Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE ARTES VISUAIS – LICENCIATURA CRISTINA AMÉRICO CRISTIANO ENSINO DA ARTE E INTERDISCIPLINARIDADE: OLHARES E REFLEXÕES A PARTIR DA NARRATIVA DE PROFESSORES E ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DA E.E.B PROFESSORA MARIA GARCIA PESSI CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2010. 2 CRISTINA AMÉRICO CRISTIANO ENSINO DA ARTE E INTERDISCIPLINARIDADE: OLHARES E REFLEXÕES A PARTIR DA NARRATIVA DE PROFESSORES E ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DA E.E.B PROFESSORA MARIA GARCIA PESSI Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Curso de Artes Visuais da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para obtenção do título de Licenciatura em Artes Visuais. Orientador: Prof. Esp. Marcelo Feldhaus CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2010. 3 CRISTINA AMÉRICO CRISTIANO ENSINO DA ARTE E INTERDISCIPLINARIDADE: OLHARES E REFLEXÕES A PARTIR DA NARRATIVA DE PROFESSORES E ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DA E.E.B PROFESSORA MARIA GARCIA PESSI Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de licenciatura, no Curso de Artes Visuais da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Educação e Arte. Criciúma, 02 de dezembro de 2010. BANCA EXAMINADORA Prof. Marcelo Feldhaus - Especialista – (UNESC) - Orientador Profª Maria Helena Périco da Silva - Mestre - (UNESC) Profª Maria Aparecida da Silva Mello - Mestre - (UNESC) 4 Dedico este trabalho aos meus familiares e amigos, especialmente ao meu noivo Stefan, que se mostrou um fiel companheiro durante esta trajetória. Ao meu orientador, professor Marcelo Feldhaus, que guiou meus passos com sabedoria e seriedade. E a todos os alunos que tive o prazer de conviver e trocar experiências durante os estágios supervisionados, pois muito me ensinaram e contribuíram nesta conquista. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pelos anjos que colocou em meu caminho ao longo desta trajetória: meus tios, Marino e Isabel, que foram os maiores incentivadores de todo meu percurso acadêmico; meu noivo Stefan, por seu carinho, paciência e lealdade; minhas amigas Andressa Vitali e Lisiane Sachet, por terem sido companheiras incondicionais durante esses quatro anos, permanecendo ao meu lado nos momentos felizes e também difíceis enfrentados neste caminho. Ao meu orientador Marcelo Feldhaus, por ter dedicado seu tempo e seu conhecimento para ampliar meu olhar, auxiliando assim de forma direta nesta conquista. A professora e mestre Maria Helena Périco, por ter me apoiado e auxiliado com seus préstimos sempre que necessário. Aos alunos e professores da Escola Maria Garcia Pessi, que participaram da pesquisa com seriedade e colaboram para que ela se efetivasse. Aos alunos das instituições que lecionei e estagiei, por terem contribuído para o meu amadurecimento enquanto estudante, profissional e principalmente como ser humano. A todos estes anjos citados e também aos demais professores e colegas do curso de Artes Visuais, muito obrigada! 6 “O ensino da arte que desejamos é aquele que nos propomos construir.” Edite Volpato 7 RESUMO A presente pesquisa discorre sobre o olhar dos alunos e professores de diferentes áreas do conhecimento do ensino médio, da E.E.B Professora Maria Garcia Pessi, em Araranguá-SC, acerca da disciplina de Arte em uma perspectiva interdisciplinar. O objetivo é refletir sobre como eles percebem a contribuição desses conhecimentos nas diferentes disciplinas durante proposições interdisciplinares. Para alcançar o objetivo proposto a pesquisa se desenha por meio de uma abordagem qualitativa e descritiva, onde como instrumento de coleta de dados utilizo questionários com perguntas semi-estruturadas. Considerando a dimensão do problema proposto, faço um percurso bibliográfico, onde dialogo com diferentes autores e especialistas em assuntos como as perspectivas históricas e contemporâneas do ensino da arte, o currículo da disciplina no ensino médio, interdisciplinaridade na educação, planejamento, formação de professores, entre outros. Ao aprofundar-me dos dados teóricos da pesquisa, somados as análises dos questionários com professores e alunos da escola-campo, percebo que há a necessidade de uma atitude frente a fragmentação do currículo, de modo que os profissionais desta instituição dediquem tempo e espaço para discussões sobre planejamento coletivo e interdisciplinar como sendo uma alternativa para aproximar o aluno da totalidade do conhecimento, em um movimento de interação entre as disciplinas. Ainda diante dos dados coletados, entendo que o ensino da arte precisa ser percebido em suas múltiplas linguagens e possibilidades para que possa contribuir significativamente para a desconstrução do olhar fracionado e limitado para a arte nas dinâmicas interdisciplinares, vistas a favorecer o alargamento cultural dos alunos. Palavras-chave: Ensino da arte, Currículo, Planejamento e Interdisciplinaridade. 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACT – Admissão em Caráter Temporário DCNEM – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio E.E.B – Escola de Educação Básica ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PCNEM – Parâmetros Curriculares do Ensino Médio PCSC – Proposta Curricular de Santa Catarina PPP – Projeto Político Pedagógico UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 10 2 ARTE E LINGUAGEM ............................................................................................ 13 2.1 Refletindo sobre arte.......................................................................................... 13 2.2 Arte e Educação ................................................................................................. 15 2.2.1 A Arte na educação escolar: perspectivas históricas e contemporâneas. 15 2.2.2 Arte no Ensino Médio: o currículo e as possibilidades de interação ......... 20 3 ARTE E INTERDISCIPLINARIDADE ..................................................................... 25 3.1 Interdisciplinatidade na Educação: breves discussões teóricas................... 25 3.2 O ensino da arte e a Interdisciplinaridade ....................................................... 28 3.3 A Interdisciplinaridade no Ensino Médio: o que dizem a LDB, os PCNEM, DCNEM, PCN+ e a Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC)...................... 30 4 PLANEJAMENTO EDUCACIONAL, ENSINO DA ARTE E FORMAÇÃO DE PROFESSORES........................................................................................................ 35 4.1 Planejamento Escolar: um processo contínuo e globalizante ....................... 35 4.2 Planejamento em Arte: construir para descontruir ......................................... 38 4.3 Formação Continuada: conceitos e relevância ............................................... 40 5 METODOLOGIA DA PESQUISA: CONSTRUINDO CAMINHOS .......................... 43 6 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS................................................................... 46 6.1 Questionário 01: o olhar dos professores ....................................................... 46 6.2 Questionário02: dando voz aos alunos/sujeitos do processo ...................... 62 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 71 REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 74 APÊNDICE A: Questionário aplicado com professores do ensino médio da E.E.B Professora Maria Garcia Pessi................................................................................ 79 APÊNDICE B: Questionário aplicado com alunos do ensino médio da E.E.B Professora Maria Garcia Pessi................................................................................ 84 ANEXO: Projeto “Capacitarte: uma proposta de capacitação para para professores do ensino médio por meio das múltiplas linguagens artísticas” ... 88 10 1 INTRODUÇÃO Ao longo de minha trajetória enquanto acadêmica no curso de licenciatura em Artes Visuais, tive a oportunidade de me debruçar em muitas leituras, reflexões e projetos educacionais envolvendo arte, educação e pesquisa, principalmente durante as enriquecedoras experiências vivenciadas nos estágios supervisionados de docência, que foram vivências que me possibilitaram observar nos sucessos e insucessos dos projetos desenvolvidos desde a educação infantil ao ensino médio as dificuldades e as necessidades de diferentes alunos com relação ao ensino da arte. Tais vivências me possibilitaram o transgredir da teoria à prática e serviram para fortificar a escolha que fiz a quatro anos atrás: ser professora de Arte. Em meio às experiências de estágio pude deparar-me com algumas situações conflitantes com relação ao olhar dos alunos e das escolas para a disciplina de Arte. Mas, destaco uma destas experiências como fundamental para o encontro da problemática a que me debruço nesta pesquisa, que partiu de um projeto interdisciplinar realizado com uma turma de ensino médio da E.E.B Professora Maria Garcia Pessi, no município de Araranguá. Nele propus a interação entre a disciplina de Arte e Literatura, mas pude perceber a dificuldade dos alunos em relacionarem os conhecimentos entre ambas, ainda que, segundo os PCNEM, elas pertençam a mesma área de conhecimento, intitulada Linguagem, Códigos e suas Tecnologias. Esse fato me levou a observar que projetos de natureza interdisciplinar envolvendo principalmente a disciplina de Arte não pareciam familiares aos alunos, fazendo-me levantar algumas questões, como por exemplo: Será que os alunos apresentam dificuldade em perceber os conhecimentos de Arte em outras disciplinas porque não compreendem verdadeiramente o propósito da primeira? As parcerias interdisciplinares envolvendo a Arte não são comuns porque os professores de outras disciplinas não percebem a contribuição desta em projetos deste cunho? E foi com o objetivo de aprofundar e refletir sobre as questões apontadas que a presente pesquisa partiu da seguinte indagação: “Como os professores e alunos de Ensino Médio, da E.E.B Professora Maria Garcia Pessi, em Araranguá/SC, percebem a contribuição dos conhecimentos relativos à disciplina de Arte nas diferentes áreas do currículo escolar em abordagens interdisciplinares?”. 11 Para alcançar a dimensão da problemática, algumas questões norteiam esta pesquisa, como: Qual o conceito histórico de interdisciplinaridade? Qual a contribuição do ensino da arte para alunos do ensino médio? Qual o conceito de arte para os alunos e professores de diferentes áreas do currículo do ensino médio? A disciplina de Arte atualmente está sendo colocada no mesmo grau de relevância de outras disciplinas do currículo escolar? Para desenhar a pesquisa, com vistas a refletir sobre o problema apontado, dialogo com diferentes autores, discutindo assuntos que pressuponho serem essenciais para o melhor aprofundamento do tema, distribuídos em três momentos teóricos. No primeiro momento discorro sobre arte e linguagem, traçando primeiramente reflexões sobre arte, seguidas por perspectivas desta na educação, pontuando algumas questões históricas e contemporâneas do ensino da arte no Brasil, estabelecendo interfaces entre o antes e depois da LDB de 1996. No mesmo texto, apresento as múltiplas linguagens artísticas na escola, elencando as artes visuais, música, teatro, dança e artes audiovisuais como significativas dentro de um contexto escolar na contemporaneidade, discorrendo também sobre a importância da educação estética e onde a disciplina de Arte pode contribuir para a (re)significação do olhar sensível e crítico do aluno, com foco nos alunos do ensino médio. Costuro ainda informações sobre as especificidades do currículo de Arte deste nível, dialogando com a LDB, os PCNEM, entre outros documentos e autores. No segundo momento proponho uma discussão sobre a interdisciplinaridade na educação, onde primeiramente aponto algumas atribuições ao termo, apontando reflexões sobre disciplinaridade e fragmentação do currículo escolar. Em seguida, apresento uma discussão sobre a disciplina de Arte em uma perspectiva interdisciplinar, discorrendo sobre a contribuição dos conhecimentos desta em abordagens deste cunho. E para efeito de esclarecimento, pontuo alguns pressupostos de interdisciplinaridade trazidos pelos principais documentos que norteiam a educação, com foco ao ensino médio, como a LDB, o PCNEM e a PCSC. No terceiro momento discuto sobre planejamento e formação continuada, uma vez que percebo que para dar conta de contemplar a interdisciplinaridade primeiramente faz-se necessário (re)pensar os encaminhamentos metodológicos do planejamento educacional e também a relevância da formação permanente do professor, pois penso que uma está diretamente associada a outra. 12 Para amarrar as informações e reflexões trazidas no decorrer do referencial teórico, apresento os métodos práticos que me apropriei para a elaboração da pesquisa aplicada com os professores e alunos do ensino médio da Escola Maria Garcia Pessi, caracterizada como uma pesquisa de campo qualitativa e descritiva, através da aplicação de questionários e amparada na linha de pesquisa do Curso de Artes Visuais da UNESC, Educação e Arte. 13 2 ARTE E LINGUAGEM 2.1 Refletindo sobre arte Antes de iniciar qualquer tentativa de reflexão sobre a arte, cabe ressaltar que toda tentativa de busca por um conceito objetivo e definitivo para a mesma é um esforço em vão, ainda que amparado em conceituados autores. Encontrar uma definição suficientemente compatível e que dê conta de exprimir tudo aquilo que a arte simboliza é uma tarefa bastante improvável. O universo da arte é cercado por subjetividade e indefinições, o que impossibilita uma conceituação precisa e efetiva. Porém, ainda assim é inegável que durante as criações e manifestações expressivas de caráter estético, a arte consegue de forma única, singular e eficiente, agregar os aspectos racionais e criativos do ser humano em um único ato. O convívio com a arte é fundamental para o desenvolvimento pleno do indivíduo e pertence a sua história desde os primórdios da vida humana. Segundo Bosi (2000), desde a Pré-História o homem busca na arte uma maneira de relacionar-se com o universo e consigo mesmo. Os registros imagéticos encontrados nas paredes das cavernas comprovam essa incessante busca, onde além do seu caráter histórico ainda reforçam uma visão de arte comunicativa e provedora de transformações na realidade. Para Coli (1990) a arte se apresenta representativa desde a infância, facilmente perceptível na desenvoltura das crianças ao cantar, dançar e desenhar de uma maneira particularmente natural. Neste sentido, observa-se que por meio da arte, em quaisquer que sejam as suas manifestações artísticas (visuais, musicais outeatrais), o ser humano encontra uma forma de comunicação e expressão nos mais diferentes meios e recursos, fazendo uso de símbolos e códigos. A arte surge como a concretização de um pensamento carregado de emoções e experiências de caráter estético em suas entrelinhas. Para Cantele (1999), a emoção é o conteúdo transmitido pela matéria – que neste contexto é meio ou recurso para alcançar o feito, seja pelo uso de tinta, som ou outros – e que se 14 propaga para além da própria matéria e do corpo humano, pois a arte tem o poder de exprimir o inteligível no sensível, sugerindo interpretações, estimulando a imaginação e a sensibilidade do expectador. Nas produções artísticas existe uma edificação de diferentes valores culturais, sociais e particulares produzidos por artistas que buscam dar vida aos conceitos, sentimentos, emoções e olhares em torno de suas realidades. Que a arte possui inúmeras possibilidades de reflexão isso é notório, porém identificar uma produção artística em meio a tantas criações que se encontram por ai a afora é uma tarefa bastante complexa. Neste sentido, Coli (1990) diz que a nossa cultura possui seus próprios instrumentos para decidir o que é ou não uma obra de arte, como por exemplo, o discurso sobre a obra, proferido por autoridades reconhecidas e competentes na área. Parte-se do princípio que a qualificação de arte feita por historiadores, críticos, peritos, entre outros, é incontestável, pois se pressupõe que estes entendem mais do que ninguém sobre o assunto. Outro recurso para identificar uma obra de arte, ainda parafraseando o mesmo autor, é identificá-la pelo local em que está inserida, se em uma exposição de arte, museu ou outro local específico. Porém, quando o assunto é arte, nem sempre as coisas são assim tão objetivas e práticas, muito do que se fala sobre ela é relativo e por vezes até polêmico. A classificação e o reconhecimento do objeto de arte dependerão muito da época, ambiente e cultura pertencente a cada sujeito. De acordo com os pressupostos trazidos pelo autor citado anteriormente o estatuto e arte “não parte de uma definição abstrata, lógica ou teórica, do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura, dignificando os objetos sobre os quais ele recai.” (COLI,1990, p.7). Seguindo qualquer uma das diferentes vertentes de reflexão sobre arte, seja objetiva ou subjetivamente, o fato é que independente da cultura que se faça parte é inegável que em qualquer canto do planeta a arte tentará exprimir tudo aquilo que há de melhor e/ou pior em uma sociedade, retratada sob a perspectiva de um artista e vislumbrada pelo olhar coletivo. Neste sentindo, comungo com o pensamento de Pereira, onde quando afirma que: 15 A arte cria sentidos para ler o cotidiano, apresenta maneiras de superar o comum e aprofundar-se nas idéias sobre o convívio social. Ela é uma possibilidade de criar sentidos ao já posto, de transcender a realidade, abrindo frestas para imaginação criadora. (2008 p.8-9). A arte tem muitas funções na sociedade, dentre elas a de integrar o homem a sua natureza, capacitá-lo a estruturar sua personalidade e a intervir na sua realidade, aumentando assim o seu horizonte e superando as limitações do conformismo. Para construir estes conceitos de arte no ambiente escolar é necessário pensá-la como um instrumento a favor da cultura, instrumento este fundamental não apenas dentro, como essencialmente fora da sala de aula. Comungando com Barbosa: Arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário e é conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano. (1991, p.4). 2.2 Arte e Educação 2.2.1 A arte na educação escolar: perspectivas históricas e contemporâneas Sabendo que um dos maiores objetivos da educação é favorecer o desenvolvimento intelectual e autônomo do sujeito, de forma a contribuir para o seu aperfeiçoamento e conseqüentemente crescimento pessoal, a arte pode se inserir – e insere-se – neste contexto com total eficácia, pois não visa um ensino- aprendizagem norteado por modelos prontos e fórmulas concretas que condicionam a intelectualidade do aluno e o bloqueio do seu imaginário criativo. Pelo contrário, o ensino-aprendizagem em Arte vislumbra mais do que conteúdos fragmentados, prevê essencialmente uma vivência integradora entre sujeito e sociedade, 16 auxiliando-o a compreender e modificar a sua realidade, bem como desenvolver a sua autonomia intelectual através destas competências. Vislumbrando a arte na educação sob um olhar sensível e “poético”, vale dizer que o contato com ela, seja em um espaço formal ou não, auxilia o educando a libertar as algemas de sua alma, da cadeia chamada por Cury (2007) de “cárcere da emoção”, aquela que aprisiona os sentimentos e emoções mais intensas. Nesta perspectiva, a vivência com a arte pode proporcionar a liberdade do sujeito, uma vez que esta é o alicerce para a imaginação expressiva e criadora. Mas, como o assunto deste tópico é a arte na educação escolar, seria limitado e incompatível com toda relevância circundante seguir apenas na perspectiva de ensino da arte como expressão e criatividade, já que estas não conseguem sozinhas exprimirem a significância desta área tão complexa. Tampouco seria adequado pensá-lo, contrapondo com a perspectiva anterior, em um ensino de arte como técnica meramente funcional e sem conexão com a realidade do educando. A verdade é que para pensar em ensino da arte, o ideal seria levar em conta todos os aspectos que contribuem para o desenvolvimento estético, sensível e também cognitivo do aluno. Para refletir sobre o ensino-aprendizagem de arte sob outras vertentes, sem valorizar apenas um ponto de vista, é importante rever algumas questões histórico-culturais relativas a sua prática desde o seu surgimento na educação formal, no sentido de tentar dar corpo ao entendimento da Arte como área de conhecimento, fruição e reflexão, sob uma concepção contemporânea, que vem sendo apontada em diferentes estudos como a orientação mais adequada para o desenvolvimento do ensino da arte na educação escolar. A trajetória, do ensino da arte (formal) que se inscreve no Brasil, segundo Barbosa (1990), é oriunda de 1816, com a criação da Academia de Belas Artes, trazida por dom João VI. A academia possuía um formato “elitizado”, uma vez que era formada por grandes nomes da arte da Europa, artistas e professores de orientação neoclássica, que introduziram um jeito diferente de ensinar arte daquele que vinha sendo aplicado nos espaços informais, voltados para o artesanato. Em contrapartida, o ensino era caracterizado pelos exercícios de reproduções de desenhos, uso de modelos vivos para cópia, enfim, exercícios que não agregavam o valor real da arte. 17 Desde então, a história do ensino da arte que vem sendo escrita é marcada por uma série de interferências sócio-culturais, artísticas, tendências pedagógicas e mobilizações de profissionais da área. Estas variantes têm moldado este ensino e motivado, no campo da Arte-Educação (epistemologia da arte), diferentes estudos e teorias, no intuito de justificar e renovar as concepções de ensino, prática e aprendizagem desta área. Considerando que o meu objetivo com esta pesquisa não é o de aprofundamento de questões teóricas sobre tendências e movimentos pedagógicos na educação, farei apenas alguns pequenos recortes históricos relativos ao ensino da arte no Brasil, que imagino serem relevantes para um entendimento mais abrangente das diferentes concepções que o circundam. Segundo Ferraz e Fusari: As práticas educativas surgem de mobilizações sociais, pedagógicas,filosóficas, e, no caso de arte, também artísticas e estéticas. Quando caracterizadas em seus diferentes momentos históricos, ajudam a compreender melhor a questão do processo educacional e sua relação com a própria vida. (1999, p.27). O fato é que, nas entrelinhas de algumas práticas metodológicas, didáticas e conceituais, ainda escondem-se tratamentos ultrapassados de ensino da arte oriundos de concepções enraizadas historicamente. Um exemplo é a pertinência do desenho-livre, da pintura de figuras mimeografadas ou xerocadas que até hoje aparecem em algumas práticas de professores desta área. Sobre as diferentes concepções de ensino da arte que se construíram ao longo de sua história, três delas foram essencialmente importantes e até hoje justificáveis em algumas práticas em sala de aula: a visão de arte como técnica, a visão de arte como expressão e a visão de arte como atividade1, respectivamente. A não obrigatoriedade do ensino da arte no currículo escolar, prevista pelas leis anteriores a LDB de 1996, levou os arte/educadores de todo país a mobilizarem-se e lutarem politicamente para que este ensino fosse inserido nas escolas. O intuito era que a arte fosse percebida como campo de conhecimento específico, com conteúdos, objetivos e métodos avaliativos próprios, não como mera atividade, até então compreendida pelas leis vigentes. 1 Maiores explicações sobre estas tendências podem ser obtidas nos estudos da autora Ana Mae Barbosa, mais precisamente nos livros Arte-Educação no Brasil: Realidade hoje e expectativas futuras (1990) e Tópicos utópicos (1998). 18 A luta dos arte/educadores vislumbrava além da obrigatoriedade do ensino da arte em todo território nacional, também pretendia conscientizar e organizar os profissionais do ensino formal desta área para discutir sobre novas tendências para o ensino desta no âmbito escolar. Foi então que, em 20 de dezembro de 1996, após a promulgação da nova LDB, nº 9.394, o ensino da arte passou a ser componente obrigatório em todos os níveis da educação básica, como forma de “promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.2 Em conseqüência da implementação desta Lei, o Ministério da Educação e Desporto (MEC), reformulou os Parâmetros Curriculares Nacionais. E em 1998, passa a entender que: [...] é característica desse novo marco curricular a reivindicação de identificar a área por Arte (e não mais por Educação Artística) e de incluí-la na estrutura curricular como área com conteúdos próprios ligados a cultura artísticas, e não apenas como atividade.(BRASIL,1998, p.30). Ainda segundo o mesmo documento: [...] a atual legislação educacional brasileira reconhece a importância da arte na formação e desenvolvimento de crianças e jovens incluindo-a como componente curricular obrigatório da educação básica. No ensino fundamental a Arte passa a vigorar como área de conhecimento e trabalho com as várias linguagens e visa á formação artística e estética dos alunos. A área de Arte, assim constituída, refere-se às linguagens artísticas, como as Artes Visuais, a Música, o teatro e a Dança. (p.19). A partir da trajetória brevemente explicitada, a arte chega aos dias atuais como uma área de conhecimento em permanente evolução, que vem sendo estudada por muitas vertentes teóricas, mas ainda abarcada por diferentes concepções de ensino, uma vez que estas não estão restritas aos períodos sócio- históricos, nem surgiram de forma isolada na prática educativa de alguns professores. Sabe-se que na abordagem metodológica de um mesmo professor é possível perceber a existência de diferentes concepções de arte, muitas até divergentes. O ensino da arte atualmente visa apresentar aos educandos diferentes possibilidades de aperfeiçoamento de saberes teóricos e práticos sobre arte, que 2 A referida Lei, no que se refere à Arte, teve seu inciso alterado em 13 julho de 2010, pela Lei n° 12.387 e acrescenta a antiga redação as “expressões regionais” relacionadas ao ensino da arte. 19 surgem durante a proposição das múltiplas linguagens artísticas (artes visuais, teatro, música, artes audiovisuais e a dança). Por meio destas linguagens a disciplina de Arte busca a aproximação do estudante com a sua própria natureza, considerando a sua identidade pessoal, sua história e sua cultura, fazendo com que ele compreenda como estes elementos podem se integrar na sociedade. Leitte (2008, apud MARTINS) observa que por meio das linguagens artísticas de determinados povos, culturas e épocas é possível conhecer muito sobre seus pensamentos e sentimento. Nesta perspectiva, entender, interpretar e atribuir sentido as linguagens se faz tão necessário, pois só se aprende a operar os seus códigos apropriando-se adequadamente deles. A autora ainda ressalta que: Da mesma maneira que na escola existe espaço destinado à alfabetização na linguagem das palavras e dos textos orais e escritos, é preciso haver espaço para a formação estética nas linguagens da arte e das mídias como forma de compreensão do mundo, das culturas e de si próprio. (2008, p.45). A disciplina de Arte, à luz das múltiplas linguagens, destaca-se nos dias como uma área de conhecimento amplo, que propicia aos alunos o contato com as especificidades do universo da arte e das suas diversas manifestações. As linguagens artísticas possuem formas particulares e diferenciadas de dar sentido ao mundo em concretude, o contato com elas faz com que os alunos criem e recriem conceitos, além de oportunizá-los uma vivência significativa de dimensão simbólica e estética. A educação estética é um dos fatores importantes para discutir a relevância do ensino da arte na contemporaneidade. Sobretudo porque é preciso atentar-se para as novas demandas sócio-culturais, cada vez mais diversificadas e cercadas por múltiplos apelos midiáticos. Considerando o crescente avanço das novas tecnologias e meios de comunicação, como da internet, fotografia, televisão, cinema, jornais, revistas, entre outras, uma nova realidade se instaura nas escolas. Deste modo, há a necessidade de práticas que dialoguem com esta nova realidade, a fim de aproximar o ensino-aprendizagem do cotidiano dos alunos. Neste sentido, é importante que a escola preocupe-se também com a educação do olhar do aluno, não apenas com a leitura e escrita das palavras. Nesta ótica, a disciplina de Arte pode proporcionar, através de suas múltiplas facetas, a busca da (re)construção e (re)significação do olhar sensível do 20 aluno, como um eixo de ligação entre a aprendizagem artística e a experiência estética, comungando com Buoro: Se a arte é produção sensível, se é relação de sensibilidade com a existência e com experiências humanas capaz de gerar um conhecimento de natureza diverso daquele que a ciência propõe, é na valorização dessa sensibilidade, na tentativa de desenvolvê-la no mundo e para o mundo desenvolvê-la, que poderemos contribuir de forma inegável com um projeto educacional no qual o ensino da arte desempenhe um papel preponderante e não apenas participe como coadjuvante. (2002, p.41). A pertinência das discussões sobre estética no ensino da arte, deve se fortificar no ensino médio, uma vez que nesta fase o aluno sente ainda mais forte a presença dos diferentes vetores influências da cultura visual e estética no seu dia a dia. Assim, urge a necessidade de conhecer este aluno e sua realidade sócio- cultural na atualidade, para que se possa compreender a maneira como ele interpreta e absorve as informações circunscritas em forma e conteúdo. 2.2.2 A Arte no Ensino Médio: do currículo às possibilidades de integração Para pensar em currículo no ensino médio, seja de Arte ou de qualquer outra disciplina do âmbito escolar, faz-senecessário primeiramente esclarecer algumas questões referentes ao conceito do termo “currículo” e fundamentalmente levantar, mesmo que de forma sucinta, as reformas curriculares no ensino médio a partir da Lei 9.394/96 e das DCNEM. A conceituação para o termo “currículo” é tida por muitos como um conjunto de conhecimentos e experiências de aprendizagem. No entanto, a atribuição feita pelo documento que orienta a educação pública estadual3, contempla este termo sob uma perspectiva mais contemporânea, fazendo vistas a uma nova abordagem, esclarecendo que no âmbito da educação: O currículo vai além das listagens de disciplinas da matriz curricular, do saber “atrás das grades”, envolvendo todas as atividades, conhecimentos e relações pedagógicas, sociais, organizacionais e administrativas vivenciadas na escola. O currículo numa perspectiva crítica, torna-se um 3 Orientações para a Educação Básica e Profissional da Rede Pública Estadual. 21 instrumento de construção e de reconstrução do conhecimento. (SANTA CATARINA, 2005, p.62). Ainda assim, cabe ressaltar que para que o currículo possa ser oferecido aos alunos, antes precisa passar por várias instâncias de elaboração. E é fora da escola que, com base nas prioridades estabelecidas para a política educacional, são elaboradas leis, diretrizes, orientações e indicações curriculares, que objetivam auxiliar as escolas na organização e construção do seu projeto político pedagógico. Neste sentido, sabe-se que a trajetória histórica do currículo escolar que se conhece é reflexo de muitas questões sociais e econômicas que marcaram uma determinada época – o que não se difere nos dias atuais, umas vez que o currículo na contemporaneidade também precisa dialogar com a realidade sócio-cultural. A partir desta perspectiva, vistas a atender a nova demanda contemporânea, reformas no currículo do ensino médio foram providenciadas, fundamentalmente à partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996. No que tange o currículo do ensino médio, esta Lei se contrapôs as antigas leis, que davam ênfase a preparação técnico/profissional do jovem (LDB nº 5692/71 e 7044/82). Nesta, por sua vez, estabelece no 26º artigo, que: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. A mesma lei ainda esclarece que o ensino médio deve representar “a consolidação e o aprimoramento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o progressimento de estudos.” (artigo 35, inciso I). Compreende-se que a partir de sua implementação houve uma nova concepção de ensino médio, preocupada em resgatar essencialmente a natureza cultural deste nível de ensino, articulando formação geral e científica para alcançar “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.” (Lei 9.394/96, artigo 35, inciso III). Em detrimento desta Lei e tendo em vista a nova realidade, com os avanços crescentes da tecnologia da década de 90, o MEC divulgou os Parâmetros 22 Curriculares do Ensino Médio (PCNEM), com o objetivo de difundir os princípios desta reforma. Para tanto, estabeleceu a divisão do conhecimento escolar em áreas, entendendo “os conhecimentos cada vez mais imbricados aos conhecedores, seja no campo técnico-científico, seja no âmbito do cotidiano da vida social.” (BRASIL, 2000a, p.18). Esta divisão foi instituída em: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. O documento parte do princípio que as disciplinas pertencentes a cada área destacada se comunicam em sua base conceitual, possibilitando nesta ótica uma perspectiva interdisciplinar. A disciplina de Arte, segundo o PCNEM pertence à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, assim como a Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Educação Física e Informática, sendo que ao compor esta área “a Arte é considerada particularmente pelos seus aspectos estéticos e comunicacionais.” (BRASIL, 2000a, p.48). Para o mesmo documento, a arte no ensino médio apresenta-se como um conhecimento significativo no processo de fortalecimento das vivências sensíveis e inventivas, adquiridas pelos alunos ao longo de sua história, que capacita-nos: [...] a humanizarem-se melhor como cidadãos inteligentes, sensíveis, estéticos, reflexivos, criativos e responsáveis, no coletivo, por melhores qualidades culturais na vida dos grupos e das cidades, com ética e respeito pela diversidade. (BRASIL, 2000a, p.50). Nesta mesma perspectiva, nos PCN+4, as autoras Maria Heloísa Corrêa de Toledo Ferraz e Rosa Iavelberg, ao falar da relevância da Arte, reforçam que: É papel do ensino médio levar os alunos a aperfeiçoarem seus conhecimentos, inclusive os estéticos, desenvolvidos nas etapas anteriores. Por isso, é importante frisar o valor da continuidade da aprendizagem em arte nessa etapa final da escolaridade básica, para que adolescentes, jovens e adultos possam apropriar-se, cada vez mais, de saberes relativos à produção artística e à apreciação estética. Com a vivência em arte e a extensão dos conhecimentos na disciplina, os estudantes terão condições de prosseguir interessados em arte após a conclusão de sua formação escolar básica. (BRASIL, 2002, p.179). 4 Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. 23 Para o documento intitulado Diretrizes 35, que contém a proposição de conceitos essenciais para serem apropriados pelos alunos em cada disciplina ao longo das séries e etapas da Educação Básica da Rede Pública de Santa Catarina, a Arte é geradora de conhecimento e possuiu campo teórico próprio nas representações visuais, musicais e midiáticas, que são abarcadas por signos, símbolos e códigos fundadores do pensamento artístico e da apreciação estética, fundamentais na construção de um “cidadão criativo, reflexivo, sensível, ‘ousado’.” (SANTA CATARINA, 2001, p.85). Para o mesmo documento, as linguagens da arte no ensino médio são formas de expressão e comunicação que interagem dinamicamente com as linguagens utilizadas em outras áreas do conhecimento, ampliando o repertório cognitivo, crítico, artístico e afetivo do aluno. A partir deste contexto, percebe-se que o ensino da arte, segundo as Diretrizes catarinenses, é pensado sob uma perspectiva de interação com as demais áreas do conhecimento. De modo que se aproxima dos pressupostos da abordagem interdisciplinar, bastante comum em outros documentos nacionais relacionados à educação, como a LDB, DCNEM, PCNEM, entre outros. Para estes, à Arte no ensino médio é percebida sob um olhar integrador, seja durante a interação com as próprias linguagens da arte, no diálogo com as outras disciplinas da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, ou até mesmo com na interface com as demais disciplinas curriculares. No entanto, os PCN+ esclarecem que esta articulação: [...] não significa a supressão de conteúdos específicos de artes visuais, dança, música, teatro e artes audiovisuais. Significa, sim, a busca de pontos de interseção e, por vezes, a ênfase na separação entre as áreas e disciplinas, de modo a garantir que à classificação dos conteúdos de ensino de cada disciplina corresponda também a possível articulação entre conteúdos de diferentes disciplinas [...] Existem, portanto, competências e habilidades específicas que dizem respeito ao conhecimentoda arte e outras, que podem ser comuns a várias disciplinas ou áreas de conhecimento ou a questões sociais da atualidade. (BRASIL, 2002, p.182). Embora os documentos citados mencionem a interdisciplinaridade no currículo do ensino médio, principalmente nas orientações pedagógicas para o encaminhamento de práticas significativas em Arte, a autora Edite Volpato, em seu 5 Caderno temático publicado pela Secretaria da Educação Pública de Santa Catarina em 2001. 24 texto: “Arte no Ensino Médio: Especificidades e Currículo” atenta para os problemas ainda pertinentes a todos os níveis educacionais “tanto com relação a estrutura curricular e a falta de interação disciplinar no ensino médio quanto especificamente entre a área das linguagens, em que está inserido o ensino da Arte.” (2005, p.80- 81). Para a autora faz-se necessário refletir sobre a dicotomia entre os documentos e as práticas docentes, uma vez que é perceptível a ausência de mudanças na organização dos sistemas educacionais. Em meio a essa realidade, torna-se necessário repensar a organização curricular fragmentada nas escolas, reavaliar as possibilidades de construção de um currículo que envolva a interação entre as disciplinas, vistas a superação do conhecimento fracionado. Além do mais, faz-se relevante que na construção do Projeto Político Pedagógico a escola leve em consideração os saberes e a cultura condizente com cada sua realidade: alunos, professores e de toda comunidade. Enfim, um currículo que dialogue com a realidade e que acompanhe as constantes transformações e mudanças da sociedade contemporânea. 25 3 ARTE E INTERDISCIPLINARIDADE No presente capítulo discorrei sobre a interdisciplinaridade sob um enfoque fundamentalmente pedagógico, considerando os estudos no campo da educação e vislumbrando-a como um movimento de articulação no processo de ensino- aprendizagem. Porém, cabe ressaltar que este enfoque não é único, nem tampouco prevê uma concepção estanque, tendo em vista que a interdisciplinaridade também é muito discutida em outros campos do conhecimento e abarcada por diversas perspectivas. 3.1 Interdisciplinaridade na Educação: breves discussões teóricas Para efeito de discussão sobre interdisciplinaridade, é importante primeiramente refletir sobre o termo que a designa. Deste modo, Fazenda (2008, p.18-19) esclarece: [...] A palavra interdisciplinaridade evoca a “disciplina” como um Sistema constituído ou por constituir, e a interdisciplinaridade sugere um conjunto de relações entre disciplinas abertas sempre a novas relações que se vai descobrindo. Interdisciplinar é toda interação existente dentre duas ou mais disciplinas no âmbito do conhecimento, dos métodos e da aprendizagem das mesmas. Interdisciplinaridade é o conjunto das interações existentes e possíveis entre as disciplinas nos âmbitos indicados. Lenoir (In: FAZENDA, 2001) aponta que as disciplinas são divididas em duas vertentes diferentes: as disciplinas escolares e as científicas. Portanto, faz-se necessário diferenciá-las para que um entendimento sobre a interdisciplinaridade na educação se construa de forma mais consciente. Para isso, o autor esclarece: [...] a interdisciplinaridade escolar trata das “matérias escolares”, não de disciplinas científicas. Mesmo se as matérias escolares tomam certos empréstimos às disciplinas científicas, não constituem cópias de maneira alguma, nem tampouco resultam de uma simples transposição de saberes eruditos. (p.47). 26 A interdisciplinaridade no campo educativo vem sendo discutida por vários autores, principalmente por aqueles que pesquisam as teorias curriculares e as epistemologias pedagógicas. Para estes, a interdisciplinaridade é uma forma de articulação no processo de ensino e de aprendizagem, vista como uma atitude (FAZENDA, 2002), um novo jeito de repensar a educação (MORIN, 2005), um pressuposto de organização curricular (JAPIASSU, 1976), um fundamento para as opções metodológicas do ensinar (GADOTTI, 2004) e ainda, um elemento orientador na formação de profissionais da educação (PIMENTA, 2002). De modo geral, embora não exista uma definição concreta para o tema – já que o mesmo permanece em constante construção – é perceptível nos estudos de muitos teóricos um consenso quanto a finalidade da interdisciplinaridade na educação, onde concordam tratar-se de uma busca pela desfragmentação dos processos de produção e socialização do conhecimento. Em uma perspectiva contemporânea, a interdisciplinaridade pode ser entendida como um movimento de interação no processo de ensino e aprendizagem, que visa romper com a postura curricular cartesiana e mecanicista adotada e até então enraizada nas escolas de ensino formal e superior. O objetivo é a reestruturação das práticas pedagógicas atuais, através de uma educação mais integradora, dialética e totalizadora. Popularmente concebida como interação de disciplinas ou áreas do saber, a interdisciplinaridade muitas vezes se confunde com outras abordagens que também lidam com a questão da disciplinaridade na educação, denominadas: multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdiciplinaridade. De modo geral, o que as difere é justamente o nível de interação que estabelecem com as disciplinas. Inicialmente, o termo multidisciplinaridade, segundo Japiassu (1976), se caracteriza por ser uma ação simultânea de uma gama de disciplinas em torno de uma temática comum. Na abordagem multidisciplinar são realizados trabalhos com muitas disciplinas, no entanto não há uma integração real entre elas, já que não conseguem romper com as fronteiras entre as áreas do conhecimento (RICHTER, In: BARBOSA, 2003), pois ainda preservam características fragmentadas, sem que haja nenhum tipo de cooperação entre as disciplinas, cada professor desenvolve a sua prática à sua maneira habitual, sem parcerias. A multidisciplinaridade, muitas vezes é vista como sinônimo da pluridisciplinaridade, porém alguns autores, como Japiassú (1976), ressaltam que 27 ambas diferenciam-se fundamentalmente no grau de integração e cooperação que estabelecem entre as disciplinas. Embora também sustentem as fronteiras disciplinares, as abordagens pluridisciplinares, ao contrário das multidisciplinares, reconhecem a existência de alguma cooperação e ênfase na relação entre os conhecimentos. Por último, a transdisciplinaridade, é compreendida como uma espécie de coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas e que busca, segundo Richter, “um movimento de través, de perpasse entre as diferentes áreas do conhecimento.” (In: Barbosa, 2003, p.86). Em uma abordagem transdisciplinar há o uso de noções, métodos, competências e abordagens próprios de uma disciplina dentro da estrutura de uma outra, sob um novo contexto. Nesse caso, existem alguns assuntos, temáticas ou conceitos que usualmente são utilizados nesta perspectiva, chamados temas transversais.6 É importante ressaltar que os conhecimentos disciplinares são fundamentais para as práticas multidisciplinares, pluridisciplinares, interdisciplinares e até transdisciplinares. Deste modo, não faz sentido desprezar esses conhecimentos, mas sim é importante avançar na direção de ações que permitam articulá-los, gerando compreensões em patamares mais elevados. No caso da interdisciplinaridade, em especial, Gadotti (2004), ressalta que a mesma propõe a construção de um conhecimento ainda mais abrangente, que ultrapasse as fronteiras das disciplinas, mas sem desconsiderá-las. Nesta perspectiva, para superar as limitações da disciplinaridade, transgredindo-as para a interdisciplinaridade, conclui-se que apenas integrar conteúdos não é suficiente. Deste modo, Josgrilbert sustenta que: [...]a integração deve ocorrer como produto de uma aprendizagem completa, mais com pessoas do que com conteúdos, como um processo interno de compreensão do que ocorre no aprendiz, como uma abertura para novas possibilidades. (In: FAZENDA, 2002, p. 85). A partir da fala da autora, fica claro que para que a integração aconteça de fato, é essencial o comprometimento das pessoas envolvidas neste trabalho. No 6 Temas transversais são um conjunto de conteúdos educativos e eixos condutores da atividade escolar que, não estando ligados a nenhuma matéria particular, pode se considerar que são comuns a todas, de forma que, mais do que criar novas disciplinas, acha-se conveniente que seu tratamento seja transversal num currículo global da escola. (YUS, 1998, p. 17) 28 entanto, Luck (2001) ressalta que como toda ação a que não se está habituado, trabalhar nesta perspectiva envolve uma sobrecarga de trabalho e isso gera insegurança diante do novo, para os professores “é certamente um grande desafio.” (p. 68). Em uma abordagem interdisciplinar é necessário, antes de tudo, a existência de iniciativas por parte dos educadores, do que Ivani Fazenda chama de mudança de atitude, onde “a atitude do professor é de um mediador momentâneo, colocando em prática as condições didáticas favoráveis às orientações de integração.” (2001, p.54). O professor precisa desenvolver-se como um profissional de visão integradora da realidade, que compreenda que por mais profundo que seja o seu entendimento em sua área de formação, isso não é o suficiente para dar conta de todo o processo de ensino. Para isso, ele precisa apropriar-se também das múltiplas relações conceituais que sua área de formação estabelece com as outras disciplinas e ter o entendimento que com essa atitude o conhecimento da disciplina que leciona não deixará de ter seu caráter de especialidade, sobretudo quando profundo, sistemático, analítico, meticulosamente reconstruído; todavia, ao educador caberá o papel de reconstruí-lo dialeticamente na relação com seus alunos por meio de métodos e processos verdadeiramente produtivos. A temática da interdisciplinaridade, por mais que apareça nos discursos das universidades e escolas durante a elaboração dos planos de ensino ou nas discussões sobre PPP, ainda assim continua a representar um desafio para a superação do referencial dicotomizador e parcelado da construção e socialização do conhecimento. 3.2 O ensino da arte e a Interdisciplinaridade Por sua natureza reflexiva diante da questão do conhecimento, que propõe diferentes formas de ler o cotidiano, pode-se dizer que a arte caminha na interdisciplinaridade. Ambas estão intimamente ligadas, uma vez que a arte auxilia na integração do homem com o seu universo. 29 Analisando esta relação (arte e interdisciplinaridade) no âmbito escolar, percebe-se que a disciplina de Arte pode ser muito significativa no processo de desvelamento das fronteiras entre as áreas do conhecimento. O espaço da arte-educação é essencial à educação numa dimensão muito ampla, em todos os seus níveis e formas de ensino. Não é um campo de atividades, conteúdos e pesquisa de pouco significado. Muito menos está voltado apenas para atividades artísticas. É um território que pede presença de muitos, tem sentido profundo, desempenha papel integrador e plural e interdisciplinar no processo formal da educação. Sob esse ponto de vista, a arte-educação poderia exercer um papel de agente transformador na escola e na sociedade. (FUSARI e FERRAZ, 1993, apud VARELA, p.221). Neste contexto, a Arte é uma disciplina altamente complexa e amplamente integradora para limitar-se a abordagens fechadas. Deste modo, é importante que o arte/educador mantenha uma postura interdisciplinar no ato de ensinar, mesmo convivendo com a realidade do currículo fragmentado. Se o professor não assumir a interdisciplinaridade como primordial para um trabalho de qualidade, obviamente não conseguirá validá-lo na sua prática docente, deixando uma lacuna entre a teoria e a prática, entre o contextualizar e o fazer. Trabalhar interdisciplinarmente requer esforço e mudança de atitudes. Para isso é necessário um trabalho de parcerias e nesta ótica Ferreira (2001), refere-se a interdisciplinaridade como uma sinfonia, com seus instrumentos, público e maestros, sugerindo que para sua execução, além da integração entre todos os elementos, é preciso harmonia entre eles, para que assim se construa o entendimento do público. Seguindo a perspectiva da autora e traduzindo-a para uma linguagem prática, dentro do contexto escolar, seria como dizer que o professor é o maestro desta sinfonia, aquele que constrói a rede de disciplinas necessárias para a execução do trabalho interdisciplinar. Para Barbosa (2003) o professor de Arte tem papel importante neste contexto, mas ressalta que o professor desta disciplina precisa atentar-se ao fato de que não se faz interdisciplinaridade usando as habilidades do professor de Arte em festividades, ilustrando textos de outras disciplinas, ou ensinando formas matemáticas via origami, pois “Arte tem conteúdo, assim como todas as outras disciplinas, e esse conteúdo deve ser respeitado e estimulado tanto quanto os outros.” (In: Barbosa, p.109-110). 30 Neste sentido, uma aborbagem contextualizada entre a Arte e as outras as áreas do conhecimento pode ser bastante significativa se bem elaborada, pois sabe-se que “não se trata de tomar as outras disciplinas e integrá-las às artes, nem colocar a Arte a serviço das outras disciplinas” (Richter, 2003, p.86), mas sim de integrá-las em movimento de transgreção dos moldes fragmentados da educação atual. Os documentos oficiais da educação nacional a algum tempo vem demonstrando interesse pelo inter-relacionamento das áreas do conhecimento (multiculturalidade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade), principalmente no que se refere ao ensino médio. Portanto, faz-se necessário conhecer melhor o que dizem esses documentos, para então analisar a relação existente entre eles e as práticas pedagógicas, e por fim refletir sobre as possibilidades de abordagens integradas e interdisciplinares dentro do contexto real da educação atual. 3.3 A Interdisciplinaridade no Ensino Médio: o que dizem a LDB, os PCNEM, DCNEM, PCN+ e a Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina (PCSC) Um dos documentos oficiais da educação, que visa nortear as práticas pedagógicas no âmbito escolar, em todos os níveis da educação formal, são os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Porém, para se pensar em um currículo que atendesse as necessidades especificas de cada nível de ensino, o Ministério da Educação (MEC) subdividiu-os em PCN Ensino Fundamental I (1ª a 4ª), PCN Ensino Fundamental II (5ª a 8ª) e por último os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (PCNEM). Os PCNEM foram elaborados com o objetivo de apresentar aos professores do Ensino Médio, de todo o país, uma proposta de currículo que permita a concretização dos ideais de educação e dos princípios pedagógicos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, nº 9.394/96) e das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Estes parâmetros “cumprem o duplo papel de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor, na busca de novas abordagens e metodologias” (BRASIL, 2000b, p. 5), tendo como 31 princípios básicos de fundamentação a Interdisciplinaridade e a Contextualização do conhecimento, com objetivo de “dar significado ao conhecimento escolar, mediante a contextualização; evitar a compartimentalização, mediante a interdisciplinaridade; e incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender” (Idem, p. 5). Os PCNEM propõem a organização curricular dasdisciplinas em três áreas do conhecimento, conforme já mencionado no primeiro capítulo desta pesquisa. O documento salienta que tais áreas possuem bases comuns e compartilham objetos de estudo, deste modo “mais facilmente se comunicam, criando condições para que a prática escolar se desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade.” (BRASIL, 2000b, p. 20). A organização curricular proposta pelo PCNEM representa uma tentativa de partilha, de comunhão e conseqüentemente, indicam para a interdisciplinaridade nas práticas pedagógicas. Neste sentido, refere-se a ela como sendo: [...] um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários. (BRASIL, 2000a, p. 88 e 89, grifo do autor). Em certos trechos dos PCNEM, é possível encontrar outros indicativos para a interdisciplinaridade, como por exemplo: [...] a interdisciplinaridade deve ser compreendida a partir de uma abordagem relacional, em que se propõe que, por meio da prática escolar, sejam estabelecidas interconexões e passagens entre os conhecimentos através de relações de complementaridade, convergência ou divergência. (BRASIL, 2000a, p. 36). Uma vez que: A interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição e, ao mesmo tempo, evitar a diluição em generalidades. De fato, será na possibilidade de relacionar as disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisa e ação, que a interdisciplinaridade poderá ser uma prática pedagógica e didática adequada aos objetivos do ensino médio. (BRASIL, 2000a, p. 88). Como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de Nº 9.394/96 em seus artigos 26º, 35º e 36º, mudanças na concepção de ensino médio foram 32 estabelecidas. Para tanto, a Resolução da Câmara de Educação Básica (CEB), nº 3, de 26 de junho de1998 institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Tal resolução adotou três princípios pedagógicos como estruturadores do Ensino Médio, conforme o artigo 6°, são os chamados princípios da Diversidade e Autonomia, da Interdisciplinaridade e da Contextualização (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1998). Sobre a observância da interdisciplinaridade na escola, o artigo 8º, destas DCNEM, é inteiramente dedicado ao assunto e traz algumas orientações sobre o seu fundamento, em seis incisos. Dentre eles, trago como destaque o primeiro: I - A Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do princípio de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1998, p. 21). Posterior aos PCNEM e as DCNEM, o MEC publicou uma série de três livros intitulados PCN+: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, dedicados a cada área do conhecimento. Obviamente este documento preserva a mesma concepção predominante de interdisciplinaridade já mencionada no PCNEM. Porém, por se tratar de um documento complementar, oferece subsídios adicionais para a ampliação do olhar a cerca do assunto. Neste sentido, os PCN+ trazem em seu corpus um tópico dedicado a interdisciplinaridade, no livro que anuncia a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. O documento acrescenta algumas contribuições ainda não referenciadas nos PCNEM, como as dos autores Santomé e Pereira. No que se refere a integração curricular o primeiro autor salienta: A complexidade do mundo e da cultura atual obriga a desentranhar os problemas com múltiplas ferramentas, tantas quantas são as fornecidas pelas áreas do conhecimento; sem isso, os resultados seriam facilmente afetados pelas deformações impostas pelas perspectivas de que lançamos mão, como sujeitos. Deve-se sempre estimular o aluno a recorrer a outras disciplinas para compreender melhor aquela que está estudando em determinado momento.(BRASIL, 2002,p.29). 33 Já o outro autor mencionado, esclarece a relação entre a interdisciplinaridade e as disciplinas: [...] não se pode falar em interdisciplinaridade sem disciplinas, assim como não há internacional sem nações. Ela não se confunde com polivalência e, portanto, não anula o conhecimento específico nem o papel de cada profissional. Ao se organizar o currículo do novo ensino médio em áreas, não se está dizendo que o futuro professor será um gênio que domine todos os conhecimentos de uma área. Está-se dizendo que ele deverá entender a relação de sua disciplina com as da mesma área e com todo o currículo. (BRASIL, 2002, p.29-30). Percebe-se que por meio destes referencias, o novo documento (PCN+) busca atribuir uma concepção mais específica e mais clara para interdisciplinaridade – não tão genérica como traz o PCNEM – demonstrando um comprometimento ainda maior com a abordagem interdisciplinar como alternativa para o desenvolvimento das competências e habilidades comuns nos alunos. Não obstante aos documentos do MEC, estão as publicações da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina. A Proposta Curricular do Estado de 1991 já apontava para a interdisciplinaridade como uma forma de atingir a totalidade do conhecimento: [...] concebemos interdisciplinaridade como uma postura político-pedagógica e não como uma justaposição ou apenas afinidade entre os conteúdos a serem trabalhados, capazes de produzir a síntese da totalidade do conhecimento [...] Trabalho voltado para a mudança de concepção e práticas, ou seja, uma forma de conceber o homem historicamente situado na sociedade e no seu trabalho. (SANTA CATARINA, 1991, p.73). Já com a atual Proposta Curricular de Santa Catarina, de 1998, poucas contribuições são encontradas sobre o assunto. São evidenciados em alguns momentos apenas indicações de falas que giram em torno do termo integração, ao invés de interdisciplinaridade, tratando do tema de forma bastante abrangente, sem a mesma precisão da Proposta de 1991. Em uma breve análise nos documentos estaduais para a educação, é possível observar que tanto na PCSC quanto nas diretrizes, há uma escassez de material sobre a interdisciplinaridade, onde nas poucas vezes que aparece mostra- se de forma complexa, confundindo muitas vezes o entendimento sobre o sentido da interdisciplinaridade na educação. Este fato muitas vezes pode justificar a pouca 34 incidência de práticas comprometidas com ela nas escolas, principalmente em se tratando de escolas estaduais – uma vez que os documentos mais utilizados para nortear a construção dos planejamentos e do PPP são justamente os elaborados pela Secretaria da Educação de Santa Catarina. No entanto, ainda que seja perceptível a fragilidade do quadro teórico para fundamentar a prática da interdisciplinaridade presente na PCSC/98, o professor de ensino médio pode contar com outros recursos para se aprofundar do tema, como os PCNEM, PCN+, DCNEM e as literaturas específicas sobre ele. Parte-se do princípio que o trabalho interdisciplinar pressupõe não apenas que o aluno sozinho consiga estabelecer relações entre os objetos de estudo, mas também que o professor seja agente deste processo, com a atitude de procurar parcerias disciplinares, construir as pontes de ligação e estabelecer o trânsito entre as disciplinas, ou áreas do conhecimento. Neste sentido, torna-se de fundamental importância o envolvimento do sujeito-professor, não somente no que se refere a interdisciplinaridade, como em todo processo de ensino e aprendizagem. Em vista disso, algumas questões precisam ser repensadas, como por exemplo,a importância do professor pesquisador, do planejamento escolar contextualizado e da formação continuada do profissional da educação. Estas questões devem ser refletidas de forma conjunta e complementar, tendo em vista que um professor pesquisador, comprometido com seu aprimoramento profissional e com o seu processo contínuo de formação, consegue mais facilmente construir propostas de ensino pautadas na formação e constituição cultural dos sujeitos dialogando de forma direta com as necessidades e expectativas da sociedade contemporânea. 35 4 PLANEJAMENTO EDUCACIONAL, ENSINO DA ARTE E FORMAÇÃO DE PROFESSORES No presente capítulo teço discussões sobre diferentes olhares a cerca do planejamento na educação, trazendo um breve recorte do planejamento especificamente na disciplina de Arte, contemplando suas especificidades e a importância que incide sobre este planejamento, no sentido de estabelecer caminhos possíveis para nortear a execução da ação pedagógica. As reflexões deste capítulo vêm ao encontro dos projetos interdisciplinares, já mencionados nos capítulos anteriores, uma vez que sugerem um planejamento integrado que contemple as parcerias entre professores, escola e conseqüentemente entre as áreas do conhecimento. Ainda no mesmo capítulo pontuo a relevância do processo de formação continuada de professores, uma vez que a ausência deste muitas vezes tem configurado práticas docentes em moldes tradicionalistas, desconectados com as contínuas mudanças e transformações que configuram o contexto político, social e cultural da educação contemporânea. 4.1 O planejamento escolar na educação: um processo contínuo e globalizante O ato de planejar está presente na vida diária do homem. Sempre que este busca determinados objetivos e os relaciona com os meios necessários para poder alcançá-los. No entanto, existem vários tipos de planejamento, que acontecem em níveis de complexidade distintos e que conforme aponta Gandin (2001, p. 83) tentar enumerar todos aqueles necessários para as atividades humanas é uma tarefa quase impossível, justificando que: [...] sendo a pessoa humana condenada por sua racionalidade a realizar algum tipo de planejamento, está sempre ensaiando processos de transformar suas ideias em realidade. Embora não o faça de maneira consciente e eficaz, a pessoa humana possui uma estrutura básica que a 36 leva a divisar o futuro, a analisar a realidade a propor ações e atitudes para transformá-las. Assim sendo, vale pontuar apenas os tipos de planejamentos relativos à educação, já que estes são os que de fato acrescentarão a esta pesquisa. Neste sentido, o planejamento pode ser entendido como uma atividade inerente a educação, já que esta tem como características básicas além de evitar a improvisação, projetar o futuro, estabelecendo diretrizes que estejam de acordo com a execução da ação educativa, promovendo o acompanhamento e a avaliação da própria ação – uma vez que planejar e avaliar precisam andar de mãos dadas. O planejamento na educação escolar, segundo Sant`Anna (1995): É um processo contínuo que se preocupa com o 'para onde ir' e 'quais as maneiras adequadas para chegar lá', tendo em vista a situação presente e possibilidades futuras, para que o desenvolvimento da educação atenda tanto as necessidades da sociedade, quanto as do indivíduo. (p.14). Sobre as ramificações deste planejamento Baffi (2002) explicita algumas que merecem destaque, que são o Planejamento Escolar, o Planejamento de Ensino e o Planejamento Curricular. Embora similares todos possuem as suas próprias particularidades. Planejamento Curricular é o "processo de tomada de decisões sobre a dinâmica da ação escolar. É previsão sistemática e ordenada de toda a vida escolar do aluno." (VASCONCELLOS, 1995, p. 56). Deste modo, constitui como um instrumento orientador da ação educativa na escola, pois a preocupação é com a proposta geral das experiências de aprendizagem que a escola deve oferecer ao estudante, através dos diversos componentes curriculares. Já o Planejamento Escolar é o planejamento global da instituição de ensino, que envolve o processo de reflexão, de tomada de decisões sobre a organização, o funcionamento e o Projeto Político Pedagógico (PPP)7 da escola. "É um processo de racionalização, organização e coordenação da ação docente, 7 Segundo Vasconcellos (1995 p.143) o PPP é um instrumento teórico-metodológico que visa ajudar a enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, consciente, sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. É uma metodologia de trabalho que possibilita re-significar a ação de todos os agentes da instituição (p.143). 37 articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social." (LIBÂNEO, 2001, p. 221). Por último tem-se o Planejamento de Ensino, que supõe um movimento de decisão sobre atuação concreta dos professores, no cotidiano de seu trabalho pedagógico, envolvendo as ações e situações, em constante interação entre professor e alunos (PADILHA, 2001). Deste modo, este planejamento propõe que o professor atente para as necessidades do aluno e da comunidade e atue de forma condizente nesta realidade. Neste pressuposto, é possível refletir sobre este tipo de planejamento, pensando primeiramente na relevância plano de ensino enquanto documento/registro que operacionaliza toda a ação de planejamento do professor, tal que estabelece métodos, objetivos e pontos a serem explorados em sala de aula nas aulas por este ministradas. Vale destacar a importância indiscutível do educador na construção desse planejamento, lembrando que “todo planejamento possui teoria, da mesma forma que a técnica, a teoria não é neutra, porque há um objetivo a alcançar e uma realidade a transformar”. (DALMAS, 2001, p.25). Em uma perspectiva interdisciplinar, a parceria dos professores na elaboração dos planejamentos supõe um trabalho em sintonia, em comunhão com o processo global do conhecimento, supondo diálogo e possíveis intercâmbios de vivências essenciais para solução de entraves encontrados na educação dos dias atuais, com vistas a mudanças reais na qualidade do ensino-aprendizagem. Embora esta pesquisa esteja se construindo travando diálogos constantes entre a área de Arte e sua relação com as demais disciplinas do currículo, propondo nesta ótica uma visão totalizadora do conhecimento na educação escolar, vale referenciar, a critério de discussão e reflexão, alguns pressupostos metodológicos da educação escolar em arte, alinhavando suas especificidades durante o planejamento do professor, seja por meio de planos e projetos individuais ou coletivos. 38 4.2 O planejamento em Arte: construir para desconstruir A trajetória do ensino da arte no Brasil, mencionada no segundo capítulo desta pesquisa, deixa evidente a luta dos arte/educadores pela conquista e posteriormente sustentação da arte no currículo escolar até os dias atuais, prevista pela LDB 9.392/96. No entanto, mais importante do que apoiar-se em uma lei que configure a obrigatoriedade deste ensino, é imprescindível refletir sobre o embasamento teórico-metodológico utilizado pelo professor para o encaminhamento de sua prática em sala de aula, de modo que esta faça valer a relevância do ensino da arte prevista no ambiente escolar. Deste modo, para que o ensino da arte se faça significativo e atenda as necessidades culturais e artísticas da contemporaneidade, contribuindo para a formação de cidadãos reflexivos, críticos, conhecedores e fruidores da arte, é preciso que o professor organize suas propostas de forma que a arte de fato apareça em suas propostas e se mostre relevante na vida dos educandos (FERRAZ eFUSARI, 1994). Vale ressaltar que não existem receitas prontas para prática do professor – nem podem existir –, porém existem alguns subsídios, conteúdos, métodos de ensino-aprendizagem e avaliação, bem como outras variantes, que precisam ser levadas em consideração pelo professor/propositor. Neste sentido, as autoras Ferraz e Fusari, no livro “Metodologia do Ensino da Arte” (1994) traçam uma síntese dos principais componentes curriculares que se articulam durante o planejamento educativo das aulas de arte, que auxiliam a pensar sobre os compromissos, perspectivas e posicionamentos assumidos pelo professor durante a elaboração e prática docente. Para as autoras, este processo deve considerar: o professor de arte como sujeito responsável pelo processo prático e teórico da educação (aquele que propõe e media); os objetivos educacionais em arte, os conteúdos de arte, os métodos de ensino e aprendizagem, os meios de comunicação em arte e os alunos enquanto sujeitos que são: [...] co-responsáveis pelo processo de educação escolar em arte; incorporam uma história individual e social de produção artística e de entendimento estético nas várias modalidades de arte; apresentam 39 potencialidades, objetivos e necessidades para diversificar e melhorar – avaliar e ser avaliados – em seu “fazer e entender” sensível-cognitivo em arte. (p.103). Comungando com as autoras, o professor precisa desenvolver e encaminhar seu planejamento centrado no aluno, levando em conta as necessidades do mesmo, refletindo sobre as finalidades a serem alcançadas. Para tanto, carece que este profissional trace um caminho educativo, que contemple os conteúdos e assuntos referentes às modalidades artísticas (música, artes visuais, artes audiovisuais, teatro, dança e música) e que o faça através de diferentes recursos didáticos. Simultaneamente, torna-se preciso que o educador se habitue a registrar e anotar todo esse processo, uma vez que o registro é uma forma de auxiliá-lo a “acompanhar, analisar, pesquisar, avaliar, aperfeiçoar o seu trabalho docente e até discutir e partilhar com os colegas de profissão” (FERRAZ E FUSARI, 1994, p.101). A medida que as discussões sobre a relevância do planejamento educativo significativo, responsável e comprometido com a qualidade da ensino- aprendizagem vão criando forma, também vão se evidenciando questões sobre a necessidade indispensável de um educador criativo, pesquisador, atualizado, informado e informatizado, compondo e atuando neste processo. Tendo em vista esta precisão, a doutora em Arte-Educação, Rosa Iavelberg8, acrescenta que apenas estando muito alimentado pela atualização permanente é que o professor consegue aproximar-se mais e melhor do universo da arte. Portanto, para contribuir com a formação artística e estética do aluno, como uma das finalidades da arte na educação escolar, é essencial que o aperfeiçoamento do profissional seja uma constante no cotidiano do arte/educador e que este construa seus planejamentos propondo a desconstrução de encaminhamentos pedagógicos ultrapassados e desconectados com a nova realidade sócio-cultural. 8 Paráfrase da citação da autora para uma revista, extraída do site: <http://www.projetopresente.com.br/revista/rev6_ensino_arte.pdf>. 40 4.3 Formação continuada: conceitos e relevância Nos dias de hoje, as discussões sobre a necessidade de atualização e (re)significação profissional é uma crescente nos discursos de profissionais de todas as áreas. Isso porque as necessidades impostas pelas mudanças de paradigmas da nova sociedade, sob o reflexo dos avanços tecnológicos e culturais, das novas descobertas científicas e da evolução dos meios de comunicação, exigem profissionais cada vez mais qualificados para o mercado de trabalho, considerando que nos dias atuais, não faz mais sentido o profissional pensar que, ao terminar sua formação escolar ou acadêmica, estará totalmente “pronto” para atuar em sua profissão, sem carecer de conhecimentos póstumos. No caso específico do profissional da educação, a preocupação com a auto-formação e atualização devem ser ainda mais significativas, uma vez que “na sociedade contemporânea, cada vez se torna mais necessário o seu trabalho como mediação nos processos constitutivos da cidadania dos alunos.” (PIMENTA, 2002, p.161). Nesta perspectiva, faz-se urgente repensar a formação contínua do profissional da educação, em especial, a do professor, pois comungando com Demo (2004): Mais do que outras profissões, esta precisa de reconstrução completa, dentro da máxima: ser profissional hoje é, em primeiro lugar, saber renovar, reconstruir, refazer a profissão. Isso não denigre o desafio do domínio de conteúdos, mas, como esses se desatualizam no tempo, é fundamental renová-los constantemente (p.11). Para o mesmo autor, não basta o professor transmitir o conhecimento, é fundamental que ele saiba reconstruir o conhecimento transmitido com autonomia, tendo em vista que o seu desafio não é o de dar aula, mas sim o de cuidar da aprendizagem do aluno. A fim de traçar uma linha de raciocínio a cerca do conceito de formação continuada de professores – também chamada de formação contínua –, contemplo os autores Furasi e Franco (2005) onde esclarecem que: 41 [...] a formação contínua vem sendo compreendida como aquela que ocorre após a formação inicial (magistério em nível superior, licenciatura, bacharelado), a partir do ingresso do sujeito na carreira do magistério. Dito de outra forma, tudo aquilo que ocorreu antes do ingresso no trabalho entra na categoria da formação inicial e o que ocorre depois, na categoria de formação contínua. Seria como se tivéssemos dois tempos distintos no processo de formação: um tempo anterior e outro posterior. (p.18). Deste modo, a formação continuada de professores supõe humildade, requerendo destes profissionais a sabedoria de aceitarem-se enquanto eternos aprendizes, na qualidade de sujeitos que fazem da educação a sua profissão. Obviamente, a questão da formação continuada depende de muitos fatores, sociais, políticos, culturais e até econômicos, que não valem aqui serem aprofundados. Cabe apenas a tarefa de deixar frestas para possíveis reflexões sobre educação, qualificação, profissionalização e por que não dizer, enriquecimento pessoal do professor. Almeida (2005) propõe algumas, das muitas, possibilidades de ações de formação continuada, destacando algumas, como a formação contínua realizada pelas universidades; a formação contínua realizada pelas Secretarias da Educação, ONGS, Sindicatos; as realizadas em modelos de educação à distância; a formação cultural e artística realizada em museus, cinemas, teatros, entre outros e a formação contínua realizada nas escolas. Esta última, possui uma importância bem desenhada, pois é no interior da escola que o professor aperfeiçoa sua prática, aprende na mesma amplitude que ensina, tanto na relação professor-aluno como também na relação entre professor e colegas de profissão. Nesta perspectiva, estudos sobre formação de professores Freire (2001) chama a atenção para a formação contínua realizada na escola, sugerindo uma formação reflexiva, que propõe o abandono dos conceitos de formação docente como processos de atualização que se dão através da aquisição de informações científicas, didáticas e psicopedagógicas, descontextualizadas da prática educativa do professor, para adotar um conceito de formação que consiste em construir conhecimentos e teorias sobre a prática docente, a partir da reflexão crítica. No que tange a formação continuada realizada em museus e centros culturais, os olhares automaticamente se cruzam para a importância e presença do professor de Arte nestes espaços. O que vale reforçar, pois
Compartilhar