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1 DIREITO CIVIL IV Professora: Ellen Camila Remedi Pontual UNIDADE 2 POSSE Da posse (Art. 1.196 a 1.224 do CC) Conceito: Segundo Flávio Tartuce: “A posse é um direito de natureza especial, o que pode ser retirado da teoria tridimensional do Direito, de Miguel Reale. Isso porque a posse é o domínio fático que a pessoa exerce sobre a coisa. Ora, se o Direito é fato, valor e norma, logicamente a posse é um componente jurídico, ou seja, um direito”. Vale dizer que há entendimento doutrinário pelo qual a posse constitui um direito real propriamente dito, como desdobramento natural da propriedade, caso de Maria Helena Diniz. Pois bem, 02 (duas) grandes escolas ou correntes clássicas procuraram justificar a posse como categoria jurídica. Vejamos: 1ª) Teoria subjetiva ou subjetivista – Seu principal idealizador foi Friedrich Carl von Savigny, entendendo a posse como o poder direto que a pessoa tem de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo contra a intervenção ou agressão de quem quer que seja. A posse, para essa teoria, possui dois elementos: a) o corpus – elemento material ou objetivo da posse, constituído pelo poder físico ou de disponibilidade sobre a coisa; b) animus domini, elemento subjetivo, caracterizado pela intenção de ter a coisa para si, de exercer sobre ela o direito de propriedade. Diante do segundo elemento, para essa teoria, o locatário, o comodatário, o depositário, entre outros, não são possuidores, pois não há qualquer intenção de 2 tornarem-se proprietários. Em regra, essa teoria não foi adotada pelo CC/2002 até porque as pessoas elencadas por último são consideradas possuidores. A teoria subjetiva da posse somente ganha relevância na usucapião, como se verá adiante. 2ª) Teoria objetiva ou objetivista – Teve como principal expoente Rudolf von Ihering, sendo certo que para a constituição da posse basta que a pessoa disponha fisicamente da coisa, ou que tenha a mera possibilidade de exercer esse contato. Esta corrente dispensa a intenção de ser dono, tendo a posse apenas um elemento, o corpus, como elemento material e único fator visível e suscetível de comprovação. O corpus é formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa, agindo este com o intuito de explorá-la economicamente. Para esta teoria, dentro do conceito de corpus está uma intenção, não o animus de ser proprietário, mas de explorar a coisa com fins econômicos. Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Entre as duas teorias, é forçoso concluir que o CC/2002, a exemplo do seu antecessor, adotou parcialmente a teoria objetivista de Ihering, pelo que consta do seu Art. 1.196. Em suma, basta o exercício de um dos atributos do domínio para que a pessoa seja considerada possuidora. Ilustrando, o locatário, o usufrutuário, o depositário e o comodatário são possuidores, podendo fazer uso das ações possessórias. Pela atual codificação privada, pode-se dizer que todo proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário. Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. 3 Percebe-se que pelo conceito objetivo adotado pelo comando legal a posse pode ser desdobrada: a) Direita b) Indireta Em suma, não há necessariamente domínio material na posse, podendo essa decorrer de mero exercício de direito. Exemplo: no caso de contrato de locação, as duas partes envolvidas são possuidoras. O locatário é possuidor direto, tendo a coisa consigo; o locador proprietário é possuidor indireto, pelos direitos que decorrem do domínio. Classificação quanto à relação pessoa-coisa ou quanto ao desdobramento da posse (Art. 1.197 do CC) a) Posse direta ou imediata – aquela que é exercida por quem tem a coisa materialmente, havendo um poder físico imediato. Como possuidores diretos podem ser citados o locatário, o depositário, o comodatário e o usufrutuário. b) Posse indireta ou mediata – exercida por meio de outra pessoa, havendo exercício de direito, geralmente decorrente da propriedade. Exemplos: locador, depositante, comodante e nu- proprietário. Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário. 4 Segundo Maria Helena Diniz, o detentor ou fâmulo de posse, denominado gestor da posse, detentor dependente ou servidor da posse, tem a coisa apenas em virtude de uma situação de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação (ato de mera custódia). Atenção! A lei ressalva não ser possuidor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens e instruções suas. O detentor exerce sobre o bem não uma posse própria, mas uma posse em nome de outrem. Como não tem posse, não lhe assiste o direito de invocar, em nome próprio, as ações possessórias. Porém, é possível que o detentor defenda a posse alheia por meio da autotutela, tratada pelo Art. 1.210, § 1.º, do CC, conforme reconhece o seguinte enunciado doutrinário, da V Jornada de Direito Civil: Enunciado nº 493 - “O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder” Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. O Art. 1.208, primeira parte, do CC acrescenta que não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância. Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. 5 Vejamos alguns exemplos jurisprudenciais de detenção, para deixar bem claro que ela não se confunde com a posse. Como primeiro exemplo, cite-se a hipótese de alguém que para o seu carro em um estacionamento, entregando-o a um manobrista. A empresa de estacionamento é possuidora, diante da existência de um contrato atípico, com elementos do depósito; já o manobrista é detentor, pois tem o veículo em nome da empresa, com quem tem relação de subordinação. Partindo para as concretizações jurisprudenciais, o STJ, em reiteradas vezes, tem entendido que a ocupação irregular de área pública não induz posse, mas ato de mera detenção (por todos: STJ, REsp 556.721/DF, 2.a Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, data da decisão: 15.09.2005). Flávio Tartuce sempre entendeu que o caso não seria de detenção, mas de uma posse precária que, por ser injusta, não geraria a usucapião. Todavia, em havendo posse, o ocupante-invasor poderia propor ações possessórias contra terceiros. Em 2016, surgiu decisão do STJ nesse sentido, corrigindo aquele equívoco anterior. Conforme publicação constante do seu Informativo 579: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AJUIZAMENTO DE AÇÃO POSSESSÓRIA POR INVASOR DE TERRA PÚBLICA CONTRA OUTROS PARTICULARES. É cabível o ajuizamentode ações possessórias por parte de invasor de terra pública contra outros particulares. Inicialmente, salienta-se que não se desconhece a jurisprudência do STJ no sentido de que a ocupação de área pública sem autorização expressa e legítima do titular do domínio constitui mera detenção (REsp 998.409-DF, Terceira Turma, DJe 3/11/2009). Contudo, vislumbra-se que, na verdade, isso revela questão relacionada à posse. Nessa ordem de ideias, ressalta-se o previsto no Art. 1.198 do CC, in verbis: "Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em 6 cumprimento de ordens ou instruções suas". Como se vê, para que se possa admitir a relação de dependência, a posse deve ser exercida em nome de outrem que ostente o jus possidendi ou o jus possessionis. Ora, aquele que invade terras públicas e nela constrói sua moradia jamais exercerá a posse em nome alheio, de modo que não há entre ele e o ente público uma relação de dependência ou de subordinação e, por isso, não há que se falar em mera detenção. De fato, o animus domini é evidente, a despeito de ele ser juridicamente infrutífero. Inclusive, o fato de as terras serem públicas e, dessa maneira, não serem passíveis de aquisição por usucapião, não altera esse quadro. Com frequência, o invasor sequer conhece essa característica do imóvel. Portanto, os interditos possessórios são adequados à discussão da melhor posse entre particulares, ainda que ela esteja relacionada a terras públicas. REsp 1.484.304-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 10/3/2016, DJe 15/3/2016. Consigne-se que é admitida juridicamente a conversão da detenção em posse. Nesse sentido, na IV Jornada de Direito Civil, aprovou-se o Enunciado doutrinário n. 301, estabelecendo que “É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios”. Exemplificando, se desaparecer o vínculo de dependência de um contrato de trabalho, sendo celebrado expressamente um contrato de locação entre ex-patrão e ex- empregado, não haverá mais mera detenção, mas posse, desdobrada em direta e indireta. A partir de então, o novo locatário poderá desfrutar de todos os efeitos materiais e processuais decorrentes do novo instituto que surge. Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores. Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária. Classificação quanto à presença de vícios objetivos (Art. 1.200 do CC): A) Posse justa – é a que não apresenta os vícios da violência, da clandestinidade ou da precariedade, sendo uma posse limpa. 7 B) Posse injusta – apresenta os referidos vícios, pois foi adquirida por meio de ato de violência, ato clandestino ou de precariedade, nos seguintes termos: Posse violenta – é a obtida por meio de esbulho, for força física ou violência moral (vis). A doutrina tem o costume de associá-la ao crime de roubo. Exemplo: movimento popular invade violentamente, removendo e destruindo obstáculos, uma propriedade rural produtiva, que está sendo utilizada pelo proprietário, cumprindo a sua função social. C) Posse clandestina – é a obtida às escondidas, de forma oculta, à surdina, na calada da noite (clam). É assemelhada ao crime de furto. Exemplo: movimento popular invade, à noite e sem violência, uma Esbulho significa retirar de uma pessoa algo que está em sua posse ou é sua propriedade. No esbulho a pessoa que tem a posse ou a propriedade do bem perde a posse sobre ele. Trata-se da retirada de um imóvel ou uma propriedade rural. O esbulho pode acontecer de maneira clandestina (sem que o proprietário ou possuidor perceba), por abuso de confiança ou de forma violenta. Esbulho Possessório É importante saber que o esbulho possessório não faz com que o dono do bem perca a propriedade sobre ele. Ou seja, apesar da invasão, o imóvel ainda faz parte de sua propriedade. Mas, com o esbulho, ele perde a posse sobre o bem, ainda que apenas momentaneamente. Para recuperar a posse do bem, o Código Civil permite que a pessoa esbulhada tome as medidas necessárias imediatamente, chamadas de desforço imediato, que é a recuperação da posse pelo uso da força. Mas a lei define que isto deve acontecer logo após o esbulho e que os atos de defesa devem ser apenas o suficiente para recuperar a posse, ou seja, sem o uso de violência ou outros excessos. Se isso não for possível, será preciso ajuizar uma ação chamada de reintegração de posse. Ação de reintegração de posse Para recuperar a posse do bem invadido (esbulhado) é preciso fazer um ação judicial chamada reintegração de posse. A reintegração de posse é um dos tipos de ações possessórias previstas no Direitos Civil. As ações possessórias são usadas para garantir que o bem permaneça ou retorne para quem tem direito sobre ele. Diferença entre esbulho e turbação A principal característica do esbulho é a retirada da posse de maneira forçada ou violenta. Na turbação não acontece a perda de posse, apenas um incômodo ou perturbação do proprietário. De acordo com o Código Civil, são atos de turbação: retirar cercas, usar a calçada ou estacionamento privado ou atrapalhar o acesso ao imóvel. Ameaça Para evitar a perda da posse de um bem imóvel, quando existe uma ameça à propriedade, que pode ser com ou sem violência, é possível usar uma ação chamada interdito proibitório. O interdito tem o objetivo de evitar que o esbulho ou a turbação sejam concretizados. 8 propriedade rural que está sendo utilizada pelo proprietário, cumprindo a sua função social. D) Posse precária – é a obtida com abuso de confiança ou de direito (precario). Tem forma assemelhada ao crime de estelionato ou à apropriação indébita, sendo também denominada esbulho pacífico. Exemplo: locatário de um bem móvel que não devolve o veículo ao final do contrato. Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. Classificação quanto à à boa-fé subjetiva ou intencional (Art. 1.201 do CC): A) Posse de boa-fé – presente quando o possuidor ignora os vícios ou os obstáculos que lhe impedem a aquisição da coisa ou quando tem um justo título que fundamente a sua posse. Orlando Gomes a divide a posse em: 1) de boa-fé real - quando “a convicção do possuidor se apoia em elementos objetivos tão evidentes que nenhuma dúvida pode ser suscitada quanto à legitimidade de sua aquisição” 2) de boa-fé presumida - “quando o possuidor tem o justo título”. B) Posse de má-fé – situação em que alguém sabe do vício que acomete a coisa, mas mesmo assim pretende exercer o domínio fático sobre esta. Neste caso, o possuidor nunca possui um justo título. De qualquer modo, ainda que de má-fé, esse possuidor não perde o direito de ajuizar a ação possessória competente para proteger-se de um ataque de terceiro. 9 Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. 10 COMPOSSE A composse traduz a ideia de posse em comum. Sobre o tema, dispõe o art. 1.199: “Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluamos dos outros compossuidores”. A composse poderá ser: a) pro diviso, quando os possuidores, posto tenham direito à posse de todo o bem, delimitam áreas para o seu exercício (Ex.: três irmãos, condôminos e compossuidores do mesmo imóvel, resolvem delimitar a área de uso de cada um); b) pro indiviso, quando os possuidores, indistintamente, exercem, simultaneamente, atos de posse sobre todo o bem. Exemplo ilustrativo de composse é a exercida pelos herdeiros, durante o inventário, em face do acervo: “DIREITO CIVIL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE DE IMÓVEL HERDADO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM E DO DIREITO SUCESSÓRIO DA HERDEIRA PRETERIDA. PRÁTICA DE ATOS DE AUTODEFESA DA POSSE. TURBAÇÃO CARACTERIZADA. ARTIGOS ANALISADOS: 488, 1.572 E 1.580 DO CC/1916. 1. Ação de manutenção de posse, distribuída em 21/01/2005, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 24/09/2012. 2. Discute-se a possibilidade de propositura de interditos possessórios entre compossuidores, no particular, entre coerdeiros, e a ocorrência de turbação à posse do bem herdado. 3. Aberta a sucessão, a transmissão do patrimônio faz-se 11 como um todo unitário (condomínio hereditário), e assim permanece, até a partilha, em situação de indivisibilidade (art. 1.580 do CC/1916), a que a lei atribui natureza imóvel (art. 44, III, do CC/1916), independentemente dos bens que o compõem. 4. Adquirem os sucessores, em consequência, a composse pro indiviso do acervo hereditário, que confere a cada um deles a legitimidade para, em relação a terceiros, se valer dos interditos possessórios em defesa da herança como um todo, em favor de todos, ainda que titular de apenas uma fração ideal. De igual modo, entre eles, quando um ou alguns compossuidores excluem o outro ou os demais do exercício de sua posse sobre determinada área, admite-se o manejo dos interditos possessórios. 5. Essa imissão ipso jure se dá na posse da universalidade e não de um ou outro bem individuado e, por isso, não confere aos coerdeiros o direito à imediata apreensão material dos bens em si que compõem o acervo, o que só ocorrerá com a partilha. 6. No particular, o reconhecimento do direito sucessório da recorrente não lhe autoriza, automaticamente, agir como em desforço imediato contra os recorridos que, até então, exerciam a posse direta e legítima do imóvel. 7. Recurso especial conhecido em parte, e, nessa parte, desprovido” (REsp 1.244.118/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 22-10-2013, DJe 28-10-2013) (grifamos). Observa-se, com efeito, que os compossuidores poderão se valer das ações possessórias para a defesa dos seus respectivos direitos. 12 CAPÍTULO II Da Aquisição da Posse Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Existem duas formas de aquisição: a) formas de aquisição originárias - em que há um contato direto entre a pessoa e a coisa; Exemplo: no ato de apreensão de bem móvel, quando a coisa não tem dono (res nullius) ou for abandonada (res derelictae) b) formas de aquisição derivada - em que há uma intermediação pessoal. Exemplo: tradição, que vem a ser a entrega da coisa, principal forma de aquisição da propriedade móvel. Segundo Washington de Barros Monteiro, a tradição classifica-se da seguinte forma: a) Tradição real – dá-se pela entrega efetiva ou material da coisa, como Exemplo: entrega do veículo pela concessionária em uma compra e venda b) Tradição simbólica – há um ato representativo da transferência da coisa Exemplo: a entrega das chaves de um apartamento. É o que ocorre na traditio longa manu, em que a coisa a ser entregue é colocada à disposição da outra parte. Ilustrando, o CC/2002 passou a disciplinar, como cláusula especial da compra e venda, a venda sobre documentos, em que a entrega efetiva do bem móvel é substituída pela entrega de documento correspondente à propriedade (Arts. 529 a 532 do Código Civil). Da Venda Sobre Documentos 13 Art. 529. Na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos. Parágrafo único. Achando-se a documentação em ordem, não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado. Art. 530. Não havendo estipulação em contrário, o pagamento deve ser efetuado na data e no lugar da entrega dos documentos. Art. 531. Se entre os documentos entregues ao comprador figurar apólice de seguro que cubra os riscos do transporte, correm estes à conta do comprador, salvo se, ao ser concluído o contrato, tivesse o vendedor ciência da perda ou avaria da coisa. Art. 532. Estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento bancário, caberá a este efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a coisa vendida, pela qual não responde. Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento bancário a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretendê-lo, diretamente do comprador. c) Tradição ficta – é aquela que se dá por presunção É o que ocorre na traditio brevi manu, em que o possuidor possuía em nome alheio e agora passa a possuir em nome próprio Exemplo: é o do locatário que compra o imóvel, passando a ser o proprietário Também ocorre no constituto possessório ou cláusula constituti, em que o possuidor possuía em nome próprio e passa a possuir em nome alheio Exemplo: o caso do proprietário que vende o imóvel e nele permanece como locatário 14 Art. 1.205. A posse pode ser adquirida: I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação. Verifica-se que a posse pode ser adquirida de duas maneiras. Faltou mencionar o constituto possessório! O dispositivo, quando confrontado com o art. 494 do CC/1916, seu correspondente, apresenta uma insuficiência, pela não menção ao constituto possessório. Para completar, na I Jornada de Direito Civil, aprovou-se o Enunciado n. 77, prevendo que “A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitida pelo constituto possessório”. Em havendo a aquisição ou transmissão da posse pelo constituto possessório, não restam dúvidas de que o novo possuidor poderá defender- se por meio das ações possessórias, como entende o STJ (REsp 173.183/TO, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 01.09.1998, DJ 19.10.1998, p. 110). Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres. Princípio da continuidade do caráter da posse que, em regra, mantém os mesmos atributos da sua aquisição. Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. 15 A lei diferencia dois tipos de sucessão: a) universal (nos casos de herança legítima) No primeiro caso, a lei prevê a continuidade A sucessão de posses é imperativa b) singular (nos casos de compra e venda, doação ou legado). No segundo, a lei prevê a união de posses (acessão). A união de posses é facultativa, ou seja, é facultado unir sua posse à precedente. Tratando-se de uma faculdade, o possuidor atual só usará se lhe convier, limitando-se à sua posse quando do seu interesse. IMPORTANTE! Sintetizando, quanto à Defesa Possessória, tanto o sucessor universal quanto o singular poderão defendê-la, em continuidade ou acessão (união) à posse anterior. Art. 1.208. Não induzem posse os atos demera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. Obviamente, o princípio da continuidade do caráter da posse não é absoluto, podendo ser mitigado. Como salienta Maria Helena Diniz, há uma presunção relativa (iuris tantum) de que a posse mantém o seu caráter e não uma presunção absoluta ou iure et de iure. A posse adquirida com injustiça pode passar a ser justa, após um ano e um dia, desde que violenta ou clandestina, segundo a corrente majoritária. Esclareça-se que, pela redação do art. 1.208 da codificação, pode parecer que a posse injusta não constitui posse, mas detenção. Na opinio deste autor, não parece ser essa a melhor conclusão, pois a posse injusta é posse como se retira da sua própria nomenclatura, bem como do art. 1.200 do CC. 16 Somente depois que cessa a violência, ou seja, o antigo possuidor, diante da ciência do vício, não mais resiste à violência, ou ainda, quando a posse transmuda das escuras para o conhecimento público, deixa de existir detenção para nascer posse. Contudo, diante dessa afirmativa, nasce uma questão tormentosa: essa posse é justa ou injusta? Para essa indagação, existem três posições, sobre as quais passaremos a discorrer. Para a primeira posição, cessando os atos de violência e de clandestinidade, há a situação de posse justa. Para Carvalho Santos, a posse passa a ser útil, como se nunca tivesse sido eivada de tal vício. Esse possuidor adquire a posse para a usucapião. (J.M Carvalho Santos – Código Civil Brasileiro interpretado - 11ª edição, vol VII). Diz o doutrinador: "o que quer dizer que desde que a violência cessou, os atos de posse daí por diante praticados constituirão o ponto de partida da posse útil, como se nunca tivesse sido eivada de tal vício". Uma outra posição defendida por grandes juristas como Silvio Rodrigues, Maria Helena Diniz e Flávio Augusto Monteiro de Barros, sustenta que a posse injusta pode, sim, transformar-se em justa, basta que se passe ano e dia de quando cessar a violência, ou de quando a posse se tornar pública. Essa posição não ficou imune às críticas. O lapso temporal de ano e dia é notoriamente reconhecido para a questão do possuidor mantido na posse sem ter contra ele uma liminar, devido à contumácia do antigo possuidor, que deixou ultrapassar mais de ano e dia para bater nas portas do judiciário. Tanto que, mesmo depois de ano e dia, o proprietário esbulhado pode recuperar a coisa mesmo depois desse prazo. A terceira posição, que parece assistir a razão, é muito bem explanada pelo Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Francisco Eduardo Loureiro, quando tece seus comentários ao artigo 1.208, do Código Civil Comentado (editora Manole – ed. 2007, página 1.008): 17 "Via de consequência, nos exatos termos da segunda parte deste artigo, enquanto perduram a violência e a clandestinidade, não há posse, mas simples detenção. No momento em que cessam os mencionados ilícitos, nasce a posse, mas injusta, porque contaminada de moléstia congênita. Dizendo de outro modo, a posse injusta, violenta ou clandestina, tem vícios ligados a sua causa ilícita. São vícios pretéritos, mas que maculam a posse mantendo o estigma da origem. Isso porque, como acima dito, enquanto persistirem os atos violentos e clandestinos, nem posse haverá, mas mera detenção." Já Flávio Tartuce e José Fernando Simão entendem que a análise da cessação dos vícios, e possibilidade de convalidação ou não, dever ser feita à luz da função social da posse, diante de caso a caso. Posição de grande peso, porém, muito moderna, tendente a angariar muitos adeptos por ser convidativa. Não obstante todas as posições acima externadas é preciso acentuar o que se entende por convalescimento da posse. Tal ato é a passagem da posse injusta para a posse justa. Assim, de acordo com as posições apresentadas, somente há convalescimento da posse para os que adotarem a linha do segundo pensamento. Já para a primeira e para a terceira não existe convalescimento, já que aquela entende que o vício nunca existiu (e o que nunca existiu não se transforma), e essa entende que não se transfigura, mantendo o vício que a originou. Conciliando tudo o que acima foi dito com o artigo 1.203, do Código Civil, chega-se à conclusão de que a presunção que o dispositivo legal menciona é relativa. Diante disso, faz-se prova de que cessaram os atos de violência, e de que a posse passou a ser pública, e o sujeito, então, quebra a presunção da posse viciada. Art. 1.209. A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem. 18 Em regra, havendo transmissão da posse de um imóvel (bem principal), também haverá a transmissão dos móveis que o guarnecem (bem acessório) – aplicação do princípio da gravitação jurídica, pelo qual o acessório segue o principal. CAPÍTULO III Dos Efeitos da Posse Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. Como se pode perceber, no caso de ameaça, a ação de interdito proibitório visa à proteção do possuidor de perigo iminente. No caso de turbação, a ação de manutenção de posse visa a sua preservação. Por fim, no caso de esbulho, a ação de reintegração de posse almeja a sua devolução. Pois bem, três são as situações concretas que possibilitam a propositura de três ações correspondentes, apesar da falta de rigidez processual quanto às medidas judiciais cabíveis: - No caso de ameaça à posse (risco de atentado à posse) = caberá ação de interdito proibitório. - No caso de turbação (atentados fracionados à posse) = caberá ação de manutenção de posse. - No caso de esbulho (atentado consolidado à posse) = caberá ação de reintegração de posse. Do ponto de vista prático, esclareça-se que, no caso de invasão parcial de um terreno, a ação cabível não é a de manutenção de posse, mas a de reintegração, conforme o correto entendimento jurisprudencial (nesse sentido, ver: TJMG, Agravo 1.0024.05.811922-3/001, Belo Horizonte, Décima Quinta 19 Câmara Cível, Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes, j. 20.07.2006, DJMG 05.09.2006; TJSP, Agravo de Instrumento 592.232-5/0, São Paulo, Décima Câmara de Direito Público, Rel. Teresa Ramos Marques, j. 06.11.2006, v.u., Voto 5.333). De qualquer forma, as diferenças práticas em relação às três ações pouco interessam, uma vez que o Art. 554 do CPC consagra a fungibilidade total entre as três medidas, nos seguintes termos: “A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados”. Pois bem, é preciso relacionar as ações possessórias à classificação da posse quanto ao tempo: - Se a ameaça, a turbação e o esbulho forem novos, ou seja, tiverem menos de um ano e um dia, caberá a ação de força nova: o respectivo interdito possessório seguirá o rito especial, cabendo liminar nessa ação. - Se a ameaça, a turbação e o esbulho forem velhos, com pelo menos um ano e um dia, caberá ação de força velha, que segue o rito ordinário, não cabendo a respectiva liminar. § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. § 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa. A legítima defesa da posse e o desforço imediato constituem formas de autotutela, autodefesa ou de defesa direta, independentementede ação judicial, cabíveis ao possuidor direto ou indireto contra as agressões de terceiro. Nos casos de ameaça e turbação, em que o atentado à posse não foi definitivo, cabe a legítima defesa. Havendo esbulho, a medida cabível é o desforço imediato, visando à retomada do bem esbulhado. Em todas as hipóteses, observe-se que 20 esses institutos de autodefesa apresentam alguns requisitos, que devem ser respeitados, para que a atuação seja lícita: 1.º – A defesa deve ser imediata, ou seja, incontinenti, conclusão a ser retirada da análise do caso concreto. A título de exemplo e obviamente, uma defesa praticada após um ano e um dia não é imediata, não cabendo a utilização dos institutos de proteção própria. Ainda ilustrando, se o possuidor deixa que o esbulhador construa uma cerca divisória, pelo menos aparentemente, não tomou as medidas imediatas que lhe cabiam. Sobre tal requisito do imediatismo, foi aprovado enunciado na V Jornada de Direito Civil, em 2011, propondo uma interpretação restritiva do preceito: “No desforço possessório, a expressão ‘contanto que o faça logo’ deve ser entendida restritivamente, apenas como a reação imediata ao fato do esbulho ou da turbação, cabendo ao possuidor recorrer à via jurisdicional nas demais hipóteses”. (Enunciado n. 495 do CJF/STJ). 2.º – O possuidor que toma as medidas de autotutela não pode ir além do indispensável para a recuperação de sua posse. Deve agir nos limites do exercício regular desse direito, servindo como parâmetro o art. 187 do CC, que prevê o abuso de direito como ato ilícito. Os parâmetros, portanto, são aqueles previstos no dispositivo da codificação: fim social, fim econômico, boa-fé objetiva e bons costumes. Devem ser evitados ao máximo os abusos cometidos, sob pena de sacrifício dos institutos, o que, aliás, ocorre nas violentas invasões de terra que são praticadas no Brasil e as violentas (mais ainda) reprimendas por parte dos proprietários e possuidores, o que tem tornado o meio rural brasileiro um verdadeiro campo de batalha, habitado por inúmeras milícias armadas. 3.º – A lei está a autorizar que o possuidor que faz uso da autotutela utilize o apoio de empregados ou prepostos. Isso porque o art. 1.210, § 1.º, do CC faz menção à força própria, que inclui o auxílio de terceiros, com quem mantém vínculos. Sendo reconhecida essa possibilidade, é importante concluir que se o preposto, empregado ou serviçal, na defesa dessa posse e seguindo as ordens do possuidor, causar danos a outrem, responderá o comitente, empregador ou senhorio, nos termos dos arts. 932 e 933 do CC. A responsabilidade do possuidor é objetiva (independentemente de culpa), desde que comprovada a culpa daquele por quem se é responsável – responsabilidade objetiva indireta ou por atos de outrem. 21 Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso. O dispositivo trata do possuidor aparente, que manterá a coisa enquanto se discute em sede de ação possessória ou petitória quem é o seu possuidor ou proprietário de direito. Porém, pelo próprio dispositivo, se for demonstrado que o possuidor aparente tem a coisa com um vício, seja objetivo ou subjetivo, poderá esta lhe ser retirada. Art. 1.212. O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era. A norma civil abre a possibilidade de o possuidor que sofreu o atentado definitivo à posse ingressar com ação de reintegração de posse ou com ação de reparação de danos contra o terceiro que estiver com a coisa. Art. 1.213. O disposto nos artigos antecedentes não se aplica às servidões não aparentes, salvo quando os respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este o houve. Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação. Ilustrando, um locatário está em um imóvel urbano e, no fundo deste, há uma mangueira. Enquanto vigente o contrato, o locatário, possuidor de boa-fé amparado pelo justo título, terá direito às mangas colhidas, ou seja, percebidas. Se o contrato for extinto quando as mangas ainda estiverem verdes (frutos pendentes), não poderão ser colhidas, pois são do locador proprietário. Se 22 colhidas ainda verdes, devem ser devolvidas ao último, sem prejuízo de eventuais perdas e danos que couberem por este mau colhimento. Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia. Ilustrando, a manga é tida como colhida quando separada da mangueira; os juros são percebidos nos exatos vencimentos dos rendimentos, como é comum em cadernetas de poupança. Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio. A ilustrar, se um invasor de um imóvel colhe as mangas da mangueira do terreno, deverá indenizá-las, mas será ressarcido pelas despesas realizadas com a colheita. Por outra via, se deixaram de ser colhidas e, em razão disso, vierem a apodrecer, o possuidor também será responsabilizado. Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa. Assim sendo, a responsabilidade do possuidor de boa-fé, quanto à coisa, depende da comprovação da culpa em sentido amplo (responsabilidade subjetiva). Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante. Por outro lado, a responsabilidade do possuidor de má-fé é objetiva, independentemente de culpa, a não ser que prove que a coisa se perderia mesmo se estivesse com o reivindicante. O dispositivo acaba prevendo a 23 responsabilidade do possuidor de má-fé mesmo por caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou força maior (evento previsível, mas inevitável). Para ilustrar, na situação do comodatário (possuidor de boa-fé), este somente responderá pela perda da coisa havendo dolo ou culpa. Não pode responder, por exemplo, pelo assalto do veículo à mão armada, levando o criminoso o bem consigo. Já o criminoso que leva a coisa (possuidor de má fé) responde por ela, se for atingida por um objeto em local onde não estaria o proprietário ou possuidor. Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis. Repise-se que, nos termos do art. 96 do CC, as benfeitorias podem ser necessárias (as essenciais, pois visam à conservação da coisa principal), úteis (aumentam ou facilitam o uso da coisa principal) e voluptuárias (de mero luxo ou deleite, pois facilitam a utilidade da coisa principal). Vejamos as três consequências da norma, de forma pontual: 1ª O possuidor de boa-fé tem direito à indenização por benfeitorias necessárias e úteis. Ilustrando, vigente um comodato de um imóvel, o comodatário terá direito de indenização pela reforma do telhado (benfeitoria necessária) e pela grade da janela (benfeitoria útil). 2ª O possuidor de boa-fé não indenizado tem direito à retenção dessas benfeitorias (necessárias e úteis), o ius retentionis,que persiste até que receba o que lhe é devido. 3ª No tocante às benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa-fé tem direito ao seu levantamento, se não forem pagas, desde que isso não gere prejuízo à coisa (direito de tolher, ou ius tollendi). Exemplificando, vigente o empréstimo de um imóvel, se o comodatário introduziu um telhado na churrasqueira, que pode ser removido, não sendo essa benfeitoria paga, poderá levá-la embora, pois a retirada não desvaloriza o imóvel. O mesmo raciocínio não vale para uma piscina construída no imóvel, pois a sua retirada gerará um prejuízo ao principal. 24 Somente as piscinas removíveis podem ser retiradas, como aquelas de plástico para brincadeira das crianças. Cumpre destacar que, no tocante à locação de imóvel urbano, há regras específicas relativas às benfeitorias previstas nos arts. 35 e 36 da Lei 8.245/1991. De início, dispõe o art. 35 da Lei de Locação que, salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, estas desde que autorizadas, são indenizáveis e permitem o direito de retenção. As benfeitorias voluptuárias não são indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que a sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel (art. 36 da Lei 8.245/1991). Percebe-se que a primeira regra quanto ao locatório é de ordem privada, pois tal disposição pode ser deliberada de modo diverso no contrato de locação, renunciando o locatário a tais benfeitorias, segundo previsão do próprio art. 35 da Lei 8.245/1991. No mesmo sentido, a Súmula 335 do STJ reconhece a possibilidade de renúncia a tais benfeitorias na locação. Porém, repise-se que se a renúncia às benfeitorias necessárias constar em contrato de adesão, a cláusula de renúncia será nula, o que é aplicação do art. 424 do CC, dispositivo pelo qual, nos contratos de adesão, serão nulas de pleno direito as cláusulas que implicam a renúncia antecipada do aderente a um direito resultante da natureza do negócio (Enunciado n. 433 do CJF/STJ, da V Jornada de Direito Civil, de 2011). Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias. O possuidor de má-fé não tem qualquer direito de retenção ou de levantamento. Com relação à indenização, assiste-lhe somente direito quanto às benfeitorias necessárias. Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem. 25 O comando possibilita, portanto, que as benfeitorias necessárias a que teria direito o possuidor de má-fé sejam compensadas com os danos sofridos pelo reivindicante, hipótese de compensação legal, pela reciprocidade de dívidas. Entretanto, se a benfeitoria não mais existia quando a coisa se perdeu, não há que se falar em compensação e muito menos em indenização. A norma está inspirada na vedação do enriquecimento sem causa. Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual. A norma acaba dando tratamento diferenciado em relação aos possuidores de boa e má-fé, o que motivou críticas doutrinárias no passado, particularmente de Clóvis Beviláqua. De qualquer modo, o tratamento diferenciado deve ser observado e também tem a sua razão de ser. Ilustrando, o proprietário que ingressou com a ação de reintegração de posse contra o comodatário (possuidor de boa-fé) indenizará este pelo valor atual das benfeitorias necessárias e úteis. Se a ação possessória foi proposta contra o invasor do imóvel (possuidor de má-fé), o autor poderá optar entre pagar o valor atual ou o de custo, aquilo que lhe for mais interessante. CAPÍTULO IV Da Perda da Posse Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196. Em suma, cessando os atributos relativos à propriedade, cessa a posse, que é perdida, extinta. O art. 520 do CC/1916, ao contrário, previa expressamente os casos de perda da posse, que nos servem como exemplos ilustrativos (rol numerus apertus): - Pelo abandono da coisa (derrelição), fazendo surgir a coisa abandonada (res derelictae). - Pela tradição, entrega da coisa, que pode ser real, simbólica ou ficta. - Pela perda ou destruição da coisa possuída. 26 - Se a coisa for colocada fora do comércio, isto é, se for tratada como bem inalienável (inconsutibilidade jurídica – art. 86 do CC). - Pela posse de outrem, ainda que contra a vontade do possuidor, se este não foi mantido, ou reintegrado à posse, em tempo competente. - Pelo constituto possessório ou cláusula constituti, hipótese em que a pessoa possuía o bem em nome próprio e passa a possuir em nome alheio (forma de aquisição e perda da posse, ao mesmo tempo). Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido. A norma mantém relação com a boa-fé objetiva, particularmente com a perda de um direito ou de posição jurídica pelo seu não exercício no tempo (supressio). Isso porque o possuidor que não toma as medidas cabíveis ao ter conhecimento do esbulho não pode, após isso, insurgir-se contra o ato de terceiro. A lei acaba por presumir que a sua posse está perdida, admitindo-se, obviamente, prova em contrário.
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