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H N a atividade política, os homens navegam num mar ilimitado e . sem fundo; não há nem um porto pata abrigar, nem uma ensea da para ancorar, nem um ponto de partida, nem um destino determinado. Trata-se de permanecer flutuando numa quilha lisa; o mar é amigo e ini migo ao mesmo tempo, e a habilidade náutica consiste em saber empregar os recursos de um comportamento tradicional de modo a transformar ca da ocorrência hostil num amigo", escreveu Michael Oakeshott em Racionalismo e política (I962). Surpreendente para quem espera de um filó sofo político a afirmação de algum princípio racional, como a liberdade, a justiça ou a igualdade, a tese do historiador inglês - de que devemos nos preocupar com o que realmente acontece e não com o que deve ser feito - está presente em todo os seus livros, como Hobbes e a associafãO civil, Da conduta humana, Importância do elemento histórico na cristandade e Sobre ser conservador. Em Sobre a História, originalmente publicado em I983, Oakeshott reúne cinco ensaios que abordam por esse mesmo prisma temas centrais da ciência política, como a natureza da História, o primado da lei e a luta pelo poder inerente à condição humana. Para o autor, o esforço para entender o passado sem uma motivação ulterior é o que distingue o historiador de todos aqueles que baseiam suas pesquisas na busca de soluções para problemas práticos do presente. Três ensaios são sobre historiografia: "Presente, futuro e passado"; "Eventos históricos: o fortuito, o casual, o similar, o correlato, o análogo e o contingente" e "Mudança histórica: identidade e continuidade". Comple mentam o volume "A regência da lei" e "A torre de Babel". No primeiro, Oakeshott analisa um aspecto essencial daquela que seria uma relação ideal entre os homens. O segundo discute as diversas versões do episódio bíblico e as diferentes formas como ela foi interpretada e apropriada. Sobre a História - que o Liberty Fund, em convênio com a Topbooks, en trega agora ao leitor brasileiro, em edição enriquecida por um ensaio do his toriador Evaldo Cabral de Mello - foi o último livro publicado em vida por Oakeshott. Há 70 anos, quando se editou seu primeiro e surpreendente en saio, Experience and its modes ( I 933 ), R. C. Collingwood escreveu numa resenha: ''Tentei expor as teses do autor mais do que criticá-las, porque elas são tão importantes e profundas que a crítica deve permanecer em silêncio até que se tenha refletido longamente sobre o seu sentido. É a mais penetrante análise do pensamento histórico jamais escrita". Isso dá uma idéia da originalidade do pensamento de Oakeshott, que foi professor de Ciência Política na London School of Economics e em Cambridge. Uma das idéias seminais de Oakeshott, presente já em seu hvro de estréia, é que não se pode reduzir todos os modos de conhecimento a um sistema único e abrangente. Para ele, a filosofia e a história. bem como a ciência e a matemáti ca, constituem "linguagens, mais que literaturas". Isto é, são modos específicos de abordar e interpretar o mundo, e é na perspectiva do diálogo autêntico entre essas linguagens que se realiza a autêntica liberdade. Já a atividade palítica, a ex pressão poética e a conduta moral são linguagens que expressam opiniões, cren ças, ideais, aspirações, esperanças. medos e estratégias de vida. Para Oakeshott, o desafio específico dos historiadores é deixar de lado quaisquer preocupações de ordem prática ou ideológica em sua abordagem do passado, pois uma das maiores ilusões do ser humano é a crença em sis temas que nos levarão à perfeição final numa terra prometida. Desafio ex- tremarnente diflcil porque, gerahnente, nosso interesse predominante não está na História em si, mas na política retrospectiva, e temos a tendência a· transformar sistemas filosóficos em Evangelhos. Essa idéia é desenvolvida no ensaio sobre a torre de Babel, uma verdadeira contraparábola, usada pa ra ilustrar a tese de que a pluralidade de "linguagens" constitui a própria essência da vida civilizada; os povos de Babel, portanto, não se perdem na ininteligibilidade mútua; ao contrário: associam-se para levar adiante seu empreendimento e alcançar o paraíso. Como professor universitário, Oakeshott sempre rejeitou direcionar idéias para a defesa de posições ou diretrizes políticas, bem como a análise moralizante da História e o uso ideológico da filosofia. A História, para Oakeshott, é um modo de interpretação do mundo, uma forma de investi gação teórica que não deve aspirar a lições, mensagens, profecias ou reéo mendações para assuntos práticos. Atribuir à História essa responsabilida de moral constitui um erro do racionalismo, como bem o deJllonstraram a evocação à Providência dos autores religiosos, os imperativos dialéticos dos marxistas e as analogias orgânicas de Spengler, Toynbee ou Burke. Portanto, não se deve fazer um uso didático nem pragmático da História, isto é, não se deve tratá-la como um estoque de virtudes, vícios e lições sobre a humanidade, o que compromete sempre o genuíno conhe cimento sobre o passado. A História dos historiadores não apresenta um propósito ou padrão genérico, não aponta para lugar algum, e não conduz a nenhuma conclusão prática. Ela serve para iluminar o presente na medi da em que este é uma combinação de resíduos do passado; mas não deve ser usada como um farol para o futuro. Quando um historiador olha uma paisagem, seus olhos devem se fixar nas suas ruínas, e não nas suas poten -cialidades. Merece ser sublinhada, ainda, a distinção que o autor estabele ce entre a associação civil e a empresarial, que permeia toda a sua reflexão política. Oakeshott compara o pensamento cristão, o islâmico e o judaico e recorre a Descartes, Spinoza e Locke para desenvolver sua teoria. Michael Oakeshott se destaca entre os filósofos políticos modernos por ter levado suas dúvidas quanto aos fundamentos racionais até os limites do entendimento humano. Mas é um equívoco classificar como cético o pensa mento do historiador inglês. Ao contrário, sua compreensão da liberdade decorre da opinião de que não estamos condenados a "obter e gastar", à "dança macabra das necessidades e satisfações", e de que existem diferentes maneiras de respondermos ao mundo. A original abordagem histórica de Oakeshott foi forjada pela leitura de Sócrates, Santo Agostinho, Montaigne e Hobbes, mas ele não entendia os clássicos como repositórios de conheci mentos e lições de uso prático, e sim como introduções a modos de pensar. Oakeshott nasceu em Chelsfield, Kent, em 1901, recebeu sua educa ção básica na progressista St. George's School Harpenden e se graduou em História no Caius College, em Cambridge, em 1923. Em seguida estudou na Alemanha, nas universidades de Marburg e Tubingen, e trabalhou co mo professor de inglês. Alistou-se no exército britânico em l 940 e quatro anos depois comandava um regimento na Holanda. Voltou a Cambridge com o fmal da guerra e nos anos 50 lecionou ciência política em Oxford e na London School of Economics, onde coordenou seminários quase até completar 80 anos. Morreu em l 990, em sua casa em Acton. Michael Oakeshott Sobre a História & Outros Ensaios Michael Oakeshott Sobre a História & Outros Ensaios INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA Evaldo Cabral de Mello m� LIBERTY FUND INTRODUÇÃO Timothy Fuller TRADUÇÃO Renato Rezende TO�OKS Copyright© Topbooks/ Liberty Fund, 2003 Originalmente publicada por Ba�il Blackwell, Ox(ord. Editor José Mario Pereira Editora assistmte Christine Ajuz Projeto gráfico e capa Victor Burton &visão Clara Diament Í11diu remissivo Joubert de Oliveira Brízida EditorafãO e fotolitos Eduardo Santos Germte do programa editorial em português do Liberty Fu11d, foc. Leônidas Zelmanovitz Foto d9 autor:Kcn Abbott Todos os direitos reservados pcb TOPBOOKS EDITORA E DISTRIBUIDORA DE LIVROS LTDA. Rua Visconde de Inhaúma, 58 / gr. 203 - Rio de Janeiro - RJ CEP: 20091-000 Tdefax: (21) 2233-87 Í 8 e 2283-1039 www.ropbooks.com.br / ropbooks@topbooks.com.br l mprtsso 110 Brasil Sumário PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA - EVALDO CABRAL DE MELLO ............. 11 INTRODUÇÃO DE TIMOTHY FULLER ..•.•..•...••..•••..•••...••..••..••.......•...•.•..•...... 2 7 TRÊS ENSAIOS SOBRE A HISTÓRIA I - Presente, Futuro e Passado ............................................................. . . 43 II - Eventos Históricos O fortuito, o causal, o similar, o correlato, o análogo e o contingente .............................................................. 99 III - Mudanç _ a Histórica Identidade e continuidade ........................................................................... I 63 A REGÊNCIA DA LEI .................................................................................... I 9 I A TORRE DE BABEL ..................................................................................... 249 ÍNDICE REMISSIVO ............................................ .' ........................................... 285 · . . ..- . ) :. Para todos que, ao longo dos anos, têm sido membros do seminário de história do pensamento político na London School oj Economics INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA . A Mudan_ça da Mudan_ça Evaldo Cabral de Mello ichael Oakeshott e R. G. Collingwood foram os mais expressivos representantes da filosofia crítica da história na Inglaterra do século XX, ao reatarem com F. H. Bradley e ao romperem com a tradição positivista e empiricista que condicionou ali a reflexão sobre o conhecimento do passado. Collingwood fê-lo originalmente estimulado pela influência italiana de Vico e de Croce, Oakeshott, pela do seus estudos em Tubingen e em Marburgo, meca dos neokantianos, na Alemanha dos anos vinte. É de lamentar que, no Brasil, a filosofia crítica da história de língua inglesa seja escassamente conhecida. Basta dizer que a presente edição de On History and Other Essays é a primeira obra de Oakeshott a merecer tradução brasileira. Quanto a Collingwood, só é lido na velha edição de The Idea oJ History, compilada pouco tempo depois do seu falecimento em I 943 por T. M. Knox, que estranhamente não incorporou textos fundamentais que se encontravam entre os papéis do filósofo. E , contudo, tanto o pensamento de Collingwood quanto o de Oakeshott são um corretivo indispensável às tendências que dominaram a filosofia crítica da história no decorrer do século XX, a da filosofia alemã herdeira de Dilthey, Rickert e Weber; e a da teoria nomológico- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü UTROS E N S A I O S II dedutiva; e, o que é mais importante, correspondem de perto à realidade da prática historiográfica. Em 1 933 , Oakeshott publicou Experience and Its Modes, o que lhe valeu, ainda j ovem, grande nomeada no meio univers i tário. Collingwood, que não era homem de elogios fáceis, reputou-a "o preamar da reflexão inglesa em matéria de história" . A tese central do livro é a de que a apreensão da realidade faz-se de diferentes maneiras, cada uma das quais constituindo um universo de discurso, que, ademais, é irredutível e, portanto, inassimilável pelas outras ou por uma única maneira ou discurso. Na definição de Oakeshott, cada modalidade representa "a experiência humana reconhecida como uma variedade de categorias de discurso independentes e autoconsistentes, todas elas uma invenção da inteligência humana, mas todas também compreendidas como abstração e interrupção da experiência humana" . Embora em princípio as modalidades sejam inúmeras, Oakeshott concentrou-se em quatro, a história, a ciência, a prática e a estética, recusando-se, porém, a estabelecer qualquer hierarquia entre elas. A história exerceu uma fascinação perdurável sobre a filosofia de Oakeshott, mesmo quando abandonou relativamente cedo na v ida suas funções de profes sor as s is tente de h i s tór ia na Univers idade de Cambridge para ensinar filosofia política, área a que dedicou o melhor da sua atividade intelectual. Basta observar as referências a obras historiográficas com que o leitor topará nestas páginas , referências que indicam a abrangênc ia e a atualidade das suas leituras. Após a publicação de Experience and Its Modes, Oakeshott escreverá dois importantes textos sobre a história, em 1 958 'A atividade de ser um historiador', incluído M I CHA E L Ü A K ESHOTT 12 na coletânea intitulada Racionalism in Politics; e os três primeiros ensaios que formam Sobre a Hi;tória, baseados nas suas lições de história do pensamento político na Universidade de Londres, lições em que teve a oportunidade de repensar, refinar e ampliar as formulações contidas nos trabalhos precedentes. O interesse de Oakeshott concentra-se, portanto, na história como modo distinto de entendimento, o que equivale a dizer que a sua é uma filosofia crítica da história, isto é, do conhecimento histórico, não do passado histórico. História neste contexto não é a narrativa da experiência humana através dos séculos, mas uma modalidade específica de conhecimento, cujos pressupostos necess itam ser explorados, sem resvalar para uma metodologia da investigação histórica e muito menos sem ambicionar impor regras ao historiador. Oakeshott parte da distinção fundamental entre o que designa por passado prático e passado histórico, que se diferenciam pela sua vinculação ao presente. A evocação do passado que se contém num e noutro pressupõe procedimentos diversos. A existência quotidiana comporta indefectivelmente referências a muitos passados, a começar pelo passado encapsulado, que é o somatório de todas as experiências do indivíduo e que mantém com ele uma relação que independe da rememoração, como na herança genética. O passado também pode ser o passado lembrado, que é o da memória involuntária, digamos como em Proust; e um passado consultado, que pode ser trazido à tona da consciência mediante um esforço deliberado, como na psicanálise. Lado a lado com estes passados, o presente incorpora igualmente os vestígios materiais . . que encontramos na paisagem, nos museus e nos arqmvos, uma S O BR E A H I STÓR IA & Ü U TROS E N S A IOS 13 ponte romana, um quadro do século XVIII, o documento de um acervo, um livro de memórias, todos capazes de serem estimados pe los divers os ângulos do prazer contemplat ivo, da sua instrumentalização para fins práticos ou do incentivo que proporcionam ao conhecimento humano. Todos esses passados compõem o passado prático, que pode ser definido como o passado do presente-futuro, ou dito de maneira menos abstrusa, o passado que pode ser manipulado pela ação humana com vistas à realização de objetivos vitais. Lembra, contudo, Oakeshott que o passado prático não é o único, malgrado o que pretenderia uma filosofia da existência de sabor heideggeriano, para quem os universos do discurso decorreriam todos do discurso da atividade prática. Foi precisamente a incomunicabilidade dos universos do discurso que criou a possibilidade de uma compreensão do passado histórico na sua autonomia relativamente ao passado prático, permitindo o aparecimento do ofício de historiador e as ciências históricas na sua autonomia e especificidade. Passado prático e passado histórico têm, porém, em comum o fato de começarem no presente. O presente de um historiador consiste na sua convivência regular e profissional com os vestígios do passado, ou, como ele preferiria dizer, com suas fontes. A peculiaridade do entendimento histórico é a exclusiva preocupação com o passado, pois oentendimento prático só parcialmente ocupa-se dele, ao passo que o entendimento estético nunca o faz. Em termos de ação, o presente está povoado de uma multidão de objetos encarados como aptos a satisfazerem as necessidades humanas, inclusive no caso daqueles objetos que são vestígios do passado e que satisfazem nossa inclinação estética, como a escultura grega. Por outro lado, M I CHA E L Ü A K ESHOTT em termos de conhecimento histórico, o presente do historiador compõe-se de objetos que, sobreviventes de épocas anteriores, proporcionam o único acesso a elas. É certo que o presente do historiador também contém objetos que se caracterizam por sua utilidade, qual sej a, o computador em que trabalha; e é certo também que ele pode levar a cabo seu estudo tendo em vista a publicação de um livro ou o atendimento de compromisso editorial, mas tais condições são irrelevantes. Oakeshott denomina passado registrado ao conjunto desses objetos, que corresponderam no seu tempo a realizações humanas, e que, como tais, foram manifestações performativas de um presente-futuro passado de compromisso prático. O pote que estuda o especialista na civilização minóica foi originalmente fabricado no propósito de suprir água a um indivíduo e sua família; o relato de uma guerra civil foi redigido para defender a posição de um dos lados na disputa frente à autoridade superior que detinha a última palavra sobre a questão. Mas essas manifestações per formativas também podem ter sido expressões 'desinteressadas', como uma reflexão filosófica, um poema ou uma obra de arte. Não esqueçamos, porém, a distinção entre passado registrado e passado prático. O passado prático não pode aspirar a ser passado nem pode libertar-se da sua condição de presente-futuro, tendo em vista que se compõe de objetos que são estimados em termos de fins práticos, ocupando uma função concreta na existência quotidiana. O passado prático "é o conteúdo atual de um vasto depósito no qual o tempo continuamente despeja as vidas, as expréssões, as conquistas e os sofrimentos da humanidade" . Um conteúdo que é, por conseguinte, diverso do conteúdo do passado S O BR E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S registrado pressuposto pela investigação histórica. Nas palavras de Oakeshott, "o que chamei de passado prático é, pois, um presente de objetos reconhecidos como tendo sobrevivido. É um ingrediente indispensável a uma vida civilizada articulada. Mas é categori camente distinto tanto dos sobreviventes que compõem o presente de uma investigação histórica quanto de um passado historicamente entendido que deles pode ser inferido". Como quer que seja, toda investigação histórica só dispõe de uma porta para o passado, e está é a "porta dos fundos", como diz Oakeshott, do passado registrado. Mas, como veremos, ainda há um longo trajeto a percorrer que conduz do passado registrado ao passado histórico. A obscuridade que envolve o passado registrado deve ser preliminarmente dissipada para que o historiador possa encetar a etapa essencial que consiste em inferir um passado histórico de um conjunto de evidências circunstanciais, isto é, de um passado registrado, no propósito de esclarecer um problema concreto. O passado histórico tem assim outro feitio, sendo antes de tudo um passado inferido. Como Collingwood, para quem o passado histórico não é o produto da dedução ou da indução científicas mas da inferência, Oakeshott ins iste neste caráter inferencial do conhec imento histórico, que nem por isso compromete sua qualidade, de vez que a técnica historiográfica permite fazer com que as fontes 'falem', suprindo satisfatoriamente a existência de evidências diretas. A investigação histórica tem início quando, em meio ao passado registrado, o historiador detém-se num objeto não porque o considere sagrado, ou porque proporcione sabedoria, constitua um artefato útil ou de contemplação prazerosa, mas simplesmente M I CHA E L Ü A K ESHOTT porque é o vestígio de uma manifestação humana. Muitos destes vestígios são textos que relatam acontecimentos ou situações, mas eles não são jamais neutros, servindo, ademais, a responder às mais diferentes perguntas, graças ao seu caráter heterogêneo, o que constitui no que Oakeshott chama "uma fonte oblíqua de informação", prestando-se ao que Marc Bloch designava por leitura tortuosa, mediante' a qual um historiador vai à cata de informações sobre agricultura medieval num texto meramente hagiográfico, ou, vice-versa, explora a vida religiosa do período num documento de natureza fiscal. Para tanto é necessário familiarizar-se com a linguagem e a condicionalidade deste texto. Se o objetivo final da investigação é o de responder a determinada indagação, de imediato, contudo, a tarefa consiste em determinar a veracidade das informações através da acareação das fontes. Mas, ao contrário do que advogava a crítica das fontes de sabor positivista, que repudiava toda aquela que contradissesse a veracidade estabelecida através das outras, o historiador não deve jogá-la no lixo, mas perguntar por que carece de fidedignidade, pois um documento inconfiável é tão útil quanto seu oposto para o esclarecimento de um evento. Só terminada esta fase preliminar (que, com Collingwood, podemos denominar filológica) do trabalho historiográfico, a investigação especificamente histórica pode ser finahnente encetada. Em seguida, Oakeshott introduz outra importante distinção, a que diz respeito a urna 'situação' e a um 'evento' históricos, distinção que, em última análise, reduz-se à oposição entre sincronia e diacronia, embora ele não empregue jamais estes termos. O historiador tem dois caminhos pela frente. Em primeiro lugar, ele se pode deter numa ocorrência histórica, isto é, um conjunto de circunstâncias e de SOBR E A H I STÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 17 relações. Por sua vez, tais ocorrências inserem-se numa situação histórica, que é um conjunto de ocorrências contemporâneas, relacionadas entre si. Tais são as situações que o historiador costuma designar mediante etiquetas como 'a Reforma', 'a crise do século XVII' , 'a Revolução francesa', 'o Iluminismo escocês', etc. Embora a situação histórica não seja algo fantasioso ou subjetivo e proporcione certo grau de inteligibilidade histórica, seu problema reside em que ela acomoda mal a diacronia, ou seja, a mutação. Nesta ótica, mesmo quando admitidas, as mudanças tendem a ser descartadas, dando-se ênfase à estrutura, quer sob a forma de situações breves, em que elas praticamente não se verificam, seja sob a forma de fases prolongadas, do tipo da longue durée braudeliana. O leitor depara-se aqui com o que pode ser reputado a faceta mais controvertida da reflexão de Oakeshott, algo tão questionável quanto o exclusivismo de Collingwood de reduzir a ação histórica à ação racional, pretensão que, como se sabe, ainda provoca polêmicas acaloradas. Não há dúvida de que, para Oakeshott, a diacronia, não a sincronia, é o verdadeiro recurso historiográfico, uma posição insólita, de vez que, em história, a sincronia oferece recursos valiosos ao historiador, desde que não se isole nela, combinando-a incessantemente com a dimensão diacrônica. A recusa de Oakeshott em admitir que a 'situação histórica' constitua objeto legítimo do conhecimento histórico o empobreceria fatalmente e equivaleria a expulsar das estantes de história várias das obras-primas que ali se en.contram habitualmente, como A Cultura do Renascimento na Itália, de Burckhardt, O Outono da Idade Média, de Huizinga, ou A Espanha na Vida Italiana do Renascimento, de Croce, para só mencionar alguns dos precursores notáveis desse tipo de investigação. M I C H A E L Ü A K E S H OTT 18 Para Oakeshott, o conhecimentohistórico tem unicamente a ver com o que designa por 'eventos históricos' e pelas conjunções de tais eventos. Não se conclua, porém, que semelhante perspectiva redunde em privilegiar a história política, como também foi alegado contra Collingwood; ou em regressar à velha história factual. A história econômica, a história social ou a das mentalidades não são menos tratáveis em termos de diacronia do que a história polfrica ou a história diplomática. Caberia reforçar o argumento de Oakeshott, lembrando que, se o conhecimento histórico progrediu substancialmente ao assimilar métodos sincrônicos, nada obsta a que um avanço igualmente importante seja realizado mediante a análise microevenemencial de episódios econômicos, sociais ou mentais. Mesmo a história política num país como o Brasil, inclusive no tocante a um campo que tem toda a aparência de ter sido exaustivamente explorado, como a história da Independência, está longe de haver sido submetido a um exame verdadeiramente rigoroso das suas concatenações temporais. Retornando à argumentação de Oakeshott, o estudo do evento histórico é algo bem diferente do estudo da situação histórica, já não se tratando de explicar um passado de sincronias, mas um passado de diacronias inter-relacionadas. Os eventos, escusadQ assinalar, relacionam-se intrínsecamente no tempo, sob a forma de antecedentes e subseqüentes, a qual, ao contrário da velha historiografia, nada tem a ver com o binômio causas e conseqüências. A antecedência não constitui por si mesma uma relação significativa, cabendo ao historiador determinar na série de antecedentes a conexão (ou a 'passagem de eventos', na linguagem de Oakeshott) que se ache significativamente relacionada ao subseqüente. Trata-se, portanto, SOBR E A H I STÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S de transformar não arbitrária ou apenas cronologicamente um evento subseqüente em conseqüente, evitando o post hoc, propter hoc, ou então a salada de antecedentes, que o historiador costuma muitas vezes cozinhar, em que tudo tende a ser indiscriminadamente relevante. Como não lhe interessam as relações externas entre eventos, decorrentes de causas, fins, acasos, correlações, analogias, ele deve rejeitar as explicações deste gênero, a começar pelo tipo de relação convencionalmente privilegiada, a causalidade. Malgrado o esforço de desclassificá-la levado a cabo pela filosofia da história nos últimos cem anos, causa ainda é um dos vocábulos fundamentais da historiografia. A busca da causalidade em história manifesta-se, em primeiro lugar, sob a forma da explicação de eventos pelo funcionamento de leis da história ou mediante o conceito de processo histórico, ou leis de mudança da história. Há, contudo, um abismo infranqueável, uma incompatibilidade radical entre estas leis e o feitio contingente dos eventos a que elas pretendidamente se aplicariam. A aplicação das leis em história também assume a forma das teorias de Popper ou de Carl G. Hempel, a da explicação nomológico-dedutiva, que já não se propõe a descobrir as leis da história ou do processo histórico, mas atém-se a subordinar determinado evento ou eventos a leis de natureza lógica. Para Oakeshott, a teoria nomológico-dedutiva é insustentável devido precisamente a que em história os eventos não são observados empiricamente, mas, como mencionado, inferidos de vestígios que sobrevivem no presente do historiador, que não pode, por conseguinte, ignorar o caráter mediato do seu conhecimento. Leve-se, porém, em conta que, se a causalidade é estranha ao entendimento histórico, a palavra 'causa' só ficou consagrada na M I CHA E L Ü A K ESHOTT 20 prática historiográfica ao preço de perder qualquer acepção rigorosa, denotando apenas vagamente o que se designa por 'antecedentes dignos de nota', a escolha destes antecedentes dependendo da formação e da competência do historiador. Do fato de que o livro de Conrad Russel se intitule The Causes oj the Englísh Cívil Vffir (Oxford, I 990) não devemos concluir que ele tente submeter aqueles acontecimentos ao jugo de qualquer das formas de causalidade referidas acima; ele apenas procura identificar antecedentes e subseqüentes que, a seu ver, se relacionaram significativamente para provocar o início do conflito ou condicionar seu desenvolvimento. O conceito de causa pode enfim ser empregado no sentido de responsabilidade histórica, quando se investiga, por exemplo, quem tomou a decisão de massacrar os huguenotes no decurso do que ficou conhecido como "noite de São Bartolomeu". Aí, contudo, não se trata de relações propriamente causais mas intencionais. Outro gênero de relação externa entre eventos antecedentes e subseqüentes que, segundo Oakeshott, é alheia ao conhecimento histórico consiste na similaridade, que permite comparar s ituações ou eventos distintos, digamos, a independência dos Estados Unidos e a independência do Brasil. Em lugar de estabelecer nexos entre eventos antecedentes e subseqüentes, buscam-se relações analógicas, passando-se ao largo, como no caso da causalidade, do que constitui verdadeiramente a realidade histórica. As similaridades são o que são, não constituindo relações significativas, embora, caso se tenham presentes as limitações do método, possuam certo valor heurístico para a investigação histórica. (Poder-se-ia aduzir ao argumento de Oakeshott que fazê-lo equivaleria a recair, por diferente caminho, no recurso a leis históricas ou à noção de processo histórico, únicas ·SO B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 21 aptas a explicar tais semelhanças.) Não é menos insuficiente o uso da correlação, pois ele não permite ir além da constatação de um fato, sem lograr explicá-lo (como no exemplo cômico de que os picos de criminalidade em Nova York coincidiriam com os de importação de banana pelo seu porto), a menos que excepcionalmente uma correlação possa ser transformada em relação s ignificativa, como no estudo das variações do preço do milho e do número de casamentos numa paróquia inglesa. Por fim, quanto à analogia, ela pertence não à história mas à retórica e ao entendimento prático. Destarte, a relação entre eventos históricos não é fortuita, causal ou intencional, mas contingente. Uma relação contingente caracteriza-se pela contigüidade e pela circunstancialidade. Oakeshott recorre a uma metáfora, a do 'muro seco', construído em c::ertas áreas rurais da Inglaterra mediante a justaposição das pedras, que são fixadas não por meio da argamassa, mas dos seus correspondentes formatos. A relação entre um evento antecedente e um evento subseqüente é de feitio circunstancial. Eles não estão ligados por causas ou por leis gerais; não exibem um padrão pré-designado; e como tampouco são necessários, a tarefa do historiador não consiste em explicar, mas em inferir a natureza do evento histórico. O autor adverte, aliás, contra a noção de que eventos antecedentes possam tornar-se historicamente inteligíveis em termos de eventos subseqüentes. Compreender Napoleão não nos habilita a compreender César, nem a carreira política de Bismarck pode ser entendida à luz da história alemã da primeira metade do século XX; e, ao contrário do que pretendia Marc Bloch, M I CHA E L Ü A K ESHOTT 22 as experiências atuais podem apresentar obstáculos insuperáveis à compreensão do passado. A passagem de eventos antecedentes a conseqüentes traz à tona a idéia de mudança, mas a mudança histórica não deve ser entendida no sentido convencional que se atribui ao conceito e que pressupõe a combinação da identidade e da diferença, da estabilidade e da mutação, de vez que o passado histórico compõe-se apenas de diferenças. Num passado histórico de eventos, "não há lugar para uma identidade que não seja, ela própria, umadiferença" . Uma "História da França" , por exemplo, não é a narrativa das transformações que no decurso dos séculos afetaram uma entidade que, em alguma parte de si mesma, permaneceu a mesma; ela é a narrativa das mudanças dessas mudanças. Por outro lado, a investigação histórica não se coaduna com outros gêneros de mutação, como a teleológica, que encara o passado como um processo predeterminado, e que por isso mesmo não passa de um exercício profético. Num trocadilho com seu próprio nome, Oakeshott lembra que o carvalho ( oak) contém-se na sua bolota (sho t) , mas a transformação da bolota em carvalho ocorre sempre em determinado lugar e em determinado momento, em função de circunstâncias, como inclusive a de se há porcos pastando nas vizinhanças. A mudança histórica tampouco é compatível com a mudança orgânica ou com o evolucionismo, a despeito da moda de que gozou a analogia no século XIX. Como ocorre à noção de causa, a idéia de evolução só sobrevive na linguagem histórica privada de acepção precisa. A rejeição da aplicabilidade desses tipos de mudança ao passado histórico não significa, contudo, que a mudança histórica sej a indefinível, pois ela exibe uma continuidade intrínseca, que não SOBR E A H ISTÓR I A & Ü U TROS E NSA I O S 23 lhe é externamente imposta por um fim predeterminado ou pela regularidade de uma lei, mas que advém da coerência com que as diferenças, isto é, os eventos, se modificam reciprocamente para produzir a diferença conseqüente de um outro evento. Seja sob a forma de uma mentalidade, de uma crise econômica ou de uma guerra, o passado histórico compõe-se apenas de diferenças formadas por outras diferenças contingentemente relacionadas. A principal objeção que se pode fazer a tal concepção é a de que ela tende a minimizar o papel das mudanças bruscas e das rupturas em favor das continuidades. Mas o caráter radical ou moderado de uma mudança histórica só pode ser avaliado em termos de escalas temporais . A história escrita em escala secular ou multissecular tende a dramatizar a mudança, enquanto a história escrita em escala reduzida tende a conferir-lhe um aspecto trivial. Qualquer historiador experiente conhece o prosaísmo dos chamados 'grandes eventos' quando vistos de perto, sua maneira eminentemente corriqueira de acontecer. A prova é que eles raramente são percebidos como tais pelos contemporâneos ou são criações post facto. A ser levada às suas últimas conseqüências, a argumentação de Oakeshott levaria a filosofia da história a conclusões melancólicas, pois a investigação histórica ainda está muito longe de corresponder a este modelo. Seu estado atual é o produto de um compromisso entre o passado prático e o histórico, que coexistem inevitavelmente nos livros de história, de vez que mesmo as obras que se inspiram numa preocupação estritamente histórica ou profissional contêm proposições de natureza prática e, subsidiariamente, de natureza contemplativa ou estética. Trata-se de uma dificuldade de monta, bem indicativa da precariedade do conhecimento histórico. O M I C H A E L Ü A K ESHOTT homem viveu sempre imerso no passado prático, não no histórico. Durante muito tempo, digamos grosso modo até os séculos XVIII e XIX, a humanidade existiu sem dar-se conta do passado como algo distinto da sua instrumentalização quotidiana. Como a Antiguidade clássica, o próprio Renascimento continuou a ver na história uma lição de coisas ou o espelho dos príncipes. Se a visão prática do passado é a grande inimiga do conhecimento histórico, é também uma inimiga difícil de derrotar, pois o permeou duradouramente e continuará a fazê-lo. Daí a grande vulnerabilidade do entendimento histórico, mesmo depois da constituição e do amadurecimento das chamadas ciências históricas. É neste sentido que Oakeshott considera inapropriada a noção vigente de que o nosso seja um tempo especialmente consciente da historicidade, equívoco que decorre da tendência, mais forte do que a de qualquer outra época, a relacionar estreitamente presente e passado, numa atitude diametralmente oposta à que deve ser a do historiador, que, pelo contrário, buscaria dissociá-los. Nesta ótica, não se está realmente interessado no passado histórico, apenas em fazer "política retrospectiva", que se impõe através da formulação de julgamentos morais ou da preferência pelo estudo de temas como as 'origens da revolução francesa' ou 'as origens do Cristianismo', preferência que nasce precisamente do objetivo de ler o passado da frente para trás, assimilando-o assim a eventos subseqüentes e atuais. Mas toda a argumentação de Oakeshott não consegue dissipar no leitor a dúvida sobre s e será realmente possível extrair completamente o passado histórico do magma do passado prático. Pe s soalmente , acred i to que se trat a de uma u top i a . O conhecimento do historiador será sempre uma mistura dos dois, S O B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S dosada de diferentes maneiras. O resultado final da investigação consistirá sempre num equilíbrio precário. Mas a impossibilidade de separá-los inteiramente não deve servir de álibi para que o historiador capitule diante do passado prático; sua obrigação profissional consiste, pelo contrário, em reduzir a taxa do colesterol ruim, vale dizer, o quociente de passado prático no passado histórico. Ele provavelmente terá menos êxito no tocante à escolha do tema, em que o compromisso prático, o interesse estético e até a nostalgia tendem a crescer, ao passo que em nível da análise a objetividade histórica é mais factível. No final das contas, tudo irá depender do seu esforço e da sua capacidade, mas sabendo desde logo que não conseguirá realizar completamente o desideratum oakeshottiano. Ademais, se algum historiador lograsse fazê-lo, tornar-se-ia compreensível para seus leitores? O livro de história será sempre uma tradução, melhor ou pior, destinando-se por definição ao leitor de uma outra língua, no caso, de um outro tempo. M I CHA E L Ü A K ESHOTT SOBRE A HISTÓRIA & ÜUTROS ENSAIOS Timothy Fuller o s leitores desta obra irão se perguntar quais teriam sido as intenções de Michael Oakeshott ao reunir três ensaios sobre a história, um ensaio sobre a regência da lei e outro sobre a Torre de Babel. O próprio título, Sobre a História e Outros Ensaios, não é muito revelador. Oakeshott mostrava-se pe culiar e evasivo a respeito desses assuntos. Por diversas vezes decla rava não se recordar do motivo pelo qual decidira fazer o que fize ra; não lhe interessavam títulos fáceis de serem lembrados, e não sentia necessidade de explicar antecipadamente a seus leitores o que queria que encontrassem em seu trabalho. Penso, entretanto, que o conjunto desses ensaios representa importantes e constantes características de seu processo mental, que se combinam de uma maneira oakeshottiana. O temperamento de Oakeshott era, segundo ele mesmo admi tia, o de um cético, forjado ao considerar a dialética perscrutadora de Sócrates quanto à ignorância humana, o ceticismo de Santo Agostinho quanto às nossas pretensões de apartarmo-nos da temporalidade e da mortalidade, a convicção de Montaigne de que a experiência inevitavelmente ultrapassa todos os nossos esforços de classificá-la e ordená-la, e as sóbrias considerações de Hobbes SOBR E A H I STÓR I A & Ü U TROS ENSA I O S 27 sobre a motivação, não das mais galantes e nobres, mas da maio ria dos seres humanos. Deparamo-nos com esse modo de ver as coisas - o pensamento de Oakeshott - ao abstermo-nos por um momento de submergir nos aspectos práticos da vida, de modo a de s c ob ri r uma p e r sp e c t iva mai s imparc i a l , até mesmo contemplativa. Fazer isso não implica erradicar o entendimentoprático, pois este está sempre presente desde o início da vida; trata-se, em vez disso, de prestar atenção no que é menos óbvio e que nunca é dominante, e que nem por isso deixa de ser uma possibilidade real de entender o mundo, movido não pela neces sidade de alterá-lo ou aperfeiçoá-lo para satisfazer os próprios interesses, mas de explicar a si mesmo os aspectos do mundo, mitigando, sem dissolver, seus enigmas e suas adversidades . Esta perspectiva também está presente como uma possibilidade desde o início da vida de um ser humano, mas talvez não seja "primor dial" como a vida prática é, na medida em que não exige satisfa ção de uma mesma - e premente - maneira. A compreensão de Oakeshott da liberdade humana deriva, em parte, de sua opinião segundo a qual não estamos meramente con- d d " b " " 'r r " ' "d b ena os a o ter e gastar , ao mortnero razer , a anfa maca ra de necessidades e satisfações", ou à "procura de um poder após o outro, até a morte"; há mais de um modo com o qual podemos responder ao mundo. Oakeshott elabora a idéia de que o mundo prático, embora sempre esteja conosco, não é o fundamento ou a origem das alternativas do entendimento filosófico, históríco, po ético e científico. Na visão de Oakeshott, essas alternativas não são versões da vida prática traduzidas em inusitadas formas retóricas; são alternativas genuínas à forma prática de ver o mundo com o M I CHA E L Ü A K ESHOTT 28 qual coexistem, e nenhuma delas determina o que acontece com as outras, ou o que elas terão a dizer. Oakeshott aborda o assunto nos três ensaios sobre história des ta obra elaborando o argumento da possibilidade de uma forma especial e histórica de ver o passado, fornecendo suas razões para concluir que o passado "histórico" do historiador é categorica mente diferente do passado "prático" . Era fundamental para o pensamento de Oakeshott mostrar o motivo pelo qual a assimila ção dos vários modos de conhecer em um único modo abrangente é um engano. Isso ele começou a argumentar desde sua primeira grande obra, Experience and lts Modes [Experiência e Seus Modos] (1933), em diante. Dessa forma, uma significativa parte do primeiro en saio deste livro opõe os argumentos em favor da primazia da vida prática à insistência do autor quanto a uma categórica separação dos modos de conhecer. Em outras palavras, possuímos a capacidade de entender o mundo sob diversas maneiras, modos ou linguagens, e, como resultado, desfrutamos da possibilidade de entabular uma verdadeira conver sação. A verdadeira conversação é um compromisso indireto no qual uma voz distinta não é reduzida a outra (não há, diz Oakeshott, nenhum "simposiarca" ou "árbitro", nenhum modo acima de to dos os modos), e por meio da qual o ser humano revela-se e diferen cia-se de todos os outros seres. É na perspectiva da conversação que uma gloriosa realização da liberdade inerente ao espírito hu mano pode aparecer. Um modo em particular - entre os diversos disponíveis - fasci nava Oakeshott, e sobre isso ele escreveu ao longo de sua vida: o esforço dos historiadores para entender o passado sem um motivo S O BR E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S ulterior, o esforço que distingue o historiador, enquanto historia dor, de todos os que examinam o passado em busca da orientação que nele esperam encontrar para seus interesses pragmáticos, e que distingue a persona do historiador, enquanto historiador, de sua persona pragmática. Oakeshott mantém em relação a isso uma opinião controvertida, à qual se ateve de forma constante ao longo de sua carreira. A opinião é controvertida precisamente por causa do ponto de vista, deveras difundido, de que todos os empreendi mentos humanos devem ser entendidos em termos de interesses pragmáticos da vida. Entretanto, para Oakeshott, a menos que in sistamos nessa separação, não há maneira satisfatória de distinguir o que faz de um historiador um historiador, em vez de alguma outra coisa. Quando adotam o método histórico de examinar o passado, argumenta ele, os historiadores procuram deixar de lado preocupações com questões de ordem prática. É claro que, como seres humanos que são, não deixam de ter interêsses pragmáticos. Assim, chegar à perspectiva do historiador requer esforço, e repre senta uma realização conscientemente considerada. É o que dife rencia essa perspectiva da submersão sem qualquer esforço na vida prática, até o ponto em que ela seja "primordial". Todos os ensaios sobre história desta obra expõem aspectos do entendimento do passado para historiador enquanto historiador, elucidando um passado "não-prático". Em segundo lugar, o ensaio sobre a regência da lei reflete a con clusão de Oakeshott de que, nos últimos cinco séculos, a civiliza ção européia engajou-se na aventura de inventar - e de viver de· acordo com - a associação civil, um conjunto de regras por meio das quais associamo-nos uns aos outros, não em termos de uma M I C H A E L Ü A K ES HOTT meta teleológica ou de um objetivo uniforme para a humanidade, mas em termos de procedimentos aceitos mediante acordos que asseguram, para indivíduos que se auto-regulam, a oportunidade de perseguirem suas próprias escolhas, variando enormemente as formas de prosperarem em associações voluntárias, apoiadas, em especial, pela regência da lei. Ao pensarmos em nós mesmos como seres temporais e individuais, eternamente em busca de satisfação e autoconhecimento, fiamo-nos na lei como um meio de fazer um uso eqüitativo, despretensioso, controlável e seguro de nossa liber dade. O mais abrangente e sistemático tratamento que Oakeshott dá às associações civis está em On Human Conduct [Sobre a Conduta Humana J ( I 97 5), mas a melhor expressão da idéia que ele faz da lei está no ensaio contido nesta obra. Por fim, Oakeshott pensava que nós, seres humanos, estamos perenemente sujeitos a nos enganarmos a respeito de nós mesmos, de nossas possibilidades e de nossos limites quando sucumbimos à tentação de tentar erigir estruturas que, esperamos, nos levarão à perfeição final em uma suposta terra prometida. Essa tendência era, para ele, a apropriação indevida de um conceito teleológico que geralmente se combina com esforços para transpor as restri ções da regência da lei e para orquestrar as tendências naturalmen te diversas da associação civil. Segundo Oakeshott, todo pensa mento moderno é afetado por essa tendência sob a forma do "racionalismo moderno", que se intromete particularmente nas modernas ideologias políticas. Sua representação favorita dessa pa tologia era a história que o Gênesis conta da Torre de Babel. Na verdade, o ensaio com esse nome aqui incluído é o segundo que ele publica com o mesmo título; o primeiro, originalmente publicado SOBR E A H I STÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 31 em l 948, foi incluído em Ratíonalísm ín Politics [Racionalismo na Políti ca] (1962, 199 1 ). Eu estava presente quando Oakeshott leu pela primeira vez esse segundo ensaio sobre a Torre de Babel em um encontro do Clube Carlyle (uma sociedade intelectual composta, principalmente, por integrantes de Oxford, Cambridge e Londres) no Trinity College de Oxford, em outubro de 1979. A recepção foi amigável, porém um tanto dúbia, uma vez que, como com fre qüência ocorre etn resposta às opiniões de Oakeshott, diversos ouvintes acharam difícil abandonar com ele o pragmatismo em troca de um imparcial modo de falar sobre o que significa ser hu mano. Ao longo do tempo, comentários sobre esse ensaio tende ram a t:atá-lo como se o propósito de Oakeshott fosse defender uma negativa ou pessimista ("conservadora" , sob um ponto de vista pejorativo) posição política, enquanto na verdade ele pensava descrever, ou explicar, algo sobre a condição humana da maneiracomo ela se revela quando paramos um pouco de mergulhar no auto-esquecimento proporcionado pelas incumbências da vida prá tica que sempre estão a nos acenar, e olhamo-nos de um ângulo diferente. Do ponto de vista de Oakeshott, não se trata apenas de algo não-negativo, mas de uma afirmação de possibilidades huma nas sedutoras. Em sua opinião, isso somente seria negativo se fôs semos forçados a concluir que a política, ou a vida prática, é para nós a única fonte de significados. Em resumo, vistos em conjunto, os ensaios contidos em Sobre a História e Outros Ensaios abrangem uma série de abordagens comple mentares de uma compreensão oakeshottiana da condição huma na considerada à luz de uma reflexão histórica e filosófica, aparta da de qualquer compromisso prático de fazer-se um caminho no M I C H A E L Ü A K ES HOTT mundo, ou de submeter seres humanos livres à orientação de um "discernimento superior" . II Todos esses ensaios eram, originalmente, palestras ou artigos que Oakeshott apresentou a seus alunos e colegas. Ao ensinar o tópico como professor universitário, Oakeshott nunca afastou-se dessas idéias. O caráter de suas apresentações - como, por exem plo, sobre a "atividade de um historiador" - revelava sua compre ensão do que distingue estudar em uma universidade de qualquer outra atividade, e o que faz da universidade o lugar onde os modos alternativos do conhecer estão propensos a serem percebidos e. a florescer; Ele queria, em especial, separar estritamente a idéia do estudo universitário de quaisquer noções de que tal estudo fosse a continuação da política por outros meios. A separação dos lugares de aprendizagem é instigada pelo reconhecimento, implícito ou explícito, de que alguma coisa importante para nós emerge quan do afastamo-nos do mundo. Isso torna-se claro nos termos preci sos da aula inaugural de Oakeshott na London School of Economics em I 9 5 I , "Educação Política" (posteriormente reeditada sob o título Ratíonalísm in Polítícs, I 962, I 99 I ). Em outubro de 1 964, em resposta a um pedido da Universida de de Londres, Oakeshott inaugurou o programa de História do Pensamento Político no Departamento de Administração Gover namental, um entre os novos programas de pós-graduação de um ano (conduzindo ao diploma de Mestre em Ciência, MSc) que serviram de alternativas à tradicional formação de dois anos em SOB R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS ENSA IOS 33 pesquisa. Essa nova pós-graduação seria completada em um perío do de doze meses (de outubro a outubro) por meio de trabalhos do curso efetuados ao longo de um ano acadêmico, seguido por um período de estudos de verão e uma série de exames realizados no outono seguinte. O formato desse programa personificava a abordagem de Oakeshott ao estudo do pensamento político em uma universida de, sua opinião sobre o que é a educação universitária e como o estudo da política se encaixa no contexto da universidade. Para ele, isso significava considerar a política histórica e filosoficamente sepa rada de compromissos de resolver problemas ou debates políticos. O estudo da política em uma universidade é, para Oakeshott, uma atividade categoricamente diferente de todas as práticas , da vida política. Ele considerava impróprio para a universidade a "teoria política" entendida como o compromisso de direcionar idéias ge rais para a defesa de posições ou de diretrizes políticas. Ele tam bém classificava como impróprio o estudo da história tendo em vista as supostas lições que poderia fornecer sobre o que fazer e o que não fazer nas atuais circunstâncias políticas. Oakeshott sabia, é claro, que a teorização prática, a análise moralizante da história e o uso ideológico da filosofia ocorrem o tempo todo; é difícil imaginar a política como a conhecemos sem essas atividades que a acompanham. Para ele, contudo, a univer s idade é um lugar especial de aprendizagem, propositadamente situado fora da vida política. É um lugar onde se pode buscar um entendimento diferente a respeito do que a prática da vida polí tica nos revela sobre a condição humana. Isso não supera - nem pode superar ou substituir - as dificuldades de atender às solici- M I C H A E L Ü A K ESHOTT 34 tações da vida prática. O estudo de política em uma universidade pode iluminar os eventos que ocorrem na atividade política, mas não pode direcionar políticas; ao contrário, quando estudantes de política ingressam na política, a política irá sujeitá-los a suas próprias contingências. Quando Oakeshott discutia a "história do pensamento políti co" , ele queria mostrar o que significa estudar o pensamento polí tico em uma universidade como um historiador estudando a his tória do pensamento sobre a política. Muito do trabalho no pro grama MSc de História do Pensamento Político introduzia os alu nos a essa compreensão. O primeiro período do ano acadêmico tra tava da questão de como ver a história; o segundo período tratava de diferentes tipos de explicaç�es na ciência, filosofia e antropologia; o terceiro período lidava com a questão de o que é política. Os ensaios sobre história contidos nesta obra são destilações de várias versões das palestras que Oakeshott deu ao longo dos anos no seminário geral do programa de História do Pensamento Polí tico. Para aqueles que estão familiarizados com os escritos iniciais de Oakeshott sobre história, ficará claro que os ensaios aqui conti do� tinham a intenção de resumir seu pensamento para seus anti gos alunos, bem como de responder às críticas de suas idéias sobre história previamente publicadas. Tipicamente, Oakeshott não res pondia diretamente aos críticos de seu trabalho, embora estivesse perfeitamente consciente das críticas que eles haviam expressado. Em vez disso, ele refletia sobre as críticas e incorporava as respos tas a elas em ensaios subseqüentes, ou em subseqüentes versões de ensaios, modificando com freqüência suas formulações prévias, ge ralmente sem identificar os críticos aos quais estava respondendo. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S 35 O pensamento de Oakeshott sobre o caráter da filosofia, o estu do histórico e a lei são temas recorrentes que remetem a Experiência e Seus Modos ( 1 933), a seus ensaios e aulas sobre a história do pen samento político em Cambridge na década de 1 930, a suas pales tras na LSE na década de l 9 50 e ao ensaio de l 9 58, "The Activity of Being an Historian" ["A Atividade de Ser um Historiador"] , mais tarde reeditado em Racionalismo na Política. Acima de tudo, Oakeshott queria evitar "um espúrio foco acadêmico em qualquer interesse político que possa estar ao redor", o uso da sala de aula para promover programas ou políticas " ideais", isto é, fazer pro paganda (Rationalism in Politics, Liberty Fund, 1 9 9 1 , 'p. 208). Ele não gostava do comprometimento da universidade enquanto uni versidade pela introdução da educação vocacional. Mas sabia, é claro, que todos os lugares que chamamos universidade na realida de comprometem-se com as inúmeras e conflitantes aspirações de seus habitantes. O estudo do pensamento político é normalmente centrado no estudo dos textos principais ou dos grandes livros de filosofia po lítica. O que tornava o programa de Oakeshott incomum é que ele postergava a análise das grandes obras de filosofia política até que a investigação do caráter do estudo histórico e de outras modali dades de pesquisa acadêmica - como Oakeshott as entendia - ti vesse sido bem estabelecida. Ele queria que os alunos aprendessem um modo de pensar e avaliar que não partisse da suposição de que faziam isso para equiparem-se com injunções práticas sobre con duta política. Ele queria que os alunos não vissem as grandes obras como repositóriosde informações de uso prático (embora, natu ralmente, elas possam ser - e freqüentemente são - vistas dessa M I C H A E L Ü A K ES H O T T forma), mas como introduções a modos de pensar - "linguagens" , em vez de "literaturas", conforme ele diz (Rationalísm ín Polítícs, Liberty Fund, 1 99 1 , pp. 209-210). Por outro lado, Oakeshott não assumia a visão historicista de que grandes obras podem ser entendidas apenas como "produtos de sua época". Seu interesse não era explicar o pensamento ou reduzi-lo a uma mera evidência sociológica. Historicismo é uma doutrina sobre o que o estudo do passado nos revela, e não, neces sariamente, a conclusão da atividade do historiador. Ele via os tra balhos do mais grosso calibre falando através dos séculos no per pétuo diálogo dos filósofos - e, embora fossem ocasionados por seu tempo e lugar, não podiam ser confinados a seu tempo e lugar. Para ele, o ponto mais importante a ser estabelecido é que filosofia e história buscam explicar o mundo filosoficamente e historica mente; aceita-se que essas investigações sejam bem-sucedidas des de que deixem de lado alegações de competência para interferir no mundo ou para transformá-lo. As "linguagens" apropriadas à universidade são chamadas por Oakeshott de "linguagens explanatórías" : história, filosofia, ciênci as, matemática. Em contraste, atividade política, expressão poética e conduta moral são linguagens que expressam opiniões, crenças, ideais, aspirações, esperanças, medos, estratégias para preservar ou mudar, convicções· e compromissos, sentimentos, desejos e aver sões. É claro, essas linguagens surgem dentro da universidade, mas não são elas que distinguem a universidade de outras coisas. As linguagens explanatórias podem ser usadas para explicar os discur sos dessas outras coisas, como modos expressivos para entendê-las de uma forma que elas próprias não aceitam. Contudo, os argu- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 37 mentos da política, a expressão do sentimento poético, a promul gação de perspectivas morais não são, na opinião de Oakeshott, "explanações". Assim, o estudante universitár.io que deseja estudar política deveria aprender os "modos de pensar e falar de um histo riador e filósofo" ( Ratíonalísm ín Polítícs, Liberty Fund, I 99 I, p. 2 I 2 ). Por exemplo, estudar o Levíatã, de Hobbes, é aprender como pensar filosoficamente sobre questões identificadas por Hobbes como sendo essenciais para a política, e reconhecer que Hobbes está res pondendo filosoficamente a Platão, Aristóteles e aos �cadêmicos, bem como procurando explicar as circunstâncias da Inglaterra e da Europa nos anos I 640. Assim, é incumbência dos professores universitários não ensinar simplesmente com base no que por acaso for sua atual preocupação prática, ou a de seus alunos. Sabemos que Hobbes e outros filósofos não escondiam sua preferência por certas disposições políticas, mas, na medida em que se engajaram no discurso filosófico, na visão de Oakeshott eles estavam seguindo as implicações de suas explicações sobre os acontecimentos. Um filósofo, afirmava Oakeshott, "jamais se preocupa com a condição das coisas, mas somente com uma ma neira de explicar, e em reconhecer que a única coisa que importa em um argumento filosófico é sua coerência, sua inteligibilidade, seu poder de iluminar e sua fertilidade" (Ratíonalísm ín Polítícs, p. 21 5). Isso pode muito bem significar que a maioria de todos os trabalhos é uma mistura de explic�ções filosóficas ou históricas e preocupa ções práticas; essa é a condição comum do discurso humano. Mas Oakeshott queria apontar a diferença entre uma coisa e outra, e aju dar seus alunos a desenvolver a capacidade de avaliar os diferentes modos de entender do ser humano. M I C H A E L Ü A K E S HOTT Por exemplo, o passado do historiador é um tipo especial de passado, produzido como resultado de uma notável e relativa mente moderna conquista que requer "emancipação da postura 1 primordial e quase que exclusivamente prática da humanidade" (Rationalism in Politics, p. 17 1 ). Na verdade, libertarmo-nos da pos tura prática é "uma conquista extremamente difícil", porque "nos so interesse predominante não está na 'história' , mas apenas na política retrospectiva" ( Rationalism in Politics, p. l 8 I ), e porque o passado prático e o julgamento moral da conduta no passado não são "os inimigos da humanidade, mas apenas os inimigos 'do historiador"' ( Rationalism in Politics, p. I 80). O passado práti co perseguido pela maioria "repete com autoridade espúria as expressões colocadas em sua boca" ( Rationalism in Politics) p. I 8 I ) . O passado histórico, ao contrário, é "um mundo complicado" , sem unidade de sentimentos ou contornos precisos; seus eventos não apresentam um padrão genérico ou um propósito, não con duzem a lugar algum, não apontam para nenhuma condição favorecida do mundo e não apóiam nenhuma conclusão prática" ( Rationalism in Politics, p. I 82 ). No modo de pensar de Oakeshott, tal "conclusão do historia dor" é compatível com a idéia platônica/ agostiniana de que o sig nificado não é constituído no interminável curso dos eventos tem porais, mas em outra parte. Sua conclusão não é nem . niilista, nem desesperadora; pode parecer ass im para aqueles que, preocupados com os aspectos práticos da vida, esperam que o fluxo dos aconte cimentos deva atingir coerência ou finalidade. Mas para Oakeshott isso s ignifica apontar indiretamente - ou aludír a - possibilidades obs.curecidas pela predominância da vida prática, e encorajar indi- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S 39 víduos a exercer a liberdade de dizer o que as coisas significam para eles. Além das liberdades práticas de ordem política e econô mica, um assunto sobre o qual ele tinha muito a dizer, em ensaios como "A Regência da Lei", incluído nesta obra, e "The Political Economy of Freedom" ["A Economia Política da Liberdade"] , em Rationalism in Politics, existe a liberdade associada a um entendimen to mais profundo das ilusórias e por vezes obscuras possibilidades humanas, que são percebidas não apenas na vida prática, mas além - e muitas vezes apesar - dela. M I C H A E L Ü A K ES H OT T Sobre a História TRÊS ENSAIOS SOBRE A HISTÓRIA I Presen te) Futuro e Passado palavra "história" é ambígua, e é comumente usada em pelo menos dois sentidos diferentes. Em um deles, responde pelo grande total nocional de tudo o que acon teceu na vida dos seres humanos, ou pela passagem de ocorrências de alguma forma relacionadas que se distinguem nesse grande to tal por serem especificadas etp. termos de lugar, de tempo e de identidade substantiva. Esse significado aparece em expressões como "a história do mundo", "a história dos judeus", "a história da Suíça", ou "a história do surgimento do Banco da Inglaterra". Aqui, o adjetivo "histórico" significa o que de fato aconteceu naquele lugar e naquela época em relação a essa identidade, saibamos ou não alguma coisa a respeito dela. E os "criadores" dé tal "história" I são os que participaram das ocorrências. Em um outro sentido, "história" corresponde a um certo tipo de investigação, e um certo tipo de entendimento, da passagem de algu mas dessas ocorrências; o compromisso e as conclusões de um his toriador. E esse significado aparece em expressões como "um dicio nário histórico da língua inglesa", ou "ao ler Ranke ou Maitland ' sentimo-nos na presença de uma notável imaginação histórica", ou "uma história da Inglaterra" . Aqui, o adjetivo "histórico" denota S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 43 uma investigação que, seja o que for que pensemos sobre a verdade ou confiabilidadede suas conclusões, é reconhecida, com base em certas características, como sendo uma investigação histórica, e não uma outra espécie de investigação; isso denota o tipo de entendi mento alcançado ao longo de tal investigação. E, aqui, a "história" é reconhecida como sendo "feita" não por aqueles cujas palavras ou feitos estão sob investigação, mas por um historiador. Esses dois significados são distintos, mas não discrepantes. Eles são colocados e mantidos juntos em uma expressão como Romische Geschichte de Mommsen, que significa (ou pretende s ignificar) um en tendimento das ocorrências estabelecido por Momrnsen como re sultado de um certo tipo de investigação, a saber, a investigação que distingue um historiador. Momrnsen não participou da cons trução da República Romana, mas pode-se dizer que ele é um dos criadores da história da República Romana. Meu interesse aqui é o segundo significado de "história", a his tória como uma investigação e com o caráter de uma investigação histórica. Usarei a palavra "história" para designar um modo distinguível de investigação, e a expressão "entendimento históri co" para identificar um modo distinto de entendimento. E por modalidade de investigação refiro-me às condições de relevância que constituem um tipo distinto de investigação, e o diferencio tanto do inconseqüente apalpar na confusão de tudo o que possa estar ocorrendo quanto de investigações igualmente distintas, mas de outros tipos. Essas condições de relevância são, naturalmente, formais, mas, se 'não houver nenhuma, se não existir uma modali dade específica, não poderá haver investigação, e, assim, não existi rão as conseqüentes conclusões. M I C H A E L Ü A K ES H O T T 44 Um modo de entender, portanto, não é meramente uma pos tura ou um ponto de vista. É uma maneira autônoma de enten der, especificada por condições exatas, e que é, logicamente, in capaz de negar ou de confirmar as conclusões de qualquer outro modo de entender, ou mesmo de fazer qualquer discurso rele vante a respeito. E o que estou procurando são as condições de relevância por meio das quais uma investigação pode ser reco nhecida como "histórica" . Há duas objeções comuns a esse projeto que podem ser percebi das neste ponto, porque ambas constituem advertências para que o projeto nem sequer seja levado a cabo. Primeiro, é dito que a investi gação histórica é uma invenção humana; que não é encontrada em lugar algum exceto nos escritos de supostos historiadores; que esses escritos, longe de apresentar um caráter uniforme, exibem uma gran de variedade de compromissos; e que não há tendência discernível nos variáveis estilos de investigação histórica que possa nos levar a considerá-los estágios do caminho para alguma condição definitiva, ou que são insignificantes desvios circunstanciais dessa condição. Ou, ainda, como um escritor sugere, a investigação histórica não é um "modo de pensar" distinto, mas deve ser vista como "o lar co mum a muitos interesses, técnicas e tradições, projetado por aqueles que dedicaram toda a sua energia para estudar o passado". Agora, está fora de questão que a investigação histórica é inven ção de historiadores, e é aceitável que eles defendam a inventividade com a qual a buscaram no que suspeitam ser as enfadonhas aten ções de um Procrustes filosófico. Mas isso não quer dizer que um distinto caráter lógico não seja atribuído ao entendimento históri co, e a suspeita é inapropriada. A variedade e mutabilidade das SO B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 45 investigações e as conclusões das ciências físicas certamente não transformam em esforço perdido a busca de uma lógica do enten dimento científico. E essa identificação da investigação histórica como uma variedade de tarefas unidas pelo fato de terem relação com o passado pelo menos a reconhece como tendo algum caráter distinto, capaz de especificações adicionais. O que uma preocupa ção exclusivamente com o passado acarreta? E, além disso, os his toriadores não têm de temer por sua liberdade de movimentos dentro da morada composta por seus vários interesses e técnicas diante de uma tentativa de explorar a história como um modo de entendimento. As condições que podem constituí-la como um modo de entendimento não são uma fórmula para conduzir uma investigação histórica, nem normas premeditadas às quais a inves tigação deve se submeter; elas são postulados teóricos, refletidos em um trecho de algum escrito histórico apenas como pressuposi ções que as especificam como um tipo de investigação e as distin guem de outros tipos de investigação. A segunda objeção é mais ou menos a seguinte: a investigação histórica preocupa-se com o entendimento, ou, como dizem ( er roneamente, penso eu), com a "explicação". 'E, uma vez que (su põe-se) não pode haver modos de entender categoricamente inco mensuráveis, um compromisso de especificar um modo distinta mente histórico de entender não pode ser mais do que uma mal concebida tentativa de discernir na investigação histórica os prin cípios comuns a todos os modos de entendimento válidos. De pois, alega-se que o modelo de todos os modos de entendimento válidos é o da explicação "científica"; isto é, explicação em termos de "leis gerais" ou regularidades relacionadas ao que é reconheci- M I C H A E L Ü A K ES H OTT do como componentes de um "processo". Conseqüentemente, a ocupação apropriada a qualquer pessoa preocupada com o caráter do entendimento histórico não é buscar uma distinção impossível, mas exibi-lo por meio desse exemplo. Essa visão do assunto sem dúvida merece atenta consideração; ela não pode, penso eu, ser sustentada; contudo, também não pode ser abruptamente descar tada. Ainda ass im, em vez de considerá-la agora, e em vez de deixá la dissuadir-me de meu projeto, a ela retornarei em meu segundo ensaio, no qual o assunto se relaciona ao que tenho a. dizer sobre eventos históricos e suas relações uns com os outros. Outras três considerações preliminares podem ser percebidas. Em primeiro lugar, minha preocupação aqui não é com o que pode ser chamado de metodologia da investigação histórica. Pode ocorrer que existam certos métodos de investigação apropriados, ou mesmo peculiares, à investigação histórica. De fato, tentativas têm sido feitas para formular tais métodos e apresentá-los, seja como prescrição, seja como critérios para avaliar as conclusões substantivas de uma investigação histórica. Mas, qualquer que possa ser o status de tais métodos, eles não são o que considero condições ou postulados que distinguem a história como um modo de entendimento. Em segundo lugar, não estou preocupado com o que às vezes é chamado de "sociologia" da investigação histórica; isto é, a avalia ção de um suposto texto histórico com base na maneira pela qual ele reflete as atuais circunstâncias de um historiador, suas tendên cias, seus preconceitos, suas lealdades, sua percepção das necessi dades atuais e quaisquer "preocupações" ou propósitos ulteriores que possam tê-lo levado a escolher seu compromisso pessoal. Por exemplo, por que Gibbon abandonou seu pro;eto de escrever uma S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N SA I O S 47 história da Suíça e voltou-se para o declínio e a queda do Império Romano, ou o que atraiu a atenção de MOmmsen para a Roma Im perial, ou a de Ranke para a Inglaten:a do século dezessete? Qual estrutura de circunstâncias contemporâneas pode ser invocada para explicar o florescimento da investigação histórica relacionada com a história "constitucional" e "econômica" da Inglaterra no fim do século dezenove, ou da atual preocupação dos Estados Unidos da América com a história da "escravidão", antiga e moderna? Consi derações dessa espécie,que estão relacionadas com a escolha de com promisso do historiador, e que podem ofuscar sua investigação, su gerem linhas até então inexploradas de investigação - ou, por outro lado, condici�:mam o rumo que elas tomam -, e são parte de minhas preocupações. Seja qual for o significado que possam ter como indi cadores do alcance da imaginação do historiador, elas não podem ser aduzidas para apoiar ou qualificar a argumentação de que sua investigação seja, de fato, histórica, e não de algum outro tipo. Tam bém não estou preocupado com a "história" da investigação históri ca; isto é, discernir e tentar considerar historicamente as mudanças no projeto ou na prática historiográfica. Preocupo-me com o que talvez possa ser chamado de lógica da investigação histórica, sendo a palavra "lógica" entendida como uma preocupação não com a ver dade das conclusões, mas com as condições pelas quais elas podem ser reconhecidas como conclusões. Em terceiro lugar, um modo de entender não pode ser especifi cado em termos dos chamados tópicos ou assuntos; aqui, como sempre, as condições de entendimento especificam o que vai ser entendido. Isso não ocorre porque a�gumas coisas têm histórias e outras não, mas porque ter uma história é ter sido dotado de uma M I C H A E L Ü A K ES H OT T ao ser entendido de determinada maneira. E minha preocupação é especificar as condições de um modo de entender que dota de historicidade seja o que for que houver para ser entendido. Agora, a palavra "história" denota um compromisso de investiga ção que emergiu sem a premonição das indiscriminadas apalpadelas da inteligência humana, e veio a adquirir uma forma identificável. Assim como outros desses compromissos, ou engajamentos, sua for ma é um tanto indistinta. Seus praticantes são notoriamente genero sos; eles têm sido capazes de manter as portas abertas a todos os que, aparentemente, possuem preocupações similares, de modo a dar boas-vindas e acomodar uma miscelânea de empreendimentos intelectuais e encontrar virtudes em sua variedade. Ainda assim, vis to nesse nível - e mesmo quando reconhecido meramente em ter mos das direçõ,es das investigações seguidas por escritores geralmen te tidos como historiadores -, não se trata de um compromisso de todo indiscriminado. Há algumas marcas que o identificam, algu mas idéias organizadoras características e um vocabulário de expres sões ao qual concedeu significados especializados: "passado", "acon- . " " ' - " " " " " " d " , r tecrrnento , s1tuaçao , evento , causa , mu ança , e por a1 ara- ra. Da maneira como chegam a nós, essas marcas de identificação são muitas vezes obscuras e ambíguas. Mesmo assim, reconhecê-las equivale a fazer nossa primeira tentativa de, às apalpadelas, distin guirmos e apossarmo-nos de um modo de investigação em vigor, e são com elas que a tarefa de deduzir a lógica do entendimento histó rico deve começar. Esse é um empreendimento teórico planejado não apenas para construir um modo de entendimento distinto, coe rente e ideal com base nas condições a ele necessárias, mas também para sustentar a argumentação de que isso pode ser apropriadamen- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS ENS A I O S 49 te reconhecido como um modo de entendimento "histórico" ao se relacionar as condições necessárias às marcas identificadoras que con cedem a essa atual e contingente maneira de investigação sua forma um tanto indistinta. E é a partir daí que podemos começar. Assim sendo, proponho que iniciemos identificando história como um modo de investigação e de entendimento relacionado a uma idéia do passado, uma idéia de um evento e de algum relacionamento signi ficativo a ser estabelecido entre os eventos, e uma idéia de mudança. Não se está sugerindo que isso seja uma lista completa dos termos de um entendimento histórico; há outros que virão à tona ao se considerá los. Nem tampouco alega-se que, do modo como estão e sem maiores especificações, eles se combinam para constituir um distinto modo de entendimento histórico, ou qualquer modo de entendimento catego ricamente distinto; isso pode aparecer (se aparecer) apenas em determi nações · posteriores dessas expressões. Assim, proponho tornar mais tratável a questão "qual é o caráter do entendimento e da investigação histórica?" resolvendo-a por meio das questões: "quais significados precisos e distintos podem ser atribuídos às expressões 'passado histó rico', 'mudança histórica', 'evento histórico' e 'relação histórica entre eventos"'? E, embora eu deva considerar essas questões sucessivamen te, nenhuma pode ser plenamente respondida até que todas sejam res pondidas. Começarei com a noção de "passado histórico". 2 Estamos preocupados com a consciência que temos do passado e, dentro dela, com o caráter de uma consciência "histórica" 1 distinguível do passado. M I C H A E L Ü A K ES H O T T 50 O mundo para o qual abro rrÍeus olhos é inequivocamente pre sente. Se me postar numa esquina e descrever para mim mesmo o que percebo, estarei falando comigo no tempo presente. Mas, mes mo para mim, um espectador relativamente despreocupado, esse presente pode ser (e geralmente é) qualificado por uma consciên cia do futuro, do passado, ou tanto do futuro quanto do passado. Um homem está parado junto ao meio-fio, e se isso é tudo o que percebo, então o presente não está significativamente qualifi cado. É claro, o que percebo está acontecendo; o tempo passa. Mas o que estou observando é um presente contínuo no qual a passagem do tempo não é marcada por nenhuma mudança per ceptível, ou mesmo uma sugestão de movimento. Por outro lado, se o que percebo é um homem parado junto ao meio-fio esperando para atravessar a rua ou aguardando um encontro, então o presente é qualificado por uma consciência do futuro. E essa consciência do futuro não é evocada ao negligenciar-se o presente ou ao deixá-lo de lado, mas ao observá-lo com exatidão. Nada tenho a recorrer além da percepção do presente e da experiência relembrada com a qual essa percepção é alimentada, e o futuro é evocado pela maneira como o homem está parado, talvez o movimento de seus olhos, na percep ção do empenho ou da expectativa. É uma situação de movimento incipiente: um futuro do infinitivo. E o fato de que nessa ocasião eu posso estar enganado é, naturalmente, irrel�vante. Futuro, nesse caso, é um entendimento do presente em termos da mudança cuja suges tão nele podemos perceber. Volto minha atenção para outra parte e percebo um homem manquejando com uma perna de pau; e se isso é tudo o que perce bo, o presente não está significativamente qualificado. O homem S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 51 certamente se move, ele passa por mim, e há futuro para observar se eu estiver disposto a isso. Aonde ele está indo? Mas , no que diz respeito ao fato de ele possuir uma perna de pau, o homem é um presente contínuo. Por outro lado, se o que eu percebo é um homem que perdeu uma de suas pernas e a substituiu por uma de madeira, então o presente foi qualificado pelo passado. E essa consciência do passado é evocada não por negligenciar-se o pre sente, mas por uma leitura do presente que evoca o passado, ex presso na palavra "perdeu" . Passado, então, é um entendimento do presente em termos de uma mudança que, conforme se pode perceber, ele registra ou conserva. Sem dúvida, existem alguns acontecimentos que, embora sejam reconhecidos como presente, tendem a evocar o futuro em vez do passado: os horários de uma estação ferroviária, que lemos em ter mos de "o que isso diz sobre o que podemos esperar". E há outros que tendem a evocar o passado: horários desatualizados de uma estação ferroviária. Mas não há presente incapaz de evocar futuro
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