Buscar

Sobre a Historia e outros ensaios - Michael Oakeshott

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 291 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 291 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 291 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

H 
N 
a atividade política, os homens navegam num mar ilimitado e
. sem fundo; não há nem um porto pata abrigar, nem uma ensea­
da para ancorar, nem um ponto de partida, nem um destino determinado. 
Trata-se de permanecer flutuando numa quilha lisa; o mar é amigo e ini­
migo ao mesmo tempo, e a habilidade náutica consiste em saber empregar 
os recursos de um comportamento tradicional de modo a transformar ca­
da ocorrência hostil num amigo", escreveu Michael Oakeshott em 
Racionalismo e política (I962). Surpreendente para quem espera de um filó­
sofo político a afirmação de algum princípio racional, como a liberdade, a 
justiça ou a igualdade, a tese do historiador inglês - de que devemos nos 
preocupar com o que realmente acontece e não com o que deve ser feito 
- está presente em todo os seus livros, como Hobbes e a associafãO civil, Da 
conduta humana, Importância do elemento histórico na cristandade e Sobre ser conservador. 
Em Sobre a História, originalmente publicado em I983, Oakeshott reúne 
cinco ensaios que abordam por esse mesmo prisma temas centrais da ciência 
política, como a natureza da História, o primado da lei e a luta pelo poder 
inerente à condição humana. Para o autor, o esforço para entender o passado 
sem uma motivação ulterior é o que distingue o historiador de todos aqueles 
que baseiam suas pesquisas na busca de soluções para problemas práticos do 
presente. Três ensaios são sobre historiografia: "Presente, futuro e passado"; 
"Eventos históricos: o fortuito, o casual, o similar, o correlato, o análogo e o 
contingente" e "Mudança histórica: identidade e continuidade". Comple­
mentam o volume "A regência da lei" e "A torre de Babel". No primeiro, 
Oakeshott analisa um aspecto essencial daquela que seria uma relação ideal 
entre os homens. O segundo discute as diversas versões do episódio bíblico e 
as diferentes formas como ela foi interpretada e apropriada. 
Sobre a História - que o Liberty Fund, em convênio com a Topbooks, en­
trega agora ao leitor brasileiro, em edição enriquecida por um ensaio do his­
toriador Evaldo Cabral de Mello - foi o último livro publicado em vida por 
Oakeshott. Há 70 anos, quando se editou seu primeiro e surpreendente en­
saio, Experience and its modes ( I 933 ), R. C. Collingwood escreveu numa resenha: 
''Tentei expor as teses do autor mais do que criticá-las, porque elas são tão 
importantes e profundas que a crítica deve permanecer em silêncio até que se 
tenha refletido longamente sobre o seu sentido. É a mais penetrante análise 
do pensamento histórico jamais escrita". Isso dá uma idéia da originalidade 
do pensamento de Oakeshott, que foi professor de Ciência Política na 
London School of Economics e em Cambridge. 
Uma das idéias seminais de Oakeshott, presente já em seu hvro de estréia, é 
que não se pode reduzir todos os modos de conhecimento a um sistema único 
e abrangente. Para ele, a filosofia e a história. bem como a ciência e a matemáti­
ca, constituem "linguagens, mais que literaturas". Isto é, são modos específicos 
de abordar e interpretar o mundo, e é na perspectiva do diálogo autêntico entre 
essas linguagens que se realiza a autêntica liberdade. Já a atividade palítica, a ex­
pressão poética e a conduta moral são linguagens que expressam opiniões, cren­
ças, ideais, aspirações, esperanças. medos e estratégias de vida. 
Para Oakeshott, o desafio específico dos historiadores é deixar de lado 
quaisquer preocupações de ordem prática ou ideológica em sua abordagem 
do passado, pois uma das maiores ilusões do ser humano é a crença em sis­
temas que nos levarão à perfeição final numa terra prometida. Desafio ex-
tremarnente diflcil porque, gerahnente, nosso interesse predominante não 
está na História em si, mas na política retrospectiva, e temos a tendência a· 
transformar sistemas filosóficos em Evangelhos. Essa idéia é desenvolvida 
no ensaio sobre a torre de Babel, uma verdadeira contraparábola, usada pa­
ra ilustrar a tese de que a pluralidade de "linguagens" constitui a própria 
essência da vida civilizada; os povos de Babel, portanto, não se perdem na 
ininteligibilidade mútua; ao contrário: associam-se para levar adiante seu 
empreendimento e alcançar o paraíso. 
Como professor universitário, Oakeshott sempre rejeitou direcionar 
idéias para a defesa de posições ou diretrizes políticas, bem como a análise 
moralizante da História e o uso ideológico da filosofia. A História, para 
Oakeshott, é um modo de interpretação do mundo, uma forma de investi­
gação teórica que não deve aspirar a lições, mensagens, profecias ou reéo­
mendações para assuntos práticos. Atribuir à História essa responsabilida­
de moral constitui um erro do racionalismo, como bem o deJllonstraram a 
evocação à Providência dos autores religiosos, os imperativos dialéticos dos 
marxistas e as analogias orgânicas de Spengler, Toynbee ou Burke. 
Portanto, não se deve fazer um uso didático nem pragmático da 
História, isto é, não se deve tratá-la como um estoque de virtudes, vícios 
e lições sobre a humanidade, o que compromete sempre o genuíno conhe­
cimento sobre o passado. A História dos historiadores não apresenta um 
propósito ou padrão genérico, não aponta para lugar algum, e não conduz 
a nenhuma conclusão prática. Ela serve para iluminar o presente na medi­
da em que este é uma combinação de resíduos do passado; mas não deve 
ser usada como um farol para o futuro. Quando um historiador olha uma 
paisagem, seus olhos devem se fixar nas suas ruínas, e não nas suas poten­
-cialidades. Merece ser sublinhada, ainda, a distinção que o autor estabele­
ce entre a associação civil e a empresarial, que permeia toda a sua reflexão 
política. Oakeshott compara o pensamento cristão, o islâmico e o judaico 
e recorre a Descartes, Spinoza e Locke para desenvolver sua teoria. 
Michael Oakeshott se destaca entre os filósofos políticos modernos por 
ter levado suas dúvidas quanto aos fundamentos racionais até os limites do 
entendimento humano. Mas é um equívoco classificar como cético o pensa­
mento do historiador inglês. Ao contrário, sua compreensão da liberdade 
decorre da opinião de que não estamos condenados a "obter e gastar", à 
"dança macabra das necessidades e satisfações", e de que existem diferentes 
maneiras de respondermos ao mundo. A original abordagem histórica de 
Oakeshott foi forjada pela leitura de Sócrates, Santo Agostinho, Montaigne 
e Hobbes, mas ele não entendia os clássicos como repositórios de conheci­
mentos e lições de uso prático, e sim como introduções a modos de pensar. 
Oakeshott nasceu em Chelsfield, Kent, em 1901, recebeu sua educa­
ção básica na progressista St. George's School Harpenden e se graduou em 
História no Caius College, em Cambridge, em 1923. Em seguida estudou 
na Alemanha, nas universidades de Marburg e Tubingen, e trabalhou co­
mo professor de inglês. Alistou-se no exército britânico em l 940 e quatro 
anos depois comandava um regimento na Holanda. Voltou a Cambridge 
com o fmal da guerra e nos anos 50 lecionou ciência política em Oxford 
e na London School of Economics, onde coordenou seminários quase até 
completar 80 anos. Morreu em l 990, em sua casa em Acton. 
Michael Oakeshott 
Sobre a História 
& Outros Ensaios 
Michael Oakeshott 
Sobre a História 
& Outros Ensaios 
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA 
Evaldo Cabral de Mello 
m� 
LIBERTY FUND 
INTRODUÇÃO 
Timothy Fuller 
TRADUÇÃO 
Renato Rezende 
TO�OKS 
Copyright© Topbooks/ Liberty Fund, 2003 
Originalmente publicada por Ba�il Blackwell, Ox(ord. 
Editor 
José Mario Pereira 
Editora assistmte 
Christine Ajuz 
Projeto gráfico e capa 
Victor Burton 
&visão 
Clara Diament 
Í11diu remissivo 
Joubert de Oliveira Brízida 
EditorafãO e fotolitos 
Eduardo Santos 
Germte do programa editorial em 
português do Liberty Fu11d, foc. 
Leônidas Zelmanovitz 
Foto d9 autor:Kcn Abbott 
Todos os direitos reservados pcb 
TOPBOOKS EDITORA E DISTRIBUIDORA DE LIVROS LTDA. 
Rua Visconde de Inhaúma, 58 / gr. 203 - Rio de Janeiro - RJ 
CEP: 20091-000 Tdefax: (21) 2233-87 Í 8 e 2283-1039 
www.ropbooks.com.br / ropbooks@topbooks.com.br 
l mprtsso 110 Brasil 
Sumário 
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA - EVALDO CABRAL DE MELLO ............. 11 
INTRODUÇÃO DE TIMOTHY FULLER ..•.•..•...••..•••..•••...••..••..••.......•...•.•..•...... 2 7 
TRÊS ENSAIOS SOBRE A HISTÓRIA 
I - Presente, Futuro e Passado ............................................................. . . 43 
II - Eventos Históricos 
O fortuito, o causal, o similar, 
o correlato, o análogo e o contingente .............................................................. 99 
III - Mudanç
_
a Histórica 
Identidade e continuidade ........................................................................... I 63 
A REGÊNCIA DA LEI .................................................................................... I 9 I 
A TORRE DE BABEL ..................................................................................... 249 
ÍNDICE REMISSIVO ............................................ .' ........................................... 285 
· . 
.
..- . 
) :. 
Para todos que, ao longo dos anos, têm sido membros do seminário 
de história do pensamento político na London School oj Economics 
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA 
. A Mudan_ça da Mudan_ça 
Evaldo Cabral de Mello 
ichael Oakeshott e R. G. 
Collingwood foram os mais expressivos representantes da filosofia 
crítica da história na Inglaterra do século XX, ao reatarem com 
F. H. Bradley e ao romperem com a tradição positivista e empiricista 
que condicionou ali a reflexão sobre o conhecimento do passado. 
Collingwood fê-lo originalmente estimulado pela influência italiana 
de Vico e de Croce, Oakeshott, pela do seus estudos em Tubingen 
e em Marburgo, meca dos neokantianos, na Alemanha dos anos 
vinte. É de lamentar que, no Brasil, a filosofia crítica da história de 
língua inglesa seja escassamente conhecida. Basta dizer que a 
presente edição de On History and Other Essays é a primeira obra de 
Oakeshott a merecer tradução brasileira. Quanto a Collingwood, 
só é lido na velha edição de The Idea oJ History, compilada pouco 
tempo depois do seu falecimento em I 943 por T. M. Knox, que 
estranhamente não incorporou textos fundamentais que se 
encontravam entre os papéis do filósofo. E , contudo, tanto o 
pensamento de Collingwood quanto o de Oakeshott são um 
corretivo indispensável às tendências que dominaram a filosofia 
crítica da história no decorrer do século XX, a da filosofia alemã 
herdeira de Dilthey, Rickert e Weber; e a da teoria nomológico-
S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü UTROS E N S A I O S 
II 
dedutiva; e, o que é mais importante, correspondem de perto à 
realidade da prática historiográfica. 
Em 1 933 , Oakeshott publicou Experience and Its Modes, o que lhe 
valeu, ainda j ovem, grande nomeada no meio univers i tário. 
Collingwood, que não era homem de elogios fáceis, reputou-a "o 
preamar da reflexão inglesa em matéria de história" . A tese central 
do livro é a de que a apreensão da realidade faz-se de diferentes 
maneiras, cada uma das quais constituindo um universo de discurso, 
que, ademais, é irredutível e, portanto, inassimilável pelas outras 
ou por uma única maneira ou discurso. Na definição de Oakeshott, 
cada modalidade representa "a experiência humana reconhecida 
como uma variedade de categorias de discurso independentes e 
autoconsistentes, todas elas uma invenção da inteligência humana, 
mas todas também compreendidas como abstração e interrupção 
da experiência humana" . Embora em princípio as modalidades 
sejam inúmeras, Oakeshott concentrou-se em quatro, a história, a 
ciência, a prática e a estética, recusando-se, porém, a estabelecer 
qualquer hierarquia entre elas. 
A história exerceu uma fascinação perdurável sobre a filosofia 
de Oakeshott, mesmo quando abandonou relativamente cedo na 
v ida suas funções de profes sor as s is tente de h i s tór ia na 
Univers idade de Cambridge para ensinar filosofia política, área a 
que dedicou o melhor da sua atividade intelectual. Basta observar 
as referências a obras historiográficas com que o leitor topará 
nestas páginas , referências que indicam a abrangênc ia e a 
atualidade das suas leituras. Após a publicação de Experience and 
Its Modes, Oakeshott escreverá dois importantes textos sobre a 
história, em 1 958 'A atividade de ser um historiador', incluído 
M I CHA E L Ü A K ESHOTT 
12 
na coletânea intitulada Racionalism in Politics; e os três primeiros 
ensaios que formam Sobre a Hi;tória, baseados nas suas lições de 
história do pensamento político na Universidade de Londres, 
lições em que teve a oportunidade de repensar, refinar e ampliar 
as formulações contidas nos trabalhos precedentes. O interesse 
de Oakeshott concentra-se, portanto, na história como modo 
distinto de entendimento, o que equivale a dizer que a sua é uma 
filosofia crítica da história, isto é, do conhecimento histórico, 
não do passado histórico. História neste contexto não é a 
narrativa da experiência humana através dos séculos, mas uma 
modalidade específica de conhecimento, cujos pressupostos 
necess itam ser explorados, sem resvalar para uma metodologia 
da investigação histórica e muito menos sem ambicionar impor 
regras ao historiador. 
Oakeshott parte da distinção fundamental entre o que designa 
por passado prático e passado histórico, que se diferenciam pela 
sua vinculação ao presente. A evocação do passado que se contém 
num e noutro pressupõe procedimentos diversos. A existência 
quotidiana comporta indefectivelmente referências a muitos 
passados, a começar pelo passado encapsulado, que é o somatório 
de todas as experiências do indivíduo e que mantém com ele uma 
relação que independe da rememoração, como na herança genética. 
O passado também pode ser o passado lembrado, que é o da 
memória involuntária, digamos como em Proust; e um passado 
consultado, que pode ser trazido à tona da consciência mediante 
um esforço deliberado, como na psicanálise. Lado a lado com estes 
passados, o presente incorpora igualmente os vestígios materiais 
. 
. 
que encontramos na paisagem, nos museus e nos arqmvos, uma 
S O BR E A H I STÓR IA & Ü U TROS E N S A IOS 
13 
ponte romana, um quadro do século XVIII, o documento de um 
acervo, um livro de memórias, todos capazes de serem estimados 
pe los divers os ângulos do prazer contemplat ivo, da sua 
instrumentalização para fins práticos ou do incentivo que 
proporcionam ao conhecimento humano. 
Todos esses passados compõem o passado prático, que pode ser 
definido como o passado do presente-futuro, ou dito de maneira 
menos abstrusa, o passado que pode ser manipulado pela ação 
humana com vistas à realização de objetivos vitais. Lembra, contudo, 
Oakeshott que o passado prático não é o único, malgrado o que 
pretenderia uma filosofia da existência de sabor heideggeriano, para 
quem os universos do discurso decorreriam todos do discurso da 
atividade prática. Foi precisamente a incomunicabilidade dos 
universos do discurso que criou a possibilidade de uma compreensão 
do passado histórico na sua autonomia relativamente ao passado 
prático, permitindo o aparecimento do ofício de historiador e as 
ciências históricas na sua autonomia e especificidade. Passado 
prático e passado histórico têm, porém, em comum o fato de 
começarem no presente. O presente de um historiador consiste na 
sua convivência regular e profissional com os vestígios do passado, 
ou, como ele preferiria dizer, com suas fontes. A peculiaridade do 
entendimento histórico é a exclusiva preocupação com o passado, 
pois oentendimento prático só parcialmente ocupa-se dele, ao 
passo que o entendimento estético nunca o faz. Em termos de 
ação, o presente está povoado de uma multidão de objetos encarados 
como aptos a satisfazerem as necessidades humanas, inclusive no 
caso daqueles objetos que são vestígios do passado e que satisfazem 
nossa inclinação estética, como a escultura grega. Por outro lado, 
M I CHA E L Ü A K ESHOTT 
em termos de conhecimento histórico, o presente do historiador 
compõe-se de objetos que, sobreviventes de épocas anteriores, 
proporcionam o único acesso a elas. É certo que o presente do 
historiador também contém objetos que se caracterizam por sua 
utilidade, qual sej a, o computador em que trabalha; e é certo 
também que ele pode levar a cabo seu estudo tendo em vista a 
publicação de um livro ou o atendimento de compromisso editorial, 
mas tais condições são irrelevantes. 
Oakeshott denomina passado registrado ao conjunto desses 
objetos, que corresponderam no seu tempo a realizações humanas, 
e que, como tais, foram manifestações performativas de um 
presente-futuro passado de compromisso prático. O pote que 
estuda o especialista na civilização minóica foi originalmente 
fabricado no propósito de suprir água a um indivíduo e sua família; 
o relato de uma guerra civil foi redigido para defender a posição 
de um dos lados na disputa frente à autoridade superior que detinha 
a última palavra sobre a questão. Mas essas manifestações per­
formativas também podem ter sido expressões 'desinteressadas', 
como uma reflexão filosófica, um poema ou uma obra de arte. 
Não esqueçamos, porém, a distinção entre passado registrado e 
passado prático. O passado prático não pode aspirar a ser passado 
nem pode libertar-se da sua condição de presente-futuro, tendo 
em vista que se compõe de objetos que são estimados em termos 
de fins práticos, ocupando uma função concreta na existência 
quotidiana. O passado prático "é o conteúdo atual de um vasto 
depósito no qual o tempo continuamente despeja as vidas, as 
expréssões, as conquistas e os sofrimentos da humanidade" . Um 
conteúdo que é, por conseguinte, diverso do conteúdo do passado 
S O BR E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 
registrado pressuposto pela investigação histórica. Nas palavras de 
Oakeshott, "o que chamei de passado prático é, pois, um presente 
de objetos reconhecidos como tendo sobrevivido. É um ingrediente 
indispensável a uma vida civilizada articulada. Mas é categori­
camente distinto tanto dos sobreviventes que compõem o presente 
de uma investigação histórica quanto de um passado historicamente 
entendido que deles pode ser inferido". 
Como quer que seja, toda investigação histórica só dispõe de 
uma porta para o passado, e está é a "porta dos fundos", como diz 
Oakeshott, do passado registrado. Mas, como veremos, ainda há 
um longo trajeto a percorrer que conduz do passado registrado ao 
passado histórico. A obscuridade que envolve o passado registrado 
deve ser preliminarmente dissipada para que o historiador possa 
encetar a etapa essencial que consiste em inferir um passado 
histórico de um conjunto de evidências circunstanciais, isto é, de 
um passado registrado, no propósito de esclarecer um problema 
concreto. O passado histórico tem assim outro feitio, sendo antes 
de tudo um passado inferido. Como Collingwood, para quem o 
passado histórico não é o produto da dedução ou da indução 
científicas mas da inferência, Oakeshott ins iste neste caráter 
inferencial do conhec imento histórico, que nem por isso 
compromete sua qualidade, de vez que a técnica historiográfica 
permite fazer com que as fontes 'falem', suprindo satisfatoriamente 
a existência de evidências diretas. 
A investigação histórica tem início quando, em meio ao passado 
registrado, o historiador detém-se num objeto não porque o 
considere sagrado, ou porque proporcione sabedoria, constitua um 
artefato útil ou de contemplação prazerosa, mas simplesmente 
M I CHA E L Ü A K ESHOTT 
porque é o vestígio de uma manifestação humana. Muitos destes 
vestígios são textos que relatam acontecimentos ou situações, mas 
eles não são jamais neutros, servindo, ademais, a responder às mais 
diferentes perguntas, graças ao seu caráter heterogêneo, o que 
constitui no que Oakeshott chama "uma fonte oblíqua de 
informação", prestando-se ao que Marc Bloch designava por leitura 
tortuosa, mediante' a qual um historiador vai à cata de informações 
sobre agricultura medieval num texto meramente hagiográfico, ou, 
vice-versa, explora a vida religiosa do período num documento de 
natureza fiscal. Para tanto é necessário familiarizar-se com a 
linguagem e a condicionalidade deste texto. Se o objetivo final da 
investigação é o de responder a determinada indagação, de imediato, 
contudo, a tarefa consiste em determinar a veracidade das 
informações através da acareação das fontes. Mas, ao contrário do 
que advogava a crítica das fontes de sabor positivista, que repudiava 
toda aquela que contradissesse a veracidade estabelecida através 
das outras, o historiador não deve jogá-la no lixo, mas perguntar 
por que carece de fidedignidade, pois um documento inconfiável é 
tão útil quanto seu oposto para o esclarecimento de um evento. Só 
terminada esta fase preliminar (que, com Collingwood, podemos 
denominar filológica) do trabalho historiográfico, a investigação 
especificamente histórica pode ser finahnente encetada. 
Em seguida, Oakeshott introduz outra importante distinção, a 
que diz respeito a urna 'situação' e a um 'evento' históricos, distinção 
que, em última análise, reduz-se à oposição entre sincronia e diacronia, 
embora ele não empregue jamais estes termos. O historiador tem 
dois caminhos pela frente. Em primeiro lugar, ele se pode deter numa 
ocorrência histórica, isto é, um conjunto de circunstâncias e de 
SOBR E A H I STÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 
17 
relações. Por sua vez, tais ocorrências inserem-se numa situação 
histórica, que é um conjunto de ocorrências contemporâneas, 
relacionadas entre si. Tais são as situações que o historiador costuma 
designar mediante etiquetas como 'a Reforma', 'a crise do século 
XVII' , 'a Revolução francesa', 'o Iluminismo escocês', etc. Embora a 
situação histórica não seja algo fantasioso ou subjetivo e proporcione 
certo grau de inteligibilidade histórica, seu problema reside em que 
ela acomoda mal a diacronia, ou seja, a mutação. Nesta ótica, mesmo 
quando admitidas, as mudanças tendem a ser descartadas, dando-se 
ênfase à estrutura, quer sob a forma de situações breves, em que elas 
praticamente não se verificam, seja sob a forma de fases prolongadas, 
do tipo da longue durée braudeliana. 
O leitor depara-se aqui com o que pode ser reputado a faceta 
mais controvertida da reflexão de Oakeshott, algo tão questionável 
quanto o exclusivismo de Collingwood de reduzir a ação histórica à 
ação racional, pretensão que, como se sabe, ainda provoca polêmicas 
acaloradas. Não há dúvida de que, para Oakeshott, a diacronia, não 
a sincronia, é o verdadeiro recurso historiográfico, uma posição 
insólita, de vez que, em história, a sincronia oferece recursos valiosos 
ao historiador, desde que não se isole nela, combinando-a 
incessantemente com a dimensão diacrônica. A recusa de Oakeshott 
em admitir que a 'situação histórica' constitua objeto legítimo do 
conhecimento histórico o empobreceria fatalmente e equivaleria a 
expulsar das estantes de história várias das obras-primas que ali se 
en.contram habitualmente, como A Cultura do Renascimento na Itália, de 
Burckhardt, O Outono da Idade Média, de Huizinga, ou A Espanha na Vida 
Italiana do Renascimento, de Croce, para só mencionar alguns dos 
precursores notáveis desse tipo de investigação. 
M I C H A E L Ü A K E S H OTT 
18 
Para Oakeshott, o conhecimentohistórico tem unicamente a 
ver com o que designa por 'eventos históricos' e pelas conjunções 
de tais eventos. Não se conclua, porém, que semelhante perspectiva 
redunde em privilegiar a história política, como também foi alegado 
contra Collingwood; ou em regressar à velha história factual. A 
história econômica, a história social ou a das mentalidades não são 
menos tratáveis em termos de diacronia do que a história polfrica 
ou a história diplomática. Caberia reforçar o argumento de 
Oakeshott, lembrando que, se o conhecimento histórico progrediu 
substancialmente ao assimilar métodos sincrônicos, nada obsta a 
que um avanço igualmente importante seja realizado mediante a 
análise microevenemencial de episódios econômicos, sociais ou 
mentais. Mesmo a história política num país como o Brasil, inclusive 
no tocante a um campo que tem toda a aparência de ter sido 
exaustivamente explorado, como a história da Independência, está 
longe de haver sido submetido a um exame verdadeiramente rigoroso 
das suas concatenações temporais. 
Retornando à argumentação de Oakeshott, o estudo do evento 
histórico é algo bem diferente do estudo da situação histórica, já 
não se tratando de explicar um passado de sincronias, mas um 
passado de diacronias inter-relacionadas. Os eventos, escusadQ 
assinalar, relacionam-se intrínsecamente no tempo, sob a forma de 
antecedentes e subseqüentes, a qual, ao contrário da velha 
historiografia, nada tem a ver com o binômio causas e conseqüências. 
A antecedência não constitui por si mesma uma relação significativa, 
cabendo ao historiador determinar na série de antecedentes a conexão 
(ou a 'passagem de eventos', na linguagem de Oakeshott) que se ache 
significativamente relacionada ao subseqüente. Trata-se, portanto, 
SOBR E A H I STÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 
de transformar não arbitrária ou apenas cronologicamente um evento 
subseqüente em conseqüente, evitando o post hoc, propter hoc, ou então 
a salada de antecedentes, que o historiador costuma muitas vezes 
cozinhar, em que tudo tende a ser indiscriminadamente relevante. 
Como não lhe interessam as relações externas entre eventos, 
decorrentes de causas, fins, acasos, correlações, analogias, ele deve 
rejeitar as explicações deste gênero, a começar pelo tipo de relação 
convencionalmente privilegiada, a causalidade. 
Malgrado o esforço de desclassificá-la levado a cabo pela filosofia 
da história nos últimos cem anos, causa ainda é um dos vocábulos 
fundamentais da historiografia. A busca da causalidade em história 
manifesta-se, em primeiro lugar, sob a forma da explicação de 
eventos pelo funcionamento de leis da história ou mediante o 
conceito de processo histórico, ou leis de mudança da história. 
Há, contudo, um abismo infranqueável, uma incompatibilidade 
radical entre estas leis e o feitio contingente dos eventos a que elas 
pretendidamente se aplicariam. A aplicação das leis em história 
também assume a forma das teorias de Popper ou de Carl G. 
Hempel, a da explicação nomológico-dedutiva, que já não se propõe 
a descobrir as leis da história ou do processo histórico, mas atém-se 
a subordinar determinado evento ou eventos a leis de natureza 
lógica. Para Oakeshott, a teoria nomológico-dedutiva é insustentável 
devido precisamente a que em história os eventos não são observados 
empiricamente, mas, como mencionado, inferidos de vestígios que 
sobrevivem no presente do historiador, que não pode, por 
conseguinte, ignorar o caráter mediato do seu conhecimento. 
Leve-se, porém, em conta que, se a causalidade é estranha ao 
entendimento histórico, a palavra 'causa' só ficou consagrada na 
M I CHA E L Ü A K ESHOTT 
20 
prática historiográfica ao preço de perder qualquer acepção rigorosa, 
denotando apenas vagamente o que se designa por 'antecedentes 
dignos de nota', a escolha destes antecedentes dependendo da 
formação e da competência do historiador. Do fato de que o livro 
de Conrad Russel se intitule The Causes oj the Englísh Cívil Vffir (Oxford, 
I 990) não devemos concluir que ele tente submeter aqueles 
acontecimentos ao jugo de qualquer das formas de causalidade 
referidas acima; ele apenas procura identificar antecedentes e 
subseqüentes que, a seu ver, se relacionaram significativamente para 
provocar o início do conflito ou condicionar seu desenvolvimento. 
O conceito de causa pode enfim ser empregado no sentido de 
responsabilidade histórica, quando se investiga, por exemplo, quem 
tomou a decisão de massacrar os huguenotes no decurso do que 
ficou conhecido como "noite de São Bartolomeu". Aí, contudo, 
não se trata de relações propriamente causais mas intencionais. 
Outro gênero de relação externa entre eventos antecedentes e 
subseqüentes que, segundo Oakeshott, é alheia ao conhecimento 
histórico consiste na similaridade, que permite comparar s ituações 
ou eventos distintos, digamos, a independência dos Estados Unidos 
e a independência do Brasil. Em lugar de estabelecer nexos entre 
eventos antecedentes e subseqüentes, buscam-se relações analógicas, 
passando-se ao largo, como no caso da causalidade, do que constitui 
verdadeiramente a realidade histórica. As similaridades são o que 
são, não constituindo relações significativas, embora, caso se tenham 
presentes as limitações do método, possuam certo valor heurístico 
para a investigação histórica. (Poder-se-ia aduzir ao argumento de 
Oakeshott que fazê-lo equivaleria a recair, por diferente caminho, 
no recurso a leis históricas ou à noção de processo histórico, únicas 
·SO B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 
21 
aptas a explicar tais semelhanças.) Não é menos insuficiente o 
uso da correlação, pois ele não permite ir além da constatação 
de um fato, sem lograr explicá-lo (como no exemplo cômico de 
que os picos de criminalidade em Nova York coincidiriam com 
os de importação de banana pelo seu porto), a menos que 
excepcionalmente uma correlação possa ser transformada em 
relação s ignificativa, como no estudo das variações do preço do 
milho e do número de casamentos numa paróquia inglesa. Por 
fim, quanto à analogia, ela pertence não à história mas à retórica e 
ao entendimento prático. 
Destarte, a relação entre eventos históricos não é fortuita, causal 
ou intencional, mas contingente. Uma relação contingente 
caracteriza-se pela contigüidade e pela circunstancialidade. 
Oakeshott recorre a uma metáfora, a do 'muro seco', construído 
em c::ertas áreas rurais da Inglaterra mediante a justaposição das 
pedras, que são fixadas não por meio da argamassa, mas dos seus 
correspondentes formatos. A relação entre um evento antecedente 
e um evento subseqüente é de feitio circunstancial. Eles não estão 
ligados por causas ou por leis gerais; não exibem um padrão 
pré-designado; e como tampouco são necessários, a tarefa do 
historiador não consiste em explicar, mas em inferir a natureza do 
evento histórico. O autor adverte, aliás, contra a noção de que 
eventos antecedentes possam tornar-se historicamente inteligíveis 
em termos de eventos subseqüentes. Compreender Napoleão não 
nos habilita a compreender César, nem a carreira política de 
Bismarck pode ser entendida à luz da história alemã da primeira 
metade do século XX; e, ao contrário do que pretendia Marc Bloch, 
M I CHA E L Ü A K ESHOTT 
22 
as experiências atuais podem apresentar obstáculos insuperáveis à 
compreensão do passado. 
A passagem de eventos antecedentes a conseqüentes traz à tona 
a idéia de mudança, mas a mudança histórica não deve ser entendida 
no sentido convencional que se atribui ao conceito e que pressupõe 
a combinação da identidade e da diferença, da estabilidade e da 
mutação, de vez que o passado histórico compõe-se apenas de 
diferenças. Num passado histórico de eventos, "não há lugar para 
uma identidade que não seja, ela própria, umadiferença" . Uma 
"História da França" , por exemplo, não é a narrativa das 
transformações que no decurso dos séculos afetaram uma entidade 
que, em alguma parte de si mesma, permaneceu a mesma; ela é a 
narrativa das mudanças dessas mudanças. Por outro lado, a 
investigação histórica não se coaduna com outros gêneros de mutação, 
como a teleológica, que encara o passado como um processo 
predeterminado, e que por isso mesmo não passa de um exercício 
profético. Num trocadilho com seu próprio nome, Oakeshott lembra 
que o carvalho ( oak) contém-se na sua bolota (sho t) , mas a 
transformação da bolota em carvalho ocorre sempre em determinado 
lugar e em determinado momento, em função de circunstâncias, como 
inclusive a de se há porcos pastando nas vizinhanças. A mudança 
histórica tampouco é compatível com a mudança orgânica ou com o 
evolucionismo, a despeito da moda de que gozou a analogia no século 
XIX. Como ocorre à noção de causa, a idéia de evolução só sobrevive 
na linguagem histórica privada de acepção precisa. 
A rejeição da aplicabilidade desses tipos de mudança ao passado 
histórico não significa, contudo, que a mudança histórica sej a 
indefinível, pois ela exibe uma continuidade intrínseca, que não 
SOBR E A H ISTÓR I A & Ü U TROS E NSA I O S 
23 
lhe é externamente imposta por um fim predeterminado ou pela 
regularidade de uma lei, mas que advém da coerência com que as 
diferenças, isto é, os eventos, se modificam reciprocamente para 
produzir a diferença conseqüente de um outro evento. Seja sob a 
forma de uma mentalidade, de uma crise econômica ou de uma 
guerra, o passado histórico compõe-se apenas de diferenças 
formadas por outras diferenças contingentemente relacionadas. A 
principal objeção que se pode fazer a tal concepção é a de que ela 
tende a minimizar o papel das mudanças bruscas e das rupturas 
em favor das continuidades. Mas o caráter radical ou moderado de 
uma mudança histórica só pode ser avaliado em termos de escalas 
temporais . A história escrita em escala secular ou multissecular 
tende a dramatizar a mudança, enquanto a história escrita em escala 
reduzida tende a conferir-lhe um aspecto trivial. Qualquer historiador 
experiente conhece o prosaísmo dos chamados 'grandes eventos' 
quando vistos de perto, sua maneira eminentemente corriqueira de 
acontecer. A prova é que eles raramente são percebidos como tais 
pelos contemporâneos ou são criações post facto. 
A ser levada às suas últimas conseqüências, a argumentação de 
Oakeshott levaria a filosofia da história a conclusões melancólicas, 
pois a investigação histórica ainda está muito longe de corresponder 
a este modelo. Seu estado atual é o produto de um compromisso 
entre o passado prático e o histórico, que coexistem inevitavelmente 
nos livros de história, de vez que mesmo as obras que se inspiram 
numa preocupação estritamente histórica ou profissional contêm 
proposições de natureza prática e, subsidiariamente, de natureza 
contemplativa ou estética. Trata-se de uma dificuldade de monta, 
bem indicativa da precariedade do conhecimento histórico. O 
M I C H A E L Ü A K ESHOTT 
homem viveu sempre imerso no passado prático, não no histórico. 
Durante muito tempo, digamos grosso modo até os séculos XVIII e 
XIX, a humanidade existiu sem dar-se conta do passado como 
algo distinto da sua instrumentalização quotidiana. Como a 
Antiguidade clássica, o próprio Renascimento continuou a ver na 
história uma lição de coisas ou o espelho dos príncipes. 
Se a visão prática do passado é a grande inimiga do conhecimento 
histórico, é também uma inimiga difícil de derrotar, pois o permeou 
duradouramente e continuará a fazê-lo. Daí a grande vulnerabilidade 
do entendimento histórico, mesmo depois da constituição e do 
amadurecimento das chamadas ciências históricas. É neste sentido 
que Oakeshott considera inapropriada a noção vigente de que o 
nosso seja um tempo especialmente consciente da historicidade, 
equívoco que decorre da tendência, mais forte do que a de qualquer 
outra época, a relacionar estreitamente presente e passado, numa 
atitude diametralmente oposta à que deve ser a do historiador, que, 
pelo contrário, buscaria dissociá-los. Nesta ótica, não se está realmente 
interessado no passado histórico, apenas em fazer "política 
retrospectiva", que se impõe através da formulação de julgamentos 
morais ou da preferência pelo estudo de temas como as 'origens da 
revolução francesa' ou 'as origens do Cristianismo', preferência que 
nasce precisamente do objetivo de ler o passado da frente para trás, 
assimilando-o assim a eventos subseqüentes e atuais. 
Mas toda a argumentação de Oakeshott não consegue dissipar 
no leitor a dúvida sobre s e será realmente possível extrair 
completamente o passado histórico do magma do passado prático. 
Pe s soalmente , acred i to que se trat a de uma u top i a . O 
conhecimento do historiador será sempre uma mistura dos dois, 
S O B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 
dosada de diferentes maneiras. O resultado final da investigação 
consistirá sempre num equilíbrio precário. Mas a impossibilidade 
de separá-los inteiramente não deve servir de álibi para que o 
historiador capitule diante do passado prático; sua obrigação 
profissional consiste, pelo contrário, em reduzir a taxa do colesterol 
ruim, vale dizer, o quociente de passado prático no passado histórico. 
Ele provavelmente terá menos êxito no tocante à escolha do tema, 
em que o compromisso prático, o interesse estético e até a nostalgia 
tendem a crescer, ao passo que em nível da análise a objetividade 
histórica é mais factível. No final das contas, tudo irá depender do 
seu esforço e da sua capacidade, mas sabendo desde logo que não 
conseguirá realizar completamente o desideratum oakeshottiano. 
Ademais, se algum historiador lograsse fazê-lo, tornar-se-ia 
compreensível para seus leitores? O livro de história será sempre 
uma tradução, melhor ou pior, destinando-se por definição ao leitor 
de uma outra língua, no caso, de um outro tempo. 
M I CHA E L Ü A K ESHOTT 
SOBRE A HISTÓRIA & ÜUTROS ENSAIOS 
Timothy Fuller 
o s leitores desta obra irão se 
perguntar quais teriam sido as intenções de Michael Oakeshott ao 
reunir três ensaios sobre a história, um ensaio sobre a regência da 
lei e outro sobre a Torre de Babel. O próprio título, Sobre a História 
e Outros Ensaios, não é muito revelador. Oakeshott mostrava-se pe­
culiar e evasivo a respeito desses assuntos. Por diversas vezes decla­
rava não se recordar do motivo pelo qual decidira fazer o que fize­
ra; não lhe interessavam títulos fáceis de serem lembrados, e não 
sentia necessidade de explicar antecipadamente a seus leitores o 
que queria que encontrassem em seu trabalho. Penso, entretanto, 
que o conjunto desses ensaios representa importantes e constantes 
características de seu processo mental, que se combinam de uma 
maneira oakeshottiana. 
O temperamento de Oakeshott era, segundo ele mesmo admi­
tia, o de um cético, forjado ao considerar a dialética perscrutadora 
de Sócrates quanto à ignorância humana, o ceticismo de Santo 
Agostinho quanto às nossas pretensões de apartarmo-nos da 
temporalidade e da mortalidade, a convicção de Montaigne de que 
a experiência inevitavelmente ultrapassa todos os nossos esforços 
de classificá-la e ordená-la, e as sóbrias considerações de Hobbes 
SOBR E A H I STÓR I A & Ü U TROS ENSA I O S 
27 
sobre a motivação, não das mais galantes e nobres, mas da maio­
ria dos seres humanos. Deparamo-nos com esse modo de ver as 
coisas - o pensamento de Oakeshott - ao abstermo-nos por um 
momento de submergir nos aspectos práticos da vida, de modo a 
de s c ob ri r uma p e r sp e c t iva mai s imparc i a l , até mesmo 
contemplativa. Fazer isso não implica erradicar o entendimentoprático, pois este está sempre presente desde o início da vida; 
trata-se, em vez disso, de prestar atenção no que é menos óbvio e 
que nunca é dominante, e que nem por isso deixa de ser uma 
possibilidade real de entender o mundo, movido não pela neces­
sidade de alterá-lo ou aperfeiçoá-lo para satisfazer os próprios 
interesses, mas de explicar a si mesmo os aspectos do mundo, 
mitigando, sem dissolver, seus enigmas e suas adversidades . Esta 
perspectiva também está presente como uma possibilidade desde 
o início da vida de um ser humano, mas talvez não seja "primor­
dial" como a vida prática é, na medida em que não exige satisfa­
ção de uma mesma - e premente - maneira. 
A compreensão de Oakeshott da liberdade humana deriva, em 
parte, de sua opinião segundo a qual não estamos meramente con-
d d " b " " 'r r " ' "d b ena os a o ter e gastar , ao mortnero razer , a anfa maca ra 
de necessidades e satisfações", ou à "procura de um poder após o 
outro, até a morte"; há mais de um modo com o qual podemos 
responder ao mundo. Oakeshott elabora a idéia de que o mundo 
prático, embora sempre esteja conosco, não é o fundamento ou a 
origem das alternativas do entendimento filosófico, históríco, po­
ético e científico. Na visão de Oakeshott, essas alternativas não são 
versões da vida prática traduzidas em inusitadas formas retóricas; 
são alternativas genuínas à forma prática de ver o mundo com o 
M I CHA E L Ü A K ESHOTT 
28 
qual coexistem, e nenhuma delas determina o que acontece com as 
outras, ou o que elas terão a dizer. 
Oakeshott aborda o assunto nos três ensaios sobre história des­
ta obra elaborando o argumento da possibilidade de uma forma 
especial e histórica de ver o passado, fornecendo suas razões para 
concluir que o passado "histórico" do historiador é categorica­
mente diferente do passado "prático" . Era fundamental para o 
pensamento de Oakeshott mostrar o motivo pelo qual a assimila­
ção dos vários modos de conhecer em um único modo abrangente 
é um engano. Isso ele começou a argumentar desde sua primeira 
grande obra, Experience and lts Modes [Experiência e Seus Modos] (1933), 
em diante. Dessa forma, uma significativa parte do primeiro en­
saio deste livro opõe os argumentos em favor da primazia da vida 
prática à insistência do autor quanto a uma categórica separação 
dos modos de conhecer. 
Em outras palavras, possuímos a capacidade de entender o mundo 
sob diversas maneiras, modos ou linguagens, e, como resultado, 
desfrutamos da possibilidade de entabular uma verdadeira conver­
sação. A verdadeira conversação é um compromisso indireto no 
qual uma voz distinta não é reduzida a outra (não há, diz Oakeshott, 
nenhum "simposiarca" ou "árbitro", nenhum modo acima de to­
dos os modos), e por meio da qual o ser humano revela-se e diferen­
cia-se de todos os outros seres. É na perspectiva da conversação 
que uma gloriosa realização da liberdade inerente ao espírito hu­
mano pode aparecer. 
Um modo em particular - entre os diversos disponíveis - fasci­
nava Oakeshott, e sobre isso ele escreveu ao longo de sua vida: o 
esforço dos historiadores para entender o passado sem um motivo 
S O BR E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 
ulterior, o esforço que distingue o historiador, enquanto historia­
dor, de todos os que examinam o passado em busca da orientação 
que nele esperam encontrar para seus interesses pragmáticos, e que 
distingue a persona do historiador, enquanto historiador, de sua 
persona pragmática. Oakeshott mantém em relação a isso uma 
opinião controvertida, à qual se ateve de forma constante ao longo 
de sua carreira. A opinião é controvertida precisamente por causa 
do ponto de vista, deveras difundido, de que todos os empreendi­
mentos humanos devem ser entendidos em termos de interesses 
pragmáticos da vida. Entretanto, para Oakeshott, a menos que in­
sistamos nessa separação, não há maneira satisfatória de distinguir 
o que faz de um historiador um historiador, em vez de alguma 
outra coisa. Quando adotam o método histórico de examinar o 
passado, argumenta ele, os historiadores procuram deixar de lado 
preocupações com questões de ordem prática. É claro que, como 
seres humanos que são, não deixam de ter interêsses pragmáticos. 
Assim, chegar à perspectiva do historiador requer esforço, e repre­
senta uma realização conscientemente considerada. É o que dife­
rencia essa perspectiva da submersão sem qualquer esforço na vida 
prática, até o ponto em que ela seja "primordial". Todos os ensaios 
sobre história desta obra expõem aspectos do entendimento do 
passado para historiador enquanto historiador, elucidando um 
passado "não-prático". 
Em segundo lugar, o ensaio sobre a regência da lei reflete a con­
clusão de Oakeshott de que, nos últimos cinco séculos, a civiliza­
ção européia engajou-se na aventura de inventar - e de viver de· 
acordo com - a associação civil, um conjunto de regras por meio 
das quais associamo-nos uns aos outros, não em termos de uma 
M I C H A E L Ü A K ES HOTT 
meta teleológica ou de um objetivo uniforme para a humanidade, 
mas em termos de procedimentos aceitos mediante acordos que 
asseguram, para indivíduos que se auto-regulam, a oportunidade 
de perseguirem suas próprias escolhas, variando enormemente as 
formas de prosperarem em associações voluntárias, apoiadas, em 
especial, pela regência da lei. Ao pensarmos em nós mesmos como 
seres temporais e individuais, eternamente em busca de satisfação 
e autoconhecimento, fiamo-nos na lei como um meio de fazer um 
uso eqüitativo, despretensioso, controlável e seguro de nossa liber­
dade. O mais abrangente e sistemático tratamento que Oakeshott 
dá às associações civis está em On Human Conduct [Sobre a Conduta 
Humana J ( I 97 5), mas a melhor expressão da idéia que ele faz da lei 
está no ensaio contido nesta obra. 
Por fim, Oakeshott pensava que nós, seres humanos, estamos 
perenemente sujeitos a nos enganarmos a respeito de nós mesmos, 
de nossas possibilidades e de nossos limites quando sucumbimos à 
tentação de tentar erigir estruturas que, esperamos, nos levarão à 
perfeição final em uma suposta terra prometida. Essa tendência 
era, para ele, a apropriação indevida de um conceito teleológico 
que geralmente se combina com esforços para transpor as restri­
ções da regência da lei e para orquestrar as tendências naturalmen­
te diversas da associação civil. Segundo Oakeshott, todo pensa­
mento moderno é afetado por essa tendência sob a forma do 
"racionalismo moderno", que se intromete particularmente nas 
modernas ideologias políticas. Sua representação favorita dessa pa­
tologia era a história que o Gênesis conta da Torre de Babel. Na 
verdade, o ensaio com esse nome aqui incluído é o segundo que ele 
publica com o mesmo título; o primeiro, originalmente publicado 
SOBR E A H I STÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 
31 
em l 948, foi incluído em Ratíonalísm ín Politics [Racionalismo na Políti­
ca] (1962, 199 1 ). Eu estava presente quando Oakeshott leu pela 
primeira vez esse segundo ensaio sobre a Torre de Babel em um 
encontro do Clube Carlyle (uma sociedade intelectual composta, 
principalmente, por integrantes de Oxford, Cambridge e Londres) 
no Trinity College de Oxford, em outubro de 1979. A recepção 
foi amigável, porém um tanto dúbia, uma vez que, como com fre­
qüência ocorre etn resposta às opiniões de Oakeshott, diversos 
ouvintes acharam difícil abandonar com ele o pragmatismo em 
troca de um imparcial modo de falar sobre o que significa ser hu­
mano. Ao longo do tempo, comentários sobre esse ensaio tende­
ram a t:atá-lo como se o propósito de Oakeshott fosse defender 
uma negativa ou pessimista ("conservadora" , sob um ponto de 
vista pejorativo) posição política, enquanto na verdade ele pensava 
descrever, ou explicar, algo sobre a condição humana da maneiracomo ela se revela quando paramos um pouco de mergulhar no 
auto-esquecimento proporcionado pelas incumbências da vida prá­
tica que sempre estão a nos acenar, e olhamo-nos de um ângulo 
diferente. Do ponto de vista de Oakeshott, não se trata apenas de 
algo não-negativo, mas de uma afirmação de possibilidades huma­
nas sedutoras. Em sua opinião, isso somente seria negativo se fôs­
semos forçados a concluir que a política, ou a vida prática, é para 
nós a única fonte de significados. 
Em resumo, vistos em conjunto, os ensaios contidos em Sobre a 
História e Outros Ensaios abrangem uma série de abordagens comple­
mentares de uma compreensão oakeshottiana da condição huma­
na considerada à luz de uma reflexão histórica e filosófica, aparta­
da de qualquer compromisso prático de fazer-se um caminho no 
M I C H A E L Ü A K ES HOTT 
mundo, ou de submeter seres humanos livres à orientação de um 
"discernimento superior" . 
II 
Todos esses ensaios eram, originalmente, palestras ou artigos 
que Oakeshott apresentou a seus alunos e colegas. Ao ensinar o 
tópico como professor universitário, Oakeshott nunca afastou-se 
dessas idéias. O caráter de suas apresentações - como, por exem­
plo, sobre a "atividade de um historiador" - revelava sua compre­
ensão do que distingue estudar em uma universidade de qualquer 
outra atividade, e o que faz da universidade o lugar onde os modos 
alternativos do conhecer estão propensos a serem percebidos e. a 
florescer; Ele queria, em especial, separar estritamente a idéia do 
estudo universitário de quaisquer noções de que tal estudo fosse a 
continuação da política por outros meios. A separação dos lugares 
de aprendizagem é instigada pelo reconhecimento, implícito ou 
explícito, de que alguma coisa importante para nós emerge quan­
do afastamo-nos do mundo. Isso torna-se claro nos termos preci­
sos da aula inaugural de Oakeshott na London School of 
Economics em I 9 5 I , "Educação Política" (posteriormente 
reeditada sob o título Ratíonalísm in Polítícs, I 962, I 99 I ). 
Em outubro de 1 964, em resposta a um pedido da Universida­
de de Londres, Oakeshott inaugurou o programa de História do 
Pensamento Político no Departamento de Administração Gover­
namental, um entre os novos programas de pós-graduação de um 
ano (conduzindo ao diploma de Mestre em Ciência, MSc) que 
serviram de alternativas à tradicional formação de dois anos em 
SOB R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS ENSA IOS 
33 
pesquisa. Essa nova pós-graduação seria completada em um perío­
do de doze meses (de outubro a outubro) por meio de trabalhos 
do curso efetuados ao longo de um ano acadêmico, seguido por 
um período de estudos de verão e uma série de exames realizados 
no outono seguinte. 
O formato desse programa personificava a abordagem de 
Oakeshott ao estudo do pensamento político em uma universida­
de, sua opinião sobre o que é a educação universitária e como o 
estudo da política se encaixa no contexto da universidade. Para ele, 
isso significava considerar a política histórica e filosoficamente sepa­
rada de compromissos de resolver problemas ou debates políticos. 
O estudo da política em uma universidade é, para Oakeshott, uma 
atividade categoricamente diferente de todas as práticas
, 
da vida 
política. Ele considerava impróprio para a universidade a "teoria 
política" entendida como o compromisso de direcionar idéias ge­
rais para a defesa de posições ou de diretrizes políticas. Ele tam­
bém classificava como impróprio o estudo da história tendo em 
vista as supostas lições que poderia fornecer sobre o que fazer e o 
que não fazer nas atuais circunstâncias políticas. 
Oakeshott sabia, é claro, que a teorização prática, a análise 
moralizante da história e o uso ideológico da filosofia ocorrem o 
tempo todo; é difícil imaginar a política como a conhecemos sem 
essas atividades que a acompanham. Para ele, contudo, a univer­
s idade é um lugar especial de aprendizagem, propositadamente 
situado fora da vida política. É um lugar onde se pode buscar um 
entendimento diferente a respeito do que a prática da vida polí­
tica nos revela sobre a condição humana. Isso não supera - nem 
pode superar ou substituir - as dificuldades de atender às solici-
M I C H A E L Ü A K ESHOTT 
34 
tações da vida prática. O estudo de política em uma universidade 
pode iluminar os eventos que ocorrem na atividade política, mas 
não pode direcionar políticas; ao contrário, quando estudantes 
de política ingressam na política, a política irá sujeitá-los a suas 
próprias contingências. 
Quando Oakeshott discutia a "história do pensamento políti­
co" , ele queria mostrar o que significa estudar o pensamento polí­
tico em uma universidade como um historiador estudando a his­
tória do pensamento sobre a política. Muito do trabalho no pro­
grama MSc de História do Pensamento Político introduzia os alu­
nos a essa compreensão. O primeiro período do ano acadêmico tra­
tava da questão de como ver a história; o segundo período tratava de 
diferentes tipos de explicaç�es na ciência, filosofia e antropologia; o 
terceiro período lidava com a questão de o que é política. 
Os ensaios sobre história contidos nesta obra são destilações de 
várias versões das palestras que Oakeshott deu ao longo dos anos 
no seminário geral do programa de História do Pensamento Polí­
tico. Para aqueles que estão familiarizados com os escritos iniciais 
de Oakeshott sobre história, ficará claro que os ensaios aqui conti­
do� tinham a intenção de resumir seu pensamento para seus anti­
gos alunos, bem como de responder às críticas de suas idéias sobre 
história previamente publicadas. Tipicamente, Oakeshott não res­
pondia diretamente aos críticos de seu trabalho, embora estivesse 
perfeitamente consciente das críticas que eles haviam expressado. 
Em vez disso, ele refletia sobre as críticas e incorporava as respos­
tas a elas em ensaios subseqüentes, ou em subseqüentes versões de 
ensaios, modificando com freqüência suas formulações prévias, ge­
ralmente sem identificar os críticos aos quais estava respondendo. 
S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S 
35 
O pensamento de Oakeshott sobre o caráter da filosofia, o estu­
do histórico e a lei são temas recorrentes que remetem a Experiência 
e Seus Modos ( 1 933), a seus ensaios e aulas sobre a história do pen­
samento político em Cambridge na década de 1 930, a suas pales­
tras na LSE na década de l 9 50 e ao ensaio de l 9 58, "The Activity 
of Being an Historian" ["A Atividade de Ser um Historiador"] , 
mais tarde reeditado em Racionalismo na Política. Acima de tudo, 
Oakeshott queria evitar "um espúrio foco acadêmico em qualquer 
interesse político que possa estar ao redor", o uso da sala de aula 
para promover programas ou políticas " ideais", isto é, fazer pro­
paganda (Rationalism in Politics, Liberty Fund, 1 9 9 1 , 'p. 208). Ele 
não gostava do comprometimento da universidade enquanto uni­
versidade pela introdução da educação vocacional. Mas sabia, é 
claro, que todos os lugares que chamamos universidade na realida­
de comprometem-se com as inúmeras e conflitantes aspirações de 
seus habitantes. 
O estudo do pensamento político é normalmente centrado no 
estudo dos textos principais ou dos grandes livros de filosofia po­
lítica. O que tornava o programa de Oakeshott incomum é que ele 
postergava a análise das grandes obras de filosofia política até que 
a investigação do caráter do estudo histórico e de outras modali­
dades de pesquisa acadêmica - como Oakeshott as entendia - ti­
vesse sido bem estabelecida. Ele queria que os alunos aprendessem 
um modo de pensar e avaliar que não partisse da suposição de que 
faziam isso para equiparem-se com injunções práticas sobre con­
duta política. Ele queria que os alunos não vissem as grandes obras 
como repositóriosde informações de uso prático (embora, natu­
ralmente, elas possam ser - e freqüentemente são - vistas dessa 
M I C H A E L Ü A K ES H O T T 
forma), mas como introduções a modos de pensar - "linguagens" , 
em vez de "literaturas", conforme ele diz (Rationalísm ín Polítícs, 
Liberty Fund, 1 99 1 , pp. 209-210). 
Por outro lado, Oakeshott não assumia a visão historicista de 
que grandes obras podem ser entendidas apenas como "produtos 
de sua época". Seu interesse não era explicar o pensamento ou 
reduzi-lo a uma mera evidência sociológica. Historicismo é uma 
doutrina sobre o que o estudo do passado nos revela, e não, neces­
sariamente, a conclusão da atividade do historiador. Ele via os tra­
balhos do mais grosso calibre falando através dos séculos no per­
pétuo diálogo dos filósofos - e, embora fossem ocasionados por 
seu tempo e lugar, não podiam ser confinados a seu tempo e lugar. 
Para ele, o ponto mais importante a ser estabelecido é que filosofia 
e história buscam explicar o mundo filosoficamente e historica­
mente; aceita-se que essas investigações sejam bem-sucedidas des­
de que deixem de lado alegações de competência para interferir no 
mundo ou para transformá-lo. 
As "linguagens" apropriadas à universidade são chamadas por 
Oakeshott de "linguagens explanatórías" : história, filosofia, ciênci­
as, matemática. Em contraste, atividade política, expressão poética 
e conduta moral são linguagens que expressam opiniões, crenças, 
ideais, aspirações, esperanças, medos, estratégias para preservar ou 
mudar, convicções· e compromissos, sentimentos, desejos e aver­
sões. É claro, essas linguagens surgem dentro da universidade, mas 
não são elas que distinguem a universidade de outras coisas. As 
linguagens explanatórias podem ser usadas para explicar os discur­
sos dessas outras coisas, como modos expressivos para entendê-las 
de uma forma que elas próprias não aceitam. Contudo, os argu-
S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 
37 
mentos da política, a expressão do sentimento poético, a promul­
gação de perspectivas morais não são, na opinião de Oakeshott, 
"explanações". Assim, o estudante universitár.io que deseja estudar 
política deveria aprender os "modos de pensar e falar de um histo­
riador e filósofo" ( Ratíonalísm ín Polítícs, Liberty Fund, I 99 I, p. 2 I 2 ). 
Por exemplo, estudar o Levíatã, de Hobbes, é aprender como pensar 
filosoficamente sobre questões identificadas por Hobbes como 
sendo essenciais para a política, e reconhecer que Hobbes está res­
pondendo filosoficamente a Platão, Aristóteles e aos �cadêmicos, 
bem como procurando explicar as circunstâncias da Inglaterra e da 
Europa nos anos I 640. 
Assim, é incumbência dos professores universitários não ensinar 
simplesmente com base no que por acaso for sua atual preocupação 
prática, ou a de seus alunos. Sabemos que Hobbes e outros filósofos 
não escondiam sua preferência por certas disposições políticas, mas, 
na medida em que se engajaram no discurso filosófico, na visão de 
Oakeshott eles estavam seguindo as implicações de suas explicações 
sobre os acontecimentos. Um filósofo, afirmava Oakeshott, "jamais 
se preocupa com a condição das coisas, mas somente com uma ma­
neira de explicar, e em reconhecer que a única coisa que importa em 
um argumento filosófico é sua coerência, sua inteligibilidade, seu 
poder de iluminar e sua fertilidade" (Ratíonalísm ín Polítícs, p. 21 5). 
Isso pode muito bem significar que a maioria de todos os trabalhos 
é uma mistura de explic�ções filosóficas ou históricas e preocupa­
ções práticas; essa é a condição comum do discurso humano. Mas 
Oakeshott queria apontar a diferença entre uma coisa e outra, e aju­
dar seus alunos a desenvolver a capacidade de avaliar os diferentes 
modos de entender do ser humano. 
M I C H A E L Ü A K E S HOTT 
Por exemplo, o passado do historiador é um tipo especial de 
passado, produzido como resultado de uma notável e relativa­
mente moderna conquista que requer "emancipação da postura 
1 
primordial e quase que exclusivamente prática da humanidade" 
(Rationalism in Politics, p. 17 1 ). Na verdade, libertarmo-nos da pos­
tura prática é "uma conquista extremamente difícil", porque "nos­
so interesse predominante não está na 'história' , mas apenas na 
política retrospectiva" ( Rationalism in Politics, p. l 8 I ), e porque o 
passado prático e o julgamento moral da conduta no passado 
não são "os inimigos da humanidade, mas apenas os inimigos 
'do historiador"' ( Rationalism in Politics, p. I 80). O passado práti­
co perseguido pela maioria "repete com autoridade espúria as 
expressões colocadas em sua boca" ( Rationalism in Politics) p. I 8 I ) . 
O passado histórico, ao contrário, é "um mundo complicado" , 
sem unidade de sentimentos ou contornos precisos; seus eventos 
não apresentam um padrão genérico ou um propósito, não con­
duzem a lugar algum, não apontam para nenhuma condição 
favorecida do mundo e não apóiam nenhuma conclusão prática" 
( Rationalism in Politics, p. I 82 ). 
No modo de pensar de Oakeshott, tal "conclusão do historia­
dor" é compatível com a idéia platônica/ agostiniana de que o sig­
nificado não é constituído no interminável curso dos eventos tem­
porais, mas em outra parte. Sua conclusão não é nem
.
niilista, nem 
desesperadora; pode parecer ass im para aqueles que, preocupados 
com os aspectos práticos da vida, esperam que o fluxo dos aconte­
cimentos deva atingir coerência ou finalidade. Mas para Oakeshott 
isso s ignifica apontar indiretamente - ou aludír a - possibilidades 
obs.curecidas pela predominância da vida prática, e encorajar indi-
S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S 
39 
víduos a exercer a liberdade de dizer o que as coisas significam 
para eles. Além das liberdades práticas de ordem política e econô­
mica, um assunto sobre o qual ele tinha muito a dizer, em ensaios 
como "A Regência da Lei", incluído nesta obra, e "The Political 
Economy of Freedom" ["A Economia Política da Liberdade"] , em 
Rationalism in Politics, existe a liberdade associada a um entendimen­
to mais profundo das ilusórias e por vezes obscuras possibilidades 
humanas, que são percebidas não apenas na vida prática, mas além 
- e muitas vezes apesar - dela. 
M I C H A E L Ü A K ES H OT T 
Sobre a História 
TRÊS ENSAIOS SOBRE A HISTÓRIA 
I 
Presen te) Futuro e Passado 
palavra "história" é ambígua, 
e é comumente usada em pelo menos dois sentidos diferentes. Em 
um deles, responde pelo grande total nocional de tudo o que acon­
teceu na vida dos seres humanos, ou pela passagem de ocorrências 
de alguma forma relacionadas que se distinguem nesse grande to­
tal por serem especificadas etp. termos de lugar, de tempo e de 
identidade substantiva. Esse significado aparece em expressões como 
"a história do mundo", "a história dos judeus", "a história da 
Suíça", ou "a história do surgimento do Banco da Inglaterra". Aqui, 
o adjetivo "histórico" significa o que de fato aconteceu naquele 
lugar e naquela época em relação a essa identidade, saibamos ou 
não alguma coisa a respeito dela. E os "criadores" dé tal "história" 
I 
são os que participaram das ocorrências. 
Em um outro sentido, "história" corresponde a um certo tipo de 
investigação, e um certo tipo de entendimento, da passagem de algu­
mas dessas ocorrências; o compromisso e as conclusões de um his­
toriador. E esse significado aparece em expressões como "um dicio­
nário histórico da língua inglesa", ou "ao ler Ranke ou Maitland 
' 
sentimo-nos na presença de uma notável imaginação histórica", ou 
"uma história da Inglaterra" . Aqui, o adjetivo "histórico" denota 
S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 
43 
uma investigação que, seja o que for que pensemos sobre a verdade 
ou confiabilidadede suas conclusões, é reconhecida, com base em 
certas características, como sendo uma investigação histórica, e não 
uma outra espécie de investigação; isso denota o tipo de entendi­
mento alcançado ao longo de tal investigação. E, aqui, a "história" é 
reconhecida como sendo "feita" não por aqueles cujas palavras ou 
feitos estão sob investigação, mas por um historiador. 
Esses dois significados são distintos, mas não discrepantes. Eles 
são colocados e mantidos juntos em uma expressão como Romische 
Geschichte de Mommsen, que significa (ou pretende s ignificar) um en­
tendimento das ocorrências estabelecido por Momrnsen como re­
sultado de um certo tipo de investigação, a saber, a investigação 
que distingue um historiador. Momrnsen não participou da cons­
trução da República Romana, mas pode-se dizer que ele é um dos 
criadores da história da República Romana. 
Meu interesse aqui é o segundo significado de "história", a his­
tória como uma investigação e com o caráter de uma investigação 
histórica. Usarei a palavra "história" para designar um modo 
distinguível de investigação, e a expressão "entendimento históri­
co" para identificar um modo distinto de entendimento. E por 
modalidade de investigação refiro-me às condições de relevância 
que constituem um tipo distinto de investigação, e o diferencio 
tanto do inconseqüente apalpar na confusão de tudo o que possa 
estar ocorrendo quanto de investigações igualmente distintas, mas 
de outros tipos. Essas condições de relevância são, naturalmente, 
formais, mas, se 'não houver nenhuma, se não existir uma modali­
dade específica, não poderá haver investigação, e, assim, não existi­
rão as conseqüentes conclusões. 
M I C H A E L Ü A K ES H O T T 
44 
Um modo de entender, portanto, não é meramente uma pos­
tura ou um ponto de vista. É uma maneira autônoma de enten­
der, especificada por condições exatas, e que é, logicamente, in­
capaz de negar ou de confirmar as conclusões de qualquer outro 
modo de entender, ou mesmo de fazer qualquer discurso rele­
vante a respeito. E o que estou procurando são as condições de 
relevância por meio das quais uma investigação pode ser reco­
nhecida como "histórica" . 
Há duas objeções comuns a esse projeto que podem ser percebi­
das neste ponto, porque ambas constituem advertências para que o 
projeto nem sequer seja levado a cabo. Primeiro, é dito que a investi­
gação histórica é uma invenção humana; que não é encontrada em 
lugar algum exceto nos escritos de supostos historiadores; que esses 
escritos, longe de apresentar um caráter uniforme, exibem uma gran­
de variedade de compromissos; e que não há tendência discernível 
nos variáveis estilos de investigação histórica que possa nos levar a 
considerá-los estágios do caminho para alguma condição definitiva, 
ou que são insignificantes desvios circunstanciais dessa condição. 
Ou, ainda, como um escritor sugere, a investigação histórica não é 
um "modo de pensar" distinto, mas deve ser vista como "o lar co­
mum a muitos interesses, técnicas e tradições, projetado por aqueles 
que dedicaram toda a sua energia para estudar o passado". 
Agora, está fora de questão que a investigação histórica é inven­
ção de historiadores, e é aceitável que eles defendam a inventividade 
com a qual a buscaram no que suspeitam ser as enfadonhas aten­
ções de um Procrustes filosófico. Mas isso não quer dizer que um 
distinto caráter lógico não seja atribuído ao entendimento históri­
co, e a suspeita é inapropriada. A variedade e mutabilidade das 
SO B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 
45 
investigações e as conclusões das ciências físicas certamente não 
transformam em esforço perdido a busca de uma lógica do enten­
dimento científico. E essa identificação da investigação histórica 
como uma variedade de tarefas unidas pelo fato de terem relação 
com o passado pelo menos a reconhece como tendo algum caráter 
distinto, capaz de especificações adicionais. O que uma preocupa­
ção exclusivamente com o passado acarreta? E, além disso, os his­
toriadores não têm de temer por sua liberdade de movimentos 
dentro da morada composta por seus vários interesses e técnicas 
diante de uma tentativa de explorar a história como um modo de 
entendimento. As condições que podem constituí-la como um 
modo de entendimento não são uma fórmula para conduzir uma 
investigação histórica, nem normas premeditadas às quais a inves­
tigação deve se submeter; elas são postulados teóricos, refletidos 
em um trecho de algum escrito histórico apenas como pressuposi­
ções que as especificam como um tipo de investigação e as distin­
guem de outros tipos de investigação. 
A segunda objeção é mais ou menos a seguinte: a investigação 
histórica preocupa-se com o entendimento, ou, como dizem ( er­
roneamente, penso eu), com a "explicação". 'E, uma vez que (su­
põe-se) não pode haver modos de entender categoricamente inco­
mensuráveis, um compromisso de especificar um modo distinta­
mente histórico de entender não pode ser mais do que uma mal­
concebida tentativa de discernir na investigação histórica os prin­
cípios comuns a todos os modos de entendimento válidos. De­
pois, alega-se que o modelo de todos os modos de entendimento 
válidos é o da explicação "científica"; isto é, explicação em termos 
de "leis gerais" ou regularidades relacionadas ao que é reconheci-
M I C H A E L Ü A K ES H OTT 
do como componentes de um "processo". Conseqüentemente, a 
ocupação apropriada a qualquer pessoa preocupada com o caráter 
do entendimento histórico não é buscar uma distinção impossível, 
mas exibi-lo por meio desse exemplo. Essa visão do assunto sem 
dúvida merece atenta consideração; ela não pode, penso eu, ser 
sustentada; contudo, também não pode ser abruptamente descar­
tada. Ainda ass im, em vez de considerá-la agora, e em vez de deixá­
la dissuadir-me de meu projeto, a ela retornarei em meu segundo 
ensaio, no qual o assunto se relaciona ao que tenho a. dizer sobre 
eventos históricos e suas relações uns com os outros. 
Outras três considerações preliminares podem ser percebidas. 
Em primeiro lugar, minha preocupação aqui não é com o que pode 
ser chamado de metodologia da investigação histórica. Pode ocorrer 
que existam certos métodos de investigação apropriados, ou mesmo 
peculiares, à investigação histórica. De fato, tentativas têm sido feitas 
para formular tais métodos e apresentá-los, seja como prescrição, 
seja como critérios para avaliar as conclusões substantivas de uma 
investigação histórica. Mas, qualquer que possa ser o status de tais 
métodos, eles não são o que considero condições ou postulados que 
distinguem a história como um modo de entendimento. 
Em segundo lugar, não estou preocupado com o que às vezes é 
chamado de "sociologia" da investigação histórica; isto é, a avalia­
ção de um suposto texto histórico com base na maneira pela qual 
ele reflete as atuais circunstâncias de um historiador, suas tendên­
cias, seus preconceitos, suas lealdades, sua percepção das necessi­
dades atuais e quaisquer "preocupações" ou propósitos ulteriores 
que possam tê-lo levado a escolher seu compromisso pessoal. Por 
exemplo, por que Gibbon abandonou seu pro;eto de escrever uma 
S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N SA I O S 
47 
história da Suíça e voltou-se para o declínio e a queda do Império 
Romano, ou o que atraiu a atenção de MOmmsen para a Roma Im­
perial, ou a de Ranke para a Inglaten:a do século dezessete? Qual 
estrutura de circunstâncias contemporâneas pode ser invocada para 
explicar o florescimento da investigação histórica relacionada com a 
história "constitucional" e "econômica" da Inglaterra no fim do 
século dezenove, ou da atual preocupação dos Estados Unidos da 
América com a história da "escravidão", antiga e moderna? Consi­
derações dessa espécie,que estão relacionadas com a escolha de com­
promisso do historiador, e que podem ofuscar sua investigação, su­
gerem linhas até então inexploradas de investigação - ou, por outro 
lado, condici�:mam o rumo que elas tomam -, e são parte de minhas 
preocupações. Seja qual for o significado que possam ter como indi­
cadores do alcance da imaginação do historiador, elas não podem 
ser aduzidas para apoiar ou qualificar a argumentação de que sua 
investigação seja, de fato, histórica, e não de algum outro tipo. Tam­
bém não estou preocupado com a "história" da investigação históri­
ca; isto é, discernir e tentar considerar historicamente as mudanças 
no projeto ou na prática historiográfica. Preocupo-me com o que 
talvez possa ser chamado de lógica da investigação histórica, sendo a 
palavra "lógica" entendida como uma preocupação não com a ver­
dade das conclusões, mas com as condições pelas quais elas podem 
ser reconhecidas como conclusões. 
Em terceiro lugar, um modo de entender não pode ser especifi­
cado em termos dos chamados tópicos ou assuntos; aqui, como 
sempre, as condições de entendimento especificam o que vai ser 
entendido. Isso não ocorre porque a�gumas coisas têm histórias e 
outras não, mas porque ter uma história é ter sido dotado de uma 
M I C H A E L Ü A K ES H OT T 
ao ser entendido de determinada maneira. E minha preocupação é 
especificar as condições de um modo de entender que dota de 
historicidade seja o que for que houver para ser entendido. 
Agora, a palavra "história" denota um compromisso de investiga­
ção que emergiu sem a premonição das indiscriminadas apalpadelas 
da inteligência humana, e veio a adquirir uma forma identificável. 
Assim como outros desses compromissos, ou engajamentos, sua for­
ma é um tanto indistinta. Seus praticantes são notoriamente genero­
sos; eles têm sido capazes de manter as portas abertas a todos os 
que, aparentemente, possuem preocupações similares, de modo a 
dar boas-vindas e acomodar uma miscelânea de empreendimentos 
intelectuais e encontrar virtudes em sua variedade. Ainda assim, vis­
to nesse nível - e mesmo quando reconhecido meramente em ter­
mos das direçõ,es das investigações seguidas por escritores geralmen­
te tidos como historiadores -, não se trata de um compromisso de 
todo indiscriminado. Há algumas marcas que o identificam, algu­
mas idéias organizadoras características e um vocabulário de expres­
sões ao qual concedeu significados especializados: "passado", "acon-
. " " ' - " " " " " " d " , r tecrrnento , s1tuaçao , evento , causa , mu ança , e por a1 ara-
ra. Da maneira como chegam a nós, essas marcas de identificação 
são muitas vezes obscuras e ambíguas. Mesmo assim, reconhecê-las 
equivale a fazer nossa primeira tentativa de, às apalpadelas, distin­
guirmos e apossarmo-nos de um modo de investigação em vigor, e 
são com elas que a tarefa de deduzir a lógica do entendimento histó­
rico deve começar. Esse é um empreendimento teórico planejado 
não apenas para construir um modo de entendimento distinto, coe­
rente e ideal com base nas condições a ele necessárias, mas também 
para sustentar a argumentação de que isso pode ser apropriadamen-
S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS ENS A I O S 
49 
te reconhecido como um modo de entendimento "histórico" ao se 
relacionar as condições necessárias às marcas identificadoras que con­
cedem a essa atual e contingente maneira de investigação sua forma 
um tanto indistinta. E é a partir daí que podemos começar. 
Assim sendo, proponho que iniciemos identificando história como 
um modo de investigação e de entendimento relacionado a uma idéia 
do passado, uma idéia de um evento e de algum relacionamento signi­
ficativo a ser estabelecido entre os eventos, e uma idéia de mudança. 
Não se está sugerindo que isso seja uma lista completa dos termos de 
um entendimento histórico; há outros que virão à tona ao se considerá­
los. Nem tampouco alega-se que, do modo como estão e sem maiores 
especificações, eles se combinam para constituir um distinto modo de 
entendimento histórico, ou qualquer modo de entendimento catego­
ricamente distinto; isso pode aparecer (se aparecer) apenas em determi­
nações · posteriores dessas expressões. Assim, proponho tornar mais 
tratável a questão "qual é o caráter do entendimento e da investigação 
histórica?" resolvendo-a por meio das questões: "quais significados 
precisos e distintos podem ser atribuídos às expressões 'passado histó­
rico', 'mudança histórica', 'evento histórico' e 'relação histórica entre 
eventos"'? E, embora eu deva considerar essas questões sucessivamen­
te, nenhuma pode ser plenamente respondida até que todas sejam res­
pondidas. Começarei com a noção de "passado histórico". 
2 
Estamos preocupados com a consciência que temos do passado 
e, dentro dela, com o caráter de uma consciência "histórica" 
1 
distinguível do passado. 
M I C H A E L Ü A K ES H O T T 
50 
O mundo para o qual abro rrÍeus olhos é inequivocamente pre­
sente. Se me postar numa esquina e descrever para mim mesmo o 
que percebo, estarei falando comigo no tempo presente. Mas, mes­
mo para mim, um espectador relativamente despreocupado, esse 
presente pode ser (e geralmente é) qualificado por uma consciên­
cia do futuro, do passado, ou tanto do futuro quanto do passado. 
Um homem está parado junto ao meio-fio, e se isso é tudo o 
que percebo, então o presente não está significativamente qualifi­
cado. É claro, o que percebo está acontecendo; o tempo passa. 
Mas o que estou observando é um presente contínuo no qual a 
passagem do tempo não é marcada por nenhuma mudança per­
ceptível, ou mesmo uma sugestão de movimento. Por outro lado, se 
o que percebo é um homem parado junto ao meio-fio esperando 
para atravessar a rua ou aguardando um encontro, então o presente é 
qualificado por uma consciência do futuro. E essa consciência do 
futuro não é evocada ao negligenciar-se o presente ou ao deixá-lo de 
lado, mas ao observá-lo com exatidão. Nada tenho a recorrer além 
da percepção do presente e da experiência relembrada com a qual 
essa percepção é alimentada, e o futuro é evocado pela maneira como 
o homem está parado, talvez o movimento de seus olhos, na percep­
ção do empenho ou da expectativa. É uma situação de movimento 
incipiente: um futuro do infinitivo. E o fato de que nessa ocasião eu 
posso estar enganado é, naturalmente, irrel�vante. Futuro, nesse caso, 
é um entendimento do presente em termos da mudança cuja suges­
tão nele podemos perceber. 
Volto minha atenção para outra parte e percebo um homem 
manquejando com uma perna de pau; e se isso é tudo o que perce­
bo, o presente não está significativamente qualificado. O homem 
S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 
51 
certamente se move, ele passa por mim, e há futuro para observar 
se eu estiver disposto a isso. Aonde ele está indo? Mas , no que 
diz respeito ao fato de ele possuir uma perna de pau, o homem é 
um presente contínuo. Por outro lado, se o que eu percebo é um 
homem que perdeu uma de suas pernas e a substituiu por uma de 
madeira, então o presente foi qualificado pelo passado. E essa 
consciência do passado é evocada não por negligenciar-se o pre­
sente, mas por uma leitura do presente que evoca o passado, ex­
presso na palavra "perdeu" . Passado, então, é um entendimento 
do presente em termos de uma mudança que, conforme se pode 
perceber, ele registra ou conserva. 
Sem dúvida, existem alguns acontecimentos que, embora sejam 
reconhecidos como presente, tendem a evocar o futuro em vez do 
passado: os horários de uma estação ferroviária, que lemos em ter­
mos de "o que isso diz sobre o que podemos esperar". E há outros 
que tendem a evocar o passado: horários desatualizados de uma 
estação ferroviária. Mas não há presente incapaz de evocar futuro

Outros materiais