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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA CAMPUS BARREIRAS ÉRICA GUEDES CORADO MARIA ISABEL CEDRO MARYANA VINCEGUERA MATHEUS BARBOZA A CONSTITUIÇÃO DA OBRA “O CORTIÇO” COMO ROMANCE DE TESE CONSTRUÍDO A PARTIR DOS ELEMENTOS ESTÉTICOS DO MOVIMENTO REALISMO/NATURALISMO Barreiras, Novembro de 2017 ÉRICA GUEDES CORADO MARIA ISABEL CEDRO MARYANA VINCEGUERA MATHEUS BARBOZA A CONSTITUIÇÃO DA OBRA “O CORTIÇO” COMO ROMANCE DE TESE CONSTRUÍDO A PARTIR DOS ELEMENTOS ESTÉTICOS DO MOVIMENTO REALISMO/NATURALISMO Trabalho solicitado para a disciplina de Língua Portuguesa, com o intuito de obter nota para a unidade, do nível médio, do curso técnico em alimentos, do Instituto Federal de educação, ciência e tecnologia. Orientadora: Raphaelle Nascimento Barreiras, Novembro de 2017 1. Sumário Prolegômeno................................................................................................................ 4 Elementos estéticos do Realismo................................................................................. 6 Resultados e discussões............................................................................................... 9 Considerações finais.....................................................................................................15 Referências…………………………………………………………………………...16 .. 2. Prolegômeno Como uma resposta ao idealismo romântico, a partir da segunda metade do século XIX, o movimento realista/naturalista surgiu trazendo uma visão racionalista e cientificista da sociedade para a literatura, a qual passava por um período conturbado devido à segunda revolução industrial, descobertas nos campos da Física e Química, uma nova estruturação do capitalismo e início da entrada de filosofia positivista na Europa. No Brasil, a abolição da escravatura, a Proclamação da República, as revoltas militares, Encilhamento e surgimento das primeiras escolas de direito traziam mudanças importantes. Machado de Assis, nesse mesmo momento, fundou a Academia Brasileira de Letras, que na opinião de críticos, oficializou a literatura brasileira. Além disso, estas várias transformações serviram de ponta pé inicial ao surgimento de novas manifestações literárias como textos jornalísticos, críticas literárias, crônicas e contos. Sob influência do escritor português Eça de Queirós, com as obras O Crime do Padre Amaro e Primo Basílio, Machado de Assis, escreve a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas e Aluísio de Azevedo, O Mulato, que estabelecem o surgimento, em 1881, do Realismo e Naturalismo no Brasil. Os escritores que fizeram parte destes movimentos literários se atentaram em construir um retrato fiel da realidade humana e urbana da época, buscando desmascarar as adversidade do mundo industrial, da igreja católica e da sociedade burguesa e explicar o universo através da ciência. Nesse período as filosofias de Darwin, Comte, Spencer e Haeckel motivaram os intelectuais brasileiros que se alinharam a correntes cientificistas para escrever suas obras. Tobias Barreto ideólogo da Escola de Recife, foi de imensa importância para o movimento, já que foi um dos seus principais divulgadores. Os romances realistas eram voltados essencialmente para as questões humanas influenciadas dentro de uma perspectiva social. O Realismo se fundamentou como uma escola que aponta os desvios, os conflitos e as perplexidades dessa realidade urbana da camada social burguesa. Por sua vez, o Naturalismo procurou vincular-se ainda mais às descobertas científicas sobre a origem dos homens e o seu lado selvagem, animal e instintivo, constituído de uma influência natural que nem sempre podia ser completamente “domesticada” e controlada pelas regras sociais. Na verdade, objetivava-se notar como forma de reação do corpo em nome das normas culturais que o convívio social insistia em impor. Entre os principais autores do Realismo e Naturalismo estão Machado de Assis, - que escreveu obras como Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borda – Raul Pompéia, – escritor de O Ateneu, Uma tragédia no Amazonas e Joias da Coroa - Adolfo Caminha, – que escreveu O Bom Crioulo e A Normalista – e também Aluísio de Azevedo – autor de O Mulato, Casa de Pensão e O Cortiço, obra a qual será foco deste trabalho. Aluísio de Azevedo, pioneiro do naturalismo no Brasil, nasceu em São Luís do Maranhão, em que retratou, conforme a época, satirizando os hábitos dos moradores, possuindo alta dedicação em descrições - tanto dos personagens, quanto do ambiente - e uma narrativa lenta. O Cortiço (1890) é uma obra Naturalista que mostra a realidade vivida pela população no Rio de Janeiro e o seu aumento, além do aparecimento de núcleos habitacionais, denominados cortiços, onde trabalhadores e gente de atividades incertas viviam em agrupamento. O livro é composto por 23 capítulos. A obra tem como tema mais específico uma crítica ao capitalismo, refletindo a avareza e a exploração do homem por ele mesmo, além disso há a supervalorização do sexo. Por isso temas como adultério, prostituição e corrupção tornam-se frequentes. Sendo assim, este trabalho pretende estudar a construção da obra “O Cortiço” a partir dos elementos estéticos do Realismo e Naturalismo. O relatório foi feito através da leitura do livro “O Cortiço” e amplas pesquisas em artigos, livros e sites acadêmicos voltados ao Realismo e Naturalismo, além do debate e filme em sala que nos serviram como base. 3. Elementos Estéticos do Realismo Nas obras realistas, muitos aspectos estéticos se mostram fortemente presentes e repetidos ao decorrer do enredo, o que não se faz diferente em O Cortiço. A crítica aos valores urbanos e cotidianos - desmascarando as patologias sociais, presença de correntes cientificistas que estavam em ascensão na época – com ênfase ao determinismo e darwinismo, personagens comuns não idealizados e análise psicológica destes são características expoentes do realismo/naturalismo presentes na obra. Entretanto, através da percepção, da observação e da análise apurada de fatos, os escritores denunciam a sociedade que é corrompida pela hipocrisia, pela convivência social mantida por aparência, pelos relacionamentos de interesses, pelo casamento como contrato social e não como vínculo afetivo, pelo adultério e corrupção, com o intuito de denunciar e desmoralizar tais patologias sociais, fazendo com que o naturalista dê preferência às personagens degeneradas, portadoras de distúrbios físicos e morais, taras e vícios. Assim, a escola literária explora um espaço coletivo da época, a fim de estudar a nova estrutura urbana estabelecida. O cientificismo que, de acordo com uma das mais recentes definições do dicionário da Oxford, significa “Crença excessiva no poder do conhecimento científico e tecnológico ” (OXFORD UNIVERSITY, 2017) está presente nas obras realistas/naturalistas e são fatores de grande destaque e influência no enredo. Na literatura, as correntes científicas obtêm conclusõesacima do homem e da sociedade, tomando como base a ideologia científica, analisando cada personagem como objeto de pesquisa. No livro estudado é tido em vista como principais influências o determinismo, darwinismo, – apresentada através da zoomorfização - positivismo e materialismo. Diante deste raciocínio, Sodré afirma: “A visão superficial e a reconstituição plana e linear dos quadros não poderia levar jamais, assim, a expressão das aspirações de uma época ou de um povo que é a marca dos autênticos criadores. O abandono do exame dos mais profundos motivos, que revelam as conexões causais e humanas, limitada a visão ao superficial e cotidiano da existência, conduz inevitavelmente, ao subjetivismo. Os naturalistas tentam apagar esse subjetivismo pela utilização de recursos científicos” (SODRÉ, p.383) Assim, o autor mostra que, com o intuito de representar a realidade de modo fiel, o naturalismo tentou ao máximo aproximar-se do campo científico, utilizando formas que desenvolvessem as ciências da natureza mais do que a ciência da sociedade. O naturalismo no Brasil, porém, buscou apenas analisar o que havia de patológico na sociedade, não buscando alcançar os mesmos patamares que o movimento alcançou na Europa. Ademais a zoomorfização, que representa o darwinismo, paralela ao realismo/naturalismo, faz comparação entre homem e animal. Na literatura, a partir de suas verossimilhanças, as personagens representam humanos com reflexos naturais aos acontecimentos do meio e à sua própria existência, geralmente às margens da sociedade em seus aspectos de sobrevivência e moralidade. Nota-se a zoomorfização na construção das cenas e dos indivíduos a medida em que são explorados e descritos. Desse modo, Candido comenta: “Constatarmos que a redução biológica do Naturalismo vê todos, brancos e negros, como animais. E sobretudo que a descrição das relações de trabalho revela um nível mais grave de animalização, que transcende essa redução naturalista, pois é a própria redução do homem à condição de carga, explorada para formar o capital dos outros.” Candido (1993, p. 134) Neste esteio, o estudioso conclui que, além de submeter o homem à suas condições mais naturais e instintivas, a zoomorfização o reconhece como produto do meio sem mero valor, expondo o indivíduo como simples mercadoria, com serventia apenas para o trabalho. Da mesma maneira pelo apelo sexual, onde são representados como seres impulsivos, voltado aos prazeres irracionais causados pelo ambiente, guiados pelo libido. Os aspectos biológicos e naturais do corpo também são vistos, para os naturalistas, como fundamentos importantes para o ser e a realidade a sua volta, pois quebram barreiras entre o voluntário do corpo e o mundo material. Aquilo que afeta o corpo - nascimento, crescimento, violência, sexo, doenças, morte - muda a realidade e faz parte diretamente da literatura naturalista. Segundo o pesquisador Mikhail Bakhtin, “O grotesco ignora a superfície sem falha que fecha e limita o corpo, fazendo dele um fenômeno isolado e acabado. Também, a imagem grotesca mostra a fisionomia não apenas externa, mas ainda interna do corpo: sangue, entranhas, coração e outros órgãos. Muitas vezes, ainda, as fisionomias interna e externa fundem-se numa única imagem. [...] as imagens grotescas constroem um corpo bicorporal. Na cadeia infinita da vida corporal, elas fixam as partes onde um elo se prende ao seguinte, onde a vida de um corpo nasce da morte de um mais velho.” Assim, o conhecimento do grotesco provoca uma relação mais próxima da materialidade daquilo que é real, buscando a fidelidade máxima à natureza física e psicológica do homem, onde as excrescências e os orifícios são os limites entre os indivíduos e o mundo, e é nesses limites onde são feitas as trocas entre o sujeito e o universo que o rodeia. Outro fator importante no realismo grotesco é a utilização do exagero, da profusão, da proliferação e do excesso. Além da influência pelo natural, o homem também foi visto como escravo da hereditariedade, a partir dos aspectos deterministas, destacando o meio, a raça e o momento. Os escritores procuravam relatar os acontecimentos através da lei da natureza, grande parte das personagens naturalistas são influenciadas pela ação do meio. O ambiente torna-se um dos personagens da obra, determinando o destino e as características e o estado de cada ser, como na concepção de Taine de que o homem era um produto do meio. Todos estes aspectos mostram a quebra dos ideais da estética romântica, resultando em uma substituição da idealização de mundo e de personagem, que agora representa massas da sociedade - trazendo ao livro cada vez mais aspectos da realidade. Tais fatores, fazem com que a linguagem no livro apresente misturas entre o popular e o erudito. Os objetos e ambientes passam a ser cada vez mais incluídos, trazendo mais influência à narrativa. Ademais, há presença de elementos auditivos, olfativos e visuais, que evidenciam o relato fiel da cena, a fim de introduzir o leitor à obra. A crítica à vida em seus aspectos comuns, criam personagens individualizados, humanizados e ligados ao contexto histórico, políticos e econômicos da época. Construindo uma análise à sociedade brasileira independente dos fatores de raça, de clima ou de classe social. A partir disso, o filólogo alemão Erich Auerbach afirma: “O tratamento sério da realidade quotidiana, a ascensão de camadas humanas mais largas e socialmente inferiores à posição de objetos de representação problemático-existencial, por um lado – e, pelo outro, o esgarçamento de personagens e acontecimentos quotidianos quaisquer no decurso geral da história contemporânea, do pano de fundo historicamente agitado – estes são, segundo nos parece, os fundamentos do realismo moderno [...].” (AUERBACH, 2002, p. 440) Dessa maneira, Auerbach comenta a funcionalidade moral e estrutural do movimento, priorizando a ideia de que a vida cotidiana não poderia ser retratada a partir dos aspectos clássicos e românticos, já que devido a sua mudança constante, não seria estável. Ou seja, o autor não se limita apenas ao estudo da realidade e objetividade, mas também no campo da linguagem, de personagem e suas constituições comuns. Por isso, o romance realista consegue se prender ao que é necessário à retratação da vida. 4. Resultados e discussões Após o estudo do Realismo/Naturalismo apresentados, podemos aplicar a constituição dos elementos estéticos da escola literária na obra “O Cortiço”: Ao decorrer da história, Aluísio de Azevedo deixou explícito como a sociedade que surgia no nosso país era falha e defeituosa em vários aspectos. Logo no começo do livro podemos perceber tal fator: E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco. (p. 11) Deixando assim em aberto o modo como a sociedade se portava durante todo o livro, principalmente os mais pobres, o autor relata as condições de vida precária e desumana do cortiço de modo a torná-lo um organismo vivo. Além disso, é feita também a denúncia das relações humanas, envenenadas pela trapaçae adultério: Sempre em mangas de camisa, sem domingo nem dia santo, não perdendo nunca a ocasião de assenhorear-se do alheio, deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca deixando de receber, enganando os fregueses, roubando nos pesos e nas medidas, comprando por dez réis de mel coado o que os escravos furtavam da casa dos seus senhores, apertando cada vez mais as próprias despesas, empilhando privações sobre privações, trabalhando e mais a amiga como uma junta de bois, João Romão veio afinal a comprar uma boa parte da bela pedreira, que ele, todos os dias, ao cair da tarde, assentado um instante à porta da venda, contemplava de longe com um resignado olhar de cobiça. (p.4) A partir da análise, o autor denuncia o modo como a sociedade se comportava perante as relações humanas e a corrupção que se propusera. Ou seja, o dinheiro se tornava o centro de tudo e o indivíduo se submetia à comportamentos indecentes para conseguí-lo. Da mesma maneira, zoomorfização em O Cortiço aparece com o intuito de mostrar até que ponto o ser age por instinto e que muitas vezes suas ações não são carregadas de razão, mas sim pelo desejo – principalmente sexual. É possível perceber tal característica nas seguintes cenas: A portuguesa não dizia nada, sorria contrafeita, no íntimo, ressentida contra aquela invasão de uma estranha nos cuidados pelo seu homem. Não era a inteligência nem a razão o que lhe apontava o perigo, mas o instinto, o faro sutil e desconfiado de toda a fêmea pelas outras, quando sente o seu ninho exposto. (p. 47) O trecho acima mostra como a personagem Piedade age com um instinto animalesco em relação às desconfiança do marido, Jerônimo, de modo a descartar a razão e inteligência da personagem. Além do mais, o texto traz outras características realistas como a investigação social. Naquele dia, porém, o estudante apareceu à janela, trazendo nos braços um coelhinho todo branco, que ele na véspera arrematara num leilão de festa. Leocádia cobiçou o bichinho e, correndo para o depósito de garrafas vazias, que ficava por debaixo do sobrado, pediu com muito empenho ao Henrique que lho desse. Este, sempre com seu sistema de conversar por mímica, declarou com um gesto qual era a condição da dádiva. Ela meneou a cabeça afirmativamente, e ele fez-lhe sinal de que o esperasse por detrás do cortiço, no capinzal dos fundos. A família do Miranda havia saído. Henrique, mesmo com a roupa de andar em casa e sem chapéu, desceu à rua, ganhou um terreno que existia à esquerda do sobrado e, com o seu coelho debaixo do braço, atirou-se para o capinzal. Leocádia esperava por ele debaixo das mangueiras. — Aqui não! disse ela, logo que o viu chegar. Aqui agora podem dar com a gente! — Então onde? — Vem cá! E tomou à sua direita, andando ligeira e meio vergada por entre as plantas. Henrique seguiu-a no mesmo passo, sempre com o coelho sobraçado. O calor fazia-o suar e esfogueava-lhe as faces. Ouvia-se o martelar dos ferreiros e dos trabalhadores da pedreira. Depois de alguns minutos, ela parou num lugar plantado de bambus e bananeiras, onde havia o resto de um telheiro em ruínas. — Aqui! E Leocádia olhou para os lados, assegurando-se de que estavam a sós. Henrique, sem largar o coelho, atirou-se sobre ela, que o conteve: — Espera! preciso tirar a saia; está encharcada! — Não faz mal! segredou ele, impaciente no seu desejo. — Pode-me vir um corrimento! E sacou fora a saia de lã grossa, deixando ver duas pernas, que a camisa a custo só cobria até o joelho, grossas, maciças, de uma brancura levemente rósea e toda marcada de mordeduras de pulgas e mosquitos. — Avia-te! Anda! apressou ela, lançando-se de costas ao chão e arregaçando a fralda até a cintura; as coxas abertas. O estudante atirou-se, sôfrego, sentindo-lhe a frescura da sua carne de lavadeira, mas sem largar as pernas do coelho. Passou-se um instante de silêncio entre os dois, em que as folhas secas do chão rangeram e farfalharam. (p. 54) A partir da passagem acima, prova-se como ambas as personagens - Henrique e Leocádia - foram guiados por seus instintos selvagens e desejos antes de contemplarem uma sensatez mais humana, mesmo viviendo mundos diferentes. O libido se torna, antes de tudo, mais forte que a razão humana e moralidade. Alguns fatores biológicos também se mostram decisivos para o destino de alguns personagens em O Cortiço. Um exemplo é Pombinha, a moça era considerada a flor do cortiço, tinha 18 anos e era a única no local que sabia ler e escrever. Noiva de João Costa, era a esperança da mãe, dona Isabel, de sair do cortiço, porém, como ainda não havia menstruado, não poderia casar, já que ainda não “era mulher”. A filha era a flor do cortiço. Chamavam-lhe Pombinha. Bonita, posto que enfermiça e nervosa ao último ponto; loura, muito pálida, com uns modos de menina de boa família. A mãe não lhe permitia lavar, nem engomar, mesmo porque o médico a proibira expressamente. Tinha o seu noivo, o João da Costa, moço do comércio, estimado do patrão e dos colegas, com muito futuro, e que a adorava e conhecia desde pequenita; mas Dona Isabel não queria que o casamento se fizesse já. É que Pombinha, orçando aliás pelos dezoito anos, não tinha ainda pago à natureza o cruento tributo da puberdade, apesar do zelo da velha e dos sacrifícios que esta fazia para cumprir à risca as prescrições do médico e não faltar à filha o menor desvelo. No entanto, coitadas! Daquele casamento dependia a felicidade de ambas, porque o Costa, bem empregado como se achava em casa de um tio seu, de quem mais tarde havia de ser sócio, tencionava, logo que mudasse de estado, restituí-las ao seu primitivo círculo social. A pobre velha desesperava-se com o fato e pedia a Deus, todas as noites, antes de dormir, que as protegesse e conferisse à filha uma graça tão simples que ele fazia, sem distinção de merecimento, a quantas raparigas havia pelo mundo; mas, a despeito de tamanho empenho, por coisa nenhuma desta vida consentiria que a sua pequena casasse antes de “ser mulher”, como dizia ela. E “que deixassem lá falar o doutor, entendia que não era decente, nem tinha jeito, dar homem a uma moça que ainda não fora visitada pelas regras! Não! Antes vê-la solteira toda a vida e ficarem ambas curtindo para sempre aquele inferno da estalagem!” (p. 16 a 17) Assim, o destino das personagens dependia exclusivamente de uma transição biológica, sem ela, seria impossível a concretização do casamento da moça. Quando finalmente acontece, a mudança de vida se concretiza. Pombinha surgiu à porta de casa, já pronta para desferir o grande vôo; de véu e grinalda, toda de branco, vaporosa, linda. Parecia comovida; despedia-se dos companheiros atirando-lhes beijos com o seu ramalhete de flores artificiais. Dona Isabel chorava como criança, abraçando as amigas, uma por uma. - Deus lhe ponha virtude! exclamou a Machona. E que lhe dê um bom parto, quando vier a primeira barriga. A noiva sorria, de olhos baixos. Uma fímbria de desdém toldava-lhe a rosada candura de seus lábios. Encaminhou-se para o portão, cercada pela bênção de toda aquela gente, cujas lágrimas rebentaram afinal, feliz cada um por vê-la feliz e em caminho da posição que lhe competia na sociedade. (p.79) Após a chegada da menarca, - primeira menstruação da moça - finalmente o casamento pode ser realizado, tal cerimônia traria benefícios socioeconômicos a Pombinha e sua mãe, fazendo com que as mesmas finalmente consigam sair do cortiço, afim de uma melhoria de vida. Já as influências deterministas em O Cortiço induziram no destino de dois personagens: Jerônimo e João Romão. O primeiro, que era homem honesto e bom, transforma-se e a brasileira-se, sendo levado até mesmo a praticar homicídio; João Romão tomado pela ambição propõe-se à indecência para atingir o status de riqueza e adentrar à sociedadeburguesa. Podemos perceber dois momentos de Jerônimo, o primeiro sendo retratado pelas seguintes cenas: Jerónimo só voltava à casa ao decair da tarde, morto de fome e de fadiga. A mulher prepara-lhe sempre para o jantar alguma das comidas da terra dele [...]. E, defronte do candeeiro de querosene, conversavam sobre a sua vida e sobre a sua Marianita, a filha que estava no colégio e que só os visitava aos domingos e dias santos. (p. 58 a 59) Ao chegar no Brasil, ainda não influenciado pelo meio e trazendo fortes caracteristicas européias, o homem apresenta um comportamento e visão de mundo diferentes do que ocorre depois de totalmente transformado e influenciado pelo ambiente e por Rita Baiana, temos uma visão completamente diferente do personagem: O português abrasileirou-se para sempre: fez-se preguiçoso, amigo das extravagâncias e dos abusos, luxurioso e ciumento: fora-se-lhe de vez o espírito da economia e da ordem: perdeu a esperança de enriquecer, e deu-se todo, todo inteiro, à felicidade de possuir a mulata e ser possuído por ela, só por ela, e mais ninguém. (p. 191) Em João Romão, dono do cortiço e também português, o processo ocorreu de maneira diferente e trouxe consequências também divergentes, porém, não melhor do que se observou com Jerônimo. O comerciante buscava uma posição social mais elevada e não se contentava com a realidade em que vivia, a repudiando. Comparava-se a Miranda, nobre barão que morava em um sobrado ao lado do cortiço. É possível perceber tal insatisfação do português nos seguintes trechos da obra: À noite, quando se estirou na cama, ao lado de Bertoleza, para dormir, não pôde conciliar o sono. Por toda a miséria daquele quarto sórdido; pelas paredes imundas, pelo chão enlameado de poeira e sebo, nos tetos funebremente velados pelas teias de aranha... (AZEVEDO, 2009, p. 72). O trecho revela a descrição sincera do cenário, revelando os aspectos negativos, ao mesmo tempo que sentimentos se brotam. A intenção do autor foi totalmente crítica em relação ao ponto de vista do narrador, já que não esconde a náusea diante do ambiente apresentado. E não podia deixar de pensar no demônio da negra, porque a maldita ali estava perto, a rondá-lo ameaçadora e sombria; ali estava como documento vivo de suas misérias, já passadas mas ainda palpitantes. Bertoleza devia ser esmagada, devia ser suprimida, porque era tudo de mal que havia na vida dele! Seria um crime conservá-la ao seu lado! Ela era o torpe do balcão da primitiva bodega[...] (AZEVEDO, 2009, p. 141). O pensamento de angústia e raiva descritos na passagem, aponta que, para alcançar seu tão cobiçado sonho de ser nobre, João Romão passou a agir de maneira questionável, ilustrando a ambição e a ganância da sociedade capitalista, desprezando Bertoleza, mulher com quem vivia, por ser negra e escrava. Assim, conseguiu o dinheiro que tanto queria, mas ainda lhe faltava o título de nobre, aproximando-se de Miranda para casar-se com Zulmira, filha do nobre. A partir daí inicia-se uma transformação do personagem devido à convivência com a rica família. Desde que o vizinho surgiu com o baronato, o vendeiro transformava-se por dentro e por fora a causar pasmo. Mandou fazer boas roupas e aos domingos refestelava-se de casaco branco e de meias, assentado defronte da venda, a ler jornais. Depois deu para sair a passeio, vestido de casimira, calçado e de gravata. Deixou de tosquiar o cabelo à escovinha; pôs a barba abaixo, conservando apenas o bigode, que ele agora tratava com brilhantina todas as vezes que ia ao barbeiro. Já não era o mesmo lambuzão! E não parou aí: fez-se sócio de um clube de dança e, duas noites por semana, ia aprender a dançar; começou a usar relógio e cadeia de ouro; correu uma limpeza no seu quarto de dormir, mandou soalhá-lo, forrou-o e pintou-o; comprou alguns móveis em segunda mão; arranjou um chuveiro ao lado da retrete; principiou a comer com guardanapo e a ter toalha e copos sobre a mesa; entrou a tomar vinho, não do ordinário que vendia aos trabalhadores, mas de um especial que guardava para seu gasto. Nos dias de folga atirava-se para o Passeio Público depois do jantar ou ia ao teatro São Pedro de Alcântara assistir aos espetáculos da tarde; do “Jornal do Comércio”, que era o único que ele assinava havia já três anos e tanto, passou a receber mais dois outros e a tomar fascículos de romances franceses traduzidos, que o ambicioso lia de cabo a rabo, com uma paciênciade santo, na doce convicção de que se instruía. (p.80 a 81) Analisando a história destes dois personagens, é possível entender como o determinismo se fez presente em O Cortiço, fortalecendo suas perspectivas naturalistas. Outra característica naturalista presente em O Cortiço é a construção das personagens: geralmente retratam pessoas comuns em seu dia a dia, trabalho e relações sociais. Para isso, é utilizada de uma narrativa lenta, detalhada e que se alia aos elementos sensoriais: E as lavadeiras não se calavam, sempre a esfregar, e a bater, e a torcer camisas e ceroulas, esfogueadas já pelo exercício. Ao passo que, em torno da sua tagarelice, o cortiço se embandeirava todo de roupa molhada, de onde o sol tirava cintilações de prata. Estavam em dezembro e o dia era ardente. A grama dos coradouros tinha reflexos esmeraldinos; as paredes que davam frente ao Nascente, caiadinhas de novo, reverberavam iluminadas, ofuscando a vista.(p. 19) Na cena o Azevedo explora o dia de trabalho das lavadeiras do cortiço, pessoas simples que geralmente trabalhavam para garantir o sustento da família. A sensorialidade é muito explorada, a fim de garantir que o leitor se incorpore mais à história. Além disso os detalhes são muito importantes para a narrativa. E toda a gentalha daquelas redondezas ia cair lá, ou então ali ao lado, na casa de pasto, onde os operários das fábricas e os trabalhadores da pedreira se reuniam depois do serviço, e ficavam bebendo e conversando até as dez horas da noite, entre o espesso fumo dos cachimbos, do peixe frito em azeite e dos lampiões de querosene (p. 7) De tal forma, garantindo de retratar a realidade vivida no dia a dia do cortiço, tal trecho da obra mostra as atividades usuais dos homens depois da jornada de trabalho. De maneira comum e detalhista o livro se constrói de maneira lenta devido às descrições de ambiente e personagem. 5. Considerações Finais Portanto, a obra O Cortiço tem suas bases literárias construídas a partir dos elementos característicos do Realismo e Naturalismo. Na obra, há presença de temas relacionados à sociedade, assim como seus aspectos patológicos, incluindo teses referentes ao sexo - como o homossexualismo e adultério. Além de tratar da miséria, da criminalidade e o ataque à burguesia. Baseado nos acontecimentos da época, o autor procurava destacar as dificuldades vividas em meio rural e o determinismo, contradizendo a existência do livre-arbítrio. O romance relata a comunidade observando-a através de uma perspectiva científica, apesar de em alguns momentos ser constituído de maneira exagerada, a missão principal de Aluísio de Azevedo se consolida por meio da análise, de modo a retratar o Brasil do século XIX. 5. Referências SILVA, Felipe Antonio Ferreira da. 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