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46)Anna Bondiolli Manual de educação infantil

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Manual de educação infantil: de 0 a 3 anos - uma abordagem reflexiva. 
Bondioli, Anna e MANTOVANI, Susanna. 
Diferentemente de todas as outras instituições educativas, atualmente a creche e colocada em discussão na sua própria existência, embora seja a única instituição a registrar - juntamente com, e mais do que a escola superior - um excesso de demanda nos grandes centros urbanos. É considerada - pelo Estado e por várias administrações que devem garantir sua existência - um serviço não essencial e dispendioso que poderia ser substituído, de modo eficaz, por medidas "privadas" mantidas pela família.
O discurso sobre a creche articulou-se em planos diferentes que deveriam andar interligados. Uma primeira perspectiva, do tipo político-social, considera a creche essencialmente como serviço cuja problemática entra no quadro mais amplo das "políticas para a infância" e das instituições a ela destinadas.
Uma segunda perspectiva possui prevalentemente objetivos de reconhecimen­to: a creche e um observatório privilegiado onde e possível colher elementos inéditos sobre o desenvolvimento infantil
Enfim, uma terceira perspectiva salienta o caráter de instituição formadora da creche, de agência de socialização cujas práticas educativas subentendem uma peda­gogia que, mesmo embrionária, deve ser reconhecida e sustentada. No interior desta pedagogia particular adquirem destaque as figuras adultas - e as funções a elas atribuíveis - que acompanham as crianças dentro e fora da creche.
Na creche, idealmente a criança pode experimentar as mais variadas possibilidades de troca, de construção de planos de ação, de resoluções de conflitos em um ambiente protegido e pensado para ela.
Autonomia não significa separação, significa, pelo contrário, segurança da relação e capacidade de modular, por parte da criança, as suas exigências de cantato ou de controle a distância do adulto (Appell & David, 1965), não sendo distraída pelo medo de ser abandonada, ou pelo temor de ser interrompida, podendo assim dedicar-se com concentração e determinação às várias atividades: aspectos esses - ainda, uma vez mais muito próximos do conceito montessoriano de "normalização" - que freqüentemente parecem ausentes na vida escolar posterior. 
Para delinear uma "cultura" da creche contribuíram agentes diversos: educado­res, pesquisadores, especialistas no assunto, administradores, pais, cada qual produzindo e contribuindo para difundir, através das próprias práticas, conteúdos, formas, níveis diferentes de saber sobre a primeiríssima infância, sobre as condições de possibilidade de uma educação precoce extradoméstica, sobre a praticabilidade de situações, experiências, projetos formativos com os pequeninos. Trata-se de um patrimônio muito rico de conhecimento, imagens mais ou menos compartilhadas, de competências, escassamente capitalizado e integrado, no qual convergem sem siste­maticidade, e frequentemente sem encaixes racionais, saberes científicos e competências práticas, cultura erudita e bom senso, vivências e reflexões, experiências e teoria.
Desse ponto de vista, não se pode negar que exista - e a creche contribuiu amplamen­te para isso - uma cultura da infância; por outro lado, devido à fragmentação e a não­-sistematicidade que a caracterizam, tal "cultura" ainda não se define na forma do modelo orgânico, e a pedagogia que nela se delineia e somente embrionária. Se de fato por pedagogia se entende um modelo formativo coerente, onde dialeticamente e organicamente se entrelaçam um saber científico e algumas experiências práticas, um saber-fazer guiado por - e que, reciprocamente guia - para a creche, pode-se falar somente de estado inicial da pedagogia, de pedagogia em seu nascedouro. 
A pesquisa científica relativa a creche, se por um lado mostrou a especificidade e a complexidade dos primeiros comportamentos infantis, assinalando necessidades irrenunciáveis das crianças muito pequenas, evidenciando espaços oportunos de intervenção por parte das figuras adultas, por outro, pela sua marca tipicamente psicológico-recognitiva, raramente configurou-se como indagação pedagógica, isto é, voltada a controlar e verificar a eficácia de projetos particulares e/ou estratégias educativas. Portanto, ela funcionou essencialmente como filtro através do qual olhar­-se a criança, e as suas possibilidades de crescimento, com olhos diversos em relação ao senso comum, desmantelando estereótipos ainda difundidos (a criança como objeto, ser puramente receptivo e necessitado, incapaz de intencionalidade comuni­cativa e de interação social) e reforçando novas imagens da infância.
No plano tipicamente pedagógico, tal caracterização da pesquisa, mais no sentido de reconhe­cimento que de projeto, mais centrada na criança inserida em um contexto do que sobre o contexto, como elemento de formação da criança, não permitiu superar a fragmentação das intervenções educativas e freqüentemente induziu a adesão irrefle­tida a uma pedagogia da espontaneidade. 
Para delinear um projeto educativo coerente não basta que intervenções educativas extradomésticas em relação às crianças sejam teoricamente plausíveis. Tais intervenções devem ser pensadas, projetadas e realizadas. Analogamente, no plano da operatividade, a existência de experiências educativas inteligentes e interessantes é condição necessária mas não suficiente para garantir sua eficácia, a transferibilidade e a integração racional.
"Pedagogia da relação" é uma expressão pouco clara que foi freqüentemente usada para designar a especificidade educativa da creche. Ela se define, em primeiro lugar, em contraposição a uma pedagogia que considera a creche uma versão minia­turizada da escola materna. Aderir a esta pedagogia significa dizer não a uma relação educadoras/crianças que não permite uma relação individualizada e, sobretudo, personalizada. Significa dizer não a atividades que mais se parecem com pequenas lições do que com brincadeiras de livre descoberta. Significa dizer não a uma organização demasiado rígida dos tempos, dos espaços, dos grupos infantis que pode enfraquecer a espontaneidade das relações. 
Considerada mais positivamente e em termos gerais, a pedagogia da relação é uma intervenção educativa que age sobre o sistema de trocas sociais, utilizando-o como instrumento de crescimento. Através das trocas sociais, isto é, através das relações que progressivamente se entrelaçam e se aperfeiçoam entre a criança sozinha e os adultos - e entre crianças no grupo de jogo -, cria-se um conjunto de significados compartilhados, uma espécie de "historia social" que é típica de uma determinada creche em um período específico, constituído pelo conjunto das rotinas (que criam expectativas), pelas regras, pelas divisões temporais (que criam ritmos reconhecíveis), permitindo assim também o gosto pelo imprevisto, pelos significados e pelas funções que objetos e pessoas assumem naquele contexto particular.
A criança então é acompanhada e sustentada na conquista do progressivo conhecimento da realidade externa, de modo a favorecer o processo de adaptação, isto é, a dialética "assimilação/acomodação". Trata-se de um processo em que a manipulação e a exploração dos objetos e dos materiais é de fundamental importância, um processo de descoberta que pode ser solicitado, mas não imposto ou ensinado.
Uma vez que a creche configura-se como integração e não como substituição da rede familiar, a relevância dada às figuras adultas assume conotações peculiares: de uma parte significa impossibilidade de cortar as figuras parentais do processo educativo extradoméstico; de outra, significa valorizar particularmente aquelas figu­ras adultas - os educadores - que estão próximas à criança fora da família. 
 Isso comporta a solução de uma série de problemas que não são fáceis de resolver, entre os quais nos parecem fundamentais os de:
 
 - identificar estratégias de união entre família e creche, com o objetivo de garantir permeabilidade entre as duas instituições
que a criança cotidianamente freqüenta, dando continuidade a experiência infantil; 
 - delinear para a educadora de creche um papel peculiar que não reproduza o materno e que se caracterize profissionalmente.
Como referente da creche, a família pode ser vista tanto como usuária do serviço, quanto como agência educativa à qual a creche, com análogas funções, se alia. Neste segundo sentido, a família vem a ser depositária de um saber/poder sobre seus próprios filhos com o qual a creche não pode comparar-se e se configura como rede de relações que a abertura a outras figuras, como a da educadora, tende a modificar.
Do ponto de vista afetivo, a decisão por parte de uma família de mandar o filho a creche significa superar o temor da separação, aceitar enfrentar o ciúme que a comparação com outras figuras de referência comporta, significa a família estar preparada para acolher como efeito do processo de crescimento, e sem lamentar, a progressiva autonomia do filho. Sobre o mesmo plano, a educadora também experi­menta, em relação à criança, sentimentos mais ou menos marcados por vínculos de apego, simpatia/antipatia, ciúmes. Então, trata-se também - e isso não deve ser desconsiderado - de conduzir e governar afetos profissionalizando a função de educador, tanto no sentido de especificar modalidades relacionais com as crianças que, sem ser competitivas em relação às parentais, garantam segurança e conteúdo afetivo, quanta no sentido de identificar estratégias de relacionamento com os pais que permitam uma gestão controlada e proveitosa da separação. 
Do ponto de vista ideológico, o relacionamento creche/família se configura como confronto entre crianças, valores, atitudes educativas. Entrelaçam-se, então, modos diversos de pensar na criança, nas suas necessidades fundamentais, naquilo que lhe serve para poder crescer, nas estratégias a serem utilizadas para fazê-la progredir.
Enfim, trata-sedo relacionamento entre duas instituições que, por definição, são interligadas e não paralelas, e que necessitam portanto, também em um plano formal,de momentos de encontro e ligação.
 
O educador da creche pode, então, desenvolver um papel único para a criança e para a família, de consultor da normalidade e profissional da vida cotidiana.

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