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PAULO VIEIRA NETO O DESAPARECIMENTO DE UMA PROFISSÃO: O RADIOTELEGRAFISTA DE VÔO - EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E DESEMPREGO NAS TELECOMUNICAÇÕES Mestrado em Economia Política PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA - PUC/SP São Paulo 2000 PAULO VIEIRA NETO O DESAPARECIMENTO DE UMA PROFISSÃO: O RADIOTELEGRAFISTA DE VÔO - EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E DESEMPREGO NAS TELECOMUNICAÇÕES Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Economia Política, sob orientação do Prof. Dr. César Roberto Leite da Silva. São Paulo 2000 Ficha catalográfica elaborada pela Bib. Nadir Gouvêa Kfouri - PUCSP DM 330 Vieira Neto, Paulo V O desaparecimento de uma profissão - o radiotelegrafista de vôo: evolução tecnológica e desemprego nas telecomunicações. - São Paulo: s.n., 2000. Dissertação (Mestrado) - PUCSP Programa: Economia Orientador: Silva, Cesar Roberto Leite da 1. Desemprego tecnológico. 2. Inovações tecnológicas. Palavra-Chave: Microeletrônica - Aviação comercial - Transporte aéreo BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ RESUMO O objetivo desta dissertação é proceder ao estudo e análise do impacto que a evolução tecnológica exerce sobre a organização do trabalho, bem como efetuar uma reflexão sobre as conseqüências das inovações tecnológicas poupadoras de mão-de-obra que estão penetrando no setor terciário, na prestação de serviços, e em especial nas telecomunicações. Dedicamos uma parte dos nossos estudos a um breve histórico sobre a aviação comercial brasileira e as lutas dos Radiotelegrafistas de Vôo em se manterem em vôo e o seu desaparecimento. Nas últimas décadas deste século, as economias vêm sendo marcadas por um acelerado processo de mudanças em suas estruturas. Um elemento central dessas mudanças são as inovações tecnológicas, as novas maneiras de produzir e de organizar a produção, que determinam grandes alterações sobre as formas do emprego e os requerimentos de qualificação. A evolução tecnológica tem se processado em todos os campos, não só nas telecomunicações. Assim como os aviões, a infraestrutura aeroportuária acabou por acarretar o desaparecimento de profissões de trabalhadores que prestavam os serviços nas telecomunicações. Com o aperfeiçoamento e a evolução nas telecomunicações dentre diversas tecnologias, tais como a radiotelefonia, o telex, fac-símile substituíram a radiotelegrafia contribuindo para o desaparecimento da profissão do Radiotelegrafista de Vôo na década de 70. "A condição para a felicidade do ser humano é o trabalho" Tolstoi i INTRODUÇÃO Esta dissertação estuda e analisa o impacto que a evolução tecnológica exerce sobre a organização do trabalho e faz uma reflexão sobre as conseqüências das inovações tecnológicas poupadoras de mão-de-obra que estão penetrando no setor terciário, na prestação de serviços, e em especial nas telecomunicações. O interesse por esse tema deve-se ao fato de termos atuado no serviço de telecomunicações: radiotelegrafia, radiotelefonia, telex, fac-símile e outros meios de transmissão de mensagens e, por último, a revolução dos meios de telecomunicações pela internet. Acompanhamos as lutas dos Radiotelegrafistas de Vôo e sua extinção; dos Radiotelegrafistas de Terra, também em via de extinção, dos operadores de telex, das telefonistas e outros profissionais na área das telecomunicações. Nosso trabalho parte de uma visão histórica das escolas de economia, voltada mais para a escola clássica, com a inserção de tópicos sobre a Revolução Industrial, o desenvolvimento econômico, o crescimento econômico etc. Inserimos também, na parte teórica, uma visão marxista e uma visão schumpteriana; uma reflexão sobre o trabalho e a produção de bens e serviços. De maneira genérica, a evolução tecnológica tem se processado em todos os campos, não só nas telecomunicações. Assim como os aviões, a infraestrutura aeroportuária acabou por acarretar o desaparecimento de profissões de trabalhadores que prestavam os serviços nas telecomunicações. Nas últimas décadas deste século, as economias vêm sendo marcadas por um acelerado processo de mudanças em suas estruturas. Um elemento central dessas mudanças são as inovações tecnológicas, as novas maneiras de produzir e de organizar a produção, que ii determinam grandes alterações sobre as formas do emprego e os requerimentos de qualificação. Para as novas tecnologias, quanto mais alto for o coeficiente tecnológico incorporado ao processo de trabalho, mais rápido será o ritmo de destruição criadora. O trabalhador que não se especializar tende a ficar fora do mercado de trabalho. Os ganhos de produtividade e/ou mais-valia relativa, seja pela redução, ou pela eliminação da mão-de-obra, que certamente as mudanças tecnológicas têm trazido, demonstram um grande impacto na produção dos serviços na indústria de transportes e telecomunicações em um mercado de poucas empresas. No primeiro capítulo, de conteúdo histórico, temos como base o pensamento econômico da escola clássica; analisamos a Revolução Industrial, que traz em si as mudanças mais importantes dentro do modo de produção, e torna o processo de produção capitalista em quase todo o planeta, com a exceção de alguns países: Cuba, China, a antiga União Soviética entre outros. Fazemos uso também dos trabalhos de Marx e Schumpeter. Com o crescente aumento demográfico do planeta, as inovações tecnológicas, o aprimoramento profissional e principalmente a globalização, o Brasil e o resto do mundo passam pelo seus maiores processos de desempregos. Dedicamos então o segundo capítulo ao desemprego voltado para a economia brasileira, o trabalho formal e uma pequena citação ao trabalho informal; o desemprego em vários setores e procuramos dar maior ênfase ao desemprego no setor das telecomunicações. No terceiro capítulo fazemos um breve histórico sobre as telecomunicações e a evolução tecnológica voltada para o ramo das telecomunicações. No quarto e último capítulo dedicamos nossos estudos a um breve histórico sobre a aviação comercial brasileira e as lutas dos Radiotelegrafistas de Vôo em manterem-se nos vôos, o esvaziamento de suas lutas e o seu desaparecimento na década de 70. iii AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho, tornar-se-ia mais difícil. caso não houvesse a contribuição de diversas pessoas, que de certa forma, envolveram-se comigo para a realização do mesmo. À minha esposa Sakae, minha gratidão pela paciência, o estímulo e as cobranças constantes, tirando-me, muitas vezes, o esmorecimento. Ao meu orientador Profº Dr. Cesar Roberto Leite da Silva, uma atenção especial pela sua paciência em esperar, orientar, ajudar e suas recomendações sobre as leituras. E, no final do trabalho sua concordância em esperar-me concluir este trabalho, quando o prazo estava por terminar. Aos membros da banca de qualificação Profºs Dr. Júlio Manuel Pires e Dr. Antônio Carlos de Moraes, pelas suas críticas e preciosas sugestões oferecidas. Ao comandante Aldo Pereira, do SNA - Sindicato Nacional dos Aeronautas, que muito contribuiu com suasentrevistas, por fornecer-me seus livros e colocar o acervo do SNA à minha disposição. Ao BNDES - Banco do Desenvolvimento Econômico e Social, na pessoa do Sr. Marcel Asfour, pelo material fornecido assim como o Sr. Luis do GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamentos de Transportes, ligada ao Ministério dos Transportes, pelo exemplar do Anuário dos Transportes-1994 e a orientação em obter o restante do material via internet. Não poderia esquecer o Sérgio Scazufca, pelo trabalho de revisão de português e a ajuda recebida na maneira de expor as minhas idéias. Entre, as muitas pessoas que não estão sendo citadas, por falta de espaço ou esquecimento, prometo fazê-lo numa outra oportunidade. iv SUMÁRIO CAPÍTULO 1 Economia, Trabalho e Tecnologia Introdução ................................................................................................................... 01 1.1. A Revolução Industrial e o impacto no emprego ................................................. 02 1.2. A nova função do trabalhador .............................................................................. 12 1.3. O progresso técnico e os ciclos econômicos ........................................................ 14 1.4. Os ciclos econômicos ........................................................................................... 17 1.5. O fluxo circular, o processo de destruição criadora e o desenvolvimento econômico ............................................................................................................ 20 1.6. A automação, as novas tecnologias e a microeletrônica na atualidade ............... 28 CAPÍTULO 2 O desemprego na economia brasileira Introdução ................................................................................................................... 31 2.1. O trabalho formal e informal ................................................................................ 32 2.2. Novas tecnologias, novos meios de produção de bens e serviços exigem mão- de-obra qualificada ........................................................................................ 34 2.3. Pessoal ocupado por setores da economia brasileira ....................................... 41 2.4. A internet e novas oportunidades de emprego ................................................ 44 v CAPÍTULO 3 Telecomunicações: um breve histórico Introdução ................................................................................................................... 50 3.1. As primeiras tentativas de transmissão de mensagens à distância ....................... 50 3.2. A Virada do Século, o início da automação no serviço das telecomunicações ... 58 3.3. TSF - Telegrafia Sem Fio: a radiotelegrafia e seu início ..................................... 61 3.4. Século XX: um apanhado histórico nas telecomunicações .................................. 64 3.5. As empresas de telecomunicações ....................................................................... 68 3.6. As telecomunicações e as privatizações nos anos 90 .......................................... 74 CAPÍTULO 4 Um breve histórico sobre a aviação comercial, as telecomunicações e a retirada do Radiotelegrafista de Vôo das aeronaves na aviação comercial brasileira Introdução ................................................................................................................... 79 4.1. O Transporte aéreo ............................................................................................... 79 4.2. O surgimento das empresas aéreas ...................................................................... 88 4.3. A crise na aviação brasileira ............................................................................... 95 4.4. Pessoal Ocupado nas empresas aéreas na década de 90 ..................................... 98 4.5. O Radiotelegrafista de Vôo ...............................................................................102 4.6. As primeiras tentativas para a retirada do Radiotelegrafista dos vôos .............. 103 4.6. A automação das telecomunicações nas empresas de aviação comercial ......... 112 4.7. A saída do Radiotelegrafista de Vôo dos aviões ............................................... 115 vi Conclusão ............................................................................................................................. 124 Referências Bibliográficas .................................................................................................. 128 Anexos .................................................................................................................................. 134 vii Lista de Tabelas Tabela 2.1. - Evolução do emprego informal no Brasil - 1991 a 96 .................................. 33 Tabela 2.2. - Terminais ativados do serviço de telex nacional no Brasil - 1988 a 95 ....... 36 Tabela 2.3. - Minutos taxados no tráfego de telex internacional, segundo as rotas de destino - (Brasil e o Resto do Mundo) 1988 a 96 ..................................................... 38 Tabela 2.4. - Pessoal ocupado nas Entidades Telefônicas no Brasil - 1986 a 95 ............. 39 Tabela 2.5. - Pessoal Ocupado nas Entidades Telefônicas - Brasil 1986-95. - Participação percentual ..................................................................................................... 40 Tabela 2.6. - Terminais telefônicos em serviço no Brasil segundo as Grandes Regiões e Unidades da Federação - 1986 a 96 ............................................................ 40 Tabela 2.7. - Pessoal ocupado segundo as atividades econômicas - 1991 a 97 ................ 43 Tabela 3.1. - Empresas do Sistema Telebrás e Independentes em 1972 e 1996 ................ 70 Tabela 3.2. - Pessoal ocupado por terminais convencionais instalados - 1972-94 ............ 72 Tabela 3.3. - Terminais ativados do serviço de telex nacional - no Brasil - 1988-95 ....... 74 Tabela 4.1. - Composição Percentual dos Passageiros-Quilômetros Transportados por modos de transporte no Mercado Doméstico - 1989-98 ............................ 82 Tabela 4.2. - Transporte de Passageiros - Número de Passageiros-Quilômetros Transpor- tados por modos de transporte no Mercado Doméstico - 1989-98 ............. 83 Tabela 4.3. - Transporte de Passageiros Número de Passageiros-Quilômetros Transportados no transporte aéreo no Mercado Doméstico - 1989-98 .............................. 84 viii Tabela 4.4. - Transporte de Carga Composição Percentual em Toneladas-Quilômetros Transportados por modos de transporte no Mercado Doméstico - 1989-98 ....................................................................................................................... 85 Tabela 4.5. - Transporte de Carga Quantidade da Carga Transportada em Toneladas- Quilômetro por modos de transporte no Mercado Doméstico - 1989-98 ... 85 Tabela 4.6. - Transporte de Carga - Quantidade e Composição Percentual em Toneladas- Quilômetros Transportados no transporte aéreo no Mercado Doméstico - 1989-98 ....................................................................................................... 86 Tabela 4.7. - Pessoal Ocupado por empresa - Total da Indústria - 1991-98 ................... 99 Tabela 4.8. - Pessoal Ocupado nas empresas aéreas - Total da Indústria e composição percentual - 1991-98 ................................................................................... 99 Tabela 4.9. - Pessoal por empresa - segundo a categoria 1991-98. - Quantidade em 31 de Dez ............................................................................................................ 101 Tabela 4.10. - Pessoal ocupado na aviação comercial brasileira 1960-81 .........................107 Tabela 4.11. - Evolução da frota da VARIG - 1933-91 .................................................... 109 Tabela 4.12. - Quilômetro Voados - Tráfego Doméstico 1960-81 .................................... 117 Tabela 4.13. - Horas Voadas - Tráfego Doméstico 1960-81 ............................................. 118 Tabela 4.14. - Passageiros Transportados - Tráfego Doméstico 1965-81 ......................... 119 ix Lista de Gráficos Gráfico 3.1. - Censo na Inglaterra e País de Gales - 1861 ................................................... 55 Gráfico 3.2. - Evolução do número de telegramas expedidos no Brasil - 1862-1880 em milhares ......................................................................................................... 55 Gráfico 4.1. - Número de Passageiros-Quilômetros Transportado no transporte aéreo no Mercado Doméstico - 1989-98..................................................................... 84 Gráfico 4.2. - Quantidade da carga transportada em toneladas-quilômetro no transporte aéreo no Mercado Doméstico - 1989-98 ...................................................... 87 Capítulo 1 Economia, trabalho e tecnologia Introdução O objetivo deste capítulo é dar uma visão resumida sobre a economia política com ênfase a partir da escola clássica e uma pequena referência aos mercantilistas e os fisiocratas. Em seguida tratamos do trabalho, progresso técnico, ciclos econômicos, fluxo circular e as mudanças tecnológicas. Do século XVI ao XVIII, desenvolveram-se a doutrina mercantilista, a escola fisiocrata e a clássica1. Para os mercantilistas, a preocupação centralizava-se em relação ao comércio externo favorável ao seu país; em seguida apareceram os fisiocratas defendendo a posição de que toda riqueza de uma nação é oriunda da natureza; a verdadeira riqueza das nações estava na agricultura, a indústria2 não cria, apenas transforma insumos em produtos. No século XVIII surge a escola clássica. Na Inglaterra, ela inspirou os primeiros trabalhos da Economia Política Clássica e teve em Adam Smith3 o seu principal pensador. Teve também grande contribuição para seu desenvolvimento os trabalhos de Thomas Robert Malthus (1766-1834), John Stuart Mill (1806-1873), Jean-Baptiste Say (1767-1832), entre outros. Os representantes da escola clássica deram à economia um caráter científico integral, centralizando a abordagem do valor, cuja única fonte original era identificada no trabalho em geral. Os economistas clássicos consideravam a ciência econômica como um sistema regido por leis naturais às quais devia-se obedecer, “leis da natureza” ou na “providência 1 Vide MORAES, 1989:90-94 e KON, 1989:90-94. 2 Embora o termo: "indústria" tenha aparecido junto à linha de pensamento dos fisiocratas, eles referiam-se à agricultura e não propriamente a indústria. ”Há muito tempo, as manufaturas de luxo seduziam a nação; não temos nem a seda, nem as lãs convenientes à fabricação das belas fazendas e das colchas finas; entregamo-nos à uma indústria que nos era estranha e empregou-se nela uma multidão de homens, ...” (QUESNAY, 1983:305). 3 A linha de pensamento da Escola Clássica teve início com o trabalho escrito pelo escocês Adam Smith, "A riqueza das nações", ou em seu título mais completo, "Uma indagação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações", publicada em 1776. 2 divina”. Essas leis levariam o sistema ao equilíbrio e à auto-regulação. Era como se uma mão invisível guiasse os atos que aparentemente provocavam conflitos, de modo a haver mais harmonia. O surgimento da Escola Clássica coincidiu com o início da Revolução Industrial. Esse período foi marcado pelas novas descobertas, novos métodos de produção (a divisão do trabalho, por exemplo), novas invenções, novas fontes de energia, novas máquinas, o progresso técnico e, no início do século XIX, o progresso nos transportes ferroviário e marítimo pela aplicação do vapor como fonte de energia e, mais tarde, na metade do século XIX, surge o telégrafo. A indústria passava por um processo de mecanização. 1.1. A Revolução Industrial e o impacto no emprego Em meados do século XVIII, a Inglaterra passava por um crescimento da colocação de seus produtos no mercado externo. A produção das indústrias internas, entre 1700 e 1770, cresceu em 7%, enquanto as indústrias que destinavam seus produtos à exportação tiveram um crescimento de 76%. (HUNT, 1989:60-61). Nessa época, para a Inglaterra, uma quantidade maior de produtos industrializados a custos reduzidos significava lucros crescentes. A busca desses lucros, pela demanda externa cada vez maior, foi o motivo da explosão de inovações tecnológicas ocorridas a partir do último quarto do século XVIII e início do século seguinte. Algumas indústrias tiveram grande importância no início da Revolução Industrial, a começar pela indústria têxtil, que para atender uma demanda cada vez maior, causou um desequilíbrio entre os processos de fiação e tecelagem, o que levou a diversas inovações. A roda de fiar não podia ser comparada, em termos produtivos, ao tear manual. 3 Logo após o primeiro quarto do século XVIII, inventou-se a lançadeira móvel e o processo de fiar ficou bem mais rápido. Outros inventos surgiram e o aproveitamento de uma nova fonte de energia: o vapor, utilizado nos motores das máquinas. Embora o motor a vapor tenha surgido no início do século XVIII, algumas dificuldades de cunho mecânico limitavam o seu uso. Em 1769, James Watt desenvolveu um motor com movimento de pistão, que podia ser transformado em movimento giratório. Produzido em larga escala substituía a utilização da energia hidráulica. O desenvolvimento da energia a vapor trouxe profundas mudanças no processo de produção, e, em conseqüência, mudanças econômicas e sociais. Nesse período, houve um verdadeiro surto de atividades inventivas. Outra indústria importante para a Revolução Industrial foi a siderúrgica, ela facilitou a produção manufatureira pelo processo mecanizado. Nesse período Adam Smith escreveu "A Riqueza das Nações". A Revolução Industrial estava apenas começando. As características econômicas que dominaram as grandes cidades industriais do início do século XIX estavam presentes em algumas cidades inglesas e escocesas de meados do século XVIII. Segundo RIMA (1977:97), "A Riqueza das Nações" é um produto do homem e dos tempos. Durante o último quarto do século XVIII o cenário dos empresários ingleses era dominado pelo empresário-capitalista, que contratava mão-de-obra e, com freqüência, negociava através da sociedade comercial. Quanto à agricultura, continuava a ser o ramo de atividade mais importante, porém alguns grandes passos técnicos já haviam sido conseguidos, em particular nas indústrias têxteis e metalúrgicas que antecedem, em um período breve, a Revolução Industrial. Para Smith, estava explícito o grande potencial de organização capitalista de produção através das manufaturas.. 4 Segundo Adam Smith, em suas primeiras palavras, a divisão do trabalho gerou um maior aprimoramento das forças de trabalho4, com mais habilidade e destreza na sua execução. Ao observarmos seu exemplo em relação à produção de alfinetes, concluímos que quando as tarefas são divididas, a produção é superior: “... Um operário não treinado para essa atividade (...) nem familiarizado com a utilização das máquinas (...), dificilmente poderia talvez fabricar um único alfinete em um dia, empenhando o máximo de trabalho; de qualquer forma, certamente não conseguirá fabricar 20. Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada, (...) o trabalho todo constitui uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de setores, (...). Um operário desenrola o arame, um outro o indireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quintoo afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem (...) constitui uma atividade independente. Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente dezoito operações distintas, as quais, em algumas manufaturas são executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas. (...) 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia. Assim, já que cada pessoa conseguia fazer 1/10 de 48 mil alfinetes por dia, pode-se considerar que cada uma produzia 4.800 alfinetes diariamente. (tudo isto) em virtude da adequada divisão de trabalho e combinação de suas diferentes operações.” (SMITH, 1988a:17-18) Considerando-se que a produção é a maneira pela qual a divisão do trabalho aumenta a capacidade do homem para criar bens, cada indivíduo pode especializar-se em determinado ramo ou tipo de trabalho. Tal especialização proporciona a criação de excedentes individuais que tornam possíveis as trocas dos produtos por outros bens ou serviços. "(...) dessa forma, a certeza de poder permutar toda a parte excedente da produção de seu próprio trabalho que ultrapasse seu consumo pessoal estimula cada pessoa a dedicar-se a uma ocupação específica, a cultivar 4 A palavra trabalho deriva do latim tripallium, que designava um tipo de instrumento de tortura. Por muito tempo, o trabalho, apresentou um sentido de punição e de castigo. “Na segunda metade do século XIX, o ódio contra a fábrica persiste. Tal situação exprime-se pela linguagem flamejante de ódio, contra as ‘prisões industriais’ onde labutam ‘forçados’; nas atitudes de fuga da fábrica em caso de greve para reencontrar a rua e a comunidade do bairro e voltar à carga, em força, para partir vidros, forma clássica de violência operária. A ocupação dos lugares, a fábrica habitada e cuidada, será uma inovação do século XX, sintomática de novas relações com o instrumento de trabalho.” (PERROT In PIMENTEL, 1985:34). 5 e aperfeiçoar todo e qualquer talento ou inclinação que possa ter por aquele tipo de ocupação ou negócio.” (SMITH, 1988a:25-26) Para haver a permuta, as negociações ficariam mais difíceis se não houvesse um intermediário de trocas e um padrão de medida. Para cumprir esse papel, o uso da moeda evita os inconvenientes das situações de escambo. Entende-se por moeda5 tudo aquilo que serve para intermediar as trocas num sistema econômico, ela é um instrumento que serve para acumular valor. ”... embora o trabalho seja a medida real do valor de troca de todas as mercadorias, não é essa a medida pela qual geralmente se avalia o valor das mercadorias. (...), é mais freqüente trocar mercadoria específica por dinheiro, do que por qualquer bem.” (SMITH, 1988a:37) A palavra valor tem dois significados: às vezes, designa a utilidade de um determinado objeto, e outras vezes, o poder de compra que o referido objeto possui, em relação a outras mercadorias. O primeiro pode chamar-se ”valor de uso”, e o segundo “valor de troca”. O valor de troca baseia-se na vontade e na capacidade de trocar uma mercadoria por outra. Cada mercadoria mede o valor de troca de todas as outras e é, por sua vez, a medida de qualquer uma delas. Cada mercadoria representa também um valor. Segundo Smith, uma das conseqüências do poder de troca é que o mesmo leva à divisão do trabalho. Assim a extensão dessa divisão deve sempre ser limitada pela extensão desse poder, ou em outros termos, pela extensão do mercado. Quando o mercado é muito reduzido, ninguém pode sentir-se estimulado a dedicar-se inteiramente a uma ocupação, porque não poderá permutar toda a parcela excedente de sua produção que ultrapassa seu consumo pessoal pela parcela de produção alheia, da qual tem necessidade. (SMITH, 1988a:27) Existindo o mercado, os capitalistas, os proprietários de terra e os operários produzem bens e os trocam, tanto no mercado interno como no mercado externo. O mercado 5 Vide ROSSETI, 1995:193:208. 6 vai determinar a criação, redução ou o remanejamento de trabalhadores de uma função para outras. Porém, para os capitalistas, a redução de custos está entre os seus objetivos, seja por meio de novas invenções, novas máquinas, outros modos de produção, a divisão de trabalho, ou qualquer outro meio que aumente os seus lucros, e em alguns casos causam o desemprego. Smith faz a comparação entre o transporte terrestre e o transporte marítimo- fluvial mostrando que estes abrem um mercado mais vasto para qualquer tipo de trabalho. Por exemplo: uma carroça servida por dois homens e puxada por oito cavalos, em um determinado trecho6 leva aproximadamente seis semanas para transportar cerca de 4 toneladas de mercadorias. Um barco ou navio tripulado por 6 ou 8 homens, gastando mais ou menos o mesmo tempo, transporta 200 toneladas de mercadorias. Portanto, seis ou oito homens utilizando o transporte aquático podem levar e trazer a mesma quantidade de produtos, no mesmo tempo que 50 carroças servidas por 100 homens e puxadas por 400 cavalos. E mais, para 200 toneladas de mercadorias transportadas por terra, é necessário pagar a manutenção de 100 homens durante 3 semanas, e o desgaste e a mobilização de 400 cavalos e de 50 carroças. Porém, a mesma quantidade de mercadorias, se transportadas por hidrovia, tem gasto apenas com a manutenção de 6 ou 8 homens, e pelo desgaste e movimentação de um barco ou navio com uma carga de 200 toneladas. Na medida em que há perda de postos de trabalho podemos concluir que o fenômeno do desemprego, nos transportes, já estava presente no século passado. E quanto aos outros 90 ou 92 homens, o que fazer? deveriam ser remanejados para outros ramos de atividades? Porém, quando tal fato acontece, essa categoria deixará de ser de transportadores de mercadorias e irá tomar o lugar de outros operários que estavam no mercado de trabalho, ou ocupar as novas ofertas de trabalho às quais estariam destinadas aos novos operários que ingressariam nesse mercado para vender sua força de trabalho para a produção de bens e serviços. 6 Entre Londres e Edimburgo - ida e volta - para o transporte terrestre e procedente do porto Londres com destino a Leith no transporte marítimo. Vide (SMITH, 1988a:28). 7 Com a existência do mercado, torna-se mister produzir mercadorias para abastecê-lo, para a produção dessas mercadorias há a necessidade do emprego das forças produtivas gerando emprego de mão-de-obra, "dos operários livres", a força de trabalho vendida. Para produzir determinadas mercadorias e serviços não há grande diferença no modo de produção entre o artesanato e as corporações, a não ser pelo maior número de trabalhadores ao mesmo tempo ocupados pelo mesmo capital. Na visão marxista, a princípio, a diferença é apenas quantitativa. Para a produção, o valor dos bens não tem grande importância quanto à alteração qualitativa no processo de trabalho. Se um dia de trabalho de 10 horas equivale a 5 unidades monetárias, 30 dias de trabalho de 10 horas representam 5 unidades monetárias vezes 30 dias. Na primeira situação, incorporam o produto de 10 horas de trabalho, na segunda, o resultado de um mês de trabalho. Na produção de valor, qualquer conjunto de operários é apenas um múltiplo da unidade, isto é, um trabalhador. Para MARX (1982:I 374), “Chama-se cooperação a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos.” Segundo MARX (1982:I 402), a soma das forças mecânicas dos operários isolados é diferente da força social que se desenvolve quando são utilizadas muitas mãos ao mesmo tempo numa mesmaoperação, um trabalho coletivo. Quando precisamos carregar uma locomotiva, mover uma pesada manivela, limpar uma estrada, o resultado do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo trabalho individual. O homem, o agente econômico, além de procurar novos meios para melhorar ou aumentar a produção de bens, também está engajado na pesquisa, à procura de invenções. A água que o homem precisa, ele vai procurar obtê-la de várias maneiras, para tornar mais fácil o bem disponível em sua casa ou sua fábrica. Para atingir o seu objetivo, o homem 8 desenvolveu, desenvolve e desenvolverá novos métodos de produção, novas ferramentas e novas máquinas para produção de bens e serviços. Segundo MARX (1982:I 423), para revolucionar o modo de produção, na indústria moderna, o ponto de partida é o instrumento de trabalho. É preciso investigar como um determinado instrumento de trabalho se transforma de ferramenta manual em máquina. A ferramenta é movida pela força humana, e a máquina utiliza um determinado tipo de força, seja ela eletromotriz, hidráulica, eólica ou outra. Toda maquinaria desenvolvida consiste de três partes essencialmente distintas: o motor, a transmissão e a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho. A força motriz é oriunda do motor que transmite a todo o mecanismo, a transmissão é composta por turbinas, eixos, volantes, barras, cabos, correias e todo o dispositivo de engrenagens e transmissão. O motor e a transmissão substituem a força e os movimentos do operário, portanto a máquina- ferramenta apodera-se do objeto de trabalho e o transforma de acordo com um fim desejado. No início da revolução industrial, com a descoberta da máquina a vapor, o trabalho de muitas ferramentas foi transferido para as máquinas, gerando dispensa de operários. Marx chamou esses operários de o exército de reserva. Com as invenções que foram surgindo a partir do século XVIII, passou-se a poupar mão-de-obra, o que causou revolta e sabotagem7 entre os operários. Como exemplo podemos citar a máquina de fiar aperfeiçoada de Arkwright impulsionada pela água; a máquina a vapor de James Watt em 1769, da máquina de fiar patenteada por Hargreaves em 1770, o processo do tear mecânico de Cartwright em 1785, a aplicação da máquina a vapor nos altos-fornos em 1788. O vapor foi usado na indústria e também nos transportes marítimos e ferroviários, agilizando os meios de comunicações. Para MARX (1982:I 423), a revolução no 7 Sabotagem, termo de origem francesa, sabot, significa para nós, tamanco. Os operários franceses, no início da industrialização, revoltados por a máquina tirar seus empregos, atiravam os tamancos que calçavam em seu interior com a intenção de danificá-las, destruí-las. BERNARDO In: BRUNO, & SACCARDO, coords., (1988:103-104). 9 modo de produção de um ramo industrial acaba se propagando a outros. Assim, a mecanização da fiação requereu a mecanização da tecelagem, em conseqüência as duas vão ocasionar a revolução na indústria química e o mecanismo de branqueamento, através da tintura, na estampagem dos tecidos. Segundo DOBB (1977:331), no decorrer dos séculos XVI e XVII apareceram as primeiras descobertas que deram sustentação teórica para as primeiras indústrias fabris. Os aperfeiçoamentos introduzidos na bomba a vácuo facilitaram a mineração em maiores profundidades. Outros estudos científicos da trajetória de projéteis e do pêndulo e o estudo do movimento circular de Huyges teve aplicação prática na manufatura de relógios e mecanismos semelhantes. Além da máquina a vapor, foram introduzidos novos mecanismos automáticos, nessas máquinas, abrindo campo para os investimentos para o progresso técnico implicando na redução do trabalho humano. As reações contra a exploração do trabalho do homem começaram a surgir no século passado, principalmente com o trabalho de Karl Marx sobre as novas idéias a respeito do trabalho. Segundo Marx, o modo de produção capitalista se baseia na exploração do trabalho. Para dar um fim à exploração do trabalho, propunha que os meios de produção, fábricas, máquinas, matérias-primas, fossem de propriedade de todo o povo. Os trabalhadores passaram a se organizar em sindicatos com a finalidade de defender seus interesses. Passaram a se sentir como uma classe, como um todo. Perceberam também que, embora fracos como indivíduos, tornariam-se fortes quando todos se unissem. Tal organização irá ocorrer em virtude do uso da maquinaria, a qual levou à criação de um novo desdobramento no sistema produtivo, com dezenas de trabalhadores agrupados na manufatura em série, de produtos para um mercado desconhecido, com uma produção sempre crescente e diversificada. O artesão que antes produzia suas mercadorias em casa, passará a executar um trabalho, com uma única função, em uma oficina, sob a 10 organização de outro operário “gerente” e o objetivo, não é mais do artesão, porém do capitalista, é a produção final dos bens e serviços. Para BRAVERMAN (1981:61), assim que os produtores foram reunidos, apareceu o problema da gerência em forma rudimentar. Em primeiro lugar, surgiam funções de gerência pelo próprio exercício do trabalho cooperativo. Até mesmo uma reunião de artesãos atuando independentemente exigia coordenação, se tivermos em mente a necessidade de ter-se uma oficina e os processos, no interior dela, de coordenar as operações, centralização do suprimento de materiais, um escalonamento mesmo rústico das prioridades e atribuições de funções. O artesão perdeu para o empresário o controle da produção. O empresário passou a buscar novos modos de produção, novas técnicas, novas máquinas poupadoras de mão-de- obra, a divisão do trabalho com o objetivo final do aumento de seu lucro. "Com a revolução industrial, o progresso técnico, a mecanização atinge quase todas as indústrias, fazendo desaparecer algumas profissões, funções. “Poucas indústrias escapam à mecanização. Indústria do vidro, depois de 1880; do couro e da tipografia, depois de 1890; e a moldagem da matéria fundida, são, por seu turno, mecanizadas. A vidraria adopta [sic] o forno Siemens com aquecimento a gás; ar comprimido; o sopro mecânico faz desaparecer o assoprador. Joan Scott mostrou, através do exemplo dos vidreiros de Carmaux, como tais mudanças técnicas provocam a morte de um oficio.” (PERROT In PIMENTEL, 1985:17) (o negrito é nosso). No final do século passado e início deste, segundo PERROT In PIMENTEL, (1985:19-20), o fabrico de calçados passa do artesanato à fábrica com a introdução de máquinas americanas ‘Goodyear’. Na tipografia, as rotativas ‘Marioni’, a composição por linótipos, as encadernadoras automáticas permitem a utilização das mulheres, fato que suscita fortes reações de repúdio das quais a mais célebre foi a questão Couriau, em 1913. Como medida de réplica, o sindicato fechou a entradas às mulheres. Na indústria de relógios que, depois de 1860, entra na era industrial com um fabrico de relógios de baixo preço, a produção das unidades é feita em série, nas fábricas, por uma dezena de especialistas. Apenas o ‘acabamento’ por ‘retificadores’ muito qualificados, se efetua ainda no domicílio. A partir do momento que as fábricas uniformizaram suficientemente as peças, chegando ao ponto em que 11 a retificação deixa de ser necessária, essa mesma categoria desaparece. A penetração do maquinismo, muito irregular, acentuou a heterogeneidade das estruturas, quer do ponto de vista das indústrias, quer das regiões. Indústrias proeminentes, regiões tecnicamente evoluídas contrastam com os setores em que dominam o artesanato, a ferramenta e a mão. O maquinismo participa desse desenvolvimento desigual, inerente ao capitalismo industrial desde a sua primeira fase. As reações contrárias nas novas organizações do trabalho não podiam retardar indefinidamente o progresso técnico, a mecanização e a divisãodo trabalho, a introdução de uma máquina ou o desenvolvimento de uma nova técnica implica em ganhadores e perdedores no conjunto da sociedade. Segundo PERROT In PIMENTEL (1985:24-5). verifica-se que é freqüentemente durante, ou no seguimento, de uma greve que o patrão toma a decisão de introduzir determinado processo mecânico que antes hesitava em adotar. Pode-se descrever esse processo nas indústrias de couro parisiense, entre 1875 e 1890. Os moldadores, pagos à peça conforme suas próprias exigências, constituíam um ponto de estrangulamento na indústria de automóvel, até o momento que, em 1906, a máquina de moldar permitiu substituí-los. A Revolução Industrial trouxe diversas mudanças no processo de produção até meados do século XVIII. O trabalho humano em abundância, seja ele escravo, servil, dominado ou livre passou a ser substituído pelas máquinas. De um lado, o capitalista, proprietário dos meios de produção: máquinas, equipamentos, capital, matérias-primas, das instalações e do produto final do trabalho e o único comprador da força de trabalho. De outro lado, aparece a figura do trabalhador, despojado, no novo sistema de produção, de seus meios de produção e do seu próprio espaço de trabalho, que tem como opção vender sua força de trabalho em troca de uma remuneração e das condições de trabalho, não mais definidas por ele, porém pelo capitalista que se apropria da mais-valia8 e acaba produzindo o lucro. 8 Segundo (SCHUMPETER, 1970:44-45) “Marx confiava em que a concorrência entre os capitalistas daria origem à redistribuição da “massa” total da mais-valia, de modo que cada empresa auferiria lucros 12 Esta Revolução, além da introdução das máquinas e da divisão do trabalho passa a ter, na ciência, uma aliada como ponto central para maximizar os resultados do trabalho e, em conseqüência, o lucro do capitalista. Seja com a Química, a Engenharia, ou a Física ou com a criação da Administração científica e dos métodos modernos na administração, uma nova função ao trabalhador. 1.2. A nova função do trabalhador Cabe agora analisar os efeitos da evolução tecnológica e as conseqüências sociais do progresso técnico no trabalho. O trabalho do homem muda ao longo do tempo, o progresso técnico cria, recria processos de trabalho e destrói profissões. Profissões especializadas que exigem qualificação, treinamento, conhecimentos específicos e, portanto, remuneram melhor os trabalhadores, surgem, são modificadas e morrem. O processo de industrialização mecanizada iniciado na Revolução Industrial trouxe diversas mudanças no modo de produção e nas relações entre capitalistas e assalariados. O uso da energia a vapor capacitou as máquinas para aumentarem a produção que pode atender um mercado cada vez mais crescente, tanto interno como externo. “A proporcionais ao seu capital total, ou que as taxas individuais de lucros se igualariam. (...) Marx, contudo, acreditava não somente que a teoria explicava o aparecimento de taxas uniformes de lucro e demonstrava, como, em virtude dela, os preços relativos das mercadorias se desviariam dos seus valores em termos de trabalho, mas também que ofereceria explicação de outra teoria, altamente reputada na doutrina clássica, isto é, que a taxa de lucros apresenta uma tendência inerente para declinar. Isso ocorreria, e realmente com muita plausibilidade, em virtude do aumento da importância relativa de parte do capital constante nas indústrias de bens-trabalho: se a importância relativa das instalações, equipamentos aumentasse nessas indústrias, como ocorre no curso da evolução capitalista, e se a taxa de mais-valia, ou grau de espoliação, permanecesse inalterada, a taxa de lucro sobre os capitais totais declinaria geralmente. 13 segunda metade do século XIX é marcada na Europa Ocidental pelo que habitualmente se chama de primeira revolução industrial: a revolução do carvão, do vapor, dos têxteis, de que a Inglaterra vitoriana representa o protótipo.” (PERROT In: PIMENTEL, 1985:17). Um novo uso de uma nova energia, a eletricidade, voltou a dar vigor a algumas manufaturas domiciliárias, à tecelagem, à chapelaria, porém por um certo período e a Revolução Industrial acabou atingindo os campos com o conseqüente “inchaço das cidades”. Novos processos na aplicação do carvão acabaram por destruir pequenas fábricas de ferro nas regiões de florestas. Conforme PERROT In: PIMENTEL (1985:21), a bacia do Norte-Pas-de-Calais deu a metade da produção francesa de carvão em 1886, e dois terços em 1913. A introdução do processo Thomas-Gilchrist, depois de 1870, permitindo a utilização dos minerais de ferro fosforosos, arrasou pequenas fábricas de ferro das regiões florestais em proveito dos grandes centros da Lorena. Em 1869, 290 altos-fornos produziam 1.381.000 t de ferro fundido, em 1900, 124 forneceram 2.714.000 t. O fenômeno mais importante é o da desindustrialização dos campos, não apenas pelo desaparecimento da tecelagem domiciliária, mas pelo encerramento das pequenas fábricas situadas ao longo dos rios. Na província de Calvados, onde o fenômeno foi estudado de um modo muito preciso por G. Désert, contam-se 4000 tecelões manuais de algodão em 1869, 1500 em 1889. Na indústria de lanifícios, a mão-de-obra rural desce de 40 por cento em 1869, para 18 por cento em 1893, 1500 teares em atividade na zona de Lisieux em 1873, 500 em 1884; na zona de Bayeux, 5000 bordadeiras em 1868, 500 em 1884. ‘No espaço de meio século, mais de 30.000 camponeses perderam o rendimento complementar, com freqüência vital, que lhes oferecia a fabricação das rendas.’ Assim, desaparece essa indústria da renda que tinha sido a verdadeira iniciadora da industrialização desses campos desde o século XVIII, pela disciplina, hábitos de trabalho e ensinamento que incutira em toda população infantil e feminina. A substituição da energia, primeiro veio a hidráulica, depois o vapor e em seguida a eletricidade, movimentando as máquinas, vai ser o centro da nova forma de 14 produção, que transformará grande parte dos camponeses, artesãos e trabalhadores empregados na manufatura. O operário será o responsável pelo bom funcionamento da máquina, terá como função alimentá-la, vigiá-la, mantê-la em funcionamento e fazer manutenção. Ele será o responsável por todo o funcionamento da fábrica. Mantendo uma certa hierarquia, surge a Gerência Científica. O capitalismo industrial, segundo BRAVERMAN (1981:61) “começa quando um significativo número de trabalhadores é empregado por um único capitalista. No início, o capitalista utiliza o trabalho tal como lhe vem das formas anteriores de produção, executando os processos de trabalho tal qual era antes”. Quando um grupo de operários está reunido em uma fábrica para executar suas funções de trabalho9, sob o comando de um produtor, surge mesmo que de forma rudimentar, a figura do gerente; ou mesmo a reunião de artesãos com atuações independentes exige a coordenação das operações, da centralização do fornecimento de matérias-primas, insumos e atribuições de funções. A princípio, o capitalista assumiu a função de gerente, mesmo porque, ele era o proprietário dos meios de produção. 1.3. O progresso técnico e os ciclos econômicos O progresso técnico, segundo STOINER & HAGUE (1975:706), “Eis um fenômeno um tanto obscuro. Sua taxa se determina não só pela introdução de métodos de 9 Para (SCHUMPETER, 1982:20-21), “...(passamos a examinar outro fator produtivo): o trabalho. Passando por cima das diferenças entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, entre trabalho usado direta e indiretamente na produção, e ultrapassando as distinções, do mesmo modo irrelevantes, entre trabalho mental e manual e entre qualificado e não-qualificado, (...) São as distinções entre (trabalho) dirigente e dirigido e entre trabalho assalariado e autônomo. O que distingue o trabalho dirigentedo dirigido parece à primeira vista ser muito fundamental. Há duas características principais. Em primeiro lugar o trabalho dirigente tem uma posição mais elevada na hierarquia do organismo produtivo. Essa direção e supervisão do trabalho ‘executor’ parece erguer o trabalho dirigente acima e fora da classe do outro trabalho. Enquanto o trabalho executor está simplesmente no mesmo nível que os usos da terra, e do ponto de vista econômico tem absolutamente a mesma função que estes, o trabalho dirigente está claramente numa posição predominantemente tanto em contraste com o trabalho executor, quanto com os usos da terra. É como se fosse um terceiro fator produtivo. A outra característica que o separa do trabalho dirigido parece constituir sua natureza: o trabalho dirigente tem algo criativo no sentido de que estabelece seus próprios fins. (...)” 15 aperfeiçoamento de produção, baseados em invenções passadas (o que os economistas chamam “inovação”), mas também pela taxa em que desabrocham novas invenções capazes de formar a base de futuras inovações.” (o grifo é nosso). A utilização do vapor na indústria aumentou a produção, e por outro lado, a utilização dessa força nos transportes através da locomotiva a vapor e nos transatlânticos encurtou as distâncias e melhorou o escoamento da produção, o transporte de pessoas e o serviços de correios e encomendas. Nos meios de transportes, a construção de ferrovias teve um papel importante no desenvolvimento econômico no período da revolução industrial e nos períodos seguintes, não só para o escoamento da produção, como também na utilização da indústria do ferro e do carvão. Segundo DOBB (1977:362), a construção ferroviária na Inglaterra não representava de modo algum toda a importância para o investimento e a indústria pesada. Embora geralmente tenhamos presentes os anos que se seguem a 1880 e a década anterior a 1914, quando se trata de exportação de capital, não se deve relevar que o investimento fora do país teve um papel desprezível nos meados do século XIX. Os investimentos no exterior dirigiam- se às construções ferroviárias em grande escala e serviam a uma dupla função: proporcionar uma saída lucrativa para o capital e estimular as exportações de bens de capitais ingleses. Nos transatlânticos, a utilização do vapor substitui as velas, que aproveitavam a “força da natureza - ventos”, por meio de uma inovação tecnológica, do progresso técnico. Em conseqüência, houve um crescimento econômico não só na Europa, mas em várias partes do mundo. Segundo MARX (1982:I), a revolução no modo de produção industrial e da agricultura acarretou outras necessidades nas condições gerais do processo social da produção. Os meios de transportes e comunicação logo se tornaram obstáculos insuportáveis à indústria moderna com sua velocidade febril de produção em grande escala. Isso facilitou um 16 contínuo deslocamento de capital e trabalhadores de um ramo de produção para outro e com novas conexões que criou no mercado mundial10 facilitou o aparecimento de novas profissões. Segundo MARX (1982), além das transformações radicais ocorridas na construção de navios a vela, o sistema de transportes e comunicações foi progressivamente adaptado ao modo de produção das grandes indústrias com a introdução dos navios a vapor fluviais, das vias férreas, dos transatlânticos e do telégrafo. Com o desenvolvimento de novos métodos de produção, novas invenções, novas máquinas, progresso técnico etc. é de se esperar que haja crescimento econômico, seja regional, nacional ou mundial. Para haver crescimento econômico torna-se necessário que seja acompanhado de um processo de acumulação. Havendo crescimento da produção, espera-se um aumento na utilização de todos os insumos e a contratação de operários adicionais. Os meios de produção adicionais podem ser obtidos pelo desenvolvimento da produção, ou seja, pelo resultado da acumulação anterior. O que caracteriza o sistema capitalista é a maneira pela qual o excedente é criado e é apropriado pelos que detêm o monopólio dos meios produtivos. Segundo LABINI (1984:14), com o progresso da acumulação, o desemprego tende a diminuir, a massa total dos salários cresce e o limite dado pela capacidade do consumo é, por assim dizer, afastado. Tal limite se afasta mais quando, reduzindo-se mais o desemprego, também os salários unitários começam a crescer. Mas, exatamente nesse ponto, começa a operar o outro limite: aquele dependente das relações de produção, o limite dos custos. Para frear o aumento dos custos, os “capitalistas industriais” tendem a substituir, em medida crescente, trabalhadores por máquinas. Assim procedendo, atendem às dificuldades que surgem do lado dos custos, mas agravam a dificuldade de mercado (surgida na venda de quantidades crescentes de produtos), porque congelam uma parte das rendas do trabalho em 10 Se de um lado destrói ou elimina empregos ou um determinado produto, de outro lado, criam-se novos produtos, novos empregos, novas oportunidades, seja regional ou a nível mundial. É um processo de destruição e renovação que Schumpeter chamou de destruição criadora. 17 capitais fixos e deprimem o montante absoluto ou ritmo do crescimento das rendas globais dos operários. Para STOINER & HAGUE (1975: 764-5), a introdução de inovações que poupam trabalho também pode levar ao desemprego. Se uma determinada indústria introduzir maquinaria que poupa grandemente o trabalho, isso levará a uma queda do emprego na mesma, a menos que o preço do seu produto possa ser fortemente reduzido e a procura seja suficientemente elástica para permitir à produção da indústria aumentar muito. É provável que ocorra desemprego, os desempregados poderão encontrar dificuldade em obter novos empregos se suas aptidões forem demasiado especializadas. Mesmo que as aptidões requeridas não sejam muito específicas, sobreviverá o desemprego se os trabalhadores ou os empregadores nas outras indústrias crescentes opuserem obstáculos contra os homens daquela indústria onde ocorreu a automação. Este desemprego causado por inovações grandemente poupadoras de mão-de-obra é conhecido como desemprego tecnológico. Para BOWEN & MANGUM (1969:21) a tecnologia é responsável pelo desaparecimento de empregos, não do trabalho. É uma obrigação contínua da política econômica ajustar os aumentos do potencial produtivo aos aumentos do poder aquisitivo e procura. Do contrário, o potencial criado pelo progresso técnico se desperdiça em capacidade ociosa, desemprego e privação. 1.4. Os ciclos econômicos Os economistas clássicos tinham a opinião de que a vida econômica tendia sempre para o equilíbrio, ou melhor, tinha um desenvolvimento, automático. Havia uma "mão invisível" que colocava tudo no seu devido lugar. Nessas condições, os desequilíbrios não eram levados em conta, isto é, não eram objeto de apreciação e análise, a fim de se conhecerem as suas causas, visando a alterar ou a moderar os seus efeitos. 18 De Marx aprendemos que o capitalismo é essencialmente um processo de acumulação de capital, que não existe capitalismo sem relações econômicas internacionais, e que as condições da produção capitalista e suas crises levam à concentração do capital. Crises na economia, os ciclos da economia11, são premissas que muitos autores colocam para uma análise do sistema capitalista. (GONÇALVES, 1984:103). Segundo BYRNS & STONE (1997:104), o renascimento recente dos instintos empreendedores no bloco do Leste Europeu surpreenderia Joseph Schumpeter. Em 1911, ele propôs a teoria da onda longa dos ciclos de negócios cujo desenvolvimento é ativado quando os empreendimentos iniciam inovações como a descoberta de matérias-primas, novos bens ou nova qualidade nos produtos familiares, avanços tecnológicos, abertura de novos mercados ou maiores reorganizações nas indústrias. ParaLABINI (1984:13), em uma época em que a indústria mecânica deita raízes profundas, chegando ao ponto de exercer um forte impulso sobre toda a produção nacional e o mercado mundial anexa sucessivamente vastos territórios no Novo Mundo, por exemplo, na Ásia e na Austrália e os países industrializados fazem concorrência entre si, o comércio externo começa a prevalecer sobre o interno. É dessa época que deixam os ciclos recorrentes, cujas fases sucessivas compreendem anos e anos e acabam-se sempre numa crise geral em que o fim de um ciclo é o início de outro. 11 Em nota de rodapé Samuelson faz a seguinte colocação sobre diversas teorias: “Poderemos mencionar apenas algumas das teorias mais conhecidas: (1) a teoria monetária atribui o ciclo à expansão e à contração do crédito bancário ‘HAWTREY, FRIEDMAN, e outros’; (2) a teoria inovação atribui o ciclo ao acúmulo de invenções importantes, como a ferrovia (SCHUMPETER, HANSSEN, e outros); (3) a teoria psicológica trata o ciclo como um caso em que as pessoas se contagiam umas às outras com expectativas pessimistas e otimistas (PIGOU, BAGEHOT, e outros); (4) a teoria do subconsumo afirma que uma quantidade excessiva de renda cai em mãos dos ricos ou parcimoniosos, em contraste com o que pode ser investido (HOBSON, SWEZZY, FOSTER E CATCHINGS, e outros); (5) a teoria do excesso de investimento alega que é o investimento em demasia, e não a escassez de investimento, que provoca as recessões (HAYECK, MISES, e outros): (6) a teoria das manchas solares, das variações meteorológicas e das safras (JEVONS, H. L. MOORE). O leitor interessado deverá consultar G. HABERLER, prosperity and Depression (Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1958, 4ª edição [sic]), ou outros textos que tratem do ciclo econômico, para maiores informações. Podemos acrescentar a mais nova teoria, a ‘política’, do polonês KALECKI, que vai achar a culpa pelas recessões no domínio político periódico do sopro inflacionário.” (SAMUELSON, 1977:272). 19 Segundo MARX (1982:II 77), “Antes de passar aos trabalhadores agrícolas, mostraremos, com um exemplo, os efeitos das crises sobre a parte melhor remunerada da classe trabalhadora, a aristocracia, no ano de 1857, trouxe uma das grandes crises com que se encerra todo o ciclo industrial. A próxima recaiu em 1866, já sido antecipada nos distritos industriais propriamente ditos, com a crise algodoeira, que transferiu muito capital dos ramos costumeiros de investimentos para os grandes centros do mercado monetário. Desta vez, a crise assumiu um caráter predominantemente financeiro.” Schumpeter, se refere ao progresso nas conquistas da economia quando consegue-se produzir mercadorias mais baratas, reduzindo seu custo de produção e tornando- as acessíveis a uma parcela da população que antes tinha dificuldades em obtê-las. Define como ondas na atividade econômica, ou os ciclos econômicos, para outros autores -, cada uma delas consistindo numa “revolução industrial”. ”... fica ainda mais claro se examinarmos as ondas longas na atividade econômica, cuja análise, mais que qualquer outra coisa, revela a natureza do processo capitalista. Cada uma delas consiste numa “revolução industrial” e na absorção de seus efeitos. Por exemplo, somos capazes de observar estatística e historicamente - o crescimento de uma dessas ondas longas ao final da década de 1780, seu auge por volta de 1800, sua queda e então uma espécie de recuperação terminando no início da década de 1840. (...) outra onda longa que surgiu na década de 1840, alcançou seu auge pouco antes de 1857 e declinou até 1897, seguida, por sua vez, pela que alcançou seu pico em torno de 1911 e que está em pleno refluxo. Essas revoluções refazem periodicamente a estrutura industrial existente, introduzindo novos métodos de produção - a fábrica mecanizada, a fábrica eletrificada, a síntese química e coisas semelhantes; novas mercadorias - os serviços de estradas de ferro, automóveis, aparelhos elétricos; novas formas de organização (...) novas rotas de comércio e novos mercados, e assim por diante. (...) enquanto tais coisas vão sendo iniciadas, ocorrem grandes gastos e predomina a prosperidade - interrompida, sem dúvida alguma, pelas fases negativas dos ciclos mais curtos que vão se sobrepondo; e ao mesmo tempo em que essas coisas se completam e seus resultados começam a surgir, ocorre a eliminação de elementos antiquados da estrutura industrial e predomina a “depressão”. Há assim, períodos prolongados de crescimento e queda de preços, taxas de juros, emprego e assim por diante, fenômenos que constituem partes do mecanismo desse processo de recorrente rejuvenescimento.” (SCHUMPETER, 1984: 94-5) 20 Portanto, podemos afirmar que ao fim de um ciclo, tem-se o início de outro. Em alguns casos, é um processo de destruição de um modo de produção, de um mercado e a entrada de outro método de produção, de outro mercado. 1.5. O fluxo circular, o processo de destruição criadora e o desenvolvimento econômico Segundo HUGON (1988:549), a primeira abordagem realmente nova do crescimento econômico foi de Joseph A. Schumpeter que dedicou grande parte de sua vida em explanar a hipótese de que o desenvolvimento e a flutuação econômica são relacionados em economias dinâmicas. O ponto de partida de uma análise schumpeteriana é o esquema do fluxo circular. A seguir, Labini comentando o prefácio escrito por Schumpeter, para uma edição japonesa da Teoria do Desenvolvimento Econômico, faz uma relação entre as teorias schumpeteriana e a marxista de desenvolvimento. (LABINI, 1984:21-2) “No princípio, não me era claro o que talvez ao leitor pareça óbvio: que esta idéia e este objetivo são exatamente os mesmos que estão na base do ensinamento de Karl Marx. Na verdade, o que distingue dos economista do seu tempo e daqueles que o precederam é verdadeiramente a visão da evolução econômica como um processo distinto, gerado pelo próprio sistema econômico. Em todos os outros aspectos, ele não fez mais que adaptar e usar os conceitos e as proposições ricardianas. Mas o conceito de evolução econômica, que recobre com uma desnecessária vestimenta hegeliana, só a ele pertence. Provavelmente, é isso que uma geração de economistas após outra retorna a ele, ainda que se possa encontrar muito o que criticar em sua obra”. No mesmo texto, Labini, faz referência a uma obra (póstuma) de Schumpeter, História da Análise Econômica. Schumpeter escreve o seguinte: (Apud LABINI, 1984:22) “Consideremos, em seguida, alguns aspectos específicos da economia marxista. Aqui desejo apenas insistir sobre a grandeza da concepção e do fato de que a análise marxista é a única teoria genuinamente evolutiva que 21 este período (1790-1870) produziu. Nem as hipóteses, nem as técnicas dessa análise estão isentas de graves objeções, em parte pelo fato de que esta permanece incompleta. Mas a visão grandiosa de uma evolução imanente ao processo econômico - a qual, de algum modo operando através de acumulação, de algum modo destrói a economia e a sociedade do capitalismo de competição e, de algum modo, gera uma situação social -, toda essa visão permanece depois que a crítica mais vigorosa tenha cumprido a sua tarefa. É este fato, e só este fato, que faz a grandeza de Marx como teórico econômico”. (O grifo é nosso). Além do esquema do fluxo circular, na visão schumpeteriana, levamos em conta novos modos de produção, as inovações tecnológicas e o próprio desenvolvimento econômico. “... Su búsqueda de una variable explicatoria del desarollo, le condujo a elegir el papel clave de la innovación. Dado un sistema cerrado que opera según el concepto de la corriente circular, Schumpeter afirmaba que no había oportunidades para el crescimiento, en la ausencia de choques como los generados por el acto de la innovación; esdecir la actividad de aplicar mejoras anteriormente creadas de ingenieria y organización a las técnicas de produción. Los empresaríos innovadores podrían atraer capital monetario para financiar sus mejores, porque podrían competir com las empresas existentes, mientras pudiesen pagar cargos intereses más altos a los banqueros, cuya función identificaba Schumpeter como financiación de la produción y la innovación. Al avanzar el desarollo, otros empresarios aspirantes tratarían de obtener similares oportunidades hasta que competencia resultante y una serie de malos juicíos agotarían todas las possibilidades de obtener utilidades. Los errores acumulados provocarían un proceso de derrumbe temporal cuando desaparecieran las possibilidades de utilidades de modo que sólo quedaran los más fuertes y eficientes, y se creara el camino para uma nueva generación de inovadores, y un nuevo comienzo de los procesos de crescimiento y desarollo. A esta inovación, y al seguiente processo de derrumbe y distribución, Schumpeter los denominó ‘destrucción creadora’12” (DONALD & REYNOLDS, 1971:498-9) (O negrito é nosso) Na análise schumpeteriana da instabilidade econômica referente ao desenvolvimento capitalista que ele sempre enfatizou enquanto processo histórico e orgânico, encontraremos elementos estruturais adicionais da dinâmica capitalista. 12 Sobre a destruição criadora, vide SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro, Zahar, 1984, pp. 110-116. 22 Para KON (1999:84), "Este processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele se deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver." Segundo SCHUMPETER (1984:112), o capitalismo é uma forma ou método de mudança econômica, e nunca está, e não pode estar, estacionário. O movimento do sistema capitalista decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, de abertura de novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria. Tal processo de mudanças, quando aparecem descontinuamente, substituindo antigas estruturas por novas, Schumpeter chamou de Processo de Destruição Criadora. “... a história do aparelho produtivo de uma fazenda típica, no início da racionalização da rotação de lavouras, da lavradura e da engorda até a coisa mecanizada dos dias de hoje - em que usam elevadores e estradas de ferro - , é uma história de revoluções. O mesmo ocorre com a história do aparelho produtivo na indústria do ferro e do aço, do forno de carvão ao nosso atual tipo de forno, ou com a história do aparelho de produção de energia, da roda d’água à moderna hidrelétrica, ou com a história do transporte, da carroça ao avião. A abertura de novos mercados - estrangeiros ou domésticos - e o desenvolvimento organizacional, (...) que incessamente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessamente destruindo a velha, incessamente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas capitalistas” (SCHUMPETER, 1984:112-3) “o grifo é nosso” Essa dinâmica do capitalismo, seguindo o raciocínio schumpeteriano, seja pela destruição de antigos modos de produção por novos, novas tecnologias ou ciclos econômicos, leva-nos a uma análise sobre crescimento e desenvolvimento econômico. Para isso, vamos antes fazer uso da “reprodução simples” de Marx e o “fluxo circular” de Schumpeter, fatores que determinam o desenvolvimento econômico. Pela complexidade do assunto, o qual não pretendemos aprofundar, preferimos nos valer de um artifício didático de Marx ao explicar “O Capital”. Na sociedade mercantil simples, as mercadorias produzidas serão trocadas por dinheiro no mercado, “o dinheiro que é apenas dinheiro se distingue do dinheiro que é capital, 23 através da diferença na forma de circulação” (MARX, 1982:166). Ainda não existe uma divisão entre proprietários dos meios de produção e os proprietários da força de trabalho. Todos possuem meios de produção e as trocas de mercadorias específicas são efetuadas entre si. Marx simboliza a mercadoria por M e o dinheiro por D. A forma simples da circulação das mercadorias é M - D - M, conversão de mercadoria em dinheiro e reconversão de dinheiro em mercadoria, vender para comprar. Ao lado dela, encontramos uma segunda especificamente diversa, D - M - D, conversão de dinheiro em mercadoria e reconversão de mercadoria em dinheiro, comprar para vender. O dinheiro que se movimenta de acordo com essa última circulação, transforma-se em capital, vira capital e, por sua distinção, é capital. (MARX, 1982:166) Em um segundo momento, o esquema é o seguinte13: M - D - M’. Em que M’ é uma outra mercadoria, em termos qualitativos diferente de M porque ambas têm objetivos diferentes. No modo de produção capitalista a situação é diferente. A mercadoria torna-se um meio. O que é buscado não é outra coisa senão o dinheiro ou, para sermos mais precisos, o crescimento do dinheiro. MARX (1982) Para SCHUMPETER (1982:9), o processo social, na realidade, é um todo indivisível. Os fatos econômicos são resultados do comportamento econômico, e o “agente econômico”, o homem, tem seu comportamento voltado para a aquisição de bens e serviços, pois todos os membros da sociedade devem agir economicamente. Embora no início de seu trabalho Schumpeter não faça referência aos serviços, entendemos que o agente econômico ou “sujeito econômico”, definição dada por Schumpeter, irá agir economicamente, demandando ou ofertando bens e serviços, isso torna-se possível pela ação das forças sociais na vida social e econômica. Partimos de uma premissa, que o homem sempre vem a somar os conhecimentos adquiridos no presente aos conhecimentos adquiridos no passado. Portanto, 13 A fórmula geral do capital de um capital particular, vide (SILVA, 1997:13-14). 24 para produzir algo ele usa técnicas que adquiriu no passado. Quando o homem cria “estoques de mercadorias” com o objetivo de ofertar no mercado presente ou no futuro, gerando um excedente, ele está trocando produtos para um consumo no presente por seus produtos e serviços produzidos no passado. Na explanação feita no início do seu trabalho, Schumpeter faz uma analogia em relação a alguns “sujeitos econômicos”. Quando um produtor de bens industriais ou um agricultor toma certas decisões: o que produzir, qual método a ser utilizado para produzir, qual a quantidade que devem produzir, e para quem vai ser destinada a produção, está agindo em contrapartida para tomar decisões do quanto comprar, qual o preço que deve ser vendido seus produtos ou “serviços”. Dentro de certas limitações, ele sabe quanto de seus recursos deve empregar para a produção dos bens. Isso porque com sua experiência pode tirar conclusões. “... Também por experiência, todas as pessoas de quem compra conhecem a extensão e a intensidade de sua demanda - Como o fluxo dos períodos econômicos - que é o mais notável dos rítmicos econômicos - marcha relativamente rápido e como em todo período econômico ocorre essencialmente a mesma coisa (...)” (SCHUMPETER, 1982:15). (o grifo é nosso) Se o conhecimento atual tem como base o conhecimento transmitido no passado, podemos afirmar que as técnicas no presente passaram por uma série de coletas de informações cujo resultado é o homem do presente, logo temos um estoque de conhecimentos. Se seguirmos o pensamento de Schumpeter, podemos adiantar que o consumo da mercadoria atual foi o resultado da produção dessa mercadoria no passado. Não temos condições de consumir um bem ou serviço que será produzido no futuro. Segundo (SCHUMPETER, 1982:11): “Os períodos econômicos passados governam a atividade do indivíduo - numcaso como o nosso - não apenas porque o ensinaram severamente o que fazer, mas também por outra razão. Durante todos os períodos, o agricultor precisa viver, seja diretamente do produto físico do período precedente, seja dos rendimentos que puder obter de seu produto. Todos 25 os períodos precedentes, ademais, emaranharam-no numa rede de conexões econômicas e sociais da qual ele não pode livrar-se facilmente. Legaram-lhe meios e métodos de produção definidos. Tudo isso o mantém firmemente na sua trilha com grilhões de ferro. Aqui parece uma força que tem considerável significado para nós e que logo nos ocupará mais intensamente. no entanto, nesse momento apenas afirmaremos que, na análise que se segue, suporemos sempre que em cada período econômico todos vivem de bens produzidos no período precedente - o que é possível se a produção se estende pelo passado adentro, ou se o produto de um fator de produção flui continuamente. Isso representa meramente uma simplificação da exposição.” (o grifo é nosso) O texto acima mostra que a economia deverá funcionar em um fluxo contínuo e a satisfação das necessidades humanas poderá ser atendida, se esse fluxo14 não for interrompido. Como as necessidades humanas são ilimitadas, quando são atendidas determinadas necessidades, novas necessidades irão surgir, ou com o aumento da população para atender às necessidades primárias, novos métodos de produção, novas técnicas surgirão. Mesmo porque, o homem econômico tenderá a agir de maneira racional. Perseguirá seus objetivos, defrontará e deverá decidir o que deverá ser produzido. Para SCHUMPETER (1982:14), “O objetivo que o homem econômico persegue é produzir, e que explica por que existe certo tipo de produção, põe claramente o seu selo sobre o método e o volume de produção. Obviamente não se requer nenhum argumento para provar que deva ser para o ‘quê’ e o ‘porquê’ da produção dentro do quadro dos meios dados e das necessidades objetivas. Esse propósito só pode ser a criação de coisas úteis ou objetos de consumo.” (O grifo é nosso) O agente econômico tem diante de si algumas questões: o que deverá ser produzido? Como produzir? Qual o método, que tecnologia empregar? Qual o volume de produção? Pois o fluxo deve ser dinâmico, caso contrário surgirá o desacerelamento da economia, levando ao desemprego e à recessão. Muitas decisões, por parte dos agentes econômicos, para produzir mercadorias e serviços, são tomadas em função não só do problema econômico, mas também por fatores 14 Veja em CASTRO, Antônio Barros de., LESSA, Carlos. Introdução à Economia - uma abordagem estruturalista. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 18 ed., 1978, p. 47 et seq. 26 tecnológicos e interesses comerciais entre outros. Embora, para nós, os interesses comerciais estejam inseridos dentro do problema econômico para quem produzir? qual a dimensão do mercado? Com certeza o homem econômico produzirá para quem tem desejo e condições de adquirir as mercadorias. Segundo SCHUMPETER (1982:15), “... Esse segundo ‘lado’ da produção faz dela, desde o início, um problema econômico. Este deve ser distinguido do problema puramente tecnológico da produção”. Portanto, para produzir, o agente econômico deverá decidir que tecnologia aplicar à produção, quais os métodos e inovações a serem adotados, para adequar ao máximo proveito as máquinas e os recursos disponíveis. “... Suponha-se que uma máquina a vapor e todas as suas partes componentes obedecem à adequação econômica. Á luz dessa adequação faz-se o máximo com ela. Então não haveria sentido em tirar maior proveito na prática, aquecendo-a mais, contratando homens mais experientes para trabalhar nela e aperfeiçoando-a, se isso não pagasse, ou seja, se fosse possível prever que o combustível, as pessoas mais talentosas, os melhoramentos e o aumento de matérias-primas custariam mais do que renderiam. Mas é bem razoável considerar as condições sob as quais a máquina poderia fazer mais, e quanto a isso, quais melhoramentos são possíveis com o conhecimento atual e assim por diante. (...) Também é sempre útil pôr o ideal ao lado do real, de modo que as possibilidades sejam deixadas de lado, não por ignorância, mas por razões econômicas bem ponderadas. Em resumo, todo método de produção em uso num momento dado se curva diante da adequação econômica. Esses métodos consistem em idéias de conteúdo não somente econômica, mas também físico. As últimas têm seus problemas e uma lógica própria, e o papel da tecnologia é pensar neles sistematicamente até resolvê-los - sem considerar de início o fator econômico, decisivo ao final; e na medida em que o elemento econômico não exigir algo diferente, levar à prática essas soluções é produzir no sentido tecnológico Do mesmo modo que em última instância a conveniência regula a produção tecnológica, e a distinção entre as duas está na diferença do caráter dessa conveniência, assim também uma linha de pensamento um pouco diferente nos mostra a princípio uma analogia fundamental e depois a mesma distinção. A produção não ‘cria’ nada no sentido físico, considerada tanto tecnológica quanto economicamente. (...) Considerando-se tanto econômica quanto tecnologicamente, produzir significa combinar as forças e coisas ao nosso alcance. Todos os métodos de produção diferentes só podem ser diferenciados pela maneira com que se dão essas combinações, ou seja, pelos objetos combinados ou pela relação entre quantidades. Todo ato concreto pode ser estendido até aos transportes e outras áreas, em suma, a tudo que for produção no sentido mais amplo. Também consideraremos como ‘combinações’ uma empresa como tal, e mesmo as condições produtivas de todo o sistema econômico. Esse conceito exerce um papel importante em nossa análise.” (SCHUMPETER, 1982:15-6) (o grifo é nosso) 27 Na produção dos bens e serviços, o homem econômico empregará os fatores de produção, por exemplo, o carvão para aquecer a máquina a vapor é um insumo para geração de energia retirado da natureza. O empresário contratará homens “mais experientes”, como no texto acima, emprego dos recursos humanos, porém dentro de nossa premissa, o homem econômico procurará agir de maneira racional. Para movimentar e combinar todos os fatores produtivos, ele precisará de dinheiro para a produção de mercadorias e serviços, o qual entra na parte do fluxo monetário. Empregamos os fatores de produção para produzir bens e serviços. Uma vez que são produzidas mercadorias, para satisfação das necessidades humanas deveremos ofertar e demandar produtos em um mercado. Segundo SCHUMPETER (1982:14), “... chegaremos a relação de troca, preços e à antiga e empírica ‘lei de oferta e da procura’”. Quando colocamos os termos ofertar e demandar, partimos do segundo pressuposto. O industrial demandará matéria-prima necessária à produção de sua fábrica e demandará produtos para a satisfação de suas necessidades humanas. Os trabalhadores receberão salários e demandarão produtos para atender suas necessidades e de suas famílias. Esquematicamente, a circulação no sistema econômico pode ser representada por um diagrama: de um lado o fluxo monetário, e de outro o fluxo real. Quanto à classificação dos bens, para SCHUMPETER (1982:17), “É comum classificar os bens em ‘ordens’, de acordo com sua distância do ato final de consumo. Os bens de consumo são de primeira ordem, os bens de cuja combinação se originam imediatamente os bens de consumo são da segunda ordem, e assim por diante, com ordens cada vez mais altas e remotas.” 28 1.6. A automação, as novas tecnologias e a microeletrônica na atualidade A introdução e a difusão da microeletrônica foi uma novidade até pouco tempo atrás quando a indústria estava sustentada, praticamente, em uma base mecânica e eletromecânica. Com a microeletrônica, acompanhada da minituarização
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