recai sobre o diálogo, ou sobre a relação dialógica, pois é a partir dela que se alcança o objetivo da Gestalt-terapia – a awareness. Tomando por base a filosofia dialógica de Martin Buber (1979, 1982), a Gestalt-terapia propõe-se a promover o diálogo, facilitando ao cliente o reconhecimento de suas formas incompletas de relacionamento com o mundo, consigo e com os outros. 
A Gestalt-terapia tem como objetivo tornar os clientes conscientes do que estão fazendo, como o fazem, como podem transformar-se e, ao mesmo tempo, aprenderem a aceitarem-se e a valorizarem-se. Para atingir tais objetivos, a Gestalt-terapia faz uso de procedimentos que ajudam o cliente a solucionar, da melhor forma possível, as questões concretas de seu cotidiano (sua dor, seu desespero, sua angústia, sua necessidade de escolher, de superar seus limites etc) mediante uma metodologia clínica que investiga, aprofunda e esclarece essa experiência, de modo a torná-la plena de sentido para o cliente. 
Essa abordagem apóia-se na metodologia do contato e da awareness, fazendo uso de experimentos e do diálogo, como procedimentos. O terapeuta em ação usa diversos instrumentos, e os mais importantes na Gestalt-terapia são o corpo, a fala e a própria relação terapêutica. 
Essa forma de trabalhar fundamenta-se na crença de que o homem é um ser em relação, presente no mundo, repleto de possibilidades e apto, ao conhecer-se, a realizar suas escolhas e a dirigir sua vida. Para a Gestalt-terapia, o cliente deve descobrir o sentido de sua vida (sentimentos, pensamentos e ações) no contexto em que ele vive e, entender que essa forma de existir lhe fornece informações acerca de si mesmo e das pessoas com as quais convive. 
Ao conhecer-se melhor, o cliente escolhe melhor. A cada decisão acertada, há o aumento do auto-suporte. O desenvolvimento do cliente, como pessoa, é alcançado por meio da atitude intencional do terapeuta em aceitá-lo e confirmá-lo no que ele está vivendo, isto é, por meio da atitude inclusiva do terapeuta. Ao sentir-se verdadeiramente confirmado, o cliente pode abrir-se a novas possibilidades de ser, descobrir novas possibilidades no ambiente, e ajustar-se criativamente. 
4.2.1 Breve histórico 
Friedrich Salomon Perls (1893-1970), ou Fritz Perls, como ficou conhecido, é considerado o principal fundador e divulgador da Gestalt-terapia. Perls, de ascendência judaica, nasceu em Berlim e cresceu sob a influência de um pai comerciante, sedutor, irritadiço e vaidoso, e de uma mãe amante da arte, do teatro, da ópera – características que o acompanharam por toda sua vida. Sempre teve um temperamento questionador, mostrandose irrequieto e intempestivo, e muito criativo. Logo cedo, aos treze anos, interessou-se pelo teatro, que o influenciou por toda sua vida. Nessa fase, aprendeu a detectar sutilezas da entonação de voz e da linguagem corporal, elementos tão explorados posteriormente em seu trabalho terapêutico (Perls, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001). 
Perls (1979) descreve-se como “um obscuro menino judeu classe média, passando por um psicanalista medíocre até chegar ao possível criador de um ‘novo’ método de tratamento e expoente de uma filosofia viável que poderia fazer algo pela humanidade” (p. 11, grifo do autor). Graduou-se em medicina e tornou-se neuropsiquiatra. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi para as trincheiras cuidar dos feridos, ocasião em que sua atenção foi despertada para os fenômenos psicossomáticos. Após a guerra, trabalhou como médico-assistente de Kurt Goldstein, teórico da Psicologia Organísmica. Perls (1979) relata que já naquela época ouvia, ainda sem entender a extensão do significado, a expressão auto-realização. Essa experiência repercutiu posteriormente na Gestalt-terapia, que tem a Psicologia Organísmica como uma das bases teóricas. O enfoque organísmico contrapôs-se, nesse momento, à visão associacionista ainda vigente (Lilienthal, Fernandes & Ciornai, 2001). 
Kurt Goldstein pesquisava distúrbios perceptivos em pessoas com problemas cerebrais, tendo como base a Psicologia da Gestalt, escola que buscava identificar as leis que regem a percepção, por meio do estudo dos fenômenos da percepção sensorial. Um dos conceito, dessa teoria, de grande influência para a Gestalt-terapia é o de figura-fundo que será discutido posteriormente (Lilienthal, Fernandes & Ciornai, 2001). 
Perls conheceu, nesse período, Lore Posner, que ficou conhecida por Laura Perls, após casar-se e mudar-se para os Estados Unidos da América. Estudante de Psicologia, fora aluna e assistente de Max Wertheimer, um dos fundadores da Psicologia da Gestalt. Ela tornou-se esposa e parceira intelectual de Fritz em praticamente todas as suas obras (Ginger & Ginger, 1995; Yontef, 1998; Kiyan, 2001). Yontef (1998) atribui a Laura o papel de co-fundadora da Gestalt-terapia, apesar de ter escrito poucos trabalhos com seu nome. Ela também teve contato com Martin Buber e Paul Tillich, e deles recebeu influências. “Boa parte da Gestalt, as influências existenciais e fenomenológicas da Gestalt-terapia vieram dela”, declara Yontef (1998,p. 24). 
Perls, paralelamente à sua formação de psicanalista, foi submetido a várias análises com terapeutas diferentes, com destaque para Karen Horney e Wilhelm Reich (Perls, 1979; Polster & Polster, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001). Polster e Polster (1979) e Ribeiro (1985) ressaltam a importância de Reich para a Gestalt-terapia, afirmando que ele foi um psicanalista que se interessou mais pelo presente que pelas escavações arqueológicas da primeira infância e procurou descobrir processos de cura. Fazia uma análise ativa, não hesitando tocar o corpo de seus clientes. Nesse processo, Perls, enfim, sentiu-se compreendido e energizado, e o corpo, os gestos, o olhar, a entonação da voz, passaram a fazer parte da terapia que realizava. Além disso, ele tinha uma preocupação não só com a estrutura da fala, mas também com a sua forma. 
Em 1933, Perls, Laura e seus filhos fugiram da Alemanha, na qual a perseguição aos judeus já havia começado e instalou-se em Johannesburg, em 1934, onde fundou o Instituto Sul-Africano de Psicanálise. Logo eles se tornaram psicanalistas reconhecidos, mas já sob forte influência da Teoria Organísmica, da Psicologia da Gestalt (Perls, 1979; Ginger & Ginger, 1995; Lilienthal, Fernandes & Ciornai, 2001; Karwowski, 2005) e de Reich. No ano de 1936, aconteceu o Congresso Internacional de Psicanálise em Praga. Perls preparou sua comunicação e esperava submetê-la à apreciação de Freud e de toda comunidade psicanalítica, porém, a acolhida fria, tanto de Freud quanto de seus ex-analistas (como por exemplo, de Reich), se transformou em um grande desapontamento (Perls, 1979). 
Esse desencontro motivou-o a desenvolver alguns conceitos que já estavam sendo experienciados e que o afastavam da psicanálise clássica. Em 1940, ele terminou a redação do seu primeiro livro, intitulado Ego, hunger and agression, escrito com a colaboração de Laura e publicado em 1942 (na África do Sul), mas que só teve sua edição inglesa em 1947. Esse livro tem como subtítulo uma revisão da teoria e método de Freud. Não só questiona a psicanálise como propõe a Terapia da Concentração, em substituição ao método da associação livre. 
Ginger e Ginger (1995) observam que 
desde esse primeiro livro começaram se esboçar várias noções que desembocariam (...), no nascimento oficial da Gestalt-terapia: importância do momento presente, a do corpo, a procura de uma abordagem mais sintética do que analítica, a contestação da neurose de transferência (...). Preconizava um contato direto e autêntico entre o paciente e seu analista (...). Tratava também de uma abordagem “holística” do organismo e de seu meio (...) e a obra termina com a exposição de uma “terapia da concentração”, compreendendo técnicas de utilização da primeira pessoa do singular, responsabilidade pelos sentimentos, concentração no corpo e nas sensações. (pp. 53- 54, grifos do autor) 
De acordo com Ginger e Ginger (1995), Perls, ainda na África do Sul, teve contato com Jan Smuts, idealizador do Holismo, e se encantou com Smuts considerar o organismo como um todo, em interdependência estreita com seu meio e com o universo (tese muito próxima da perspectiva organísmica que já conhecia, por intermédio de Goldstein). 
Em 1946, Perls e sua família emigraram para os Estados Unidos da América, em razão do crescente movimento de apartheid na África do Sul e, no solo norte-americano nasceu a Gestalt-terapia, apesar de suas raízes estarem referenciadas na cultura alemã, de seu método advir do pensamento europeu (Ginger & Ginger, 1995) e de sua concepção ter sido elaborada na África do Sul, entre os anos de 1933 e 1946. 
Em 1950, foi constituído o grupo dos sete, composto por Fritz Perls, Laura Perls, Paul Goodman, Isadore From, Paul Weisz, Eliot Shapiro e Silvester Eastman. Mais tarde, Ralph Hefferline foi chamado para participar do grupo, pois sua posição de professor universitário era importante para avalizá-lo, ao publicar suas teses. Esse grupo estudava a Fenomenologia, o Existencialismo e o Zen-budismo, além de articular os pensamentos da Gestalt-terapia (Perls, 1979; Polster & Polster, 1979; Loffredo, 1994; Ginger & Ginger, 1995; Kiyan, 2001). Ginger e Ginger (1995) consideram esse grupo como fundador da Gestalt-terapia. 
Em 1951, foi publicada a obra Gestalt-therapy – excitement and growth in the human personality, cujos autores foram Perls, Hefferline e Goodman. Foi a primeira aparição pública da expressão Gestalt-terapia, e delimitou o início oficial da nova prática. Segundo Ginger e Ginger (1995), houve grande discussão acerca da nomenclatura da nova abordagem, e vários outros nomes haviam sido anteriormente suscitados: a) Laura Perls sugerira Psicanálise Existencial, porém houve rejeição em virtude da associação da expressão com a filosofia sartreana, que era considerada pessimista demais nos EUA; b) Hefferline propusera Terapia Integrativa; c) Fritz Perls inicialmente queria Terapia Experiencial ou Terapia da Concentração, que se opunha à livre associação da Psicanálise. Por fim, decidiram-se por Gestalt-terapia, proposta de Fritz Perls, que acreditava ser um bom nome para o marketing da nova abordagem. Laura Perls foi contra, alegando que, embora a Gestalt-terapia fosse diferente da Psicologia da Gestalt, poderia ser confundida com ela. 
Lilienthal, Fernandes e Ciornai (2001) e Loffredo (1994) assinalam que a Gestaltterapia, desde seu início oficial, enfatizou a awareness (objetivo dessa abordagem), a importância da experiência imediata (Fenomenologia) e a ênfase ao contato e ao diálogo (sob influência do pensamento de Martin Buber). Perls, Hefferline e Goodman (1997) defenderam a concepção de que o ser humano pode ser agente transformador de sua própria vida e do meio em que vive, destacando a importância do ajustamento criativo como processo humano vital. 
No ano seguinte ao lançamento do Gestalt-therapy, Fritz e Laura Perls deram outro passo significativo na divulgação e aprofundamento desta abordagem ao fundarem o primeiro instituto de Gestalt – The Gestalt Institute of New York – seguido em 1954, pelo de Cleveland. Logo, Perls entregou a direção dos institutos a Laura, Goodman e Weisz, dando início à sua interminável peregrinação pelos Estados Unidos da América, a fim de divulgar o novo método, que, por mais de quinze anos teve repercussão modesta (Perls, 1979; Ginger & Ginger, 1995). 
Em 1962, Perls entrou em contato com o Zen-budismo ao viver em um mosteiro no Japão, local no qual apreendeu alguns princípios que se incorporaram à filosofia da Gestaltterapia. São eles: permitir o fluir da experiência, aceitar o que se é e a possibilidade de aprender a lidar com o vazio, o qual é fértil de possibilidades, e, muitas vezes, precede o ato criativo. Perls havia tido um contato anterior com o conceito de vazio fértil, ao encontrar, logo no início de sua vida adulta, Salomon Friedlander, pensador que desenvolveu conceitos provenientes do pensamento oriental: indiferença criativa, polaridades, o próprio vazio fértil e pensamento diferencial (Ribeiro, 1985; Yontef, 1998). 
Ao final de sua vida, Perls coordenava workshops em Esalen (EUA), local em que fora criado um Centro de Desenvolvimento do Potencial Humano. Perls instalou-se nesse centro como residente, e, além dos laboratórios, realizava um programa de formação em Gestaltterapia. Em 1969, adquiriu um hotel em Cowichan (EUA), onde todos viviam em comunidade, participavam do trabalho coletivo e faziam sessões de terapia ou de formação. Ele declarou, nessa época, que pela primeira vez na vida estava em paz (Ginger & Ginger, 1995). 
Assim viveu Perls, o principal porta-voz da Gestalt-terapia. 
No Brasil, a Gestalt-terapia surgiu em meados de 1970 com Thérèse A. Tellegen, uma holandesa que emigrou para esse país. Seu primeiro contato com a nova abordagem ocorreu em Londres. Em seguida, estudou com os Polster em San Diego (EUA). Nessa época, ao lado de Jean Clark Juliano – também pioneira da Gestalt no Brasil – realizou trabalhos no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de CiênciasMédicas da Santa Casa de São Paulo. Tellegen foi responsável pela primeira publicação de Gestalt no Brasil, intitulada Elementos da psicoterapia guestáltica, em 1972, no Boletim de Psicologia da Sociedade de Psicologia de São Paulo (Tellegen, 1984; Juliano, 1992; Ciornai, 1998; Holanda & Karwowski, 2004). 
A Gestalt-terapia foi inicialmente conhecida no Brasil como uma abordagem eminentemente prática, visto que as primeiras obras traduzidas para o português foram Tornar-se presente: experimentos de crescimento em Gestalt-terapia, de John Stevens, e Gestalt-terapia explicada de Perls, nos anos de 1976 e 1977. São textos nos quais os autores descrevem um conjunto de experimentos utilizados em Gestalt-terapia e essas publicações dão demasiada ênfase à técnica (Tellegen, 1984; Juliano, 1992; Ciornai, 1998; Holanda & Karwowski, 2004). 
Em decorrência, os brasileiros conheceram a prática da Gestalt-terapia antes mesmo de terem acesso às reflexões teóricas, filosóficas, metodológicas e epistemológicas dessa abordagem. Um exemplo é a data de tradução para o português do Gestalt-therapy – livro considerado, por muitos, como o mais importante da Gestalt-terapia. A obra foi escrita em 1951, mas somente traduzida para o português em 1997, 27 anos após o surgimento dessa abordagem no Brasil e 46 anos após sua primeira edição em inglês. 
Em meio a essas adversidades, percebe-se que, aos poucos, houve uma adaptação e amadurecimento da teoria e da prática gestáltica no Brasil. Em 1984, Thérèse A. Tellegen publicou o primeiro livro brasileiro de Gestalt – Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica. No ano seguinte, Jorge Ponciano Ribeiro publicou Gestalt-terapia: refazendo um caminho, o primeiro livro brasileiro a tratar dos fundamentos teórico-conceituais, filosóficos e metodológico da nova abordagem. A partir de então, seguiram-se várias publicações de autores brasileiros e a cada dia mais se amplia a área de atuação da Gestalt-terapia (Tellegen, 1984; Juliano, 1992; Ciornai, 1998; Holanda & Karwowski, 2004). 
A amplitude da Gestalt-terapia no Brasil pode ser notada na obra de Ribeiro. Holanda e Karwowski (2004) destacam sua produção e seu pioneirismo no desenvolvimento e na abertura de novos campos da Gestalt-terapia, tais como o trabalho com grupos, em Gestaltterapia – o processo grupal: uma abordagem fenomenológica da teoria de campo e holística (1994), e a psicoterapia de curta duração, em Gestalt-terapia de curta duração (1999), dentre outros. 
Atualmente, a Gestalt-terapia no Brasil, já em fase adulta, tem a tarefa de propagar as reflexões alcançadas e o compromisso em dar continuidade ao aprofundamento, à revisão e à ampliação da teoria e da prática gestáltica. 
4.2.2 Bases teórico-filosóficas e metodológica 
Como já mencionado, a Gestalt-terapia sofreu várias influências teóricas, filosóficas e metodológicas que serão discutidas a seguir. Algumas influências foram diretas, como mostra o histórico dessa abordagem, e outras, de maneira indireta, como a Teoria de Campo, de Kurt Lewin, que participou do movimento gestaltista. Tradicionalmente, a Gestalt-terapia subdivide seus fundamentos em três teorias de base: a Psicologia de Gestalt, de Wertheimer, Köhler e Koffka, a Teoria Organísmica Holística, de Goldstein, que abrange as reflexões acerca de uma concepção de mundo de Smuts, fundador da Teoria Holística, e a Teoria de Campo, de Lewin. 
Dois são os fundamentos filosóficos principais – o Humanismo e o Existencialismo – e a Fenomenologia, já foi descrita no capítulo I, constitui suporte metodológico na clínica gestáltica. Existem várias correntes humanistas, existencialistas e fenomenológicas, no entanto, nesta discussão, levar-se-ão em conta os elementos gerais, comuns, que servem a uma reflexão da prática psicoterapêutica e do homem. É necessário esclarecer que não existe uma transposição dessas correntes para a Psicologia, e, de forma específica, para a psicoterapia, mas “frequentemente a interpretação e a aplicação do texto a um momento psicoterapêutico terá caráter certamente analógico” (Ribeiro, 1985, p. 27). Alguns exemplos clínicos serão apresentados com base nos depoimentos dos colaboradores. Será destacado, em negrito, o que o fragmento tenta ilustrar. 
4.2.2.1 Psicologia da Gestalt 
Trata-se de um dos mais importantes sistemas psicológicos da atualidade, organizado como uma escola – a Escola Gestaltista ou o Gestaltismo – em torno de um princípio: a idéia de Gestalt, palavra alemã sem tradução específica, mas que significa, como já foi dito, configuração, todo, totalidade ou forma, daí esse sistema ser ainda conhecido como Psicologia da Forma (Penna, 2000). 
Uma boa parte das idéias desenvolvidas por essa escola e teoria foi incorporada na estruturação (posterior) da moderna perspectiva clínica chamada de Gestalt-terapia. Segundo Penna (2000), o movimento gestaltista surgiu em oposição ao Elementarismo wundtiano e titcheneriano, e ao Behaviorismo watsoniano. 
Foi Max Wertheimer (1880-1943) o primeiro promotor do movimento gestaltista, quando, em 1912, publicou uma pesquisa sobre o movimento aparente. Posteriormente, Wertheimer veio a ser assessorado por Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfgang Köhler (1887-1967). Outros expoentes da Psicologia da Gestalt merecem destaque, em especial Kurt Lewin (1890-1947), o criador da Teoria do Campo e precursor da dinâmica de grupo; e Kurt Goldstein (1878-1965), idealizador da Teoria Organísmica (Penna, 2000). 
O movimento fenomenológico foi uma influência fundamental para a Psicologia da Gestalt, pois, metodologicamente, propõe a descrição da experiência imediata, da forma como ela ocorre. Portanto, nessa metodologia, a experiência não é reduzida a elementos, mas é respeitada como fenômeno que se revela. 
A Psicologia da Gestalt tende a definir a Psicologia como o estudo da experiência imediata do organismo total. Embora os gestaltistas queiram incluir todo o espectro da Psicologia em sua perspectiva, privilegiam o estudo da percepção, em relação às demais áreas. 
Esse movimento articula-se em torno de algumas idéias básicas, e a mais importante delas é que “o todo é diferente da soma de suas partes”, ou seja, que a qualidade do todo não é apenas mais um elemento, e que as qualidades do todo determinam as características das partes. Deriva deste princípio a lei da pregnância, ou a clareza, equilíbrio e harmonia da Gestalt, segundo a qual a organização de qualquer todo é tão boa quanto as condições vigentes (Burow & Scherpp, 1985; Ribeiro, 1985; Gomes Filho, 2003). 
Essas idéias constroem um modelo dinâmico da Gestalt, em que as forças físicas determinam uma organização. A relação entre todo-parte é fundamental para a compreensão da Psicologia da Gestalt. Quando alguém se depara com alguma coisa, sua percepção ocorre como um todo, e somente depois ele decompõe o todo em partes, pois a percepção do todo é anterior às partes. 
Toda Gestalt existe em uma relação de figura que se destaca sobre um fundo mais geral. A figura forma-se mais claramente do que o fundo, isto é, possui uma estrutura mais perfeita e é mais resistente à mudança. Um dos principais objetivos da escola gestaltista é a elaboração de leis e princípios sobre a organização da percepção. Para Wertheimer, a percepção humana está estruturada e tem um caráter único. Se for estruturada de outro modo, será uma estrutura totalmente diferente e nova. Em outras palavras, uma alteração em partes do todo altera necessariamente o todo (Penna, 2000). 
As principais leis relativas a esse tema, de acordo com Burow e Scherpp (1985), Ribeiro (1985) e Penna (2000) são as seguintes: proximidade (os elementos próximos no tempo e no espaço tendem a ser percebidos juntos); similaridade (elementos semelhantes tendem a ser percebidos como pertencentes à mesma estrutura); e pregnância (refere-se ao princípio do fechamento ou princípio do equilíbrio, ou seja, as figuras são vistas de um modo tão bom quanto forem possíveis as condições do estímulo). 
Afinal, qual a relação entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-terapia?Shane (2003) assinala que existe uma conexão de linhagem histórica entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt-terapia, a qual se deve muito a Laura Perls. Segundo Shane (2003), ao estudar os escritos de Laura Perls, pode-se perceber que ela antecipou idéias-chaves na Gestalt-terapia, relacionadas à Psicologia da Gestalt, as quais antecederam os escritos de Fritz Perls. Perls et al. (1997) apontam as correlações da Psicologia da Gestalt com a Gestaltterapia ao mencionarem que “como psicoterapeutas que se alimentam da Psicologia da Gestalt, investigamos a teoria e o método da awareness criativa, a formação figura-fundo como sendo o centro coerente dos discernimentos” (p. 53). 
Alguns princípios da Psicologia da Gestalt utilizados pela Gestalt-terapia tiveram uma configuração própria, como por exemplo, o princípio figura-fundo, que será discutido nos conceitos básicos da Gestalt-terapia, e o princípio da boa forma (lei da pregnância), cuja tendência é a procura do ser humano para a completude. 
Outro princípio fundamental da Gestalt-terapia e que recebeu influência indireta da Psicologia da Gestalt é o do aqui-agora, que será discutido posteriormente. Este princípio também recebeu influência de Lewin, do Existencialismo e do Zen-budismo. Na prática clínica da Gestalt-terapia, assim como na Psicologia da Gestalt, observa-se que o cliente primeiro percebe a realidade como um todo, como uma totalidade: 
Na época [início da psicoterapia], eu tinha uma coisa comigo, de que eu precisava de uma psicoterapia porque eu tinha contraído diabetes [todo]... Depois que eu fiquei sabendo dos detalhes da doença: É uma doença que está com a tacha leve, que só com alimentação e exercícios pode melhorar, etc [parte]”. 
E que a alteração da parte altera o todo: O que antes era o fim do mundo: – “Eu vou morrer” (...). Hoje não, já vejo que tem tratamento, tem alternativa. 
Outro conceito da Gestalt-terapia que recebeu influência, sobretudo, da Psicologia da Gestalt, e que é nitidamente percebido na prática clínica, é o conceito de figura-fundo[footnoteRef:3]. Percebe-se, na clínica, a importância em ajudar o cliente a eleger a figura ou seu tema e, sobretudo, entender que aquela figura emergiu de um fundo, que o sustenta e lhe dá sentido. [3: Discutir-se-ão mais aprofundadamente os conceitos básicos posteriormente.] 
4.2.2.2 Teoria Organísmica Holística 
A Teoria Organísmica tenta superar a divisão do homem em corpo e mente, e sugere que se entenda o indivíduo como um todo unificado. Trata-se de um movimento que recebeu influência de Jan Smuts, reconhecido como o precursor filosófico da Teoria Holística, que usou a palavra holismo, cuja raiz grega, holos, quer dizer completo, inteiro, todo (Hall & Lindzey, 1984a). 
Smuts (2006) defende a idéia que o universo é uma grande totalidade, no qual suas partes estão intrinsecamente conectadas umas às outras – tudo está em tudo, uma coisa envolve a outra e nada é independente. Em conseqüência, a totalidade constitui o poder de regular e coordenar a estrutura e o funcionamento das partes. 
De acordo com Ribeiro (1999) “a teoria holística vê a pessoa como um sistema uno, integral, consistente e coerente, porque vê o organismo como algo organizado e em permanente organização de relação pessoa-mundo” (p. 122). 
Segundo Hall e Lindzey (1984a), Kurt Goldstein, principal pensador da Teoria Organísmica, ao estudar os lesionados cerebrais durante a Primeira Guerra Mundial, chegou à conclusão de que determinado sintoma não poderia ser compreendido somente com base em certa lesão orgânica, mas também em relação ao organismo como uma totalidade. Os autores, ao apresentarem a Teoria Organísmica, afirmam que as leis do todo governam o funcionamento das suas diferentes partes, e, ainda, o que ocorre em uma parte afeta o todo, concepção semelhante à da Psicologia da Gestalt. A diferença é que a Psicologia da Gestalt preocupa-se com o todo da percepção, ao passo que a Teoria Organísmica se refere ao todo do organismo – corpo e mente. 
Portanto, é necessário descobrir as leis segundo as quais o organismo inteiro funciona. Seguem-se as principais características da Teoria Organísmica, no que diz respeito ao funcionamento da pessoa: 
a) há unidade, integração, consistência e coerência na pessoa normal, pois a organização é um estado natural do organismo; e a desorganização é patológica; 
b) o organismo é um sistema organizado, e o todo é diferente de suas partes; um elemento é sempre considerado como parte integrante do organismo total, e o todo é regido por leis que não se encontram nas partes;
c) o indivíduo é motivado por um impulso dominante de auto-realização, e luta para realizar suas potencialidades; d) existem potencialidades inerentes do organismo para crescer; se o organismo não pode controlar o meio, trata de adaptar-se a ele. 
Para a Teoria Organísmica, pode-se aprender mais em um estudo compreensivo da pessoa do que em uma investigação extensiva de um sintoma. Por estas razões, a Teoria Organísmica tende a ser muito popular entre os gestalt-terapeutas, que se preocupam, também, com a totalidade. 
Ribeiro (1999) entende que a Teoria Organísmica rompe epistemologicamente com o modo então existente de conceber a realidade, ao defender que a totalidade explica a parte, e o autor acrescenta que “não é, no entanto, o número de partes que um objeto contém que o faz simples ou complexo, explicável ou não. É sua relação com a vida” (p. 102). De acordo com Hall e Lindzey (1984a), os principais conceitos dinâmicos da Teoria Organísmica definidos por Goldstein são: a) equalização ou centragem do organismo, b) autorealização e c) pôr-se em acordo com o meio ambiente. No tocante à equalização ou centragem do organismo, Goldstein postula que a energia é constante e tende a distribuir-se uniformemente por todo o organismo após um estado de tensão. No entanto, o equilíbrio completo é um estado holístico ideal, raramente conseguido. Ao passo que na equalização a pessoa busca o equilíbrio no interior do organismo, na centragem, a pessoa busca o equilíbrio fora do organismo, isto é, busca no mundo o que é bom para ela (Hall & Lindzey, 1984a). A auto-realização, segundo Goldstein (Hall & Lindzey, 1984a), é o único motivo que possui o organismo. A satisfação de alguma necessidade é um requisito básico para a autorealização do organismo total. Pôr-se em acordo com o meio ambiente significa existir uma interação constante entre o organismo e o meio ambiente. Algumas vezes, as ameaças do ambiente são tão fortes que o comportamento do indivíduo é paralisado pela ansiedade; outras vezes, a auto-realização é bloqueada pela carência de condições e de objetos necessários no meio. 
A teoria até então apresentada vem ao encontro da prática clínica na Gestalt-terapia em razão de seus princípios direcionarem o terapeuta no atendimento clínico. Estabelecer-se-ão algumas correlações entre a Teoria Organísmica e a Gestalt-terapia. O gestalt-terapeuta, assim como a Teoria Organísmica, vê a pessoa como um todo – corpo e mente – e não como partes isoladas. Esse sistema uno deve ser uma constante busca do cliente, como revela um deles: 
Uma pessoa veio e me abraçou na redação e falou: – “Eu chorei na sua matéria”. Aquilo foi maravilhoso! Porque, assim, era eu conseguindo me colocar no meu trabalho (...). Porque eram duas coisas muito separadas: eu era muito sério no meu trabalho e aí eu guardava a emoção muito para mim. Meu exercício de... de regar mesmo o resto da minha vida com a minha emoção. Não deixar ela só guardada em um determinado lugar. 
Outro ponto comum entre a Teoria Organísmica e a Gestalt-terapia é a crença na autorealização. Este princípio ajuda o terapeuta a incentivar o cliente a delinear seus projetos e a caminhar rumo a suas realizações, o que aconteceu com um deles: 
Aí eu tive que retomar e ver ... porquê que eu estava ali [no curso de Nutrição] (...). Eu vi que: – “Nossa! É isso que eu quero, que eu gosto”. Me deixei mesmo... e ter uma postura muito diferente, de assumir mesmo aquilo ali, de que é issoque eu quero, de estudar, de correr atrás dos estágios e das oportunidades que a vida me oferecia (...). E me apaixonar do jeito que eu me apaixonei [pela profissão]. 
Percebe-se que a cada conquista do cliente, maior é a chance de atualização de suas potencialidades e de acreditar em seu crescimento e desenvolvimento: “De conseguir olhar para mim e dizer: – ‘Você merece andar mais, você merece ir mais além e você tem todas as condições para ir além’”. A cada derrota do cliente, o terapeuta deve ajudá-lo a integrar esse fracasso à sua vida e lhe dar suporte para que ele saiba lidar com suas limitações ou até mesmo a investir em seus projetos em um momento oportuno: “A profissão que eu sempre tive vontade, que eu tenho desde a época do vestibular, mas pelas circunstâncias eu não fiz Psicologia e tal (...). Fui questionando essas coisas, não é”? 
Na busca de seus objetivos, muitas vezes o cliente precisa pôr-se em acordo com o meio ambiente: “Eu achei que a terapia fosse me livrar desses fantasmas e me colocar num paraíso. E eu descobri ao longo do processo que ela só ia me proporcionar a fazer as pazes com um monte de coisas”. Quanto mais o cliente tem clareza de sua figura, maior a sua energia para buscar satisfazer sua necessidade, mesmo que o meio lhe seja adverso. A Gestaltterapia relaciona esse princípio com o conceito de ajustamento criativo, que será discutido posteriormente. 
A crença do terapeuta de que o cliente tem a tendência de retornar ao seu estado de equilíbrio ou homeostase é muito importante em seu trabalho, pois, dessa forma, ele é capaz de manter a calma diante as desorganizações temporárias do cliente e pode entender que, muitas vezes, a resistência, ou um sintoma, por exemplo, são modos de equilíbrio possíveis 128 naquele momento, como se percebe nessa fala: “Eu entrei um processo de depressão, mas hoje eu acho que ele era necessário, era preciso [risos]. Eu não ia sair dessa psicoterapia se eu não entrasse realmente nessa dor e não olhasse”. 
4.2.2.3 Teoria de Campo 
Kurt Lewin (1890-1947) foi o idealizador da Teoria de Campo. Seus estudos iniciais ocorreram em Berlim, com outros psicólogos da Psicologia da Gestalt (Wertheimer e Köhler), o que justifica a afirmação de Hall e Lindzey (1984b) de que a primeira manifestação importante da influência da Teoria de Campo apareceu no movimento gestaltista. Para Lewin (1973), o campo tem diversos pontos e fontes de força, formando uma rede. A percepção depende dessa rede. Assim, coisas e pessoas só são compreendidas se percebidas em uma relação total com o ambiente que os cerca. Em outras palavras, a pessoa só se faz compreensível no contexto total no qual se encontra. 
Yontef (1998) conceitua campo como “uma totalidade de forças que se influenciam mutuamente e que juntas formam um todo unificado e interativo” (p. 185). Desse modo, a ênfase dada pela Teoria de Campo ao processo, ao relacionamento e às forças dinâmicas existentes no campo, fornece uma base segura para a compreensão de fenômenos complexos (Parlett, 1991; Harris, 1998; Yontef, 1998). 
Na Teoria de Campo, o comportamento, portanto, é função do campo. Uma pessoa (P) é um universo fechado, em um universo mais amplo. Decorrem, então, duas propriedades: a) diferenciação, que define a separação do mundo por meio de um limite contínuo – ou diferencia a pessoa (P) de qualquer outra coisa (Não-pessoa ou N-P); e b) relação parte-todo, que remete à inclusão da pessoa em um universo mais amplo. 
Lewin (1973) destaca a importância de compreender um comportamento em relação ao meio que o circunda, ou seja, compreender o campo, até porque “toda psicologia científica deve tomar em conta situações totais, isto é, o estado da pessoa e do meio ambiente” (p. 29). A teoria de Lewin (1973) é estrutural, e seus conceitos fundamentais são pessoa, meio e espaço vital. O espaço vital (V) é aquele em que ocorre o comportamento, que também é função do campo. Em uma fórmula simples [V = P + M], em que (V) é o espaço vital, (P) é pessoa, e (M) é o meio psicológico. Assim, compreende-se que a pessoa ao mesmo tempo se individualiza (é um universo fechado) e se comuniza (inclui-se em um universo mais amplo). O espaço vital é o universo do psicológico (o todo da realidade psicológica). Contém a totalidade dos fatos possíveis, capazes de determinar o comportamento do indivíduo, o que define o comportamento como função do campo, ou, na fórmula lewiniana, [C = f(V)]. 
Assim, Lewin (1973) define que a pessoa e o meio são interdependentes, ou seja, há uma interdependência entre a região (P) e a região (M), que formam o campo vital (V). A realidade é, então, definida pela permeabilidade entre as regiões. Nas palavras de Lewin (1973), o espaço vital psicológico indica “a totalidade de fatos que determinam o comportamento de um indivíduo num certo momento” (p. 29), ou seja, todos os fatos reais, todos aqueles que tenham efeitos, sejam conscientes ou não. Define-se assim o princípio da contemporaneidade, que é a relação temporal do evento com as condições dinâmicas que o produzem (ou a relação entre as partes do espaço vital). Somente a situação presente, apenas o que existe concretamente pode ter efeitos. Contrariamente, pois, aos demais modelos psicológicos, a ênfase ao presente, na perspectiva da Psicologia dinâmica de Lewin (1973), define que a influência da história prévia da pessoa é indireta: a estrutura da pessoa e as características psicológicas do meio ambiente em cada momento, em cada ponto dependem, de um modo decisivo da história prévia (...). Contudo, devemos considerar essa influência da história prévia como indireta na psicologia dinâmica (...). Os eventos passados só podem ter uma posição nos encadeamentos históricos causais, cujas interligações geram a situação presente. (p. 54) 
Além do princípio da contemporaneidade, Lewin (1973) apresenta os princípios da conexão (interação de dois ou mais fatos) e da concreção (só os fatos concretos que existem no espaço vital podem ter efeitos). Esses três princípios são discutidos em decorrência dos estudos da locomoção e comunicação (ocorrências), isto é, as formas como as regiões se interagem. As ocorrências (influência de uma região sobre a outra) possibilitam a reestruturação do espaço vital, além da alteração no número de regiões, posição dessas regiões, mudanças nas delimitações e alterações nas qualidades de superfície das regiões. 
Hall e Lindzey (1984b) afirmam que “as regiões do meio estão conectadas, quando a pessoa pode realizar uma locomoção entre elas. Diz-se que as regiões da pessoa estão conectadas quando podem comunicar-se entre si” (p. 251, grifos dos autores). Para entender a locomoção, é preciso compreender os conceitos dinâmicos de Lewin: energia, tensão, necessidade, valência, força ou vetor. Esses conceitos dependem da situação e das propriedades do campo. Há uma complexidade e interação entre esses conceitos. 
Lewin (1973) defende que a pessoa é um sistema complexo de energia. A energia é liberada quando a pessoa tenta retornar ao equilíbrio, após um estado de desequilíbrio. O desequilíbrio é produzido pelo aumento de tensão em uma parte do sistema, como resultado de estímulo externo, ou de mudança interna. O aumento de tensão ou a liberação de energia na região intrapessoal é causada pelo aparecimento de uma necessidade. Ao surgir a necessidade, a pessoa precisa locomover-se e, na locomoção, há também o conceito de valência. Valência é o valor da região para a pessoa. Existem duas espécies de valor: positivo e negativo. A região de valor positivo, ao contrário do valor negativo, é aquela que contém um objetivo que reduz a tensão quando a pessoa nela penetra. No entanto, uma valência não é uma força ou vetor. A força ou vetor dirige a pessoa através do seu meio psicológico, mas não provê a pessoa do poder motivador da valência para locomover-se (Hall & Lindzey, 1984b). 
Lewin (1973) define sua teoria como um sistema de conceitos relacionados com fatos observáveis, de tal forma que os fatos empíricos podem ser deduzidos dos conceitos.Assim, leis empíricas são relações funcionais de dados observáveis e devem referir-se a leis dinâmicas; em outras palavras, toda ciência é e deve ser empírica. Entretanto, não pode se fechar simplesmente nos dados, mas centrar-se nas relações funcionais dos dados. Portanto, para Lewin, teoria é igual a sistema de conceitos, mais as leis dinâmicas. 
Harris (1998), Yontef (1998) e Ribeiro (1999) ressaltam a contribuição da Teoria de Campo na Psicologia e, particularmente, na construção teórica e prática da Gestalt-terapia. Yontef (1998) vai além, ao sustentar que a Teoria de Campo é a fundamentação teórica que melhor se adéqua ao sistema da Gestalt-terapia, sobretudo por possibilitar a superação da dicotomia entre biológico e social, conferindo-lhe uma visão holística na Teoria de Campo. 
Segundo Ribeiro (1994), “A Teoria de Campo vê a realidade como campos ou como um grande campo unificado, onde a realidade maior acontece” (p. 63). O autor afirma ainda que o campo está em constante mudança, provocada por alterações nos subcampos. Observa-se que o cliente percebe essas mudanças: 
“Depois que eu fiz grupo eu tive um outro olhar sobre qualquer pessoa, sabe? Um olhar mais emotivo mesmo, um olhar menos frio, menos julgador, menos crítico, um olhar de falar assim, é... tentar entender mesmo: – “Isso é assim, mas tem um porquê”. 
Embora ocorra esse processo mutável, existe algo que mantém ao longo do tempo: 
Eu continuo sendo a mesma pessoa que passou anos aqui fazendo terapia. Não mudou. A minha essência é a mesma. Eu vou continuar parando e olhando para uma figura no meio da Avenida Paulista e vou me emocionar, e vou querer saber por que ela está ali, o que leva ela a estar ali, a estar na rua, a n coisas. Porque isso é meu, esse olhar é meu. 
Assim como para a Teoria de Campo, a Gestalt-terapia entende que uma pessoa (P), singular (diferenciada), e ao mesmo tempo inserida em um campo (parte-todo), só pode ser compreendida em um contexto atual (aqui-agora). Para tanto, procuram-se resgatar as conexões e as relações entre os diversos elementos do campo (Zinker, 2001). 
A cliente declara: Eu fui resgatando... um lado que era meu e que estava escondido, abafado, não estava sendo vivido (...). Hoje eu consigo ser eu mesma (...). É muito prazeroso ser realmente o que a gente é (...). Estou mais perto da minha idade e do meu jeito de ser. 
Tanto a Teoria de Campo quanto a Gestalt-terapia consideram que o todo é maior que a soma das partes. Cada parte (cada pessoa) só pode ser entendida no contexto do todo (sua história, seu ambiente), ou seja, o comportamento é função do campo. 
A cliente compreende essa condição: 
Acho que se eu não tivesse esse momento aqui para conversar sobre isso, para ter essa visão de todos os lados da história, do todo, de mim dentro daquilo ali, de tudo que... tudo que me influenciava, eu teria levado o curso, sem saber se era realmente aquilo que queria (...). A profissão me tocou, eu vi que: – “Nossa! É isso que eu quero, que eu gosto” (...). E ter uma postura muito diferente, de assumir mesmo aquilo ali. 
A modificação de uma parte implica a mudança da totalidade. O processo, por ser circular e não linear, possibilita que a interferência em um ponto modifique o conjunto (Ribeiro, 1985; Yontef, 1998; Zinker, 2001). 
A Gestalt-terapia também faz uso dos conceitos dinâmicos da Teoria de Campo quando investiga, com o cliente, onde está sua energia, qual a sua necessidade, o quê e como tem feito para alcançar seus objetivos, e se sua direção tem sido, para os campos de valência, positiva ou não. 
O cliente relata: 
E meu pai estava sentado comigo, no meu quarto, enchendo balão. E, de repente, eu me toquei que era uma companhia, era uma presença, que eu queria muito perto de mim, e que eu só fui ter aos 27, 28 anos de idade. E trouxe isso para a terapia, a gente trabalhou isso e eu tive coragem de chegar pro meu pai depois e conversar com ele sobre isso. 
4.2.2.4 Existencialismo 
O Existencialismo reuniu os mais diversos pensadores, desde seus antecessores, Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Söeren Aabye Kierkegaard (1813-1855), passando por pensadores como Gabriel Marcel (1889-1973), Albert Camus (1913-1960), Emmanuel Levinas (1905-1995), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Karl Jaspers (1889-1969), Martin Heidegger (1889-1976), Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), Simone de Beauvoir (1908- 1986) e Martin Buber (1868-1965). 
Não há, portanto, um Existencialismo, mas vários, e, assim, cada pensador enfatiza algum aspecto da existência. No entanto, todos esses pensamentos caracterizam-se por uma crítica aos fundamentos da ciência moderna, e pela relevância do sujeito humano em relação à técnica (Heidegger, 2001). 
Pode-se dizer que o Existencialismo teve em Kierkegaard e Nietszche seus primeiros expoentes, mas tornou-se mundialmente conhecido a partir da publicação, em 1945, do livro de Sartre, O existencialismo é um humanismo, passando a ser sucessivamente associado à sua figura. Entre os anos 1945 e 1960, esse movimento invadiu a vida política e literária, o teatro, o cinema, e, evidentemente, a filosofia (Huisman, 2001). 
O Existencialismo é uma corrente filosófica que fascina pelos seus questionamentos absolutamente atuais. Os filósofos da existência buscaram – no esteio do pessimismo do período entreguerras – entender o homem como um sujeito situado, ou seja, como uma realidade em contato com outros sujeitos e com o mundo. Assim, as filosofias da existência resgatam noções esquecidas, como angústia, desespero, ansiedade, morte, relação, sentido, subjetividade, significado, diálogo, liberdade, vivido, dentre outras. 
As filosofias da existência procuram opor a realidade da existência ao essencialismo filosófico. Para os pensadores dessa abordagem, o homem não é um sujeito pré-determinado, mas um sujeito concreto, singular, responsável, livre, repleto de possibilidades, e que se constitui por meio de suas escolhas. Considera-se, portanto, a liberdade como o cerne do Existencialismo, visto que cada pessoa é definida por aquilo que ela faz, tanto, que somente a própria pessoa pode criar seus valores, por meio da própria liberdade e sob sua responsabilidade (Japiassu & Marcondes, 2006). 
Em decorrência, a subjetividade tem um lugar destacado nessas filosofias. Até então, a ciência procurava definir o homem pelos seus condicionantes essenciais, ou elementos definidores. Em oposição à prerrogativa vigente, Sartre (1973) apresentou a máxima: “a existência precede a essência. Primeiro é preciso existir, para depois definir-se”. Para definir-se, o homem deve lançar mão da sua liberdade, ou seja, deve escolher e, dessa forma, responsabilizar-se por sua escolha. Para Sartre (1973), portanto, o homem não pode fugir à sua responsabilidade, já que não pode não-escolher. Nesse sentido, de acordo com Ribeiro (1985), “o homem nada mais é do que aquilo que ele decide ser, do que aquilo que ele projeta ser; sua essência surge como uma resultante de seus atos” (p. 38). 
Se existir é escolher, existir é sofrer angústia, pois “o homem que se compromete e percebe que não é apenas aquele que escolhe ser, mas que é também um legislador, escolhendo, ao mesmo tempo que a si mesmo, a humanidade inteira, não poderia escapar ao senso da sua total e profunda responsabilidade” (Nogare, 1994, p. 145). É angustiante escolher em razão da responsabilidade direta ante os outros homens que a escolha envolve. 
Segundo Burow e Scherpp (1985), os existencialistas fundamentam-se em alguns princípios, a fim de compreenderem a existência do ser humano. Um dos princípios do existencialismo é a singularidade do homem, o que foi identificado por uma cliente: 
Perguntei: – “E aí, você conversou com ele”? Ela me respondeu bem assim: –“Não, não vou conversar com ele, porque eu não sou mãe dele, eu sou filha, eu quero ser cuidada”. Achei uma visão muito radical (...). Eu também sou filha, eu também quero ser cuidada, mas infelizmente a gente não tem os pais para cuidar da gente. Eles não nasceram para cuidarem da gente” (...). Eu acho quevocê deve fazer até onde você puder”. E é o que eu faço. Também não acho certo, se abster daquilo ali e levar uma vida como se não existisse. 
Nesse sentido, a filosofia existencialista é subjetiva. 
Outro princípio é o da auto-responsabilidade e da possibilidade da própria pessoa dar forma à sua existência, evidenciando que o próprio homem se faz, como declara um cliente: “Se eu tiver consciência de que eu quero fazer, mesmo se der errado alguma coisa eu não vou responsabilizar ninguém. Foi uma coisa minha, foi um processo meu, eu resolvi, eu fui”. Ser singular não é ser egoísta, mas é uma proposta rigorosa de “assumir-se totalmente na liberdade responsável (...), de modo que o homem possa dar respostas diferenciadas entre suas necessidades e as exigências que vêm de fora” (Ribeiro, 1985, p. 35). 
Outros três princípios são discutidos por Burow e Scherpp (1985). Os autores afirmam que, no tocante ao método, “os existencialistas são fenomenólogos” (p. 42), que a filosofia existencialista é dinâmica, conceito importantíssimo para a Gestalt-terapia; e que “a existência humana é sempre um ser(estar)-no-mundo e é sempre um ser(estar)-com-os-outros” (p. 42, grifos do autor). Na perspectiva heideggeriana, a Psicologia existencialista não é individualista. 
Além de Heidegger, outro importante filósofo da modernidade que enfatiza o homem como ser de relação é Martin Buber. Em 1923, Buber publicou um livro que o tornou famoso, e no qual expõe sua perspectiva filosófica: trata-se do Eu e Tu. Neste livro, Buber destaca que o homem não existe só, mas em relação. Como assinala no início do seu livro, “não há eu em si” (Buber, 1979, p. 4). Só se é quando em relação. Para atingir a plenitude da existência, o homem deve engajar-se no diálogo com outro homem. 
Assim, Buber (1979) propõe uma filosofia pautada por dois conceitos: o Eu-Tu, que define o diálogo, a abertura da existência do homem como ser-no-mundo e como ser de relações, que se caracteriza pela vivência e pela confirmação de si e do outro como existentes; e o Eu-Isso, que caracteriza a relação objetiva, típica do discurso da ciência, que coloca o sujeito à parte da sua realidade, ou seja, destaca o sujeito do mundo (Zuben, 1969, 1979, 2003; Holanda, 1998). 
A Gestalt-terapia é um caminho e uma forma de o homem expressar-se diante da vida, de encontrar um modo particular de estar no mundo e de lidar com ele (Ribeiro, 1985), como relata um cliente: “Eu fico me questionando: – “Pra que, por que eu fiz isso, se seria bom se eu não tivesse dissimulando, ou não”. Ah, tem horas que o caso é de dissimular mesmo”. 
Na Gestalt-terapia, o homem também é percebido como uma pessoa singular, concreta, livre e, ao mesmo tempo, circunstancial, responsável pelas suas escolhas. Suas escolhas vão ao encontro de seus valores, suas crenças e seus projetos. Uma cliente assegura: 
Me ajudou a ir olhando mesmo, se era realmente o que eu queria. Olhar o sentido de estar ali. Tá, eu escolhi porque era legal, mas agora eu não estou achando legal? Então, tá, então eu posso não continuar, mas por que eu estou continuando? Entendeu? Então, ver os vários motivos pelos quais eu estava ali, e ver o que me fazia estar ali ou não. O que me fazia desistir, o que me fazia continuar. E ver principalmente se era o que realmente eu queria, porque eu tinha a opção de não querer. 
Por isso, o objetivo da Gestalt-terapia é a awareness, pois ao tomar consciência de si, do outro e do mundo, o sujeito torna-se cônscio de seu projeto de vida, de como esse projeto vem sendo realizado, se está de acordo com o que se pretendia para sua vida e a vida ao seu redor. A revelação do cliente é esclarecedora: 
Eu abandonei tudo, eu mudei de uma cidade para outra, eu larguei um trabalho de nove anos, eu larguei uma relação de sete anos, eu larguei uma família que eu sempre morei, eu larguei a terapia, eu larguei uma vida que eu tinha construído com muito tesão, com muito prazer e parti para uma etapa nova (...). Eu sempre quis morar em São Paulo. 
O Existencialismo é a base filosófica que permite ao gestalt-terapeuta ter uma visão de homem e, então, direcionar seu trabalho para esse homem que se constitui à medida que é. Além da visão de homem, o gestalt-terapeuta precisa de um método para trabalhar (no caso, o método fenomenológico) e de uma atitude dialógica para encontrar o cliente (Hycner, 1995; Jacobs, 1978, 1997; Yontef, 1998). 
4.2.2.5 Humanismo 
Embora a preocupação com o ser humano, de alguma forma, sempre tenha existido, foi o Humanismo que buscou a compreensão do homem em sua totalidade (como unidade psique-corpo-espírito). Com o Humanismo, procurou-se integrar o homem, como um todo, ao meio em que vivia e, assim, dar-lhe uma identidade como ser humano (Holanda, 1998). Enfim, o homem passou a ser o centro do universo. 
Erasmo de Rotterdam (1467-1536) foi o mais notável dos primeiros humanistas, sempre pregando a paz, a tolerância, a concórdia, levantando a bandeira do Humanismo como sinal de uma nova humanidade, unida pelo amor e reciprocidade, acima das diferenças de línguas, raças e credos. Homem bastante religioso, Erasmo de Rotterdam acreditava na liberdade essencial do homem e no poder criador do indivíduo, e exaltava a dignidade e a liberdade do homem (Nogare, 1994). Etimologicamente, Humanismo é tudo aquilo que se volta para o humano, que é relativo ao homem e que o define como o ser criador de seu próprio ser, à medida que o humano, através de sua história, gera sua própria natureza (Japiassu & Marcondes, 2006). 
De acordo com Ribeiro (1985), não significa “ser o homem o senhor absoluto e prepotente do universo, mas que o universo deve ser pensado a partir do homem. O mundo que caminha além do homem, sem o homem, ainda que através dele, é um mundo caminhando para a desumanização” (p. 28). 
As raízes espirituais e históricas da Psicologia Humanística são o Humanismo e o Existencialismo. A Gestalt-terapia deve ser considerada como agregada à escola da Psicologia Humanística, o que significa que contém e promove a ideia do homem como centro, como valor positivo, como capaz de autogerir-se e regular-se (Burow & Scherpp, 1985; Ribeiro, 1985). 
A Psicologia Humanista, ou terceira força, constituiu-se nos anos 1960, na Psicologia americana, como uma alternativa ao Comportamentalismo e à Psicanálise. Desenvolveu-se como movimento de combate ao sentimento de desumanização e à massificação do indivíduo no século XX. No campo específico da Psicologia, a adoção da denominação humanista foi uma tentativa de tornar a Psicologia uma ciência humana (Burow & Scherpp, 1985; Holanda, 1998). Os temas centrais dessa perspectiva são: a) ênfase à experiência consciente (em contraposição ao determinismo ambiental do Behaviorismo e à noção de inconsciente da Psicanálise); b) crença na natureza humana, como uma totalidade; c) ênfase à questão da liberdade – muitas vezes confundida com livre-arbítrio – e na espontaneidade, além do poder criador do ser humano; d) importância dos temas humanos como objetos de estudo (assim, temas como motivação, emoção, sensação, são objetos fundamentais) (Holanda, 1998). 
O questionamento humanista passou a ser fundamental, pois interroga a ação técnica sobre o ser humano. Atualmente, vive-se em uma sociedade altamente intelectualizada e tecnicista, esquecida de questões básicas como a relação humana. Holanda (1998) pondera que a filosofia humanista tenta reverter a ênfase dada ao desenvolvimento tecnológico e à ciência desconectada da totalidade da existência humana, em detrimento de valores que foram resgatados por essa filosofia. Uma cliente assinala: “Eu não consigo separar que a pessoa simplesmente come como um metabolismo. Ela come, tem um metabolismo e, também, tem uma história, e o seu metabolismo vem do estado dela, não tem como, não tem como”!
4.2.2.6 Fenomenologia 
No capítulo I, discutiram-se as idéias básicas da Fenomenologia. Neste tópico, pretende-se mostrar como que Gestalt-terapia se fundamenta metodologicamente na Fenomenologia, e quais são suas influências na condutado psicólogo ante as tarefas psicoterapêuticas. 
É recente a aplicação dos postulados da Fenomenologia à prática psicoterapêutica. O primeiro pensador que buscou estabelecer essa relação foi Ludwig Binswanger, nas primeiras duas décadas do século XX. Petrelli (1999) esclarece que a contribuição de Binswanger para a psicoterapia consistiu em destacá-la como uma “modalidade coexistencial de duas pessoas que se põem, intencionalmente, uma diante da outra, expondo uma para outra a autenticidade da própria singularidade e subjetividade – de forma plena, no terapeuta; de forma potencial, no outro, o cliente” (p. 41). A atitude de uma pessoa colocar-se genuinamente uma ante a outra é comum nos depoimentos dos colaboradores, como o faz uma cliente ao referir-se à terapia de grupo: “No início dessa terapia de grupo, eu me propus a tentar ser verdadeira, porque me incomodava essa questão de eu não ser verdadeira”. Nesse contexto, a presença constante do terapeuta é fundamental para que a presença potencial do cliente seja despertada. A presença do terapeuta realiza-se por intermédio de uma investigação compreensiva do fenômeno, confirmada por uma colaboradora: “Eu te sentia inteira, durante as sessões, realmente estava escutando. Eu tenho muita dificuldade lá fora, lá fora da psicoterapia, de achar que as pessoas não estão me escutando”. 
Segundo Holanda (1997), “a Fenomenologia, aplicada à Psicologia, pode ser entendida como uma postura, uma atitude que nos abre todo o leque de possibilidades para plenificar o encontro com o fenômeno” (p. 40). Trata-se de um encontro que ocorre no aqui-agora, e terapeuta e cliente interagem em seus campos fenomenológicos, com a intenção de ampliarem seus conhecimentos sobre o fenômeno que se apresenta. Nesse momento, o terapeuta apresenta-se como pessoa existente diante do cliente, e, também, como coexistentividade. 
O fenômeno revela-se à consciência à medida que o terapeuta se encontra em uma atitude de observador atento à realidade que se mostra, sem a priori sobre o fato; o contrário se dá quando existem preconceitos, que embaçam a percepção do fenômeno em si. O cliente também percebe melhor o fenômeno quando se despoja dos seus próprios preconceitos: 
No grupo, eu pude olhar mesmo, e querer ver, querer conhecer, sabe? E ver que cada pessoa, todo mundo, por melhor ou pior que ela seja, as pessoas sempre tem alguma coisa muito interessante. Sempre eu vou aprender com as pessoas, sabe? Sempre... Então isso... isso tirou muito preconceito... muita barreira de não me deixar envolver mesmo. 
Holanda (1997) entende que a fonte de todo conhecimento autêntico está na experiência imediata de si e de outrem. Na relação imediata, não deve existir qualquer teoria entre terapeuta e cliente, apenas um encontro face a face, qualidade apontada por Buber (1979), quando ele se refere ao diálogo como realidade existencial, que implica envolvimento e colocação presente da pessoa. A afirmação do autor é corroborada por uma cliente: “Tem muito isso na minha profissão, das pessoas não se envolverem, das pessoas serem frias. Eu já acho que... a terapia me fez assim, me deixar envolver. Claro que é um envolvimento consciente”. 
Ribeiro (1985) acrescenta que, para realizar essa tarefa, o terapeuta deve fazer a redução fenomenológica para “encontrar com o cliente nele, com ele, através dele” (p. 44). Na redução fenomenológica, suspende-se todo o conhecimento e toda expectativa em relação à natureza do fenômeno, o que dificulta possíveis direcionamentos terapêuticos, conscientes ou não, tanto que, por um momento o terapeuta deve reter seu saber acumulado (Petrelli, 2004b). Assim, o risco de o terapeuta misturar-se com o cliente diminui e aumentam as chances de atingir a totalidade de sua essência. Atingir a totalidade consiste em perceber o sentido existencial do fenômeno observado e integrá-lo à totalidade do cliente. Por isso, assim como a Fenomenologia, a psicoterapia deve não deve ter uma atitude ingênua de descrever apenas o que se vê, mas deve investigar o que se percebe no contexto do cliente, enfim, deve olhar para o todo que aparece (Ribeiro, 1985). Nunca se pode perder a originalidade do cliente. 
De acordo com Holanda (1997), a Psicologia, baseada na Fenomenologia tem como fundamento a valorização da subjetividade consciente e suas inter-relações, por isso, a preocupação com a experiência consciente. Para Gomes (1997), nesse contexto, os psicólogos encontram ambiente propício para o estudo da vivência como experiência consciente, como mundo vivido. Ao focalizar a experiência do cliente, o terapeuta atua fenomenológica e humanisticamente. 
Petrelli (2004b) assegura que ser fenomenólogo é transformar “a vivência de uma realidade contingente e particular em uma vivência de significados absolutos e universais” (p. 32), pois uma vivência aparentemente simples esconde uma grandeza imensurável. No entanto, o saber deve acompanhar a vida – “primum vivere, deinde philosophare” (p. 32), ou seja, o significado da realidade surge após a experiência imediata. A ética de um fenomenólogo, depois do respeito às diferenças do ser humano, realiza-se por uma presença humilde e ativa, não só com o seu cliente, mas no mundo. 
4.2.3 Conceitos básicos 
Os conceitos que fundamentam a Gestalt-terapia dão suporte tanto à teoria quanto à prática dessa abordagem. Todos eles, em alguma proporção, advêm das suas bases teóricas, filosóficas ou metodológica. Neste tópico, apresentar-se-ão os conceitos relacionados à Gestalt-terapia considerados os mais relevantes para o embasamento da prática do gestaltterapeuta. Os conceitos são os seguintes: contato, awareness, mudança paradoxal, autoregulação, figura-fundo, ajustamento criativo, aqui-agora e diálogo, que inclui os elementos do interhumano (presença, inclusão, comunicação genuína e confirmação). Compete, então, que se faça uma breve consideração de cada um desses conceitos, compreendidos como fundamentos da singularidade teórica e prática gestálticas. Eles serão ilustrados com fragmentos extraídos das entrevistas realizadas com os colaboradores e serão apresentados e separados de maneira didática; no entanto, cada conceito, necessariamente, permeia os demais, tanto que um mesmo fragmento pode exemplificar mais de um conceito. 
4.2.3.1 Contato 
O homem é, necessariamente, um ser de relação e está inserido no mundo, o que evoca a noção de contato no cerne da natureza humana, pois contato é, para a Gestalt-terapia, o processo básico do relacionamento. 
Ribeiro (1994) defende que contato é viver, é sentir, é pensar, é agir, é falar, enfim, é experienciar no presente. Contato consiste em relacionar-ser com a vida e com o imediato aqui-agora. Polster e Polster (1979) e Ribeiro (1994, 2006) entendem que o como a pessoa vivencia suas funções de contato determina a qualidade do mesmo, tal como declara um colaborador: “Eu consegui fazer uma releitura da minha vida enquanto eu fiz terapia e, hoje, eu consigo me enxergar muito melhor, muito, eu consigo me ver muito melhor, eu consigo identificar algumas coisas em mim”. 
A Gestalt-terapia também poderia ser chamada de terapia do contato (Ginger & Ginger, 1995), conceito essencial nesta abordagem. 
Para Yontef (1998), contato é o processo de reconhecer a si mesmo e ao outro em um duplo movimento: o de conectar-se e de afastarse do diferente. A esse respeito, uma cliente declara: Coisa que eu não aprovava, eu afastava. Hoje não (...), eu consigo me colocar no lugar do outro (...), a pessoa deve ter motivos para ser daquele jeito (...). Isso me traz assim, um gostar mais de mim, um gostar mais do outro, ter mais leveza. 
De acordo com Perls (1988), nem todo contato (conectar) é saudável, e nem toda fuga (afastamento) é doentia, visto que as escolhas de aproximação ou distanciamento – meios de satisfazer as necessidades emergentes – são necessárias e só se tornam nítidas se advêm do contato. A escolha adequada depende do contato interno e externo, o que é percebido por uma colaboradora: 
Na relação social o outro não está por contade te ouvir, ou de me entender. O processo em grupo é muito bom, ajuda demais. Principalmente essa autopercepção, de me ver no outro. Nossa! Tinha coisas que acontecia no grupo que eu nunca tinha visto em mim, aí eu via no outro e percebia que estava vendo no outro uma coisa que era minha. Às vezes, vinha mexer em coisas que eu nem imaginava. 
Quanto melhor a pessoa fizer contato consigo mesma, melhor será seu contato com o outro e vice-versa. 
Para Ribeiro (2006), “fazer contato está ligado à questão da intencionalidade, do sentido que a coisa tem em si e do significado que minha relação estabelece com a coisa em mim, para mim e fora de mim” (p. 78). 
Polster e Polster (1979) discutem o paradoxo união e separação: 
Nosso senso de união depende, paradoxalmente, de um senso aumentado de separação, e é este paradoxo que nós constantemente procuramos resolver. A função que sintetiza a necessidade de união e separação é o contato (...). Se nós insistirmos em nossos direitos territoriais, corremos o risco de reduzir o contato excitante com o outro e se definhar. A diminuição do contato vincula o homem à solidão. (pp. 100- 101, grifo do autor) 
O solitário é a pessoa que se perdeu na multidão ao privar-se do sentido de comunidade e comunhão. A pessoa então se fecha ao contato, perde a capacidade de dialogar e a disponibilidade à novidade, ao imprevisto, a si mesma e ao outro. Esta atitude impede o crescimento e a mudança. Uma colaboradora ressalta a dificuldade, vivenciada por uma fase, de relacionar-se com seu enteado: Eu tinha, assim, a sensação que eu tinha que tolerar ele, tal (...). Só que eu também fui vendo. Eu estava transferindo para ele uma raiva que eu tinha do pai dele. Eu não tinha motivo nenhum para ter raiva... Uma criança excelente (...). E quando eu descobri isso a relação nossa se transformou. 
Polster e Polster (1979) refletem que “o contato é o sangue vital do crescimento, o meio para mudar a si mesmo e a experiência que se tem do mundo. A mudança é um produto inescapável do contato (...). O contato é implicitamente incompatível com permanecer igual” (p. 102). 
Por acreditar que o contato seja transformador e que a natureza da psicoterapia na abordagem gestáltica consiste em promover o contato, o terapeuta deve estar sempre incentivando o cliente a olhar para si mesmo, para o outro e para o mundo, pois é este movimento que dá qualidade ao contato e permite alcançar a awareness. É o que constata uma cliente: “Enquanto fica de fora, de longe olhando, não consegue viver, sentir, entender aquilo que realmente está causando aquela dor”. 
Ribeiro (2006) adverte que o gestalt-terapeuta deve ficar alerta quando o cliente, por algum motivo, estiver com seu contato bloqueado. A percepção desse bloqueio nem sempre é imediata, como revela uma colaboradora: Era uma relação boa, tanto pessoal, quanto social, em todos os sentidos, não é? E de repente... eu vi que não era. Consegui entrar na situação, ver realmente como que era a realidade. Não consigo mais dissimular o meu jeito de ser para manter uma relação. 
Muitas vezes, o contato opaco é a única possibilidade encontrada pela pessoa para auto-ajustar-se e buscar o equilíbrio, ainda que precário e temporário. Entrar em contato com algumas situações, como no exemplo citado, são momentos delicados da terapia e que devem ser tratados com cuidado e aceitação. É preciso atentar ao fato que não é o bloqueio em si que deve ser objeto de cuidado, mas os componentes neles envolvidos, que impedem a pessoa de se expressar e de viver como verdadeiramente é. 
O gestalt-terapeuta acredita em contatos moldados na relação dialógica, que, segundo Polster e 147 Polster (1979), “dotam a terapia de substância e drama” (p. 159) e que dão a base para a awareness. 
4.2.3.2 Awareness
De modo resumido, awareness é ter consciência da própria consciência, é olhar o próprio olhar e, como tal, é um momento de transcendência. A Gestalt-terapia possui uma compreensão particular do que seja consciência. Para essa abordagem, há duas formas distintas de consciência, que são representadas pelas palavras inglesas counsciousness e awareness. A primeira refere-se a uma consciência cotidiana, limitada no tempo e no espaço, mais relacionada a uma compreensão racional de si e do mundo, ao passo que a awareness pode ser definida como uma consciência ampliada, organísmica. 
Awareness, objetivo da Gestalt-terapia, é dar-se conta de algo, é uma forma integrada e totalizante, resultado de variáveis presentes em dado campo (Perls et al, 1997; Ribeiro, 1994, 2006). Um cliente descreve como vivenciou esse processo: 
Eu entrei no processo terapêutico com muita angústia (...). Aquela voz que me produzia angústia foi substituída por uma voz que tenta me trazer clareza sobre as coisas (...). Hoje eu consigo entrar nos meus momentos de angústia, como sempre, porque é uma coisa minha, mas eu consigo ter calma e clareza para entender por que eu estou entrando, o que eu quero com isso.
 Com base na definição de awareness, apresentada em nota de rodapé no início deste capítulo, Yontef (1998) aponta três corolários básicos: a) “a awareness é eficaz apenas quando fundamentada e energizada pela necessidade presente dominante do organismo”; b) “a awareness não está completa sem conhecer diretamente a realidade da situação e como se está na situação”; c) “awareness é sempre aqui-e-agora e está sempre mudando, evoluindo e transcendendo-se” (p. 216, grifos do autor). 
A compreensão do conceito de awareness dá-se mediante uma concepção que envolve necessidade, presentificação, responsabilidade, escolha, experimentação e integração. A necessidade implica a disponibilidade de a pessoa estar em contato com seu interesse dominante. Presentificação refere-se à capacidade de atualização da necessidade. Responsabilidade é concebida como a habilidade de a pessoa ser responsável e responder por seus comportamentos e sentimentos (Karwowski, 2005). Em resumo, elege-se a necessidade presente (dominante) ao integrar as dimensões físicas, psíquicas e espirituais e, então, escolhe-se o caminho a ser percorrido e torna-se responsável por experimentá-lo, como afirma um cliente: 
A terapia me ajudou a ir discernindo cada personagem, cada papel que esses personagens representavam para mim e como eu queria lidar com essas pessoas (...). Com a minha mãe foi redimensionar papéis. Assim, ela não era minha esposa mais, e eu assumi o papel de filho. E não o papel de marido, e não o papel de tutor (...). Então, era eu ir assumindo os meus papéis e ir descobrindo os meus limites (...), dentro da minha estrutura familiar. 
Ser aquilo que se é exige um continuum de awareness que possibilita ao indivíduo tomar posse de seu processo de existir, de apreender como esse processo se estabelece a cada momento, e de encontrar sua totalidade, tal como o experienciou uma colaboradora: “Foi uma coisa bem devagar [ser mais verdadeira], foi aos poucos, é uma coisa aqui, outra ali, acabou que foi acumulando, e chegou uma hora que aconteceu”. 
Sem esse movimento contínuo, dinâmico, e pleno de sentido não há awareness e crescimento, apenas hábito, mesmo porque, muitas vezes, é tarefa árdua ficar aware tanto de suas possibilidades quanto que suas limitações. “A awareness é acompanhada por aceitação” (Yontef, 1998, p. 31) e evolui de acordo com o auto-suporte da pessoa para aquele contato. 
Laura Perls, citada por Yontef (1998), afirma: 
O objetivo da Gestalt-terapia é o continuum da awareness, a formação continuada e livre de Gestalt, onde aquilo que for o principal interesse e ocupação do organismo, do relacionamento, do grupo ou da sociedade se torne gestalt, que venha para o primeiro plano, e que possa ser integralmente experienciado e lidado (reconhecido, trabalhado, selecionado, mudado ou jogado fora etc) para que então possa fundir-se com o segundo plano (ser esquecido, ou assimilado e integrado) e deixar o primeiro plano livre para a próxima gestalt relevante. (p. 31) 
Pelo continuum de awareness, a pessoa pode atingir um grau de consciência ampliada,

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