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A Relação Entre o Processo Administrativo Previdenciário e o Processo Judicial Autor: DALL'ALBA, Felipe Camilo Resumo: O trabalho propõe-se a examinar o processo administrativo previdenciário e sua relação com o processo judicial. Para tanto, abordará o conceito de processo administrativo, os sistemas administrativos e os princípios previstos da Lei nº 9784/99. Após, num segundo momento, adentrar-se-á na questão do prévio requerimento administrativo, para o segurado ajuizar a demanda judicial, na questão do ajuizamento de ação judicial durante o andamento do processo administrativo e, por fim, o tema de encerramento será a coisa julgada administrativa. Palavras-Chave: Processo administrativo previdenciário; processo judicial; princípios do processo administrativo; interesse de agir; coisa julgada administrativa. 1 Introdução O presente trabalho tem como objetivo analisar as implicações entre o processo administrativo previdenciário e o processo judicial. Por isso, num primeiro momento são abordados os aspectos teóricos do processo administrativo, como o conceito de processo administrativo, o sistema adotado no Brasil quanto à jurisdição e, por fim, os princípios aplicados no processo administrativo. Já na segunda parte, adentram-se nas questões referentes ao processo judicial e em sua relação com o processo administrativo, como, por exemplo, a necessidade de prévio requerimento administrativo, o ajuizamento de demanda judicial durante o andamento do processo administrativo e a coisa julgada administrativa. No tema objeto do trabalho, processo administrativo previdenciário, há uma obra de Clóvis Juarez Kemmerich, e que foi a fonte principal de pesquisa, que deve ser referida na introdução. Assim, no decorrer do trabalho quer-se ressaltar o valor da esfera administrativa, para diminuição da judicialização das demandas previdenciárias. 2 Processo Administrativo Previdenciário javascript:void(0); A relação jurídica previdenciária é formada, de um lado, pelo segurado e, do outro lado, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que é uma autarquia vinculada ao Ministério da Previdência. Basicamente, há dois tipos de processo envolvendo o segurado e o INSS. Nos processos de outorga, o segurado, com base no seu direito de petição, requer um benefício ou um serviço ao INSS, que é concedido ou negado; e nos processos punitivos, o INSS tem o poder de rever o ato de concessão do benefício previdenciário quando irregular.(1) Como ensina Kemmerich, pouco importa se quem toma a iniciativa do processo é o administrado ou a Administração, o que interessa é que o resultado buscado dependa de uma decisão administrativa.(2) Assim, essa relação jurídica travada entre segurado e autarquia é rica em detalhes e, para tornar o assunto ainda mais interessante, temos a relação jurídica processual, que convive pari passu com a relação jurídica previdenciária. Por isso, neste capítulo, dedicar-nos- emos ao estudo do processo administrativo. 2.1 Conceito de Processo O processo, conforme a concepção, pode ser conceituado como uma relação jurídica, como uma situação jurídica ou como uma instituição, mas no presente trabalho adotaremos o conceito de processo como um procedimento em contraditório. Segundo Araken Assis, "se formularam várias teorias, visando, como maior ou menor plausabilidade, ao melhor enquadramento".(3) A teoria do processo como um procedimento em contraditório vem de Fazzallari, que diferencia o procedimento que é só procedimento, do procedimento que é processo. O que torna o procedimento um processo é a presença do contraditório. O contraditório é o diálogo que deve permear o andamento do procedimento. No caso da relação jurídica previdenciária, vê-se claramente a existência de um processo, já que a sucessão de atos (fase inicial, instrutória, decisória, recursal e de cumprimento) está baseada no diálogo, tanto que o segurado deve a todo momento ser comunicado sobre as decisões; deve-se emitir carta de exigências, para complementação de documentação, e é permitida a interposição de recurso. Como esclarece Cretella Júnior, não obstante se trate de binômio, não de trinômio (como no direito processual civil), as partes em ação, na realidade, são contrapostas; defendem não raras vezes interesses antagônicos: os administrados, pleiteando os direitos que a lei lhes faculta, a Administração velando para que os deveres sejam observados, ambos, enfim, em última análise, fornecem elementos para que a justiça figure sempre em primeiro plano, e o Estado atinja com melhor modo o fim elevado a que se propõe realizar.(4) A Lei 9.784/99 também considera a relação jurídica em que está envolvida a Administração como um processo administrativo. Tal diploma legal regulamenta o processo administrativo no âmbito federal, mas põe a salvo os processos específicos. Então, dão sustentação jurídica ao processo administrativo previdenciário o art. 5º, XXXIV, LIV e LV da CF, a Lei 9.784/99, a Lei 8.213/91, o Decreto 3.048/99, a Portaria MPS 323/ 2007 e a IN 45/2010. Na relação previdenciária, o tribunal revisor não faz parte do INSS. O segurado faz seu requerimento administrativo, que pode ser deferido ou indeferido pelo INSS. Sendo indeferido, o segurado pode recorrer ao Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), que é órgão do Ministério da Previdência e não ao INSS. Tal conselho é formado por três instâncias: a junta de recursos, as câmaras de recursos e o conselho pleno. O conselho é órgão estranho ao INSS, justamente para dar credibilidade as suas decisões. Assim, o processo administrativo previdenciário é um procedimento em contraditório, que visa a concessão, revisão ou extinção de um benefício ou serviço previdenciário. 2.2 Sistemas Administrativos Atualmente, há dois sistemas, um de jurisdição única, no qual cabe apenas ao Poder Judiciário o julgamento definitivo de qualquer questão e o sistema de jurisdição dúplice, em que existe dentro da Estado um tribunal encarregado de julgar as lides envolvendo a Administração. Vigem, então, presentemente, dois sistemas bem diferenciados: o do contencioso administrativo, também dito sistema francês, e o sistema judiciário ou de jurisdição única, conhecido como sistema inglês.(5) Firmou-se, assim, na França, o sistema do administrador-juiz, vedando-se à Justiça Comum conhecer atos da Administração, os quais se sujeitam unicamente à jurisdição especial do contencioso administrativo, que gravita em torno da autoridade suprema do Conselho de Estado, peça fundamental do sistema francês.(6) O sistema judiciário, também entendido por sistema inglês, é aquele em que todos os litígios de natureza administrativa, ou de interesses exclusivamente privados, são resolvidos judicialmente pela Justiça Comum, ou seja, pelos juízes e tribunais do Poder Judiciário.(7) O Brasil adotou, desde a instauração de sua primeira República (1891), o sistema da jurisdição única, ou seja, o do controle administrativo pela Justiça Comum.(8) Para a correção judicial dos atos administrativos ou para remover a resistência dos particulares às atividades públicas, a Administração e os administrados dispõem dos mesmos meios processuais admitidos pelo Direito Comum, e recorrerão ao mesmo Poder Judiciário uno e único, que decide os litígios de Direito Público e de Direito Privado (CF, art. 5º, XXXV).(9) Então, no Brasil, embora exista um contencioso administrativo, ele não se reveste de natureza jurisdicional, já que seus atos podem ser revistos pelo Poder Judiciário. Embora seja essa a opinião majoritária, praticamente unânime, Balera considera que o Conselho de Recursos da Previdência Social exerce função jurisdicional, afirmando que "tal atividade se exerce mediante o emprego de coordenadas procedimentais tão rígidas, que chegam a ponto de conferir-lhe, em certo sentido, qualidade jurisdicional.(10) Prossegue o autor, para concluir, que "no entanto,a decisão do Conselho de Recursos, conquanto dotada de conteúdo jurisdicional - por ser esse o regime jurídico em ordem ao qual atua a tutela em exame - quer confirme, quer modifique o ato do Instituo, se exterioriza, necessariamente, sob o ponto de vista formal, como outro ato administrativo, proferido no exercício da especial função administrativa de controle".(11) 2.3 Princípios do Processo Administrativo As normas se subdividem em princípios e regras. A norma quer dizer que algo deve ser ou acontecer. As regras são descritivas de uma conduta. Os princípios são finalísticos, isto é, determinam um estado de coisas.(12) A Lei 9.784/99, no art. 2º, registra que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Por isso, detem-se aos princípios previstos na lei, os quais terão ou não correspondência constitucional explícita. Sobre o princípio da legalidade, pode-se dizer que o estado- Administração se vincula a um comportamento legal. Na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe; na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza (CF, art. 37). A lei do processo administrativo prevê que o mesmo deve pautar-se pela atuação da lei e do direito (art. 2º, parág. único, I). Então, no processo administrativo previdenciário, o INSS só pode conceder um benefício se estiver previsto na lei.(13) O princípio da finalidade quer dizer que a Administração deve atuar visando à finalidade pública, para atender o interesse público.(14) Assim, conforme preceitua o art. 2º, parág. único, II, da Lei 9.784/99, o atendimento a fins de interesse geral será feito, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei. Por exemplo, o servidor do INSS não pode indeferir um benefício, pelo simples fato de o segurado ter ficado nervoso e/ou sido grosseiro no momento do atendimento. Pelo princípio da motivação, a Administração pública deve expor as razões de fato e de direito para a prática do ato, para dar transparência. O art. 2º, parág. Único, VII, afirma que deve haver a indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão. A razoabilidade é um postulado normativo que estabelece uma forma de interpretação e aplicação de outras normas. Atos absurdos constituem uma violação à razoabilidade, pois a Administração deve agir pautada no bom senso.(15) Aplica-se especialmente no momento da decisão.(16) A proporcionalidade também é um postulado normativo que, de acordo com o art. 2º, parág. único, VI, da Lei 9.784/99 significa a adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público. A moralidade, prevista na CF, art. 37, e art. 2º, parág. único, da Lei 9784/99, complementa a aplicação da lei com a melhor das intenções, devendo o agente ter uma atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé; por exemplo, o agente administrativo que utiliza o processo para esconder ilicitudes administrativas. A ampla defesa e o contraditório, previstos na CF, art. 5º, LV, têm no art. 2º, parág. único, X, da lei do processo administrativo, uma excelente definição, constando no dispositivo que os interessados têm a garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio. A parte principal do direito de defesa é le droit d'exposer son point de veu, c'est à dire d'être entendu.(17) A Súmula Vinculante 5 do STF diz que falta de defesa técnica por advogado, no processo administrativo disciplinar, não ofende a Constituição. A segurança jurídica significa a proteção da confiança; assim, o art. 2º, parág. único, XIII, da lei do processo administrativo, afirma que a interpretação da norma administrativa deve ser a que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. O art. 54 estabelece prazo decadencial para revisão de atos administrativos. Ferraz anota que como derivação do princípio da segurança jurídica, podemos falar: da irretroatividade das leis e de demais atos estatais, bem assim de interpretações já realizadas pelos órgãos administrativos e judiciais acerca da legislação aplicável; do dever do Estado de dispor de regras transitórias quando ocorre alteração em regimes jurídicos; da responsabilidade pré-negocial; da responsabilidade do Estado pela promessas firmes feitas por seus agentes; da manutenção dos atos jurídicos inválidos.(18) Interesse público significa que o administrador deve visar atender o interesse público e não interesses meramente particulares; agindo assim será impessoal no trato da coisa pública. Aduz Wellington Pacheco de Barros que "no campo do processo administrativo, é possível aplicar-se o princípio quando, na motivação da decisão a se proferida, vier existir dúvidas quanto ao interesse predominante - se o da Administração Pública ou do interessado, inclinando-se a autoridade ou órgão processante pelo interesse público".19(19) A eficiência, prevista na CF, art. 37, consiste em que a Administração deve trabalhar para um estado de coisas no qual o interesse público seja alcançado de modo excelente e com o mínimo de sacrifício dos interesses privados (economicidade).20(20) No processo administrativo é celeridade, boa análise da prova, boa interpretação, enfim, justiça da decisão. A CF, art. 5º, LXXVIII, determina que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Como se observa, são os presentes princípios que dão "colorido" democrático ao processo administrativo, transformando-o de mero procedimento em processo. 3 Processo Administrativo PrevidenciárioVersusProcesso Judicial Como se veio afirmando ao logo do presente trabalho, o processo administrativo e o judicial são independentes, porém há momentos em que as duas esferas se encontram. E é nesse momento que surgirão as controvérsias. Então, abordar-se-á sobre a necessidade ou não de prévio requerimento administrativo, a propositura de ação judicial durante o andamento do processo administrativo e sobre a coisa julgada administrativa. 3.1 Prévio Requerimento Administrativo Como Requisito Para o Ajuizamento da Demanda Judicial De acordo com o art. 267, inciso VI do CPC, uma das condições para o exercício do direito de ação é o interesse processual. O interesse de agir significa a necessidade de utilização da esfera judicial, já que o Poder Judiciário não poderia ser aberto para toda e qualquer situação. Assim, antes de ajuizar a demanda judicial a parte deveria requerer o benefício, a fim de demonstrar a resistência da esfera administrativa. Mas tal ponto não está imune a controvérsias. Segundo Maffini, não há necessidade de esgotar a via administrativa, mas é necessário o prévio requerimento.21(21) No que se concorda. O STJ tem a sua jurisprudência divergente. Para a segunda Turma do STJ, o requerimento administrativo não é necessário: . PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça era no sentido da prescindibilidade de prévia postulação administrativa de benefício previdenciário para o ajuizamento da ação judicial previdenciária. 2. No entanto, após o julgamento do REsp 1.310.042/PR, Relator Min. Herman Benjamin, DJ de 28.5.2012, o entendimento da Segunda Turma do STJ, nos casos de pleito previdenciário, passou a ser no sentido da necessidade de prévio requerimento administrativo para postular nas vias judiciais.Agravo improvido. (AgRg no REsp 1351792/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 28/06/2013). No entanto, para a primeira Turma do STJ, não é necessário o prévio requerimento administrativo: . PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO RE 631.240/MG. SOBRESTAMENTO INCABÍVEL EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NOTÓRIA RESISTÊNCIA DA AUTARQUIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. . 1. É cediço que "o reconhecimento de repercussão geral pelo Excelso Pretório, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão de sobrestar o julgamento dos recursos especiais em tramitação nesta Corte" (EDcl no AgRg no REsp 1.137.447/RS, Rel. Min. OG FERNANDES, Sexta Turma, DJe 7/2/13). 3. Não se olvida que a Segunda Turma possui compreensão de que "o interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas seguintes hipóteses: recusa de recebimento do requerimento; negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada" (AgRg no AREsp 283.743/AL, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe 26/4/13). 2. O entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido da dispensa de prévio requerimento administrativo para o ingresso na via judicial que objetive a percepção de benefício previdenciário, afastando-se a alegação de ausência de interesse de agir. 4. A compreensão adotada pela Segunda Turma em nada altera a conclusão acolhida nestes autos, porquanto é sabido que o INSS indefere benefício a trabalhador rural sem início de prova material, cujo reconhecimento ora se postula. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 304.348/SE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 04/06/2013). Porém, mesmo a segunda turma entende que, se for o caso de um benefício que seria indeferido de antemão pelo INSS, como é o caso da revisionais, não há necessidade de prévio requerimento. Assim, conforme ressaltou o Ministro Herman Benjamim, a necessidade da prestação jurisdicional exige a demonstração de resistência por parte do devedor da obrigação, já que o Poder Judiciário é via destinada à resolução de conflitos. Em regra, não se materializa a resistência do INSS à pretensão de concessão de benefício previdenciário não requerido previamente na esfera administrativa. O interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas hipóteses de: a) recusa de recebimento do requerimento, ou b) negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada. A aplicação dos critérios acima deve observar a prescindibilidade do exaurimento da via administrativa para ingresso com ação previdenciária, conforme Súmulas 89/STJ e 213/ex-TFR. 7. Recurso Especial não provido. (REsp 1310042/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 28/05/2012). Outrossim, entende o TRF4, que quando o pedido do segurado não é requerido na esfera administrativa e a Autarquia comparece em Juízo não contestando o mérito da demanda, fica caracteriza a falta de interesse de agir da parte autora, implicando a extinção do processo, sem resolução do mérito, à luz do art. 267, VI, do CPC. Esta Turma, porém, tem dispensado a exigência de prévio requerimento administrativo, quando o INSS contesta o mérito da ação, o que acaba por configurar a pretensão resistida, ou quando resta configurada situação em que, sistematicamente, o INSS tem indeferido os pedidos. (TRF4, AC 2008.70.99.001931-8, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, D.E. 15/12/2011). Então, se o INSS contestar o feito, configurado está o interesse de agir. Kemmerich adverte que o INSS tem o prazo de 30 dias para decidir; depois desse prazo, o segurado já poderia ajuizar a sua demanda. Além disso, se o benefício não foi requerido na esfera administrativa, o termo inicial para pagamento de auxílio-acidente é a data da citação da autarquia previdenciária, se estiver ausente prévio requerimento administrativo ou prévia concessão de auxílio- doença. (AgRg no AREsp 145.255-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/11/2012). A celeuma terá fim quando o STF julgar o RE, 631240, de Minas Gerais, pois o pretório excelso já reconheceu a repercussão geral da matéria. 3.2 Propositura de Demanda Judicial Durante o Andamento do Processo Administrativo No caso do segurado ajuizar uma demanda judicial quando em trâmite o processo administrativo, tem aplicação o art. 126, parág. 3º da Lei 8.213/91: A propositura, pelo beneficiário ou contribuinte, de ação que tenha por objeto idêntico pedido sobre o qual versa o processo administrativo importa renúncia ao direito de recorrer, na esfera administrativa, e desistência do recurso interposto. Ora, se um poder que detém a última palavra em matéria de direito já está examinando o pedido do segurado, não há razão prática para que outros órgãos, ao mesmo tempo, pratiquem diligência e decidam sobre ele. (22) Contudo, se o processo administrativo não for extinto, já que muitas vezes a autarquia não toma conhecimento da demanda judicial, podem surgir duas situações: a primeira, o processo judicial é julgado procedente, e a decisão administrativa nega o pedido; a segunda, a demanda judicial é julgada improcedente e a autarquia concede o beneficio. No primeiro caso, a decisão judicial que impõe obrigação à Administração evidentemente a vincula. Não importa que o processo administrativo tenha prosseguimento, no arrepio da desistência legal. Na segunda hipótese, embora Kemmerich entenda que pode a decisão administrativa prevalecer, (23) crê-se que deve prevalecer a coisa julgada; então, o que vale é o que ficou decidido na esfera judicial. 3.3 Coisa Julgada Administrativa A grande questão da coisa julgada administrativa, independentemente do termo não ser o mais técnico, pois a coisa julgada é exclusiva da jurisdição, já que os efeitos que cobrem a sentença tornam-se imutáveis, é saber, como lembra Maffini, que, "tornando-se esgotada a utilização da via administrativa, disso resultaria algum efeito preclusivo, gerador de indiscutibilidade da matéria já apreciada exaustivamente perante a Administração Pública? E havendo a preclusão, o quê e a quem ele seria oponível? O mesmo autor lembra que a própria Administração Pública poderia rever as decisões administrativas já preclusas, no que diz respeito à validade formal ou substancial da decisão administrativa. Em tal caso, todavia, a possibilidade de a Administração Pública rever matérias já preclusas de validade da ação administrativa ficaria condicionada aos limites formais (contraditório e ampla defesa) e materiais (decadência da prerrogativa de anulatória e convalidação dos defeitos sanáveis).(24) Savaris adverte que "se é correto afirmar que é dado à Administração Previdenciária rever seus próprios atos, cancelando benefício concedido sem amparo legal, também é certo sustentar a existência de limites para o exercício do que a lei denomina verificação da regularidade da concessão do benefício previdenciário".(25) Um desses limites, na seara previdenciária, encontra-se no art. 103- A, da Lei 8.213, o qual estipula que o direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. O STJ, ao examinarum caso em que o benefício fôra concedido judicialmente, mas tratava-se de relação continuativa, delineou muito bem a matéria, ao afirmar ser dispensável o ajuizamento de demanda judicial, podendo a Estado, com seu poder de autotutela, se a situação mudar, rever a concessão. Afirmou o STJ que "o Tribunal de origem manifestou-se sobre a possibilidade de a Autarquia suspender/cancelar o benefício previdenciário, porém, deve obedecer os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, bem como a observância do princípio do paralelismo das formas. É inaplicável o princípio do paralelismo das formas por três motivos: 1) a legislação previdenciária, que é muito prolixa, não determina esta exigência, não podendo o Poder Judiciário exigir ou criar obstáculos à autarquia, não previstos em lei; 2) foge da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que através do processo administrativo previdenciário, respeitando o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, é suficiente para apurar a veracidade ou não dos argumentos para a suspensão/cancelamento do benefício, e não impede uma posterior revisão judicial; 3) a grande maioria dos benefícios sociais concedidos pela LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social - Lei nº 8.742/93, são deferidos por meio de decisão judicial, o que acarretaria excessiva demanda judicial, afetando por demasia o Poder Judiciário, bem como a Procuradoria jurídica da autarquia, além da necessidade de defesa técnica, contratada pelo cidadão, sempre que houvesse motivos para a revisão do benefício. O que a jurisprudência desta Corte exige não é a aplicação do princípio do paralelismo das formas, é a concessão do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sempre que houver necessidade de revisão do benefício previdenciário, por meio do processo administrativo previdenciário, impedindo, com isso, o cancelamento unilateral por parte da autarquia, sem oportunizar apresentação de provas que entenderem necessárias. Conforme bem ressaltou o Tribunal de origem, o recorrente cancelou unilateralmente o benefício previdenciário, o que vai de encontro à jurisprudência desta Corte e do STF. Recurso especial improvido. (REsp 1429976/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 24/02/2014). Por fim, é importante deixar consignado que o segurado da previdência também tem o prazo de 10 anos para revisar o benefício concedido. O Ministro Barroso ensinou que a decadência instituída pela MP 1.523-9/1997 atinge apenas a pretensão de rever benefício previdenciário. A instituição de um limite temporal destina-se a resguardar a segurança jurídica, facilitando a previsão do custo global das prestações devidas. Em rigor, essa é uma exigência relacionada à manutenção do equilíbrio atuarial do sistema previdenciário. Com base nesse raciocínio, não há inconstitucionalidade na criação, por lei, de prazo de decadência razoável para o questionamento de benefícios já reconhecidos. É legítimo que o Estado-legislador, ao fazer a ponderação entre os valores da justiça e da segurança jurídica, procure impedir que situações geradoras de instabilidade social e litígios possam se eternizar. Não é desejável que o ato administrativo de concessão de um benefício previdenciário possa ficar indefinidamente sujeito à discussão, prejudicando a previsibilidade do sistema como um todo.26(26) Com efeito, tanto a Administração como o segurado, em razão da segurança jurídica, tem o prazo de 10 anos para rever o ato administrativo. 4 Conclusão O presente artigo teve como objetivo analisar a relação entre o processo administrativo e o judicial. O processo administrativo, conforme se verificou no texto, é um procedimento em contraditório, que está calcado nos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica, do interesse público e da eficiência. No Brasil, adota-se o sistema de jurisdição única; por isso, ganham destaque as constantes imbricações que o processo administrativo tem com o judicial. No que tange à necessidade ou não do prévio requerimento administrativo, para o ajuizamento de uma demanda judicial, o STJ tem sua jurisprudência vacilante. Porém, acredita-se que o prévio requerimento é indispensável para configurar o interesse de agir, já que antes desse momento não há como o Judiciário saber se o INSS concederia ou negaria o benefício. Do contrário, correr-se o risco de o Judiciário tornar-se um órgão do Ministério da Previdência. Abordou-se, também, a questão do ajuizamento de demanda judicial durante o andamento do processo administrativo, e a conclusão a que se chega é que o processo administrativo deve ser extinto, pois, ao ajuizar a demanda, o segurado renunciou a via administrativa. Quanto à coisa julgada administrativa, há que se prestar atenção nos prazos que a Administração tem para anular seus próprios atos, que no direito previdenciário é de 10 anos. De qualquer maneira, o segurado tem aberta a possibilidade de buscar a revisão do ato administrativo na esfera judicial. Assim, espera-se que o trabalho tenha contribuído para a praxe forense, especialmente previdenciária, e sempre é necessário frisar que as ideias aqui trabalhadas tiveram como pano de fundo a necessidade de diminuir a judicialização das questões previdenciárias. Referências ASSIS, ARAKEN. Cumulação de ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário. São Paulo: Ltr, 1999. BARROS, Wellington Pacheco. Curso de processo administrativo. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005. Cretella Júnior, J. Prática do processo administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. FERRAZ, Luciano. Segurança jurídica positivada na Lei Federal 9.784/99. In: NOHARA, Irente P.; MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de. (Org.). Processo Administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. FORTINI, Cristina; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatina Martins da Costa. Processo administrativo. Minas Gerais: Forum, 2012. GIORGI JUNIOR, Romulo Ponticelli. A duplicidade de instância no Brasil. In: Inter-relações entre o processo administrativo e o judicial, a partir da identificação de contenciosos cuja solução deveria ser tentada previamente na esfera administrativa, ênfase nos processos de execução fiscal. Disponível em http://www.cnj.jus.br/programas- de-a-a-z/formacao-e-capacitacao/cnj-academico/pesquisas- aplicadas-cnj-academico. KEMMERICH, Clóvis Juarez. O processo administrativo na previdência. São Paulo: Atlas, 2012. MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atualizado por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2006. SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. Curitiba: Juruá, 2009. STASSINOPOULOS, Michel. Le droit de la défense devant les autorités administratives. Paris: Librairie Génerale de Droit et de jurisprudence. 1976. Notas: (1) Lei 10.666/03: art. 11. O Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes. § 1º Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias. § 2º A notificação a que se refere o § 1º far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário. § 3º Decorrido o prazo concedido pela notificação postal, sem que tenha havido resposta, ou caso seja considerada pela Previdência Socialcomo insuficiente ou improcedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento da decisão ao beneficiário. (2) KEMMERICH, Clóvis Juarez. O processo administrativo na previdência. São Paulo: Atlas, 2012. p. 1. (3) ASSIS, ARAKEN. Cumulação de ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 27. (4) Cretella Júnior, J. Prática do processo administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 55. (5) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atualizado por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 52. (6) Ibidem, p. 53. (7) Ibidem, p. 55. (8) Consultar o amplo estudo sobre a duplicidade de instância em: GIORGI JUNIOR, Romulo Ponticelli. A duplicidade de instância no Brasil. In: Inter-relações entre o processo administrativo e o judicial, a partir da identificação de contenciosos cuja solução deveria ser tentada previamente na esfera administrativa, ênfase nos processos de execução fiscal. Disponível em http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/formacao-e- capacitacao/cnj-academico/pesquisas-aplicadas-cnj- academico. (9) MEIRELLES, op. cit., p. 58. (10) BALERA, Wagner. Processo administrativo previdenciário. São Paulo: Ltr, 1999. p. 50. (11) Ibidem, p. 50-51. (12) KEMMERICH, Clóvis Juarez. O processo administrativo na previdência. São Paulo: Atlas, 2012. p. 5. (13) KEMMERICH, Clóvis Juarez. O processo administrativo na previdência. São Paulo: Atlas, 2012. p. 6. (14) Ibidem, p. 7. (15) FORTINI, Cristina; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatina Martins da Costa. Processo administrativo. Minas Gerais: Forum, 2012. p. 53. (16) KEMMERICH, Clóvis Juarez. O processo administrativo na previdência. São Paulo: Atlas, 2012. p. 10. (17) STASSINOPOULOS, Michel. Le droit de la défense devant les autorités administratives. Paris: Librairie Génerale de Droit et de jurisprudence. 1976. p. 4. (18) FERRAZ, Luciano. Segurança jurídica positivada na Lei Federal n. 9.784/99. In: NOHARA, Irente P.; MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de. (Org.). Processo Administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p. 122. (19) BARROS, Wellington Pacheco, Curso de processo administrativo, Porto Alegre, Livraria do advogado, 2005. p. 64. (20) KEMMERICH, Clóvis Juarez. O processo administrativo na previdência. São Paulo: Atlas, 2012. p. 19. (21) MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 128-129. (22) KEMMERICH, op. cit, p. 40. (23) KEMMERICH, op. cit. p. 41. (24) Maffini, p. 130. SÚMULA STF Nº 346 - A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. SÚMULA STF Nº 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. (25) SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. Curitiba: Juruá, 2009. p. 171-172. (26) Informativo, STF, n. 725.
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