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Carlos Montaño 
 
A NATUREZA DO SERVIÇO SOCIAL 
Um ensaio sobre sua gênese, a “especificidade” e sua reprodução 
A NATUREZA DO SERVIÇO SOCIAL: Um ensaio sobre a gênese, a “especificidade” 
e sua reprodução Carlos Montaño Capa: Estúdio Graal Preparação de originais: Ana 
Maria Barbosa Revisão: Maria de Lourdes de Almeida Composição: Dany Editora Ltda. 
Assessoria editorial: Elisabete Borgianni Assistente bilíngüe: Priscila F. Augusto 
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales 
 
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa 
do autor e do editor. © 2007 by Autor Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua 
Monte Alegre, 1074 — Perdizes 05014-001 — São Paulo-SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: 
(11) 3864-4290 E-mail: cortez@cortezeditora.com.br www.cortezeditora.com.br 
Impresso no Brasil — outubro de 2007 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I 
 
A Natureza do Serviço Social na sua Gênese 
Os assistentes sociais, em diversas oportunidades, se “debatem” em torno de duas 
concepções, duas teses sobre a natureza e o processo da gênese do Serviço Social. Tais 
concepções, que podemos com relativa generalização agrupar em duas perspectivas, se 
comportam como verdadeiras teses. Elas contêm um arsenal heurístico e teórico-
metodológico que extrapola a mera consideração sobre a gênese do Serviço Social. 
Efetivamente, a localização dos teóricos que pensam esta temática vincula-se, lógica e 
teoricamente, a suas concepções sobre outros tópicos: qual é o fundamento da legitimação 
desta profissão e como são interpretadas as funções das políticas sociais dentro de 
determinada ordem socioeconômica e política. Assim, o tripé “políticas sociais/gênese do 
Serviço Social/legitimação” apresenta uma relação lógico-histórica que nos permite situar 
cada tópico em uma ou outra posição, em certa harmonia com as respectivas concepções 
sobre as demais temáticas. O que aqui estamos considerando são duas teses sobre três 
fenômenos referidos ao período da criação, do surgimento desta profissão. Que eles 
tenham repercussões na prática e no debate do Serviço Social contemporâneo é uma 
realidade, mas também é verdade que a evolução da profissão, da sua prática, da sua 
produção teórica, do seu instrumental técnico-operativo, da sua postura e participação nas 
instituições públicas, e o surgimento de novas organizações empregadoras de assistentes 
sociais, tudo isto permite distinguir e distanciar a profissão na atualidade, demarcada da 
sua gênese. Neste capítulo nos concentraremos, portanto, nas análises e concepções com 
que os profissionais têm se “debatido” sobre o momento que marca o surgimento da 
profissão, sobre o fundamento que explica a emersão do Serviço Social. Os elementos de 
distanciamento ou continuidade, de ruptura ou reprodução do Serviço Social 
contemporâneo com respeito à tradição da sua gênese serão tratados no capítulo II. No 
entanto, falar nesse “debate” ente as duas teses não expressam um processo contundente 
de discussão aberta em relação às considerações feitas sobre estas temáticas. Poucos 
espaços relevantes têm sido ocupados por tal confronto, os quais devem ser creditados a 
Iamamoto e Manrique Castro (1979), Maguiña (1979) e Manrique Castro (1993). As 
análises que os diferentes autores de cada uma destas perspectivas realizaram sobre a 
gênese do Serviço Social e suas derivações foram desenvolvidas, em geral, em contextos 
espaço-temporais diferentes. Efetivamente, se a primeira maneira de pensar a emersão da 
profissão se vincula ao período que vai até a reconceituação (inclusive) e, neste caso, 
fundamentalmente ligada ao debate hispano-americano, a segunda surge no debate 
contemporâneo (segundo lustro dos 1980), particularmente no Brasil. Neste sentido é que 
afirmamos que não houve um debate que tenha sido apropriado pelo conjunto da 
categoria. A referência explícita que os autores da segunda tese fazem da primeira é 
mínima ou nenhuma, o que confirma a quase ausência de debate crítico, explícito e aberto 
sobre ambas as maneiras de pensar esta questão. Assim, as enormes contribuições, 
avanços e mudanças de perspectiva — com todos os desdobramentos que eles contêm —
, que tem se desenvolvido nas análises dos autores vinculados à segunda tese, não 
parecem substituir os equívocos da primeira, gerando-se uma convivência pacífica entre 
elas. Convivência pacífica que, por se tratar de duas perspectivas antagônicas, pode 
redundar em erros de interpretação do real alcance das últimas contribuições, já que ao 
leitor e estudioso das obras dos autores da primeira perspectiva, que depois lera a 
bibliografia vinculada à segunda 
pode não lhe aparecer com clareza o antagonismo entre as duas, concluindo numa visão 
eclética sobre a gênese e natureza do Serviço Social. Nosso propósito, neste capítulo, 
centra-se na colocação das análises dos autores mais significativos, primeiro agrupados 
em duas teses contrárias e, segundo, como excludentes, enfrentadas num mesmo espaço 
e tempo e debatendo uma com a outra. Assim, os objetivos delineados para o presente 
capítulo são os de estabelecer uma síntese crítica e organizada das distintas contribuições 
que diversos autores aportaram ao debate destes tópicos. Portanto, é um estudo sintético 
sobre tais temáticas que tem a pretensão de trazer à reflexão certos elementos, 
estabelecendo padrões comuns numa síntese bipolarizada. A consideração em 
profundidade, necessária para a apropriação real destes debates implica necessariamente 
a remissão às fontes, alcançando os elementos diferenciadores, originais e particulares 
das considerações dos distintos teóricos. Evidentemente a análise minuciosa dos autores 
aqui tratados excede nossos objetivos. 
 
1. A Gênese do Serviço Social: Duas teses sobre natureza profissional 
O Serviço Social é uma profissão que, por sua ambigüidade nas expectativas e 
conceituações, por suas mudanças de rumos, às vezes significativos, tem dedicado um 
importante espaço intelectual à tentativa de responder sobre as causas de sua origem como 
profissão e sua legitimação, bem como das funções que cumpre na sociedade e no Estado. 
Existem duas teses, claramente opostas, sobre a gênese do Serviço Social. Estas se 
enfrentam como interpretações extremas sobre o tema, sendo que, tal como foram 
formuladas, se constituem em teses alternativas e mutuamente excludentes. 
 
1.1. A perspectiva endogenista: a primeira das teses sustenta a origem do Serviço Social 
na evolução, organização e profissionalização das formas “anteriores” de ajuda, da 
caridade e da filantropia, vinculada agora à intervenção na “questão social”. Assim, as 
bases da profissão datam das primeiras formas de ajuda, encontrando-se geralmente nas 
obras de Tomas de Aquino e Vicente de Paula, alguns dos primeiros precursores da 
Assistência Social.Esta tese é sustentada pela maioria dos teóricos que consideraram o 
tema da história, gênese ou natureza do Serviço Social, o que expressa uma ampla gama 
de correntes e perspectivas que confluem para a consideração da gênese profissional, na 
mesma tese. No entanto, não podemos deixar de destacar duas significativas distinções 
internas nos autores que aqui se condensam; primeiramente, aqui co-participam autores 
provenientes de um Serviço Social tradicional junto com membros do movimento que 
marcou a “intenção de ruptura” com aquele, a reconceituação; em segundo lugar, há 
autores nesta tese que entendem os “antecedentes” do Serviço Social como sendo 
qualquer forma anterior de ajuda, retroagindo sua análise à Idade Média ou até à origem 
da história, enquanto outro conjunto de autores pensa os antecedentes apenas ligados às 
formas de ajuda, organizadas e vinculadas à “questão social”1 (pós-Revolução 
Industrial). Aparecem como autores desta tese: Herman Kruse, Ezequiel AnderEgg, 
Natálio Kisnerman, Boris Alexis Lima, Ana Augusta de Almeida, Balbina Ottoni Vieira, 
José Lucena Dantas,entre outros. É uma tese que tem, portanto, plena repercussão na 
atualidade, aparecendo como a única, a oficial ou a natural interpretação sobre a gênese 
do Serviço Social na maioria das instituições de ensino e dos profissionais. • Nesta 
corrente, vinculada às primeiras etapas reconceituadoras, Herman Kruse (1972) recupera 
uma distinção de Greenwood, para definir as tendências do Serviço Social latino-
americano: 
Partindo de uma diferenciação entre a investigação pura e a investigação aplicada, 
Greenwood classificou dois tipos de ciências sociais: as ciências teóricas ou puras eas 
ciências aplicadas [...]. Para ele, o serviço social era uma tecnologia, pois sua ação 
procurava a mudança. (Idem: 63) 
Desta forma, Kruse identifica um paradigma do Serviço Social na perspectiva que o 
coloca como aplicação de teorias, e outro naquela que situa sua prática como fonte de 
teorias (cf. Faleiros, 1993: 124). O primeiro representa a tradição do Serviço Social, cujos 
antecedentes datam de Vicente de Paula; o segundo é caracterizado pela reconceituação. 
• Num sentido semelhante, Natálio Kisnerman (1980) pretende compreender a história do 
Serviço Social, avaliando “seu próprio destino” (idem: 11).2 Desta forma remonta a 
origem da profissão ao positivismo de Comte, quer dizer, ao século XIX. A gênese do 
Serviço Social aparece identificada aqui “claramente como uma forma de ajuda 
sistemática de orientação protestante, por um lado, ou como forma prática da sociologia, 
por outro lado” (idem: 19), mas, ao contrário de Kruse, negando como antecedentes da 
profissão todas as formas de ajuda não-sistemáticas. Assim, Kisnerman, esquematizando 
uma suposta perspectiva dialética, resume dizendo: 
o processo do Serviço Social é dialético. A superação de cada etapa cria uma nova, que a 
contém e a nega. A etapa Assistência Social constitui a tese. Durou a partir de 1869 
(fundação da C.O.S. de Londres) até 1917 (aparecimento do Social Diagnoses, de Mary 
E. Richmond). Durante muitos anos, não se pode confrontar com outra forma de auxílio, 
e ao fazê-lo surge o Serviço Social como antítese, negando a Assistência Social como 
momento, mas fica alienado ao não fundar uma novateoria. A partir de 1965 os 
movimentos de Reconceituação negam o Serviço Social — que agora é qualificado de 
tradicional — e procuram superá-lo numa síntese... (Idem: 23) 
 
Neste processo de sucessivas etapas, onde a origem do Serviço Social remonta ao século 
passado, Kisnerman não consegue diferenciar uma prática assistencial-benéfica de outra 
vinculada a uma estrutura político-econômica, dentro de determinada divisão 
sociotécnica do trabalho. • Um caminho semelhante seguiram Ezequiel Ander-Egg (1975) 
e Juan Barreix (s.d.), ao estabelecerem distinções entre a assistência social como uma 
ação benéfico-assistencial, o Serviço Social, como uma profissão paramédica e/ou para 
jurídica, asséptica, tecnocrática e desenvolvimentista, e o trabalho social como a 
intervenção conscientizadora revolucionária.3 Para Barreix (idem: 17-19), 
do confronto da tese “fazer o bem em nome do próprio bem” com a antítese “fazer bem 
o bem” surge a síntese, que denominamos pioneira. Afirmam os pioneiros: — Há que 
prover de assistência, mas com conhecimentos técnicos, ao carente [...]. Do confronto da 
tese pioneira com a antítese de Mary Richmond surge, como síntese, a chamada Escola 
Sociológica, que predominará até a Primeira Guerra Mundial [...]. A síntese anterior 
(Escola Sociológica), convertida em tese, enfrentar-se-á à antítese que, precisamente, 
nomeamos Escola Psicológica que, com suas duas ramificações conhecidas(diagnóstica 
e funcional), tanto repercutirá no Serviço Social. 
 
Entretanto, Ander-Egg (1975: 125) argumenta que 
a atenção aos pobres e desvalidos, durante a época da expansão capitalista, surge 
principalmente nos ambientes cristão (protestantes e católicos), implicando que a 
assistência social que se organiza então se assemelhe àquela desenvolvida na Idade 
Média. 
• A idéia de etapas insinuada por Kisnerman, Barreix e AnderEgg é retomada e 
desenvolvida por um autor marcadamente vinculado aos segmentos mais críticos e 
progressistas à reconceituação, Boris Alexis Lima (1986). Nesta ótica, o autor — 
seguindo os critérios de grau de desenvolvimento dos métodos e instrumental 
profissional, o nível de preparação profissional, o nível de sistematização e organização 
dos serviços sociais e o nível de elaboração teórico do Serviço Social4 — identifica quatro 
grandes etapas históricas: a etapa pré-técnica, a etapa técnica, a pré-científica e a 
científica. Assim, o Serviço Social, na sua primeira etapa, quer dizer, na sua gênese, se 
caracteriza “fundamentalmente pela caridade, a beneficência e a filantropia como atitudes 
dominantes na Idade Média” (Lima, 1986: 56). Desta forma, mesmo tendo uma visão 
mais estrutural,5 identifica a origem do Serviço Social mais remotamente que os autores 
anteriores: na Idade Média! Assim, distinguindo dois tipos de ações assistenciais, a 
caridade e a filantropia,6 situa dentro desta primeira etapa da história do Serviço Social: 
João Luís Vives, Vicente de Paula, Benjamim Thompson, Thomas Chalmers. É que Boris 
Lima aceita como válida e evidenciada a afirmação de que a origem da profissão está 
associada às múltiplas manifestações assumidas pela caridade e pela filantropia. No 
entanto, para o autor, “a história do Serviço Social, na verdade, encontra-se ligada aos 
chamados ‘precursores do Trabalho Social’, os quais elaboraram as primitivas formas de 
caridade e filantropia no nascente capitalismo” (idem: 56). • Com preocupação 
semelhante, mas neste caso pensando a gênese profissional na Argentina, Norberto 
Alayón (1980) chega até os primórdios do século XIX procurando os antecedentes do 
Serviço Social, segundo relatam seus apresentadores (idem: 6). 
Na verdade, ele se distancia mais até, encontrando que “a princípios do século XVII foi 
fundada, em Buenos Aires, a Hermandad de la Santa Caridad, encomendando-se a ela a 
atenção aos pobres” (idem: 13). Desta forma, para Alayón, a passagem, em1822, da 
Hermandad de Caridad para a administração estatal, e sua posterior “autorização para 
estabelecer uma sociedade de damas, sob a denominação de Sociedade de Beneficência” 
(idem: 13-4), estariam marcando os antecedentes claros do que, em decorrência de um 
“processo de institucionalização” destas “tarefas benéfico-assistenciais”,7 será a 
profissão do assistente social. • Já na perspectiva do Serviço Social tradicional, a idéia de 
etapas, mas dessa vez ligadas a modelos de intervenção, é também desenvolvido por José 
Lucena Dantas (in Batista, 1980). Aqui o autor classifica: 
a) “o modelo assistencial” como aquele que “define a natureza das práticas e da 
problemática social que antecederam historicamente ao aparecimento do Serviço Social, 
vigindo na Europa em todo o período que vem da Idade Média ao século XIX, bem como 
nos Estados Unidos, até os anos 30, quando a prática do Casework assumiu o seu 
enquadramento psicológico-social do qual não mais evoluiu”; b) “o modelo de 
ajustamento”, que “se refere especificamente ao sentido de institucionalização das 
práticas conhecidas como Serviço Social e define a natureza do Serviço Social norte-
americano, cujas práticas, finalidades e valores se voltam para o ajustamento ou 
adaptação dos indivíduos ao Sistema Social”; e c) “o modelo de desenvolvimento e 
mudança social”, “ainda em elaboração” e ao qual pertencem duas correntes: a do 
“Serviço Social revolucionário” “eminentemente político-ideológico” e a do “Serviço 
Social para o desenvolvimento” “eminentemente científico” (in Batista, 1980: 74-5). 
 
Mesmo tendo uma perspectiva teórico-metodológica e política distinta dos autores 
anteriores, Lucena Dantas coincide com vários autores que situam os “antecedentes” do 
Serviço Social desde a Idade Média. 
• Muito mais “ousada” que os teóricosjá considerados, Balbina Ottoni Vieira (1977) 
inicia suas indagações sobre a gênese da profissão esclarecendo que: como fato social e 
intervenção do homem no mundo, o Serviço Social só foi conhecido com este nome no 
século XX. Mas o fato ou o ato de ajudar o próximo, corrigir ou prevenir os males sociais, 
levar os homens a construir seu próprio bem-estar, existe desde o aparecimento dos seres 
humanos sobre a Terra. Com um ou outro nome, podemos seguir-lhe a evolução no 
decorrer dos séculos. (Idem: 27; grifos nossos) Ottoni Vieira leva sua análise dos 
antecedentes que criaram as condições para a emergência da profissão do assistente social 
às origens da humanidade. Na verdade, esta autora, ao considerar que “um dos fatores 
que nos permitirão compreender o Serviço Social de hoje é o estudo das formas passadas 
de ajuda ao próximo, da caridade, da filantropia” (Idem: 15), é mais conseqüente na sua 
análise: se as formas de ajuda desenvolvidas, por exemplo, por Vives, são consideradas 
como sendo “antecedentes”, precedentes do Serviço Social profissional, por que não 
considerar todas as formas de ajuda como antecedentes da profissão? O que nos levaria 
necessariamente às origens da vida humana minimamente socializada. Para ela, falar de 
caridade, filantropia e Serviço Social, em quaisquer dos casos, significa considerar as 
formas de ajuda, apenas diferenciadas por seu modus operandi e sua organização. Assim, 
a “ajuda aos outros [pode ser vista] em qualquer de suas dimensões, seja caracterizada 
como caridade, filantropia ou serviço social” (idem: 14). • Num mais recente trabalho, 
García Salord (1990) avança na consideração da gênese do Serviço Social ao situar seu 
nascimento no século XX e decorrente de três elementos: — a institucionalização da 
beneficência privada; — a ampliação das funções do Estado, encarregado da confecção e 
da implementação das políticas sociais (que cria um espaço ocupacional e legitima a 
profissão sob a condição de assalariado e com um signo ideológico), e— o 
desenvolvimento das ciências sociais (que gera um campo diversificado de saberes 
teóricos e técnicos) (cf. idem: 30-1). No entanto, a autora continua sustentando a tese de 
que a profissão “decorre do exercício da caridade, entendida como a prática de um 
mandado divino: fazer o bem por amor a Deus; e devêm também do exercício da 
filantropia, como a execução de um imperativo ético: fazer o bem por amor ao homem” 
(idem: 24); entendendo que “a referência histórica da especificidade do Serviço Social 
remete às chamadas formas de ajuda e assistência social, não como meros antecedentes, 
mas como as práticas de onde deriva o Trabalho Social como uma profissão” (idem: 23). 
Todas estas análises representam, na verdade, diferentes matizes e distintas ênfases da 
mesma tese: o Serviço Social é a profissionalização, organização e sistematização da 
caridade e da filantropia. No entanto, esta tese sobre a gênese não congrega, como já foi 
dito, um conjunto harmônico e homogêneo de profissionais; muito pelo contrário, aqui 
participam autores das mais variadas concepções político-ideológicas e teórico 
metodológicas, e de estratos socioeconômicos diversos: desde um Boris Lima, passando 
por um Ander-Egg, até o outro extremo numa Ottoni Vieira. Como, então, podem 
coexistir nela autores com perspectivas teóricas, filosóficas e ideológicas, com opções de 
classe, com vínculos políticos e com histórias tão díspares, chegando, em alguns casos, a 
posições contraditórias? É que estes pensadores se diferenciam em relação ao seu vínculo 
a determinada classe social, a suas convicções e filiações políticas, aos seus referentes 
teóricos, a sua ideologia e, portanto, aos seus projetos profissionais; quer dizer, se 
confrontam em questões que dizem respeito às concepções e posicionamentos face à 
realidade social. No entanto, na análise que fazem sobre a natureza e a funcionalidade do 
Serviço Social (na sua gênese) eles co-participam de uma postura endogenista: a profissão 
é vista a partir de si mesma. Efetivamente, as análises desses autores quanto à natureza 
do Serviço Social (mesmo que diferente quando tratam a sociedade no seu conjunto e seu 
posicionamento perante a realidade) não consideram o real (a história da sociedade) como 
o fundamento e causalidade da gênese e desenvolvimento profissional, apenas situando 
as etapas do Serviço Social em contextos históricos. Nesse sentido, as diferenças entre 
eles, tão marcantes em se tratando do social, desaparecem quando tratam a profissão a 
partir de si mesma. Têm, por isso, uma perspectiva endógena, onde o tratamento teórico 
confere ao Serviço Social uma autonomia histórica com respeito à sociedade, às classes 
e às lutas sociais. Esta tese tem, por outro lado, uma clara visão particularista ou foca 
lista, na medida em que vê o surgimento do Serviço Social diretamente vinculado às 
opções particulares, mesmo que pessoais ou coletivas, dos sujeitos “filántropo-
profissionais”, em fazer evoluir (sistematizar, organizar, profissionalizar) as ações que já 
desenvolviam de forma assistemática, desorganizada e voluntariamente. O surgimento da 
profissão é visto como uma opção pessoal dos filantropos em organizarem-se e 
profissionalizar, com o seja da Igreja, ou do Estado, pois a explicação de sua gênese é 
intrínseca ao Serviço Social e remete sempre a si mesmo. Os “atores”, os “protagonistas” 
do surgimento e da evolução do Serviço Social (o mesmo ocorre com a análise que fazem 
da Reconceituação) são, nesta perspectiva, sempre pessoas singulares, nomes, em 
definitivo, individualidades:8 Vicente de Paula, João Luís Vives, Tomas de Aquino, 
Thomas Chalmers, Mary Richmond, entre outros, (ou na Reconceituação: Herman Kruse, 
Boris A. Lima, Vicente de P. Faleiros, Seno Cornely, Paulo Freire, Ezequiel Ander-Egg). 
Não se analisa, porque não se percebe, a existência de atores coletivos,9 de atores e 
relações sociais vinculados a categorias socioeconômicas e políticas e condicionados por 
um contexto sócio-histórico: a classe política dominante, a burguesia, a mulher, o 
trabalhador assalariado etc., dentro da ordem burguesa (ou, na Reconceituação: o 
movimento estudantil, o profissional/docente, o profissional/militante, vinculados ao 
movimento operário). 
As análises, nessa tese, sobre a gênese (e história) do Serviço Social decorrem de uma 
perspectiva teórico-metodológica (muitas vezes não assumida — o que leva Netto a 
caracterizá-las como ingênuas e acríticas (cf. as notas de rodapé 33, deste capítulo, e 22, 
do capítulo II); que entende a história como a mera crônica dos fatos e sucessos, como 
historiografia (cf. Netto, 1992a: 65 ss.). Neste sentido, tal crônica serve apenas para situar 
historicamente os eventos institucionais do Serviço Social e os protagonistas do 
desenvolvimento profissional. A história e a sociedade são postas apenas como o cenário 
de desenvolvimento profissional (não como sua determinante), como uma maquete onde 
se insere uma peça autônoma do contexto. Nessa crônica historiográfica realiza-se, 
portanto, uma descrição dos eventos históricos e neles, como autônomos, se situam os 
eventos profissionais, sem relação imanente visível entre o desenvolvimento do Serviço 
Social e a história da sociedade. Desta forma, os fatos, tanto do Serviço Social quanto da 
história, são naturalizados; constrói-se a “história” (e a “história do Serviço Social”) sem 
recuperar a processualidade histórica, num claro etapismo. Mas estas etapas se 
configuram em meros cortes formais: separa-se o Serviço Social da sociedade e 
autonomiza-se o primeiro; definem-se etapas para um e outro (para a história da profissão 
e para a história social); vincula-secronologicamente as etapas de um (Serviço Social) às 
da outra (sociedade), sendo estas últimas os marcos onde se situam as primeiras (mesmo 
que não numa relação de determinação), e voilà: obtêm-se a “história doServiço Social”. 
Aqui não aparece uma análise do contexto social, econômico e político como 
determinante ou condicionante do processo de criação desta profissão; apenas, na melhor 
das hipóteses, situa-se historicamente este fenômeno sem que ele redunde em uma análise 
exógena, estrutural, do surgimento do Serviço Social. A relação, portanto, do Serviço 
Social com a história e a sociedade é adjetiva, circunstancial, acidental. Há uma clara 
visão de externalidade, de exterioridade, na consideração do social para a análise da 
história profissional.10 Não se analisa as lutas das classes fundamentais como substrato 
no qual se elaboram projetos de sociedade antagônicos, o que permite ver o vínculo da 
nossa profissão, como de tantas outras,11 ao predomínio hegemônico de uma delas, a alta 
burguesia. Não se analisa o Estado como instrumento do referido projeto de classe, mas 
apenas o concebe como o campo privilegiado de emprego desses profissionais. Aqui não 
se considera o papel que o Serviço Social representa na ordem social. Ele não cumpre, 
nesta perspectiva, uma função socioeconômica e política dentro desta ordem; sua tarefa 
só é considerada autonomamente, na prestação de serviços a pessoas, grupos, 
comunidades particulares. Quer dizer, vê-se o assistente social e as funções que 
desempenha em relação aos “usuários”, aos destinatários da sua intervenção; não se 
consegue visualizar, nesta perspectiva, o papel do Serviço Social em relação à instituição 
empregadora deste profissional e vinculado a uma ordem socioeconômica e política. A 
gênese do Serviço Social é considerada, aqui, uma evolução das formas anteriores de 
assistência e ajuda, sendo que o limite posto nos antecedentes, nas fontes, nos precursores 
que teriam levado à criação do Serviço Social, é absolutamente arbitrária.12 Será que não 
existiram formas de ajuda anteriores a Vicente de Paula, ou a João Luís Vives? Seguindo 
este critério, deveríamos então remontar a gênese do Serviço Social a Eva (para os 
cristãos) ou aos primeiros primatas (para os darwinistas) como antecessores e precursores 
do Serviço Social. Esta linha de pensamento representa um caminho que é metodológica 
e teoricamente equivocado, na medida em que: 1) considera um número tão vasto de 
“antecedentes” do Serviço Social que perde qualquer perspectiva crítica da história da 
profissão; 2) não consegue explicar por que não desaparecem aquelas práticas 
filantrópicas e caritativas, segundo essa tese, teriam dado lugar ao (e, portanto, teriam 
sido substituídas pelo) Serviço Social profissional; 3) não visualizam que se dá uma 
ruptura do significado, da funcionalidade e da legitimação entre aquelas práticas 
filantrópicas, voluntaristas, e o Serviço Social, quando o assistente social aparece como 
um trabalhador assalariado, como um profissional (o único elemento diferenciador entre 
os “antecedentes” e o “Serviço Social profissional” é, nessa tese, a própria racionalização, 
organização e tecnificação desta última); 4) com o argumento de que o surgimento da 
“questão social” deu lugar à gênese do Serviço Social, não se consegue explicar como há 
mais de um século de distância entre aquelas e este — o Serviço Social surge nos anos 
1890-1940, na Europa ocidental e nos EUA, criando-se, em 1925, foi criada a primeira 
Escola latino-americana (dr. Alejandro del Río), no Chile, e apareceu no Brasil na 
segunda metade dos anos 30. Enquanto isso as refrações da “questão social” aparecem 
com forte e maciço impacto, já na instauração da Revolução Industrial.13 
 
1.2. A perspectiva histórico-crítica: procurando um novo caminho de análise, surge, em 
oposição à anterior, uma segunda tese de interpretação sobre a gênese e natureza do 
Serviço Social. A mesma entende o surgimento da profissão do assistente social como 
um produto da síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento 
histórico, onde se reproduz material e ideologicamente a fração de classe hegemônica, 
quando, no contexto do capitalismo na sua idade monopolista, o Estado toma para si as 
respostas à “questão social”. Nesta perspectiva, sustentada diferentemente por Marilda 
Villela Iamamoto, Raul de Carvalho, Manuel Manrique Castro, Vicente de Paula Faleiros, 
Maria Lúcia Martinelli, José Paulo Netto, entre outros, entende-se o assistente social 
como um profissional que desempenha um papel claramente político, tendo uma função 
que não se explica por si mesma, mas pela posição que o profissional ocupa na divisão 
sócio técnica do trabalho. 
• A primeira a pensar nesta linha teórica, realizando uma verdadeira inflexão neste debate, 
Marilda Villela Iamamoto (1992a e 1992b), pioneiramente já no início dos 80,14 procura 
captar 
o significado social dessa profissão na sociedade capitalista, situando-a como um dos 
elementos que participa da reprodução das relações de classes e do relacionamento 
contraditório entre elas. Nesse sentido, efetua-se um esforço de compreender a profissão 
historicamente situada, configurada como um tipo de especialização do trabalho coletivo 
dentro da divisão social do trabalho peculiar à sociedade industrial. (Iamamoto, 1991: 71; 
grifos nossos) 
 
Assim visto, o Serviço Social tem um papel a cumprir dentro da ordem social e econômica 
— como uma engrenagem da divisão sócio técnica do trabalho —, na prestação de 
serviços: ao assistente social lhe é demandado (e para isso foi criada a profissão) 
participar na reprodução tanto da força de trabalho, das relações sociais, quanto da 
ideologia dominante. A profissão é compreendida, por esta autora, como um “produto 
histórico”, e não como um desenvolvimento interno das formas de ajuda, 
descontextualizada ou apenas, no melhor dos casos, inserida numa realidade social; ela é 
produto e reprodutora das relações sociais. “Assim seu significado social depende da 
dinâmica das relações entre as classes e destas com o Estado [...], no enfrentamento da 
‘questão social’.15 É na implementação de políticas sociais [...] que ingressa o Serviço 
Social”, segundo entende Iamamoto, ao avançar, nos anos 1990, suas reflexões sobre a 
gênese profissional (Iamamoto, 1992b: 2-3). 
Desta forma, a autora entende que 
o Assistente Social é solicitado não pelo seu caráter propriamente técnico-especializado 
de suas ações, mas antes e basicamente pelas funções de cunho “educativo”, 
“moralizador” e “disciplinador” [...]. [Assim,] o assistente social aparece como o 
profissional da coerção e do consenso, cuja ação recai no campo político. (Iamamoto, 
1992: 42). 
 
• Numa perspectiva teórico-metodológica semelhante, José Paulo Netto (1992a) contribui 
para esta tese, afirmando que é na intercorrência do conjunto de processos econômicos, 
sociopolíticos e teórico-culturais que ocorrem na ordem burguesa, no capitalismo da 
idade dos monopólios, que se gestam as condições histórico-sociais que permitem a 
emergência do Serviço Social como profissão na Europa. Do contrário, “sem a 
consideração deste marco específico, a análise da história do Serviço Social perde 
concreção e acaba por transformar-se numa crônica essencialmente historiográfica e 
linear”16 (idem: 65). Assim, “a profissionalização do Serviço Social não se relaciona 
decisivamente à ‘evolução da ajuda’, à ‘racionalização da filantropia’ nem à ‘organização 
da caridade’; vincula-se à dinâmica da ordem monopólica” (idem: 69-70). Segundo ele, 
na emergência profissional do Serviço Social, não é este que se constitui para criar um 
dado espaço na rede sócio-ocupacional, mas é a existência deste espaço que leva à 
constituição profissional. [...] não é a continuidade evolutiva das protoformas ao Serviço 
Social que esclarece a sua profissionalização, e sim a ruptura com elas. (Idem: 69) 
 
Por isto mesmo, diz o autor, não é um acidente cronológico que a institucionalização da 
profissão coincida rigorosamente com o trânsito do capitalismo concorrencial ao 
monopolista,situado no segundo quarto de século, na Europa, após a Grande 
Depressão.17 Para Netto (1992a: 70), 
o processo pelo qual a ordem monopólica instaura o espaço determinado, que na divisão 
social (e técnica) do trabalho [...], propicia a profissionalização do Serviço Social tem sua 
base nas modalidades através das quais o Estado burguês se enfrenta com a ‘questão 
social’, tipificadas nas políticas sociais. Estas, ademais das suas medulares dimensões 
políticas, se constituem também como conjuntos de procedimentos técnico-operativos; 
requerem, portanto, agentes técnicos em dois planos: o da sua formulação e o da sua 
implementação. (Grifos nossos) 
 
Desta forma, a formulação e a implementação das políticas sociais, próprias desse novo 
estágio da ordem socioeconômica, estimulam a criação de diversas novas profissões 
“especializadas”, dentre as quais o Serviço Social aparece para desempenhar seu papel, 
ocupando uma posição subordinada na divisão sócio técnica do trabalho, vinculada à 
execução terminal das políticas sociais.18 Enquanto profissão, conclui Netto, o Serviço 
Social não é apenas uma possibilidade, não se cria a partir de si mesmo, não surge 
somente como uma evolução das ações que os filantropos resolveram imprimir às suas 
práticas. Ele é dinamizado e estimulado (pois é necessário aos fins e a manutenção desta 
ordem) pelo projeto conservador que contempla as reformas dentro deste sistema. É que, 
como afirma o autor, “o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, 
cria condições tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação política através 
do jogo democrático, é permeável a demandas das classes subalternas” (Netto, 1992a: 
25). Assim, a emergência da profissão deve sua existência à síntese das lutas sociais que 
confluem num projeto político-econômico da classe hegemônicade manutenção do 
sistema perante a necessidade de legitimá-lo em função das demandas populares e do 
aumento da acumulação capitalista. Para Netto, a “questão social” não determina, por si 
só, a gênese do Serviço Social (idem: 14). Ela apenas dá base para a emergência da 
profissão quando se transforma em objeto de intervenção do Estado, quando surge uma 
mediação política entre a “questão social” e o Estado; mediação esta instrumentalizada 
pelas políticas sociais cujo executor terminal é o assistente social.19 • De outras fronteiras 
(nacionais e profissionais), mas a partir de uma pesquisa programada pelo Celats,20 
Manuel Manrique Castro (1993) procura pensar a gênese do Serviço Social latino-
americano não como um “mero reflexo”21 do europeu, mas como um produto histórico 
vinculado às relações sociais e à divisão do trabalho, e não apenas por opções de um 
grupo de filantropos que queriam sistematizar suas tarefas caritativas. Sua preocupação 
está em determinar “que forças concorrem na sua gênese” (Manrique, 1993: 21), e não 
que pessoas participaram nela. Desta forma, diz Manrique, 
decorrentemente [às mudanças e crises do capitalismo], diversas modalidades de ação 
social passaram a sofrer alterações substanciais; mudada a perspectiva de sua função, 
reservam-se para elas — e este é o caso do Serviço Social — certas tarefas que 
requisitavam níveis especiais de preparação. Note-se que não se ergue,sobre as formas 
prévias de Serviço Social, uma nova e moderna modalidade de ação que suprime as 
anteriores — as formas de ação social não emergem ou sucumbem segundo a vontade dos 
seus agentes; ao contrário, são objetivações da situação social prevalecente, expressando, 
à sua maneira, as características das sociedades onde se articulam novas relações de 
produção. (Idem: 32) 
 
Ocorre que Manrique está mais preocupado em “estabelecer como entendemos a função 
concreta que o Serviço Social desempenha no interior das relações sociais entre as 
classes” (idem: 39). • Por sua vez, Maria Lúcia Martinelli (1991), marcando certa inflexão 
com análisesanteriores,22 propõe-se a “compreender o real significado da profissão na 
sociedade do capital, sua participação no processo de reprodução das relações sociais” 
(1991: 15). Assim, entende a emergência do Serviço Social na Europa e nos Estados 
Unidos como um instrumento necessário da burguesia que, aliada ao Estado e à Igreja 
Católica, buscava dotar de legitimidade a ordem social burguesa, ocultar suas 
contradições e desmobilizar ou desarticular as reivindicações coletivas dos trabalhadores. 
A autora, após uma importante análise, a partir do referencial teórico marxista, da história 
do capitalismo — onde surge a necessidade histórica de “agentes executores da prática 
da assistência social” (1991: 66) como produto histórico das contradições do modo 
capitalista de produção e de pensar — vê 
a origem do Serviço Social como profissão [...] [como tendo] a marca do capitalismo e 
do conjunto de variáveis subjacentes — alienação, contradição e antagonismo [...]; é 
[portanto] uma profissão que nasce articulada com um projeto de hegemonia do poder 
burguês como uma importante estratégia de controle social, como uma ilusão de servir 
[...]. (Idem: 156, cf. também a p. 66) 
Assim, Martinelli examina “a complexa situação que se instaura quando a profissão, 
capitulando diante da lógica do capital, passa a operar permanentemente com a identidade 
atribuída” (idem: 18, 157), onde era prioritária “a sua função econômica, de fundo 
ideológico, mais do que sua função social” (idem: 126). Neste sentido, “a ausência de 
identidade profissional fragiliza a consciência social da categoria profissional, 
determinando um percurso alienado, alienante e alienador da prática profissional” (idem: 
17), “impedindo-a de ingressar no universo da ‘classe em si’ e da ‘classe para si’ do 
movimento operário [...] [e de] participar da prática política da classe operária” (idem: 
19). Segundo Martinelli, este profissional estaria, na sua gênese, fatalmente sujeito e 
condicionado por uma “identidade atribuída”, totalmente externa e independente da sua 
vontade, o que significaria para a autora, numa perspectiva em certa medida divergente 
dos autores precedentes,23 o furto da possibilidade histórica de construção da sua própria 
identidade, na medida em que aquela 
expressava uma síntese das práticas sociais pré-capitalistas — repressoras e controlistas 
— e dos mecanismos e estratégias produzidos pela classe dominante para garantir a 
marcha expansionista e a definitiva consolidação do sistema capitalista. (Idem: 67) 
 
Desse modo, considera a autora que o Serviço Social nasce com funções controladoras, 
integradoras e, portanto, políticas, necessárias à manutenção da ordem social, cobrindo-
as de um manto “filantrópico”, o que conformaria um verdadeiro “fetiche da prática”24 
(cf. Martinelli, 1991: 18, 67, 89, 127). Para tanto, são chamados os assistentes sociais a 
cumprir esta tarefa. Martinelli faz uma clara distinção entre as duas tarefas que a 
burguesia devia enfrentar para atenuar os efeitos da “questão social”: “a primeira [...] — 
reorganizar a assistência [...] — a classe dominante atribuiu à Sociedade de Organização 
da Caridade”, enquanto “a segunda — propor políticas e implementar medidas 
legislativas — ficou reservada ao Estado burguês” (Martinelli, 1991: 87). Desta forma, a 
autora pareceria “voltar” à primeira tese (e a sua concepção de 1978), uma vez que coloca 
a londrina C.O.S., na segunda metade do século XIX, como palco no qual surgiram “os 
primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, 
atividade que se profissionalizou sob a denominação de ‘Serviço Social’” (Martinelli, 
1991: 66), situando assim a gênese profissional anterior e independentemente do 
momento em que, no marco do capitalismo monopolista, o Estado toma para si as 
respostas à “questão social”.25 • Também podemos encontrar em Vicente de Paula 
Faleiros (1993)26 algumas contribuições a esta tese. Assim, estudando a profissãona 
América Latina, nega a existência de um Serviço Social profissional anterior ao século 
XX. Para ele “o Serviço Social se ‘fundamenta’ na negação dos antagonismos do modo 
de produção capitalista. Ele atua, na prática, na ‘camuflagem’ ou na diminuição desses 
antagonismos. Deriva daí sua própria contradição” (idem: 14). Assim, esta profissão, 
segundo Faleiros, “nasceu dependente de fatores que guardam relação com o surgimento 
do capitalismo: o desenvolvimento das forças produtivas na metrópole e o 
desenvolvimento das técnicas e da ciência” (idem: 18-9). 
Esta perspectiva de análise se constitui, para o autor, em um paradigma — o das relações 
de força, poder e exploração —, em contraposição à tese anterior, que ele situa como o 
paradigma das relações interindividuais. Em síntese, esta segunda tese sobre a gênese do 
Serviço Social27 parte de uma visão totalizante. Vê o surgimento da profissão vinculado, 
determinado e formando parte de uma ordem socioeconômica determinada, de um 
contexto, enfim, da síntese de projetos enfrentados e da estratégia da classe hegemônica 
nessa luta, no contexto do capitalismo monopolista. Nele se entende a “particularidade” 
— Serviço Social — inserida e constitutiva de uma “totalidade” mais desenvolvida que o 
contém e o determina. Aqui surge a análise de atores sociais coletivos, constituídos a 
partir de segmentos socioeconômicos e políticos, e formando parte de um contexto, como 
os verdadeiros protagonistas. Não mais as individualidades (as vontades individuais) e os 
nomes próprios (isolados) são vistos como agentes exclusivos da história (e da história 
do Serviço Social), mas agora são sujeitos coletivos e determinados historicamente. O 
contexto emoldurado pelas lutas de classes em torno de projetos de sociedade 
antagônicos, na etapa monopolista do capitalismo, se apresenta aqui como o marco 
explícito do surgimento do Serviço Social. Desenvolve-se assim uma estratégia do capital 
para reverter a crise que vem se alastrando desde finais do século XIX (1870) e que se 
estende até 1929. Com ela procura-se também consolidar (legitimar, perpetuar e 
desenvolver) o sistema capitalista, bem como aumentar a acumulação ampliada do 
capital. Esta estratégia deriva na criação do monopólio (corporação que controla a 
produção e a comercialização de áreas estratégicas revertendo a queda tendencial da taxa 
de lucro), na expansão internacional da produção e do comércio (necessidade imanente 
ao capitalismo), no desenvolvimento de um Estado intervencionista (Welfare State, 
Estado de Bem-estar Social, keynesianismo, “populismo”, segundo as diferentes 
experiências) — e nele, das políticas sociais, da expansão da democracia, da cidadania e 
dos direitos e legislação trabalhistas. Esta estratégia integral muitas vezes foi tratada por 
teóricos sobre diferentes óticas ou ênfases; assim, a nova fase do capitalismo que surge 
na passagem do século XIX para o XX e que se conforma a partir dessa estratégia global 
do capital para reverter os efeitos da “Grande Depressão” foi denominada, sob diferentes 
aspectos, de maneiras diversas: imperialismo (Lenin, Rosa Luxemburgo), capitalismo 
monopolista (Baran, Sweezy), capitalismo monopolista de Estado (Boccara), e, em 
autores liberais, Estado de Bem-estar ou keynesianismo. Efetivamente, a fração de classe 
hegemônica, na virada do capitalismo concorrencial para sua fase monopolista, precisa 
dotar de legitimidade o sistema socioeconômico e político que a sustenta. Desta forma, 
diante do aumento de conflitividade — real ou potencial —, produto do desemprego, das 
precárias condições de trabalho, da queda do salário real e frente ao aumento da 
organização popular, especialmente sindical (lembremos das “internacionais”), a 
hegemonia burguesa amplia o Estado (ver Coutinho, 1994), retirando a exclusividade das 
lutas de classes da órbita econômica e da sociedade civil e levando-a também à esfera 
política e estatal. Assim, a lógica vinculante que representa a participação democrática28 
deveria institucionalizar as disputas políticas e econômicas, reduzindo o fator crítico e 
revolucionário das lutas de classes. Neste marco democrático se desenvolvem lutas em 
torno da ampliação dos direitos civis (liberdades individuais), políticos (participação 
democrática) e sociais (legislação trabalhista, maior participação na distribuição dos bens 
produzidos) (a esse respeito, ver Marshall, 1967, e Barbalet, 1989). Dentro desse contexto 
de conflitos institucionalizados surgem as políticas sociais como instrumentos de 
legitimação e consolidação hegemônica que, contraditoriamente, são permeadas por 
conquistas da classe trabalhadora (cf. item 1.3). 
Por outro lado, também devemos considerar o impulso (mais tardio, nos anos 1960, cf. 
Mota, 1991: 41) do Serviço Social no campo empresarial. É que, com lógica semelhante, 
o capitalista precisa, agora no âmbito da indústria, minimizar o nível de conflitividade, 
maximizar a produtividade do trabalhador e, portanto, reduzir o valor da força de 
trabalho.29 Assim, como afirma Mota, 
a questão social passa a ser assumida pela empresa dentro de um contexto que é permeado 
tanto pela existência de “pactos de dominação”, isto é, com o Estado, através de suas 
políticas de reprodução geral do capital, como por uma tensão entre empregado-
empregador, identificada na pressão que a classe trabalhadora exerce pela via dos “seus” 
problemas, interferindo no processo organizativo da produção (Mota, 1991: 47). 
 
Para a autora, os “problemas do trabalhador”, refrações do processo de exploração, são 
assumidos, pela empresa, como “obstáculos à produção”, o que leva a empresa a criar 
“políticas assistenciais, quando não privatiza os programas das instituições públicas, 
tentando manter em equilíbrio a relação empregado-empregador” (idem: 56), sendo que, 
“justamente para executar tais políticas, a empresa requisita o assistente social” (ibidem; 
grifos nossos). No entanto, continua Mota, o tratamento dos problemas do trabalhador 
por parte do assistente social encontra seu limite nas questões salariais, demissões, 
negociações sindicais, problemas caracterizados como “da empresa”, e não “do pessoal” 
(idem: 60), — quer dizer, numa lógica de segmentação do real (cf. infra e o item 2 do 
capítulo II) em esferas autonomizadas, estas questões seriam “econômicas”, e não 
“sociais” —, portanto fora da órbita da responsabilidade do assistente social. É neste 
sentido, que “o profissional [de Serviço Social] recebe e, via de regra, assume um 
mandato institucional de agente conciliador e apaziguador de conflitos de interesses entre 
empresa e empregados” (idem: 61; grifos nossos), levando este controle para além da 
indústria até o espaço familiar do trabalhador. Segundo Mota, o efeito dessa prática 
profissional está em despolitizar “a problematização do trabalhador acerca de suas 
condições de vida e de trabalho, metamorfoseando-a num desabafo momentâneo, 
emocional, individual” (idem: 62). Neste sentido, vinculado aos postulados do 
Movimento das Relações Humanas (que teve em Kurt Lewin seu principal expoente) — 
corrente que substitui a hipótese taylorista do “homo economicus” (que estabelece a 
motivação do trabalhador mediante incentivos econômicos) pelo “homem social” (que 
propõe a idéia de que o trabalhador é mais eficiente desde que se encontre num ambiente 
mais humano, com relações mais diretas e amenas) —, a empresa contrata assistentes 
sociais para executar justamente as políticas de mudanças organizacionais e relacionais, 
e para gerir convênios (assistenciais e beneficientes para os trabalhadores) desenvolvidos 
entre a empresa e outra organização externa (geralmente o Estado).30 Desta forma é que 
o Serviço Social também se vincula às políticas sociais, não apenas estatais, mas agora 
também (fundamentalmente no Brasil) empresariais. Essas políticas sociais 
(fundamentalmente estatais, mas tambémempresariais) se constituem em instrumentos 
privilegiados de redução de conflitos, já que contêm conquistas populares, sendo estas 
travestidas de concessões do Estado e/ou da empresa. Tudo indica que a preservação 
dessas políticas sociais e a incorporação dos sujeitos a elas é um resultado de uma espécie 
de acordo, de um “pacto social”: o Estado concede esses benefícios à população 
carenciada em troca de que esta última aceite a legitimidade do primeiro. Assim, da 
mesma forma que o FMI, para destinar empréstimos a um país, exige deste uma “carta de 
intenção”, onde este último renuncia a certos graus de liberdade e autonomia na 
orientação da sua política econômica e social, determinando, o primeiro, aspectos centrais 
da vida político-econômica do país, de forma semelhante o Estado (e os organismos 
representantes das classes hegemônicas) ao aparentar “conceder” os benefícios das 
políticas sociais (mediadas pela intervenção dos assistentes sociais) — fetichizando o fato 
de que são produto de conquistas e direitos sociais usurpados pelos que detentam o poder 
—, pretende a perda de liberdade da população e o controle da vida privada — dentro e 
fora da fábrica — do trabalhador. Mas essas políticas sociais não são desenhadas a partir 
de uma perspectiva de totalidade da sociedade, a qual permite ver a realidade social como 
histórica e estrutural. Pelo contrário, a racionalidade burguesa, fundamentalmente após 
os sucessos de 1848, incorpora uma visão recortada, pulverizada da realidade. Aqui 
surgem as ciências sociais particulares (a este respeito, ver Lukács, 1992; Coutinho, 1994: 
91 ss.); aqui se deseconomiza e se despolitiza a esfera social; se deseconomiza a política 
e se despolitizam as relações econômicas, como se a sociedade pudesse ser entendida a 
partir de “recortes” da realidade. Desta forma, com essa perspectiva segmentada da 
realidade, as políticas sociais constituem instrumentos focalizados em cada uma das 
refrações fragmentadas da “questão social”, transformando-se em respostas pontuais (cf. 
Netto, 1992a: capítulo I). Assim, para o desenvolvimento dessas políticas sociais 
fragmentadas, são necessários dois tipos de atores: por um lado, profissionais que as 
concebam e as elaborem (a partir dos conhecimentos teóricos e das orientações políticas 
de outros atores); por outro, profissionais que se encarreguem da implementação de tais 
instrumentos estatais. Assim, o Serviço Social surge, dentro desta segunda perspectiva, 
como uma das profissões cuja função na sociedade remete fundamentalmente à execução 
terminal das políticas sociais segmentadas (ver Iamamoto, in Iamamoto e Carvalho, 1991; 
Netto, 1992a; Martinelli, 1991). Aparece, então, como um ator subalterno e com uma 
prática basicamente instrumental. Seu campo privilegiado de trabalho é o Estado 
(subordinado, além dos “cientistas”, a uma lógica político-burocrática) e a sua base de 
atuação é conformada pelas políticas sociais. Aqui recai, pois, a base de sustentação 
funcional-ocupacional do Serviço Social (cf. Montaño, 1997): um profissional que surge 
dentro de um projeto político, no marco das lutas de classes desenvolvidas no contexto 
do capitalismo monopolista clássico, cujo meio fundamental de emprego se encontra na 
órbita do Estado, este último contratando-o para desempenhar a função de participar na 
fase final da operacionalização das políticas sociais. Ali radica sua funcionalidade e sua 
legitimidade. Não obstante essas determinações, a prática do Serviço Social 
(particularmente na empresa e no Estado), assim como a de tantas outras (se não todas) 
profissões, apresenta-se como uma prática tensionada, saturada de contradições, onde o 
assistente social aparece como um “profissional da coerção e do consenso” (Iamamoto, 
1992a: 42 ss.), como um profissional marcado pelo dilema de “servir a dois ou mais 
senhores” (Estevez, s./d.), como um profissional também pressionado pelos interesses dos 
trabalhadores (organizados ou não) (Mota, 1991: 63-4) (sobre esta discussão voltaremos 
no item 1.3 do capítulo II). Vejamos então: a distância entre as duas teses apontadas não 
é apenas uma questão de ênfases dispares, não é simplesmente uma opinião diferente 
sobre as “causas” da gênese profissional. Expressa, pelo contrário, análises cujos pontos 
de partida (perspectivas teórico-metodológicas) distintos conduzem a conclusões 
radicalmente diferentes sobre a natureza, a funcionalidade e a legitimidade do Serviço 
Social. Assim, na primeira tese, a natureza e a funcionalidade profissional aparece como 
sendo o fato de o Serviço Social consistir numa forma de ajuda (mais organizada, evoluída 
e tecnificada do que as anteriores — e simultâneas — caridade, filantropia etc.) vinculada 
ao tratamento da “questão social”. Sendo a natureza dos “antecedentes”profissionais a 
mesma (formas de ajuda), esta tese estaria entendendo como semelhante a natureza e a 
funcionalidade da profissão e das formas de ajuda “anteriores” — o que leva esses autores 
a ver a relação formas “anteriores” de ajuda/Serviço Social como uma relação de 
continuidade, fundada na idéia de “evolução” entre as “anteriores” formas de ajuda 
(caridade, filantropia etc.) com o Serviço Social (ou com o “trabalho social”) na sua linha 
final. Já numa perspectiva de análise relativa à segunda tese, a natureza e a funcionalidade 
da caridade e da filantropia devem ser entendidas como formas de ajuda que têm como 
fundamento uma missão moral ou religiosa (messiânica, missionária, de apostolado), que 
parte da vocação pessoal de ajuda ao próximo como, a “missão confessional-cristã” da 
caridade, ou a “missão moral” da filantropia, vinculada aos “críticos românticos do 
capitalismo”, de reverter as injustiças sociais. Enquanto isso, nesta perspectiva, a natureza 
e a funcionalidade do Serviço Social são essencialmente diferentes; elas não recaem na 
ajuda como práticas altruístas, mas são entendidas a partir da sua funcionalidade com a 
ordem burguesa, quando o Estado toma para si, na passagem do capitalismo concorrencial 
à fase monopolista, a resposta da “questão social”, mediante as políticas sociais.31 Aqui 
a função do Serviço Social é de legitimação da ordem e aumento da acumulação 
capitalista, tendo, portanto, natureza e funcionalidade político-econômicas e não altruístas 
(como nas formas de ajuda) — o que faz com que, nesta perspectiva, a relação. 
Ajuda/Serviço Social seja entendida como uma relação de ruptura, fundante na 
compreensão de diferentes tipos de atores sociais, que, coincidindo em alguma medida 
nos tipos de práticas desenvolvidas em torno da “questão social”, são, na sua natureza e 
funcionalidade, essencialmente distintos. Assim, enquanto a primeira tese entende que há 
continuidade (identidade) entre a natureza do Serviço Social e as práticas de filantropia, 
caridade etc.: todas elas seriam formas de ajuda, mesmo existindo diferenças nas 
características de cada uma: profissionalismo/voluntarismo, formação técnico-
científica/espontaneísmo, institucionalização/desarticulação; inversamente, a segunda 
tese concebe a ruptura na essência e na funcionalidade do Serviço Social em relação às 
formas de ajuda, mesmo tendo elas algumas características comuns. Em outros termos, 
considerando a relação “Serviço Social/formas de ajuda”, se na primeira tese a natureza 
é a mesma, com características diferentes, na segunda a natureza é distinta, com 
características semelhantes. Desta forma, rejeitando a tese focalista e evolucionista sobre 
a profissionalização das formas “anteriores” de ajuda, esta perspectiva histórico-crítica se 
apresenta como uma alternativa teórico-explicativa inteiramente distinta. 
Na verdade, estas teses engendram uma contraposição de perspectivas: “particularismo” 
versus “totalidade”,32 sendo elas necessária e mutuamente excludentes. Porém, tal 
contraposição deve ser analisada matizadamente. • Para se poder compreenderclara e 
historicamente as condições de surgimento da profissão do Serviço Social, é necessário 
apreender a particularidade presente no Serviço Social como um produto histórico, a 
partir de uma perspectiva de totalidade, da tese que entende a sua vinculação a uma ordem 
social e ao projeto político que viabilizou sua instauração e desenvolvimento, vendo o 
assistente social como um trabalhador assalariado, que ocupa um lugar específico dentro 
da divisão sócio técnica do trabalho, vinculado à execução terminal das políticas sociais 
segmentadas. • Não obstante, é necessário reconhecer a participação e a opção consciente, 
mesmo que ser acrítica33 e até ingênua,34 dos primeiros agentes profissionais. Os 
assistentes sociais legitimaram com suas ações aquela “identidade atribuída”, 
transformando-a em “identidade própria”.35 Eles aceitaram e até racionalizaram suas 
funções e seu papel na ordem social; os revestiram, pela extração e origem social desses 
agentes, de um manto de filantropia, de uma imagem de ajuda ao carente, de 
características confessionais. Eles se especializaram e desenvolveram um nível de 
profissionalização, de tecnicismo, de organização, que os levaram a ampliar o campo de 
ação, sua eficácia, “socializando” sua prática e ampliando as políticas sociais que lhes 
dão emprego e que, contraditoriamente, prestam serviços aos usuários, enquanto 
legitimam e mantêm a ordem social, econômica e política que as cria.36 Uma observação 
deve ser feita. Verificar o relativo protagonismo dos primeiros profissionais (e se 
quiserem, das “protoformas” do Serviço Social) não pode nos levar, sob nenhuma 
hipótese, a considerar a gênese da profissão a partir da mera vontade de certas pessoas 
em tecnificarem suas práticas filantrópicas; nem o fato de que as primeiras camadas de 
assistentes sociais provinham de instituições filantrópicas e de caridade deve nos levar a 
supor o Serviço Social como a evolução das práticas anteriores de ajuda. 
Estas confusões, próprias dos estudos vinculados à primeira tese, partem da verificação 
factual de as primeiras gerações de assistentes sociais terem estado vinculadas a 
instituições de caridade, filantrópicas etc. Tal fato, num estudo meramente historiográfico 
ou empiricista, estaria confirmando a idéia do Serviço Social como uma fase mais 
evoluída das formas (ou “protoformas”) de ajuda anteriores. No entanto, devemos fazer 
algumas considerações analíticas. Dentre os vários elementos que confluem para 
caracterizar uma profissão (formação profissional, procedência de classe dos seus 
membros, tipo de instituições das quais são recrutados etc.), um deles se constituiem 
fundante para o estudo da sua gênese: a prática que desenvolve como trabalhador 
vinculado a uma organização; o que lhe confere legitimidade. Assim, o que dota de 
legitimidade uma profissão é basicamente o fato de certas necessidades sociais serem 
reconhecidas, transformadas em demandas e respondidas por determinadas instituições e 
organizações, as que empregam os profissionais para estudar e/ou intervir nessas 
realidades. Vale dizer, a demanda institucional que cria o espaço interventivo do 
assistente social provém do órgão empregador do profissional — aquele que transforma 
sua prática numa atividade ocupacional, onde se recebe um salário em troca da venda da 
sua força de trabalho, com o fim de dar resposta a uma necessidade social. • Neste sentido, 
o Estado (como produto histórico das lutas sociais) se constitui, nos primórdios da 
profissão, no principal órgão empregador e, portanto, legitimador do Serviço Social. É 
desta forma que o estudo da gênese desta profissão deve conter a análise do Estado, na 
fase monopolista do capital, que ampliado e incorporando as lutas de classes se constitui 
em instrumento de manutenção da ordem e da hegemonia burguesa. Nele, as políticas 
sociais conformam elementos significativos. Finalmente, para sua execução terminal, foi 
preciso a constituição de um ator especial: o assistente social. • Por outro lado, não 
deixamos de verificar certos elementos que caracterizam, de forma diferenciada para cada 
país, os primeiros profissionais, por exemplo: a maioria de gênero feminino; provenientes 
de frações sociais altas e média altas; recrutados, muitas vezes, em instituições de 
caridade e filantropia, tendo sido formados, segundo as diversas realidades, em 
organismos ministeriais na área da saúde, instituições ligadas à Igreja etc. Estes elementos 
caracterizam os primeiros assistentes sociais, porém nada nos dizem sobre a 
fundamentação e o sentido social da gênese profissional. Assim, se por um lado a análise 
do Estado, principal órgão empregador dos assistentes sociais, e das políticas sociais, 
principais instâncias de inserção prático-profissional, ao determinarem a demanda 
institucional da profissão, nos permite compreender a funcionalidade do Serviço Social; 
por outro lado, o estudo das características das primeiras camadas de profissionais nos 
leva a verificar como esses elementos que particularizaram os agentes termina 
redundando numa caracterização da profissão: as características dos primeiros assistentes 
sociais acabam aparecendo como características do Serviço Social. É este fenômeno que 
leva erroneamente a identificar (e confundir) fundamentos da gênese profissional (e sua 
funcionalidade) com características dos precursores da profissão (e das chamadas 
“protoformas” profissionais). Na verdade, somente por meio desta distinção analítica 
(entre fundamentos e características) é que podemos perceber o duplo caráter da gênese 
e desenvolvimento profissional, que contêm semelhanças (continuidades aparentes) e 
“rupturas” entre o Serviço Social e as formas de ajuda. Ao estudar os fundamentos e a 
natureza do Serviço Social na sua gênese — onde o Estado (e suas políticas sociais) 
aparece como o órgão empregador e instrumento de controle popular e manutenção do 
status quo —, não há evolução de formas de ajuda não-profissionais para uma forma dita 
mais desenvolvida: a profissão de Serviço Social.38 Portanto não há continuidade, e sim 
“ruptura”. Trata-se de práticas com papéis e significados essencialmente distintos. No 
entanto, ao estudar apenas as características dos primeiros assistentes sociais, 
individualmente considerados e/ou de forma isolada das relações sociais, — onde grande 
parte tinha pertencido (ou ainda pertencia) a instituições filantrópicas, de caridade etc. —
, os autores “evolucionistas” vêem uma aparente relação de continuidade, deduzindo daí 
uma evolução entre as práticas de ajuda assistencial e voluntarista para uma intervenção 
profissional, desenvolvida muitas vezes pelos mesmos indivíduos (agora profissionais do 
Serviço Social). Caracteriza-se ai, para estes autores, a existência de continuidade e 
evolução entre essas práticas. Esta percepção fundamenta-se no fato de que as 
características que apresentam os primeiros profissionais (práticas voluntaristas, 
assistenciais, confessionais etc.) passam a caracterizar a profissão de Serviço Social. Mas 
essa aparência de “continuidade” nas características leva os autores “evolucionistas” ora 
a estenderem automaticamente tal relação de continuidade à natureza e fundamento, numa 
verdadeira e linear “evolução” (se caridade/filantropia e Serviço Social possuem 
características semelhantes, parecem nos dizer, então eles têm a mesma natureza; uma 
prática deriva, evolui da outra), ora a conceberem, ambiguamente, continuidades nas 
formas fenomênicas, “esquecendo” as rupturas na substância, o que significa uma 
aceitação tácita, mesmo que não tão linear, de evolução. O equívoco desses autores está 
em não perceber que se a suposta “continuidade” é encontrada por quem defende essa 
relação linear de evolução, na forma da prática (no nível fenomênico, imediato, aparente) 
dos pioneiros da profissão (muitos deles ex-membros de instituições de ajuda), no 
entanto,no sentido e significação social do Serviço Social (no nível das relações sociais, 
do mediato, da essência, do seu conteúdo) o que se verifica é a radical “ruptura”. O 
equívoco radica-se, portanto, na consideração de que, por exemplo, se os primeiros 
assistentes sociais de determinado país foram recrutados de instituições filantrópicas, de 
origem cristã e formados em instituições ligadas à Igreja, isso marcaria a gênese 
profissional a partir das necessidades da própria Igreja, ou à organização e tecnificação 
da caridade (vide COS). Neste caso, esquece-se que a classe demandante deste 
profissional é (direta ou indiretamente) a capitalista, e que os órgãos empregadores 
continuam sendo os representantes desta classe hegemônica (principalmente o Estado), 
num contexto de lutas de classe, e que aí se deve procurar a explicação de funcionalidade 
profissional na sua emergência e desenvolvimento. Ora, se são práticas de conteúdos 
sociais diferentes, de sentidos sociais distintos, que ocupam lugares diversos na divisão 
sócio técnica do trabalho, trata-se então de instituições diversas, de agentes distintos; não 
há continuidade entre eles, apenas ruptura.39 Não há, portanto, uma relação de 
continuidade (na prática) e ruptura (no significado social) entre as formas de ajuda e o 
Serviço Social. Há, sim, semelhanças, dando uma aparência de continuidade (vista 
através da forma prática imediata), que escondem a verdadeira ruptura (no seu significado 
social) entre a prática profissional e as práticas de caridade e filantropia. No entanto, Netto 
registra continuidades e rupturas entre as chamadas “protoformas” e o Serviço Social, o 
que constituiria certo paradoxo.40 Para o autor, “a profissionalização criou um ator novo 
[alterando de “modo significativo a inserção sócio-ocupacional do próprio assistente 
social (e o próprio significado social do seu trabalho)”], que, alocado ao atendimento de 
uma demanda reconhecida previamente, não desenvolveu uma operacionalização prática 
substantivamente distinta em relação àquela já dada [nas suas ‘protoformas’]” (Netto, 
1992a: 95-6). Quer dizer, se “a profissionalização instaurou idealmente um quadro de 
referência e de inserção prático-institucional que cortou com as protoformas do Serviço 
Social”, no entanto sua atividade “permaneceu jungida à mesma eficácia que validava a 
prática assistencialista”; ou até, em outros termos, “se, idealmente, a profissão colocou as 
bases para uma peculiar intervenção sobre as refrações da ‘questão social’, faticamente, 
esta intervenção não se ergueu como distinta” (idem: 96). Ora, toda evolução supõe 
continuidades e rupturas, porém não há a menor sombra de “evolucionismo” nessas 
observações de Netto. O objetivo do autor, com tal caracterização de 
continuidades/rupturas entre o Serviço Social e as chamadas “protoformas”, está longe 
de esboçar a idéia de uma evolução entre estas práticas,41 como poderia parecer a algum 
leitor desatento, mas sim de mostrar suas semelhanças e, com elas, os limites dessa “nova 
prática”. Efetivamente, o autor fala de um ator novo, cuja inserção sócio-ocupacional e 
significado social são inteiramente diversos das “protoformas”, que cortou com elas. Não 
obstante, para Netto, isto não pode derivar na falsa idéia de que este ator, sua prática e 
seus resultados são inteiramente distintos dos da caridade/filantropia (com as quais 
rompeu). Na verdade, existem semelhanças e pontos de contato entre estas práticas, 
mesmo que com significados e processos históricos diferentes. Assim: semelhanças na 
estrutura interventiva sobre as refrações da “questão social” mediante a manipulação de 
variáveis empíricas e a polivalência operatória; no resultado da prática, reprodutor (ou 
cronificador) das refrações da “questão social”; no sincretismo ideológico e científico, 
nos fundamentos positivistas, empiristas, e formal-abstratos, que sustentam ecleticamente 
a racionalidade instrumental etc. Falamos de continuidades/rupturas, de evolução, que 
repõem o velho reconfigurado, ao considerarmos as respostas que o capital, nas fases 
concorrencial e monopolista, tem dado à “questão social” — a partir das refrações, 
segmentadas e setorializadas, e não das suas causas; respostas integradoras, 
individualistas e subjetivistas. Há continuidade nas formas de resposta social que o capital 
historicamente tem dado à “questão social”, mas continuidade transmutada, recriada, 
transformada, a partir dos contextos históricos de lutas de classes. A evolução, que 
apresenta continuidades e rupturas, refere às formas como a sociedade tem tratado a 
“questão social”; isto não implica (suposta) evolução entre os agentes que tem assumido 
a atividade fenomênica dessas respostas: ora agentes da filantropia e caridade, ora 
assistentes sociais etc. Se pensarmos macroscopicamente, nas respostas sociais, há 
evolução; se pensarmos particularmente nos agentes que diferenciadamente assumiram a 
atividade epidérmica desse processo societal, estes não apresentam uma relação linear 
evolutiva. A questão para Netto não é buscar os elementos de “continuidade” como 
fundamento de evolução, mas determinar as semelhanças, os pontos de contato entre o 
Serviço Social e as formas de ajuda, para perceber que, “cortando com as práticas das 
suas protoformas, [a profissão] não se legitima socialmente por resultantes muito 
diversas”, o que constitui o “anel de ferro que aprisiona a profissão” (Netto, 1992: 99). 
Com estas considerações, estamos agora em condições de compreender mais 
adequadamente o alcance e a significação das análises que os autores fazem sobre a 
história do Serviço Social. Assim, Ottoni Vieira, ao pesquisar a origem profissional, 
entende que esta se constitui numa fase mais evoluída das anteriores formas de ajuda, 
uma vez que o estudo que realiza refere-se apenas ao que aqui denominamos como as 
“características” dos primeiros profissionais (tipo de prática, procedência social, gênero, 
instituições das quais são recrutados, instituições nas quais se formaram etc.), de forma 
tal que considera essas características (dos“precursores”) como sendo da própria 
profissão de Serviço Social, estendendo a suposta “continuidade nas características” a 
uma “continuidade da natureza”. Neste sentido, para a autora o Serviço Social 
“profissionalizado” teria uma relação de continuidade com as formas não-profissionais 
de ajuda; seria uma evolução delas. 
Contrariamente, Martinelli remete seu estudo sobre a emergência da profissão à análise 
do desenvolvimento do capitalismo, que concebe o Estado intervencionista como 
instrumento estratégico de controle popular e manutenção do status quo, e onde surge a 
necessidade de constituição de um profissional encarregado da prática da assistência. 
Porém o fato de não relevar as características e o protagonismo dos primeiros 
profissionais leva a autora a entender a identidade do Serviço Social como meramente 
“atribuída” externamente. Por outro lado, a diferenciação pouco expressiva da 
significação do organismo empregador (o Estado e as organizações das classes 
dominantes) em relação às instituições formadoras dos profissionais (em muitos casos 
instituições ministeriais ou ligadas à Igreja) ou de onde são recrutados inicialmente 
(agências de caridade, filantropia etc.) leva Martinelli a entender a gênese do Serviço 
Social como um instrumento da burguesia que se vale tanto do Estado quanto da Igreja 
católica.42 Não obstante isso, Martinelli estabelece uma clara distinção entre as 
tendências inglesas e européias (social service — como sendo “uma prática servil, de 
doação, de ajuda, de prestação de serviço”) das norte-americanas (social work — que, 
diferentemente da expressão inglesa labour, que refere à vendada força de trabalho, à 
atividade de subsistência, “se reportava a um ‘trabalho’ que buscava mais a realização 
pessoal, a re-criação intelectual, do que a remuneração propriamentedita” (Martinelli, 
1991: 112). Já outros autores, como é o caso de Boris Lima, mesmo fazendo uma análise 
do Estado dentro de um contexto de desenvolvimento do capitalismo e de lutas de classes, 
não fazem mais do que remeter o estudo das características dos primeiros assistentes 
sociais àquele cenário sócio-histórico; este, apenas um “pano de fundo” daquele. Na hora 
de entender a natureza e o significado do Serviço Social subordinam a análise social-
global (que é utilizada para contextualizar a etapa histórica) ao estudo das características 
e formas práticas, fenoménicas, imediatas, dos primeiros profissionais (e das formas de 
ajuda). Desta maneira, volta-se à idéia do Serviço Social como evolução das formas de 
ajuda anteriores. 
É em autores como Iamamoto, Carvalho, Netto e Manrique que podemos observar uma 
clara distinção entre a análise dos fundamentos e o sentido social da gênese profissional 
— vinculada à estratégia burguesa de transformar o Estado (e suas políticas sociais) num 
instrumento de controle e manutenção do sistema, tanto quanto da luta das classes 
trabalhadoras em permear o Estado com suas demandas e reivindicações — e as 
características dos primeiros profissionais — características estas que, mesmo que 
tenham sido transferidas para a profissão e constituídas em particularidades do Serviço 
Social, nada dizem a respeito de funcionalidade, sentido e papel social e legitimidade da 
profissão. Assim, para eles, não há evolução (de formas anteriores de ajuda para o Serviço 
Social “profissionalizado”), e sim criação de um novo ator, de uma nova profissão, que, 
no entanto, não se constitui com uma identidade meramente atribuída, na medida em que 
os primeiros profissionais “levam” consigo suas próprias características (sua 
subalternidade de gênero, suas formas de prática voluntarista ligadas à assistência e à 
filantropia, sua formação confessional, sua origem de classe etc.), tendo tido um relativo 
protagonismo na constituição do Serviço Social. 
 
2. A legitimidade tensionada dos assistentes sociais 
Em decorrência da discussão sobre a gênese do Serviço Social existem duas teses que 
remetem à legitimação da profissão perante a sociedade e suas classes sociais e frente ao 
Estado e demais organismos contratantes. 
 
2.1. Assim, a primeira tese, vinculada à perspectiva evolucionista e endogenista, entende 
que a legitimidade do Serviço Social radica na “especificidade” da sua prática 
profissional. Na primeira tese, considerando-se o Serviço Social uma forma de ajuda 
profissionalizada, a legitimação dele derivaria dos elementos diferenciadores tanto das 
outras formas de ajuda quanto das outras profissões; ou seja, a sua especificidade. Aqui, 
a estratégia profissional de legitimação é montar uma barreira interprofissional, sob o 
acordo de cada profissão não invadir o espaço específico dos outros. Este espaço 
específico, no caso do Serviço Social, estaria dado, segundo os autores, pelo objeto, pelo 
método próprio ou pelo seu fundamento na prática de campo, pelos seus objetivos etc. 
(sobre isso voltaremos no item 2 do capítulo II). Essa especificidade, ao ser considerada, 
segundo esta tese, como o elemento que dá sentido à profissão, tem sido o centro de 
inúmeros debates e análises por parte categoria profissional. Nesta perspectiva, entende-
se como “específico” do Serviço Social a prestação de serviços direcionados aos setores 
empobrecidos e carentes da população. Também seria “específica” sua pesquisa social, a 
qual aparece como orientada para a ação, contrariamente às demais disciplinas sociais. 
Define-se, da mesma maneira, a metodologia como “específica”, os objetivos 
profissionais como “específicos”, os objetos de intervenção como “específicos”. De igual 
forma, encontra-se um sujeito “específico” próprio do Serviço Social: os “pobres”, os 
carentes, ou, na melhor das hipóteses, os assistidos pelas políticas sociais onde trabalham 
esses profissionais. Todas estas “especificidades” não passam, na realidade, de uma 
grande ilusão,43 de quem necessita demonstrar o que há de diferente, de próprio, de 
“específico” no seu desempenho profissional. Parece que se não se encontrasse o que há 
de próprio no Serviço Social, ele, então, não teria motivo de existir como profissão, não 
estaria legitimado, não teria razão de ser. Mas que profissão não é criada para responder 
à realidade? Qual delas pesquisa sem ter como horizonte iluminar sua prática 
profissional? Poder-se-ia afirmar que só o Serviço Social trabalha com setores carentes 
da população? Parece que essas “ilusões” estão mesmo longe de ser reais. No entanto, 
uma das ilusões mais problemáticas sobre essas “especificidades”refere-se à suposta 
exclusividade dos tradicionais campos de intervenção profissional: saúde, trabalho, 
criança e adolescente, família. 
Pensa-se que uma profissão pode se constituir pela intervenção nas áreas onde atuava no 
momento em que foi criada (desenvolvemos esta questão no item 4 do capítulo II). Pensa-
se, portanto, que as refrações da “questão social” existentes num dado período do 
desenvolvimento do capitalismo são as mesmas agora e, conseqüentemente, serão as 
mesmas no futuro: esta visão congela o desenvolvimento social, econômico e político e 
leva à consideração ou à interpretação dos “problemas sociais” como “disfunções”, 
desajustes que mantêm as mesmas características (aistoricamente) no decorrer do tempo. 
Aqui trata-se não só de uma ilusão fetichizada. Esta concepção é profundamente 
conservadora: dificulta fortemente a incorporação de novas áreas e demandas sociais 
emergentes como campos de intervenção profissional e de novas estratégias de 
intervenção, congelando a legitimação e funcionalidade profissional ao momento de sua 
gênese. Na verdade, esta tese reflete uma profunda ansiedade,45 que leva a categoria a 
rejeitar qualquer modificação que enfraqueça a “estabilidade”, preferindo a cômoda e 
estável subordinação e subalternidade profissional(na conservação daquela 
“especificidade” que exclui os “outros”) à instável e insegura ruptura de limites, com a 
conseqüente ampliação dos seus espaços, fronteiras e possibilidades de transformação da 
realidade. • Parece difícil aceitar a tese de que a legitimidade do Serviço Social recaia na 
“especificidade” de sua prática, em especial em momentos nos quais espaços 
tradicionalmente ocupados por assistentes sociais estão sendo disputados com sociólogos, 
psicólogos sociais, terapeutas familiares e até profissionais não ligados diretamente ao 
“social”: agrônomos, médicos, arquitetos, entre outros. Desta forma, esta primeira tese 
resulta falsa e ilusória. Sem perceber o lugar que ocupa a profissão na ordem 
socioeconômica, aparece como inteiramente “funcional” ao sistema e ao capital. Propõe, 
geralmente, nessa dita “especificidade”, um técnico encarregado de desempenhar certas 
tarefas executivas, “apolíticas” e “neutras”, ou, na melhor das hipóteses, “praticista”, 
iluminado pelo conhecimento científico, também “neutro”, e orientado pelas definições 
políticas de um Estado que procura “o bem comum”, ocultando assim, atrás de um manto 
de “equidade”, as orientações de uma classe dominante e hegemônica. Esta tese se 
caracteriza por uma perspectiva rígida, sem movimento, a histórica, sobre os processos 
de demanda/resposta às necessidades sociais, nas quais o Serviço Social se insere 
historicamente como prática legítima. 
 
2.2. Em oposição a isto, ligado à visão de totalidade (perspectiva histórico-crítica), surge 
uma segunda tese que parte de um Serviço Social legitimado oficialmente pelo papel que 
cumpre na e para a ordem burguesa (e no e para o Estado capitalista, seu principal 
empregador). Aqui, numa perspectiva histórico-sistemática, vê-se o Serviço Social 
ocupando um lugar na divisão sócio técnica do trabalho, dentro de um projeto político-
econômico hegemônico, desempenhando funções de controlee apaziguamento da 
população em geral e das classes trabalhadoras em particular, e contribuindo com a 
acumulação capitalista — através da socialização dos custos de reprodução da força de 
trabalho e do crescimento da demanda efetiva, e, dentro da empresa, mediante o estímulo 
ao aumento da produtividade e intensificação do trabalho. Sua legitimidade recai na 
função prestada à ordem burguesa, mediante sua participação fundamentalmente no 
Estado, como executor terminal de políticas sociais, e não na sua eventual 
“especificidade”. Como afirmou Iamamoto (Iamamoto e Carvalho, 1991: 71), a 
legitimidade do assistente social surge, não tanto pelo seu caráter técnico específico, mas 
pela função política, de cunho “educativo”, “moralizador” e “disciplinador”. Ela entende 
que 
o Serviço Social se institucionaliza e legitima como profissão [...] quando o Estado 
centraliza a política assistencial, efetivando através da prestação de serviços sociais 
implementados pelas grandes instituições; com isso, as fontes de legitimação do fazer 
profissional passam a emanar do próprio Estado e do conjunto dominante. 
(Iamamoto,1992a: 95) 
Assim, para Netto (1992a: 77), a legitimação é dada pelo desempenho das 
funções executivas, independentemente da (auto-) representação que delas façam. 
Estruturando-se como categoria profissional a partir de tipos sociais preexistentes à 
ordem monopólica, originalmente conectados a um compósito referencial ideal 
incorporado pelo projeto sociopolítico conservador (aberto às reformas “dentro da 
ordem”) próprio à burguesia monopolista. 
 
Segundo o autor, é só na ordem monopólica “que a atividade dos agentes do Serviço 
Social pode receber, pública e socialmente, um caráter profissional: a legitimação [...] 
pelo desempenho de papéis, atribuições e funções a partir da ocupação de um espaço na 
divisão social (e técnica) do trabalho na sociedade burguesa consolidada e madura” 
(1992a: 6970). Netto, criticando a influência positivista que leva a atribuir o “fundamento 
de legitimidade” profissional desde que tenha uma estrutura científica e método próprio, 
entende que “o que tem legitimado a nossa profissão, é primeiro, uma consagrada divisão 
social do trabalho” e, sobretudo, “no atendimento a demandas, sejam elas institucionais 
ou não” (Netto, 1993: 56-7). É neste sentido que Mota, estudando o Serviço Social de 
empresa, entende que “se, aparentemente, a empresa apenas dá legitimidade a uma prática 
profissional, ratificando sua utilidade social [no sentido de prestação de serviços], ao 
aprofundarmos a questão veremos que, para além do que é veiculado como aspecto 
técnico, está presente o componente político da requisição, identificado na necessidade 
de mediar interesses de classe” (Mota, 1991: 17; grifos nossos). Para a autora, há que se 
distinguir entre as necessidades sociais e as demandas profissionais. Estas últimas, “a 
rigor, são requisições técnico-operativas que, através do mercado de trabalho, incorporam 
as exigências dos sujeitos demandantes” (Mota e Amaral, in Mota, 1998: 25). Nesta 
perspectiva, o que legitima uma profissão, é, portanto: 1) dar respostas (não importa se 
exclusivas ou não) a determinadas necessidades sociais; 
2) a existência de instituições e organizações com interesse e capacidade de contratar 
esses profissionais para dar tais respostas. No caso do Serviço Social, a existência de: 1) 
a chamada “questão social” e suas refrações — sempre presentes no sistema capitalista 
industrial — e 2) organismos — historicamente o Estado e organizações 
fundamentalmente ligadas às classes dominantes — que desenvolvam políticas sociais.46 
Neste sentido, entre a necessidade social e a demanda profissional do mercado (ou 
institucional) deve mediar um processo de conversão, que transforme necessidades 
sociais em demandas e reivindicações da população, e estas em respostas 
institucionalizadas por parte da sociedade. Este processo de conversão é histórico, 
dinâmico. Portanto, só quando esta conversão de necessidades a respostas assume a forma 
de políticas e serviços sociais e assistenciais desenvolvidos fundamentalmente pelo 
Estado, socializando a responsabilidade e universalizando o direito à satisfação da 
necessidade, é que aparece legitimamente instituída uma profissão como a de Serviço 
Social. A legitimidade profissional apresenta, assim, duas dimensões, tencionadas, porém 
formando necessariamente parte de uma unidade: a dimensão hegemônica da 
legitimidade e a dimensão subalterna.47 Dimensões emanadas das partes que compõem 
o processo de necessidade/ demanda/resposta, de reivindicação (das classes 
subalternas)/demanda profissional (das classes hegemônicas). Dimensões que expressam 
um processo tenso e contraditório, da dinâmica social, de luta/concessão, de conquistas 
sociais e incorporação funcional das demandas trabalhistas pela classe hegemônica. 
Dimensões que remetem a uma relação diferenciada de classes (hegemônica e subalterna) 
com o profissional. Ambos os aspectos, no entanto, são articulados ao conjunto das 
relações sociais, num determinado estágio de desenvolvimento da sociedade capitalista, 
não conformando, assim, “esferas” autônomas, processos diferentes, mas aspectos 
relacionais articulados a uma única funcionalidade e significação social da profissão, no 
sistema capitalista monopolista, a partir da condensação das contradições e lutas de 
classes. Por um lado, a dimensão hegemônica remete à relação assistente social/ classe 
demandante-empregador (a classe hegemônica, o capital e seus braços institucionais: o 
Estado, a empresa e outras instituições).48 Quer dizer, remete à funcionalidade que a 
profissão tem para com a classe que o emprega maciçamente, o capital, e seus 
representantes: o Estado (ou o “capitalista total ideal” — termo cunhado por Mandel 
(1982: 336), inspirado no Anti-Dühring de Engels) e demais instituições.49 Porém este 
aspecto não esgota a legitimidade e a significação social da profissão, como veremos a 
seguir. Segundo Martinelli, o Estado “como o criador [do Serviço Social] não podia 
deixar de legitimar a criatura, tanto essa identidade atribuída quanto a prática social 
desenvolvida pelos assistentes sociais eram plenamente ratificadas pela burguesia”, 
instalando-se aí um grande paradoxo: “a legitimação de sua prática não decorreu da 
população usuária, mas sim da classe dominante — os mandantes da prática — e, depois, 
os contratantes dos serviços profissionais dos assistentes sociais” (1991: 118-9). Para 
Iamamoto, “as fontes de legitimação da demanda do Serviço Social não tem sido, ao 
longo da sua história, derivadas daqueles segmentos sociais que são particularmente o 
foco da ação profissional, mas dos segmentos que controlam as organizações onde atua o 
assistente social, e através dos quais procuram sedimentar sua influência sobre o conjunto 
da sociedade” (1997: XXXI). 
Netto afirma, nesse sentido, que “o Serviço Social se constitui como profissão [legítima], 
inserindo-se no mercado de trabalho, com todas as conseqüências daí decorrentes 
(principalmente com o seu agente tornando-se vendedor da suas força de trabalho)” 
(1992a: 69). Desta maneira, é “a condição do agente e o significado social da sua ação” 
(Netto, 1992a: 69), é, em definitivo, a existência de um campo de trabalho (que é ocupado 
pelo profissional de Serviço Social) constituído fundamentalmente no âmbito do Estado 
a partir de um projeto de intervenção estatal nas refrações da “questão social” — em 
decorrência das necessidades da classe hegemônica de se perpetuar no poder e de 
consolidar econômica e politicamente o sistema, e das lutas das classes trabalhistas —, o 
que configura a dimensão hegemônica da legitimidade profissional. São as refrações da 
“questão social”, postas como problemas pontuais (“disfunções”) que afetam o suposto 
“equilíbrio” do sistema, as que constituem os espaços sobre os quais deveintervir o 
assistente social, a partir da demanda da classe hegemônica, via Estado e organismos 
representantes do capital. Assim, afirma Iamamoto, “é nesse contexto, em que se afirma 
a hegemonia do capital industrial e financeiro, que emerge sob novas formas a chamada 
‘questão social’, a qual se torna a base de justificação desse tipo de profissional 
especializado” (Iamamoto e Carvalho, 1991: 77). Por outro lado, a dimensão subalterna 
refere-se à relação assistente social/usuário (classes subalternas: os sujeitos para os quais 
vão dirigidas as políticas e serviços sociais e assistenciais, portanto, para quem é 
desenvolvida a ação profissional). Relação esta quase sempre mediatizada pelo Estado ou 
outros organismos oficiais e empresariais. Não obstante o usuário não ser o demandante 
direto da intervenção profissional, não ser o requisitante e contratante do assistente social, 
é este sujeito que transforma suas necessidades e carências em reivindicações e demandas 
ao Estado e/ou em lutas contra as classes hegemônicas (ou até contra o sistema). É 
também ele responsável pelo processo de transformação de necessidades (sociais) em 
demandas (profissionais), do processo necessidades/demandas/respostas, que 
historicamente, no contexto monopolista, tem tomado a forma de políticas e serviços 
socais e assistenciais fundamentalmente sob responsabilidade estatal, e que tem criado o 
espaço para a inserção do assistente social. É o conjunto das classes trabalhadoras que 
demanda, pressiona, luta por serviços sociais, assistência, previdência, direitos sociais e 
trabalhistas. São essas demandas que obrigam as classes hegemônicas a responder, a 
incorporar ou a se antecipar a tais demandas, atribuindo (fundamentalmente) ao Estado 
este papel e contratando o assistente social para tal. Paralelamente, este profissional só 
pode desempenhar o papel para o qual é contratado desde que seja aceito e legitimado 
pela população assistida. As políticas sociais que ele executa só se tornam eficientes aos 
seus objetivos se elas conseguem se inserir na realidade dos seus destinatários. Assim seu 
executor deve possuir certo grau de legitimidade perante a população assistida. Desta 
forma, a gênese do Serviço Social está vinculada a uma estratégia da classe hegemônica 
de controlar não apenas o espaço público das pessoas, mas também de levar o controle à 
esfera do privado, à vida cotidiana, à intimidade das pessoas, de controlar o trabalhador 
não apenas na esfera da produção, mas no conjunto da sua vida. Portanto, esse profissional 
deve estar legitimado pela população, que deve ver no assistente social o “solucionador” 
dos seus problemas. A “questão social” se torna, assim, não apenas o fator “disfuncional” 
e ameaçador do “equilíbrio”, levando a classe dominante, mediatizada pelo Estado e 
outras organizações, a desenvolver uma estratégia de controle social por meio das 
políticas sociais e contratando o assistente social como executor delas (dimensão 
hegemônica da legitimidade profissional), mas a “questão social” se constitui também no 
motivo pelo qual a população demanda ao Estado e aceita a intervenção desse profissional 
para a solução das suas carências (dimensão subalterna). O círculo se fecha de forma tensa 
e contraditória: a classe hegemônica deve legitimar o sistema e controlar/conter as 
insatisfações populares que possam ameaçar seu “equilíbrio natural”, desenvolvendo a 
acumulação do capital. Para isso, no contexto de um dito “pacto social”, de uma estratégia 
de “bem-estar”, atua fundamentalmente mediante a intervenção estatal nas refrações da 
“questão social”, implementando políticas e serviços sociais e assistenciais. Estes últimos 
precisam de certos agentes que os executem entre eles o assistente social (o que o legitima 
perante a classe hegemônica). Contrata-se, assim, esse profissional, que desempenhará 
sua função em troca de um salário. Desta forma, o assistente social vai intervir nos 
problemas da população, que o receberá em função da imagem de ajuda, de nexo com o 
Estado, de que gozam os profissionais, e por “solucionar” suas carências, por responder 
a suas demandas (o que o legitima perante a população). Como resultado disto o que se 
espera em meios oficiais (e da classe hegemônica), é a legitimação e a consolidação do 
sistema; o que o usuário espera é a solução de suas carências. Na verdade estas duas 
dimensões da legitimação não podem ser vistas como fenômenos divorciados. Há aqui 
dois tipos de “demandas” que, inter-relacionadas, partem de atores (de classes) diferentes 
e requerem coisas distintas. Primeiramente, a população carente demanda ao Estado 
serviços sociais e assistenciais. Assim, dentro de uma lógica de “pacto social” (Estados 
“populistas”, de Bem-estar, keynesianos, enfim, as diferentes formas de Estados-
providência), com um Estado ampliado, não meramente coercitivo, mas que precisa se 
legitimar também mediante o consenso (cf. Coutinho, 1994), as classes hegemônicas e o 
Estado por elas instrumentalizado precisam responder a algumas dessas demandas como 
forma de evitar revoltas populares e de potenciar a acumulação. É aqui que aparece o 
segundo tipo de demanda: o Estado e os organismos “oficiais” do capital demandam a 
intervenção (dentre outros) dos assistentes sociais para implementar as políticas sociais, 
as que irão responder a algumas daquelas demandas sociais. Neste sentido, a demanda 
diretamente feita ao profissional de Serviço Social parte do Estado, da empresa etc. — da 
classe hegemônica —, e é a eles que o assistentes social vincula-se orgânica e 
institucionalmente através de um contrato de trabalho. Não obstante, mesmo que de forma 
indireta, mediatamente, sua demanda tem como verdadeiro ponto de partida as 
necessidades sociais, trabalhistas: se a população deixasse de demandar serviços (ou de 
lutar por eles, por novos direitos ou pela preservação dos já conquistados), o resultado 
seria que o capital e o Estado deixariam de demandar a intervenção de assistentes 
sociais.50 Assim, esta dupla relação (que deriva nos dois aspectos da legitimidade 
profissional), “assistente social/empregador” e “assistente social/usuário”, deve ser 
entendida como um processo único: demanda social por serviços estatais — ampliação 
do Estado e intervenção social deste por meio de políticas sociais — demanda e 
recrutamento de assistentes sociais (para executarem estas últimas) por parte do Estado 
— legitimação (hegemônica) e consolidação profissional. A fonte da demanda 
profissional está na existência da chamada “questão social”, castigando os setores 
trabalhadores, mesmo que ela não seja direta nem visível e sim mediatizada pelo Estado 
e outras instituições. O compromisso ético-profissional, portanto, deve estar voltado para 
atender os problemas que afetam essas classes sociais (que vivem do trabalho, cf. 
Antunes, 1995). É por isso que a opção político-profissional deve, além das orientações 
ídeopolíticas de cada assistente social individualmente (o que pode reforçar ou não aquela 
opção), se voltar fundamentalmente para a defesa dos interesses e direitos das classes 
trabalhadoras e para a defesa dos princípios de democracia e justiça social, pois, mesmo 
que diretamente a demanda do profissional parta dos organismos ligados às classes 
dominantes, a verdadeira fonte — apesar de indireta e fetichizada — da demanda por 
serviços sociais (e, assim, por assistentes sociais), e portanto o fundamento último da 
legitimação profissional, está na demanda e luta que a população trabalhadora faz por 
serviços sociais e assistenciais, e da conquista de direitos universais, o que indiretamente 
significa demanda (desta vez feita pelo Estado, empresas e organizações) de agentes para 
elaborar e executar tais serviços. 
É que, travestido naquela “dualidade de relações”, como separadas, retira-se do 
imaginário profissional o vínculo direto com a verdadeirademanda social, aparecendo ao 
profissional sua relação com a população como mediada pelo Estado e organizações. 
Assim como o Estado transforma direitos e conquistas populares em aparentes 
“concessões” de serviços, também transfigura a verdadeira fonte e fundamento da 
demanda por assistentes sociais: toma a demanda por serviços que parte daqueles direitos 
e conquistas da população e a mostra (transfigurando-a) como uma demanda de emprego 
(requisição de assistentes sociais) que parte do Estado e organismos da classe 
hegemônica. Ao mediar a relação entre as classes, o Estado esconde as lutas e demandas 
por serviços e as transforma em atividades estatais autônomas e neutras. Ao fazer isto, o 
assistente social percebe-se, ele próprio, como um mediador entre a população e o Estado, 
e percebe a origem da sua demanda profissional não na demanda social (das classes 
trabalhistas em luta por direitos), mas na demanda de emprego provinda do Estado. As 
dimensões hegemônica e social da legitimidade profissional são, por sua vez, elementos 
por vezes contraditórios, em constante tensão, de tal forma que fazem do assistente social, 
com já observou Iamamoto, um “profissional da coerção e do consenso” (1992a: 40-53), 
um profissional que se debate entre “servir a dois senhores”: o empregador e o usuário. 
Dois sujeitos (duas classes) claramente diferenciados nos seus interesses, objetivos, 
tempos etc. Esta tensão que vive o assistente social entre desenvolver uma intervenção a 
serviço do seu patrão (e da ordem socioeconômica e política que representa) ou servir ao 
usuário das políticas sociais é “resolvida” rápida mas intermitentemente por meio da 
crença ilusória de que os interesses de ambos os sujeitos são semelhantes, ou, no mínimo, 
complementares.51 Pensa-se que o Estado, e as políticas sociais perseguem o “bem 
comum”, entende-se que não há lutas de classes, que honesta e “patrioticamente” todos, 
capitalistas e trabalhadores, se beneficiam mutuamente, sem haver nisso nenhum tipo de 
contradição estrutural, apenas problemáticas “disfuncionais”. Não obstante isso, nos 
serviços sociais e assistenciais estão contidas demandas da população historicamente 
conquistadas. É assim que Iamamoto afirma: 
se, por um lado, o profissional é solicitado para responder às exigências do capital, por 
outro, participa, mesmo que subordinadamete, das respostas às necessidades legítimas de 
sobrevivência das classes trabalhadoras. Dessa forma procura-se apreender o movimento 
contraditório das práticas profissionais no jogo das forças sociais presentes na sociedade. 
(Iamamoto, 1997: XXXVI) 
 
Na verdade, as classes hegemônicas — e o Estado capitalista por elas instrumentalizado 
— necessitam perpetuar a ordem socioeconômica e política. Para isto, perante a 
insatisfação (e lutas) popular, produto das desigualdades sociais, políticas e econômicas, 
e face às crises sistêmicas e queda da taxa de lucro, precisava-se criar políticas sociais 
“aprovadas” e “aceitas” pela população, de tal forma que reduzissem real e ficticiamente 
aquelas desigualdades, diminuindo com isso a insatisfação e a mobilização popular em 
geral e sindical em particular, e que destravassem a livre acumulação do capital. Era 
necessário, portanto, camuflar sua estratégia e seus implementadores. Assim, por um 
lado, necessitava-se recrutar pessoas que fossem aceitas pela população, que tivessem 
facilidade de “entrar” em suas vidas. Por outro lado, aquelas pessoas tinham o 
fundamental papel de viabilizar e tornar possível a implementação das políticas sociais, 
necessárias para a diminuição das revoltas e mobilização sociais e para a acumulação 
ampliada do capital. Finalmente, o vínculo empregatício deveria ser mediado pelo Estado 
com sua aparência de “neutralidade” e promotor do bem comum. Desta maneira, “a 
ideologia dominante encobre, no cotidiano, a apreensão das relações de classe. As 
relações Serviço Social/usuários se personalizam, mascarando seu caráter de classe. Mais: 
aparece reforçado um humanitarismo que legitima melhor os interesses institucionais” 
(Celats, 1991: 60; grifos nossos). 
Esses atores, essenciais para tornar efetivas estas políticas sociais e, portanto, para 
garantir a estratégia de manutenção e consolidação da ordem capitalista na sua fase 
monopólica, deveriam estar revestidos de um manto que encobrisse sua verdadeira 
identidade, sua real função, imprimindo na sua “cara visível” uma identidade transportada 
da filantropia. No entanto, disfarçar o caráter funcional ao sistema dominante significa 
ocultá-lo tanto da população quanto dos próprios executores52 dessas políticas sociais. • 
Assim, por um lado, para tornar imperceptível a funcionalidade das políticas sociais e 
para que estas fossem aceitas pela população, o Estado recruta originalmente, como 
implementadores destas, as pessoas outrora vinculadas às organizações filantrópicas.53 
Recrutou-se então, as “damas da caridade”, as quais dispunham de legitimidade social e 
aceitação pela sua imagem “inofensiva” e caritativa:54 mulheres “bondosas” que 
desempenhavam atividades de ajuda, caridade, filantropia. Esta aceitação lhes permitia 
“entrar” na vida cotidiana do povo, levando com elas as políticas sociais e seus efeitos 
(os benéficos e os nocivos) transfiguradas em “concessões” e “benesses” estatais e 
“soluções” para os problemas. • Por outro lado, para encobrir o fundamento político-
econômico das políticas sociais de seus próprios implementadores, fazendo-os sentir sua 
função como “ajuda ao trabalhador” — no que Martinelli chama de “fetiche da prática” 
—, os assistentes sociais deveriam submeter sua prática aos controles políticos (e 
científicos), deslocando-a da elaboração, feita externamente ao Serviço Social, das 
políticas sociais. Desta forma, o Serviço Social pôde se desenvolver técnica e até 
teoricamente, desde que não contivesse pontos de vista críticos e totalizantes. Neste 
sentido, a profissão aparece vinculada subalternamente às “ciências”, as que lhe dotariam 
do conhecimento (segmentado) da realidade sobre a qual o assistente social deveria 
intervir. Segundo afirma Iamamoto, 
a reificação dos métodos e técnicas de intervenção, a burocratização das atividades, a 
psicologização das relações sociais, a absorção de uma terminologia mais adequada à 
estratégia de crescimento econômico acelerado são fatores, entre outros, que contribuem 
para encobrir na consciência do profissional as reais implicações de sua prática [...]. Essa 
perspectiva implica a reafirmação e aprofundamento da subordinação do Serviço Social 
às necessidades da política estatal da dominação e controle. (Iamamoto, 1992: 34-35) 
 
Desta forma, este ator aparece como um profissional subalterno, onde a extrema 
“especialização” (e compartimentalização) do conhecimento não permitia aos assistentes 
sociais apreender globalmente o verdadeiro sentido de sua prática.56 Assim, segundo 
Martinelli, num verdadeiro “fetichismo da prática”, 
envolvendo seus agentes na ilusão de servir e os destinatários de sua prática na ilusão de 
que eram servidos, a classe dominante procurava mascarar as reais intenções do sistema 
capitalista, impedindo que este se tornasse transparente. (1991: 67) 
 
Assim, se as formas de ajuda (caridade e filantropia) vão caracterizar certas respostas às 
refrações da “questão social” que, institucionalizadas, qualificadas e organizadas, serão 
agora (no monopolismo) desenvolvidas fundamentalmente pela profissão de Serviço 
Social, no entanto, não pode se ignorar a substantiva diferença nos papeis e significação 
sociais, na funcionalidade, na base de sustentação e, portanto, na legitimidade entre a 
caridade/filantropia e a profissão de Serviço Social: um trabalhador assalariado, recrutado 
pelo Estado (e órgão da classe hegemônica) para executar políticas sociais como respostas 
oficiais às refrações da “questão social”, de forma tal de mediaros interesses das classes 
subalternas, diminuindo conflitos e favorecendo a acumulação capitalista. 
 
3. As políticas sociais e o Serviço Social Instrumento de reversão ou manutenção das 
desigualdades? Por Alejandra Pastorini* 
 
O terceiro ponto a considerar, conformando o tripé gênese-legitimação-políticas sociais, 
onde se contrapõem duas teses, refere a como são entendidas, sob as diversas perspectivas 
do Serviço Social, as políticas sociais e sua funcionalidade em relação ao sistema 
socioeconômico e político. As análises desenvolvidas nos pontos precedentes, sobre a 
gênese e legitimação da profissão, permitem-nos visualizar a existência de

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