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DIREITO DAS SUCESSÕES Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Amanda Muniz Oliveira CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Cristiane Lisandra Danna Norberto Siegel Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Bárbara Pricila Franz Marcelo Bucci Revisão de Conteúdo: Priscilla Camargo Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2018 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. OL48d Oliveira, Amanda Muniz Direito das sucessões. / Amanda Muniz Oliveira – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 142 p.; il. ISBN 978-85-53158-56-0 1.Direito civil – Brasil. 2.Direito das sucessões – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 347 Impresso por: Amanda Muniz Oliveira Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e Mestra em Direito pela mesma Universidade. Natural de Montes Claros – MG, obteve o bacharelado em Direito no ano de 2013, pelas Faculdades Santo Agostinho (FADISA) - MG. É pesquisadora do “Núcleo de Estudos Conhecer Direito – NECODI” (UFSC) e do Grupo de Pesquisa “Modelagem e Compreensão de Sistemas Sociais: Direito, Estado, Sociedade e Política” (UFSC), no qual participa do Projeto de Pesquisa “Lilith: Direito das Mulheres”. Dedica- se a pesquisas interdisciplinares na área de Direito e Arte, com ênfase em Rock, Literatura e Cultura Pop. Também se dedica aos estudos de epistemologia jurídica, sociologia do conhecimento, métodos e teorias das ciências humanas, direitos das mulheres e direito e gênero. Possui experiência nas áreas de Direito Civil, Hermenêutica Jurídica, Ética Profi ssional e Metodologia da Pesquisa. Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................07 CAPÍTULO 1 Introdução ao Estudo do Direito das Sucessões ................ 09 CAPÍTULO 2 Da Sucessão Legítima ................................................................. 51 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 Da Sucessão Testamentária ...................................................... 85 Inventário e Partilha ............................................................... 119 APRESENTAÇÃO A presente obra dedica-se a um importante tema do direito civil: o direito sucessório na sociedade contemporânea. Muito embora quase não se pense na morte e na finitude de nossa existência terrena, o fim da vida de um indivíduo gera diversos efeitos jurídicos, sobre os quais o jurista e os herdeiros do falecido devem ter ciência. Iniciamos o tema a partir de uma introdução geral ao direito das sucessões, adotando como objetos de estudo conceitos e finalidades específicos desta área, além de identificar as relações sucessórias e reconhecer as hipóteses de aplicação deste ramo do direito. Neste primeiro capítulo, veremos ainda questões relativas aos sucessores e à herança. O segundo capítulo tem como tema central a sucessão legítima, conforme estabelecida pelo Código Civil. Aqui, estudamos as características e efeitos da sucessão legítima e identificamos suas hipóteses de aplicação, conforme a vocação hereditária. Também aprendemos a reconhecer os herdeiros legítimos e a ordem de sucessão. O terceiro capítulo trata da sucessão testamentária, realizada de acordo com a vontade individual do falecido, manifesta em testamento. Além de apresentar as características e efeitos da sucessão testamentária, vamos diferenciá-la da sucessão legítima, nos atendo aos diversos tipos possíveis de testamento, bem como ao conhecimento sobre quem pode testar e quem pode receber por testamento. O quarto e último capítulo aborda os trâmites processuais relativos ao inventário e à partilha, que determinarão o quinhão final de cada herdeiro. Estudaremos o procedimento do inventário judicial e do extrajudicial, além da aplicação da lei civil para efetivação dos procedimentos estudados. Esta obra pretende, assim, facilitar o estudo do direito sucessório, tema de grande relevância no direito civil e no mundo contemporâneo, a partir de um viés simples, objetivo e direto. O leitor encontrará atividades de estudo, dicas de leituras complementares e algumas notícias atuais relacionadas aos assuntos estudados, tudo isso visando uma interação didática e acessível. Amanda Muniz Oliveira. CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender os principais conceitos do direito sucessório, identifi cando suas funções e características. Analisar as relações sucessórias e reconhecer as hipóteses de aplicação do direito das sucessões. 10 DIREITO DAS SUCESSÕES 11 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO A morte, atualmente, é um tema evitado nas reuniões familiares e nas mesas de bar. Difi cilmente, os indivíduos se sentem à vontade para tocar neste delicado assunto, cercado de incertezas e insegurança. A relação do ser humano com a morte possui contornos variados, que dependem do tempo e do espaço no qual determinada sociedade se insere. Na antiguidade, por exemplo, os mesopotâmicos enterravam seus mortos com cuidado, cercando-os de suas marcas distintivas (bens, insígnias de família, comidas preferidas), enquanto os hindus cremavam os corpos e lançavam às cinzas ao vento, indicativo de que aquela pessoa já não pertencia a este mundo, tendo alcançado o eterno. Os gregos também cremavam os seus, mas guardavam as cinzas, que poderiam ter dois destinos: as pessoas comuns tinham suas cinzas lançadas a valas, enquanto os heróis eram glorifi cados com uma cremação em suntuosas piras funerárias. Já na alta Idade Média europeia (séc. V ao XII), a morte era um assunto doméstico e íntimo. Encarada como um fato natural da vida, os mortos eram envoltos em sudários, com a face exposta, e enterrados nas igrejas, onde obteriam proteção dos santos em sua passagem. Na baixa Idade Média (séc. XII ao XV), emerge uma nova relação com a morte, marcada pela incerteza, pelo medo, e pela preocupação com as condutas realizadas em vida, já que estas defi niriam o destino fi nal das almas – céu ou inferno. O corpo do morto passa a ser intolerável, precisando ser oculto no que hoje conhecemos por caixões. O século XVIII, com o advento do romantismo, passa a idealizar a morte, vendo nela uma passagem. A morte se torna um assunto laico, os cemitérios se separam das Igrejas e as sepulturas passam a ser individualizadas. O século XIX ressignifi ca a ideia de luto, tornando insuportável a perda de alguém próximo. No entanto, é no século XX que a morte passa a ser vista como assunto proibido, momento em que se passa a morrer longe de casa (geralmente em hospitais ou asilos) e o corpo é velado, também, fora do ambiente doméstico. A morte, assim, vestida de preto e munida de uma longa foice, torna-se um tabu. Negada, evitada e ignorada, ainda assim ela teima em perseguir a humanidade. Conhecida como Hades (deus grego do mundo inferior), Samael (anjo da morte na cultura judaica), Shinigami (anjo da morte nipônico) ou simplesmente associada à fi gura do Grim Reaper (ceifador), amplamente difundida na cultura pop, a morte permeia o imaginário social, gerando consequências práticas a diversos ramos do saber. E com o Direito, não seria diferente. 12 DIREITO DAS SUCESSÕES É a partir da visita da morte que se inicia o ramo do direito civil a ser estudado neste material: o direitosucessório. Neste capítulo, nós veremos algumas noções introdutórias ao direito das sucessões, como a transmissão causa mortis, o que é a herança e quem são os sucessores. 2 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Etimologicamente, a palavra sucessão relaciona-se diretamente com a ideia de substituição, de troca. Nas relações jurídicas, as sucessões (substituições) podem abranger tanto bens quanto indivíduos, conforme os exemplos a seguir. Imagine, pois, que Eduardo tenha recebido um imóvel, mediante doação. O bem, entretanto, veio gravado com cláusula de inalienabilidade (art. 1.911 do Código Civil), sendo, portanto, impossível de vendê-lo. Caso seja de interesse de Eduardo, essa cláusula poderá ser “trocada” mediante decisão judicial: ele poderá revestir outro imóvel com a inalienabilidade e, assim, dispor do bem doado, antes obstruído. Este fenômeno é chamado de sub-rogação real, e nada mais é que a sucessão (substituição) de um bem por outro. Com relação ao sujeito, teremos dois tipos de sub-rogação: a feita por ato entre pessoas vivas (inter vivos), como no caso do pai que se obriga a pagar dívida de fi lho incapaz de quitar o débito; e aquela originada a partir da morte de um indivíduo, titular de direitos e obrigações, a ser substituído por seus herdeiros. Neste sentido, o direito sucessório se dedica, integralmente, a regulamentar “a substituição do sujeito (ativo ou passivo) de uma relação jurídica em razão do óbito do seu titular” (FARIAS, ROSENVALD; 2015, p. 4). O direito das sucessões refere-se à transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de testamento. A sucessão, no questionado ramo do Direito Civil, tem, pois, como pressuposto, do ponto de vista subjetivo, a morte do autor da herança. O direito sucessório se dedica, integralmente, a regulamentar “a substituição do sujeito (ativo ou passivo) de uma relação jurídica em razão do óbito do seu titular” (FARIAS, ROSENVALD; 2015, p. 4). 13 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 É importante destacar desde já que, como qualquer outro ramo do direito, o direito sucessório encontra-se limitado pelos preceitos constitucionais. Como exemplo, podemos mencionar o limite do patrimônio a ser transmitido por testamento; embora seu dono seja livre para deixá-lo a quem desejar, ele não poderá deixar todos os seus bens a determinado indivíduo, pois isso viola a dignidade de seus herdeiros necessários, parte de seu núcleo familiar. Neste diapasão, Farias e Rosenvald (2015, p. 16) afi rmam: Os direitos e garantias constitucionais podem, outrossim, servir para uma mitigação ao exercício dos direitos sucessórios, obstando o recebimento da herança ou legado, como no exemplo da indignidade e da deserdação do sucessor, por conta de eventual conduta ignóbil contra o autor da herança. A justifi cativa é lógica: se um sucessor se comporta mal em desfavor do titular do patrimônio, mostra-se atentatório à dignidade do proprietário permitir que se mantenha o direito à herança. As regras do direito sucessório, assim, encontram limites na esfera constitucional, sempre em observância ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana. Além disso, não podemos nos esquecer de que a titularidade de bens é um fenômeno social e, como tal, gera consequências. Por isso, é possível falar em uma função social da sucessão, uma vez que “a transmissão patrimonial de alguém que faleceu gera a conservação das unidades econômicas, em prol da proteção de seu núcleo familiar” (FARIAS, ROSENVALD; 2015, p. 20). Sobre o assunto, Monteiro (2009, p. 8) afi rma: Ocorreria, sem dúvida, improdutivo dispêndio de energias se essas unidades devessem desaparecer pela morte das pessoas que as criaram e as mantiveram, impondo-se-lhes a restauração por outros homens. A sociedade tem, por isso, o maior interesse na subsistência da herança, porque, com a sucessão, sobrevivem tais unidades, sem solução de continuidade, em benefício geral. O direito sucessório, desta forma, pode ser compreendido como um desdobramento do direito de propriedade. Inclusive a Constituição Federal de 1988 reconhece o direito à sucessão (art. 5º, XXX) após o direito à propriedade privada (art. 5º XXII). Os bens adquiridos em vida, assim, não se perdem, mas são transmitidos à linhagem do antigo dono, ou a pessoa por ele querida. No Código Civil de 2002, a sucessão é regulamentada em quatro partes: 1) sucessão em geral, na qual são estabelecidas as regras gerais da sucessão; 2) sucessão legítima, relativa a sucessão originada por força de lei independentemente da vontade do falecido; 3) sucessão testamentária, que trata da transmissão de bens oriunda da vontade do autor da herança; e 4) inventários e partilhas, que se referem aos procedimentos para divisão dos bens. Neste capítulo, nós estudaremos as normas gerais da sucessão, a começar sobre a transmissão causada pela morte. 14 DIREITO DAS SUCESSÕES 3 TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS A sucessão se inicia com a morte da pessoa natural (art. 1.784 CC), que poderá ocorrer de forma real (art. 6º Código Civil) ou presumida (art. 22 do Código Civil). A morte real ocorre quando há comprovação do óbito da pessoa, sendo considerado o momento de sua morte a cessação das atividades cerebrais (morte encefálica, conforme Lei nº 9.434/97). Já a morte presumida se dá quando a pessoa desaparece sem deixar notícias ou representantes, tornando-se ausente. Conforme Gonçalves (2012, p. 37-38): Ausente é a pessoa que desaparece de seu domicílio sem dar notícia de seu paradeiro e sem deixar um representante ou procurador para administrar-lhe os bens (CC, art. 22). Protege o Código, através de medidas acautelatórias, inicialmente o seu patrimônio, pois quer esteja ele vivo, quer esteja morto, é importante considerar o interesse social de preservar os seus bens, impedindo que se deteriorem ou pereçam (arts. 22 a 25). Prolongando-se a ausência e crescendo a possibilidade de que haja falecido, a proteção legal volta-se para os herdeiros, cujos interesses passam a ser considerados (arts. 25 a 38). Assim, a lei autoriza os herdeiros do ausente, num primeiro momento, a ingressarem com o pedido de abertura de sucessão provisória. Se, depois de passados dez anos da abertura dessa sucessão, o ausente não tiver retornado, ou não se tiver confi rmação de sua morte, os herdeiros poderão requerer a sucessão defi nitiva, que também terá a duração de dez anos. Pode-se, ainda, requerer a sucessão defi nitiva, provando-se que o ausente conta 80 anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele (CC, art. 38). O ausente, pois, é uma exceção dentro do sistema sucessório, tendo em vista que se admite a abertura de sua sucessão simplesmente em razão de seu desaparecimento, sem que se tenha certeza de seu falecimento Para que a sucessão seja considerada aberta, a morte deverá, assim, ser comprovada com o atestado de óbito. Em casos excepcionais, nos quais o corpo não pôde ser encontrado (como no caso de naufrágios e incêndios), a Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) prevê um procedimento de justifi cação; além disso, o próprio Código Civil (art. 7º, I e II) caracteriza tais situações como hipóteses de morte presumida, a ser declarada sem decretação de ausência, usando expressão genérica: “se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida”. Comprovada a morte do indivíduo e aberta a sucessão, “os bens e as dívidas, os créditos e os débitos, os direitos e as obrigações, as pretensões e ações de que era titular o falecido, e as que contra ele foram propostas, desde A sucessão se inicia com a morte da pessoa natural (art. 1.784 CC), que poderá ocorrer de forma real (art. 6º Código Civil) ou presumida (art. 22 do Código Civil). 15 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 que transmissíveis(GONÇALVES, 2012, p. 36)”, são transmitidos aos herdeiros. Esse conjunto de ativos e passivos é o que chamamos de herança. Trata- se, portando, de erro achar que a herança compreende apenas os bônus e os benefícios oriundos do patrimônio do falecido; ela engloba, na verdade, todas as suas relações jurídicas não personalíssimas. Agora, pensemos na seguinte hipótese: o Sr. e a Sra. Banks estão em sua BMW, rumo à praia, junto de seus fi lhos Carlton e Ashley. Por um descuido, o veículo colide com um caminhão e toda a família vem a falecer. Como se dá a sucessão neste caso? Trata-se de um exemplo clássico de comoriência, ou seja, a morte simultânea do indivíduo e de seus herdeiros. A comoriência, na verdade, é uma fi cção jurídica, pois em casos como o descrito acima não há como estabelecer quem faleceu primeiro, o que geraria diversos problemas relativos a sucessão. A regra está elencada no artigo 8º do Código Civil que assim preceitua: “Art. 8º - Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”. O principal efeito da comoriência é que um não herda do outro. Neste sentido, Gonçalves (2012, p. 41) exemplifi ca: por conseguinte, se morre em acidente casal sem descendentes e ascendentes, sem saber qual morreu primeiro, um não herda do outro. Assim, os colaterais da mulher fi carão com a meação dela; enquanto os colaterais do marido fi carão com a meação dele. Ainda sobre a comoriência, nada impede que o sujeito e seus herdeiros venham a óbito ao mesmo tempo, mas em lugares diferentes. Levando em consideração o exemplo da família Banks, considere-se que no exato momento do acidente de carro, a fi lha primogênita do casal, Hilary, estava escalando os Alpes suíços e sofre um acidente fatal. Mesmo estando geografi camente distantes, não há como determinar quem faleceu primeiro, razão pela qual ocorre a comoriência. Ainda sobre a transmissão causa mortis, temos o princípio de saisine, “segundo o qual o próprio defunto transmite ao sucessor a propriedade e a posse da herança. (GONÇALVES, 2012, p. 42)”. Saisine vem do francês, posse, e refere- se a uma fi cção jurídica que considera que o falecido, ao morrer, deixou seus herdeiros na posse de seu patrimônio, que não pode fi car sem dono. Inclusive, uma das consequências deste princípio é de que “o herdeiro que sobrevive ao de cujus, ainda que por um instante, herda os bens por este deixados e os transmite aos seus sucessores, se falecer em seguida. (GONÇALVES, 2012, p. 45). 16 DIREITO DAS SUCESSÕES Todavia, cumpre salientar que por força do art. 1.791 do Código Civil, por mais que os herdeiros sejam considerados possuidores da herança do de cujus, está só será individualizada quando houver a partilha. Até lá, seus direitos serão indivisíveis. Em decorrência deste mesmo princípio, as normas sucessórias a serem aplicadas nas sucessões serão aquelas vigentes ao tempo da abertura sucessória (art. 1.787, CC). Inclusive, o Supremo Tribunal Federal sumulou o seguinte entendimento: “Súmula 112 do Supremo Tribunal Federal: o imposto de transmissão causa mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão”. Por fi m, pertinente indagar: em que lugar se abre a sucessão? O artigo 1.785 do Código Civil estabelece que a sucessão será aberta no último domicílio do falecido. A redação do artigo 48 do Código de Processo Civil estabelece as regras para abertura do inventário: Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro. Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente: I - o foro de situação dos bens imóveis; II - havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes; III - não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio. Vejamos agora as diferentes espécies de sucessões e sucessores. O artigo 1.785 do Código Civil estabelece que a sucessão será aberta no último domicílio do falecido. Atividades de Estudos: 1) No Direito Brasileiro, considera-se que a morte da pessoa natural se dá: a) Com parada cardíaca. b) Com a declaração de ausência. c) Com parada cardiorrespiratória. d) Com morte cerebral. 17 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 2) Seiya e Saori, namorados de infância, sofrem grave acidente em um cruzeiro na Grécia, sendo considerados mortos na tragédia ainda que seus corpos não tenham sido encontrados. Neste caso, pergunta-se: há comoriência? Por quê? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 4 SUCESSORES O ordenamento jurídico brasileiro conta com dois tipos principais de sucessões: a legítima, decorrente da própria lei, e a testamentária que decorre diretamente da vontade individual do falecido (art. 1.786 do Código Civil), manifesta em testamento ou codicilo. Ressalte-se que, caso o testamento venha a caducar ou ser eivado de nulidade, a sucessão a se realizar será a legítima. É possível que os dois tipos se misturem, tendo o autor da herança testado apenas sobre parte dos bens. Os restantes também serão distribuídos conforme as regras da sucessão legítima. Desta forma, é possível inferir as diferentes espécies de sucessores. Os herdeiros legítimos serão aqueles indicados pela lei (art. 1.829 CC); já os testamentários são aqueles indicados no testamento do de cujus, sem que qualquer bem em específi co lhe tenha sido destinado. Caso o testador individualize coisa a ser entregue e alguém, teremos uma outra espécie de sucessor, o legatário. Temos ainda os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge, conforme o art. 1.845 CC), e o herdeiro universal, que receberá a herança em sua totalidade. É importante destacar que apesar da sucessão testamentária se originar da vontade individual do falecido, o artigo 1.789 do Código Civil estabelece que, caso ele tenha herdeiros necessários, poderá testar apenas sobre metade da herança. Além disso, como salienta Gonçalves (2012, p. 48): O ordenamento jurídico brasileiro conta com dois tipos principais de sucessões: a legítima, decorrente da própria lei, e a testamentária que decorre diretamente da vontade individual do falecido. 18 DIREITO DAS SUCESSÕES Se o testador for casado no regime da comunhão universal de bens, o patrimônio do casal será dividido em duas meações, e só poderá dispor, em testamento, integralmente, da sua, se não tiver herdeiros necessários, e da metade, correspondente a um quarto do patrimônio do casal, se os tiver. Quanto aos efeitos, podemos classifi car as sucessões em a título universal, quando o sucessor herda parte ou totalidade da herança; e em a título singular, quando o sucessor herda um bem específi co, chamado de legado. Conforme Gonçalves (2012, p. 49): “Legatário, portanto, não é o mesmo que herdeiro. Este sucede a título universal, pois a herança é uma universalidade; aquele, porém, sucede ao falecido a título singular, tomando o seu lugar em coisa certa e individuada”. Sabe-se, desde já, que os parentes, cônjuges, legatários e herdeiros testamentários tem direito à herança, mas existem exceções? Para esclarecer tal questão, vejamos, agora, a legitimidade para suceder, também chamada de vocação hereditária. 4.1 Legitimidade ParaHerdar e Suceder (Vocação Hereditária) Para suceder, o Código Civil em seu art. 1.798 apresenta a seguinte regra geral, válida para herdeiros legítimos, testamentários e legatários: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Infere-se, portanto, que o nascituro e demais pessoas vivas possuem legitimidade genérica para atuar como sucessores, sendo excluídos os indivíduos mortos quando da abertura da sucessão, os animais, as coisas inanimadas e as entidades místicas. No caso específi co do nascituro, sua legitimidade para suceder advém de sua personalidade jurídica condicionada, que só se efetuará mediante nascimento com vida. Por essa razão, caso nasça sem vida, não irá gerar efeitos sucessórios, como se nunca tivesse existido, não recebendo e nem transmitindo direitos. Como afi rma Gonçalves (2012, p. 80), “Nesse caso, a herança ou quota hereditária será devolvida aos herdeiros legítimos do de cujus, ou ao substituto testamentário, se tiver sido indicado, retroagindo a devolução à data da abertura da sucessão”. Além dos requisitos genéricos para suceder (pessoa viva ou nascituro), a sucessão testamentária, criada por vontade do próprio autor da herança, admite como herdeiros testamentários ou legatários, ainda: 19 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 Art. 1.799 [...] I - os fi lhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; II - as pessoas jurídicas; III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação”. Assim, o primeiro inciso permite que os legatários e testamentários sejam fi lhos não nascidos de pessoas indicadas pelo falecido. Trata-se de uma condição suspensiva que poderá ou não se realizar quando da abertura da sucessão. Imaginemos, por exemplo, que Sirius escreve, em testamento, que sua moto Harley Davidson deverá ser entregue ao fi lho ainda não nascido de seu afi lhado Harry. Temos, aqui, três possibilidades, quando da abertura da sucessão: 1) Harry não existe no momento indicado; 2) Harry está vivo (pode ainda vir a ter um fi lho, legatário) ou alguma mulher está grávida de seu fi lho (o legatário foi concebido); 3) Harry teve seu fi lho, Alvo, já vivo quando da abertura da sucessão. Cada uma destas hipóteses enseja uma possibilidade jurídica diferente. Na primeira hipótese, Harry pode ter morrido antes da abertura da sucessão de Sirius. Neste caso, a disposição é inefi caz e o legado (a moto) passará aos herdeiros legítimos do de cujus, já que não há possibilidade da pessoa indicada como legatário vir a existir. Na segunda hipótese, pode ser que Harry esteja vivo mas ainda não tenha fi lhos quando da abertura da sucessão de Sirius; se este for o caso, o Art. 1.800 §4º estabelece um prazo de dois anos para que o fi lho de Harry (legatário de Sirius) seja concebido. Se depois deste prazo o legatário ainda não for gerado, o legado passa a seus herdeiros legítimos. Caso o fi lho de Harry (Alvo, o legatário) já tenha sido concebido, receberá o bem indicado por Sirius se nascer com vida. Neste caso, após a partilha, o bem do futuro legatário (Alvo, fi lho de Harry) fi cará sob os cuidados de um curador, que deverá ser a pessoa cujo fi lho o testador esperava ter como sucessor (no caso de nosso exemplo, Harry; art. 1.800, caput e §1º, CC) ou os curadores indicados nos arts. 1.775 e 1.797 do CC. Na terceira hipótese, Alvo, já nascido, recebe seu legado imediatamente. Em síntese, Gonçalves (2012, p. 83) explica: aberta a sucessão que benefi cia a prole eventual, a herança é posta sob administração, permanecendo nessa situação até que a condição se cumpra ou haja a certeza de que não pode cumprir- se. A certeza de que o nascimento não poderá ocorrer se dá quando morre o progenitor, indicado pelo testador do concepturo 20 DIREITO DAS SUCESSÕES instituído, ou quando ele for declarado impotente, por exemplo, numa ação de anulação de casamento ou em ação de impugnação de paternidade presumida, ou, ainda, na hipótese prevista no § 4º do art. 1.800, ou seja, se decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado. O segundo inciso refere-se às pessoas jurídicas, de qualquer tipo (simples, empresárias, de direito público ou privado), desde que tenham seu ato constitutivo inscrito no respectivo registro – ou seja, desde que tenham personalidade (art. 45, CC). É admitido, porém, que as pessoas jurídicas em formação sejam comparadas à situação do nascituro, com personalidade condicional; se os atos para sua criação estiverem em andamento, portanto, admite-se sua legitimidade para herdar, a ser confi rmada quando da inscrição efetiva do ato constitutivo. Já o terceiro diz respeito especifi camente à criação de fundações, que podem ser originadas tanto por escritura pública quanto por testamento (art. 62, CC). Se a fundação já existe quando da abertura da sucessão, o de cujus poderá testar em benefício dela com base no inciso II; o inciso III é específi co para ato de constituição da fundação. Assim, conforme Gonçalves (2012, p. 88-89): Por ainda não existir a pessoa jurídica idealizada pelo testador, aberta a sucessão os bens permanecerão sob a guarda provisória da pessoa encarregada de instituí-la, até o registro de seus estatutos, quando passará a ter existência legal. Justifi ca-se a regra pelo fato de o testador efetivar a dotação de bens para a instituição da fundação, instituição esta que interessa à sociedade em virtude dos fi ns nobres que deve ter tal espécie de pessoa jurídica (CC, art. 62, parágrafo único). Estabelecidos os indivíduos aptos a herdarem quando da sucessão testamentária, necessário conhecer aqueles que não podem ser nomeados herdeiros testamentários e nem legatários: Art. 1.801 Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários: I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos; II - as testemunhas do testamento; III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos; IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fi zer, assim como o que fi zer ou aprovar o testamento. Com exceção do caso do concubino, ao qual faremos comentários mais detalhados a seguir, tais proibições baseiam-se em questões de segurança, no intuito de evitar que a vontade real do testador seja, de alguma forma, alterada por aquele que a escreve. 21 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 O inciso primeiro refere-se ao indivíduo que escreve as disposições testamentárias a rogo, ou seja, a pedido do falecido. Na situação de escrevente, tal pessoa poderia facilmente benefi ciar a si ou a parentes próximos, dada a oportunidade. Os descentes do escritor também são proibidas de fi gurarem como herdeiros testamentários, por força do art. 1.802, parágrafo único do CC. O segundo inciso refere-se às testemunhas, também no intuito de assegurar a veracidade das informações e garantir os últimos desejos do defunto. O inciso terceiro, a seu turno, fundamenta-se, conforme Gonçalves (2012, p. 92), “na proteção da família legítima” e na coibição do adultério. Trata-se de proibir que o/a concubino/a (amante), ou seja, homem e mulher que mantêm relações não eventuais entre si, mas são impedidos de casar (art. 1.727, CC), herde parte do patrimônio a ser deixado por seu parceiro. A herança testamentária será legal, entretanto, se o testador estiver separado de fato há mais de cinco anos. Em 2017, foi lançado nos cinemas o fi lme “Professor Marston e as mulheres maravilhas”, obra baseada na história real do Doutor em Psicologia e Professor de Harvard, Wiliam Marston, que junto de sua mulher Elizabeth Marston (também Doutora em Psicologia por Harvard),criou o Detector de Mentiras (polígrafo) e a famosa Mulher- Maravilha, personagem dos quadrinhos, em 1941. O casal mantinha uma relação poliafetiva e consensual com Olive Byrne, uma ex-aluna que virou acadêmica. Dirigido por Angela Robinson, seu elenco conta com Luke Evans, Rebecca Hall e Bella Heathcote. Apesar de se tratar de dispositivo legal em vigor, não podemos esquecer que a realidade social já se modifi cou de maneira grandiosa, sendo possível hoje encontrar novas disposições familiares que, na informalidade e longe da proteção do Direito, se fundamentam no poliamor – união entre três ou mais pessoas. Desta forma, não é incomum encontrar decisões judiciais que reconhecem direitos sucessórios oriundos do concubinato, por exemplo, a divisão da pensão por morte do de cujus, entre sua esposa e sua concubina: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SEGURADO. CONCUBINATO. POSSIBILIDADE. 1 - Por mais que esteja em nosso ordenamento prestigiada a monogamia, não se pode fechar os olhos à realidade deixando desamparada a concubina, que, não obstante a inexistência de vínculo formal com o servidor, estava 22 DIREITO DAS SUCESSÕES em igualdade de condições com a esposa. Este entendimento não traz consignada a validação da duplicidade de relações maritais; pretende-se, apenas, guiado pelo senso de justiça, regular as consequências das circunstâncias fáticas, evitando- se deixar à margem da proteção jurídica a concubina, que tinha vida em comum sob o mesmo teto more uxório com o servidor, embora não com exclusividade (AG 2005.04.01.056483-2/RS, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 14-06-06, p. 490) (grifos nossos). EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESPOSA E CONCUBINA. RATEIO. POSSIBILIDADE. 1. Para a concessão do benefício de pensão por morte, no caso de companheira, há necessidade de comprovação de união estável. 2. Na hipótese, ainda que verifi cada a ocorrência do concubinato impuro, não se pode ignorar a realidade fática, concretizada pela longa duração da união do falecido com a concubina, ainda que existindo simultaneamente dois relacionamentos, razão pela qual é de ser deferida à autora o benefício de pensão por morte na quota-parte que lhe cabe, a contar do ajuizamento da ação (TRF4, AC 2000.72.04.000915- 0, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Luiz Antonio Bonat, D.E. 15/09/2008) (grifos nossos). Assim, pode ser que o art. 1.801, III, CC sofra alterações consideráveis nos próximos anos. Importante mencionar que, caso o fi lho do concubino/a também seja fi lho do testador, terá direito à herança (art. 1.803, CC). O Art. 1.801, III, do Código Civil] proíbe benefício testamentário em favor da concubina, ou do concubino, do testador casado, incorporando argumentos preconceituosos e estigmatizantes. Coloca-se o dispositivo na mesma linha de tratamento da proibição de doação à concubina (CC, art. 550)¹, mantendo o tratamento preconceituoso existente de há muito. Malgrado o concubinato não tenha merecido tratamento de entidade dotada de natureza familiar, consoante a opção legislativa (CC, art. 1.727) e o consensus omnium jurisprudencial², o dispositivo é de duvidosa razoabilidade porque está retirando do testador a liberdade sobre a sua porção disponível (a legítima dos herdeiros necessários e a meação do cônjuge ou companheiro estão preservadas). Não custa lembrar que se trata da parcela disponível do patrimônio do titular, já restringida pela legítima, pertencente 23 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 aos herdeiros necessários. Esta parte disponível (insista-se) do patrimônio poderia ser testada (ou doada) para qualquer pessoa, por mais estranha que seja. Entretanto, não pode ser para a concubina. Trata-se de disposição legal excessivamente moralista e preconceituosa, explicitando uma exacerbada preocupação com o adultério e ignorando as novas formas de composição de núcleos familiares, baseadas no afeto. Proíbe-se uma pessoa casada de dispor, gratuitamente, de seu patrimônio em favor de seu concubino ou de sua concubina. Com isso, o sistema termina promovendo uma interdição parcial de uma pessoa plenamente capaz, pois retira do titular o direito de livre dispor de seu patrimônio, como se fosse incapaz para tanto. Enfi m, é uma tentativa de desestímulo do concubinato³. Há, sem dúvidas, uma infl uência da moral cristã, que repugnava as formas de constituição de família apartadas dos rituais do Código Canônico. Prova disso é que a proibição vem de tempos longínquos, nos quais a ciência jurídica sofria a ascendência da Religião. Assim, atravessaram as Ordenações Alfonsinas (Livro IV, Título 13), Manuelinas (Livro IV, Título 8) e Filipinas (Livro 4o, Título 66)4 para ganhar cores bem nítidas no Código Civil de 1916 (art. 1.177). A título de curiosidade, vale a lembrança de que o Código de 1916 apenas proibia o testamento em favor da concubina do homem casado, e não do concubino da mulher casada, demonstrando absoluta discrepância de tratamento entre os sexos5. Ou seja, uma mulher casada poderia testar para o seu concubino; o homem casado, não. Mantendo a proibição de testamento em benefício da concubina, a legislação brasileira ignora toda a evolução da matéria no direito comparado, deixando de perceber que os mais contemporâneos Códigos Civis não apresentam norma semelhante, como se pode notar no português, no italiano, no francês e no alemão. Conquanto a atual redação legal (CC, art. 1.801, III) enseje algum nível de dúvida, por conta da imprecisão, prevalece a compreensão de que a proibição alcança todas as pessoas casadas, independentemente do gênero sexual, a partir de uma interpretação sistêmica e fi nalística. 24 DIREITO DAS SUCESSÕES Não incide a vedação, todavia, se o testador já estiver separado de fato, independentemente de prazo, porque, no caso, já se permite a constituição de uma união estável, consoante previsão expressa do § 1o do art. 1.723 do Código Civil6. Isso porque, malgrado o inciso III aluda ao prazo de cinco anos de separação de fato, para convalidar o testamento em favor da concubina, a interpretação sistêmica com o § 1º do art. 1.723 do mesmo Codex conduz à fatal conclusão de que basta a simples separação de fato, independentemente de qualquer prazo, para que se caracterize a união estável e esteja afastada a proibição legal. Nesse diapasão, inclusive, sedimentou-se no Enunciado 269 da Jornada de Direito Civil: “a vedação do art. 1.801, inciso III, não se aplica à união estável, independentemente do período de separação de fato”. A orientação sedimentada na jurisprudência superior é exatamente no sentido de reconhecer que a simples separação de fato, independentemente de qualquer prazo, convalida o testamento, por conta da recategorização jurídica, na medida em que o concubinato se transforma em união estável. Veja-se: A separação, de fato, do testador descaracteriza a existência de concubinato e, por corolário, afasta a pretensão da recorrente de ver nulo o testamento, por força da vedação legal de nomeação de concubina como legatária. (STJ, Ac. unân. 4ª T., REsp 1.338.220/ SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.5.14, DJe 22.5.14). De nossa parte, defendemos que o dispositivo deve ser interpretado com mais proximidade à realidade social do país, bem como liberto de preconceitos morais. Com isso, a proibição não deve alcançar o concubinato de boa-fé (objetiva ou subjetiva), por caracterizar uma verdadeira união estável putativa. Ora, a pessoa que participa de uma relação afetiva sem ter ciência de que a sua relação é concubinária (ou seja, sem saber que o seu companheiro é casado ou tem uma união estável anterior, sem ruptura da convivência, caracterizando um paralelismo) deve ter a sua dignidade protegida da mesma forma que a pessoa enganada. É a proteção da boa-fé subjetiva. Por igual, quando todas as partes envolvidas no paralelismosabem e aceitam a situação, impõe-se a proteção. Isso porque, nesse segundo caso, está presente a boa-fé objetiva. Até porque a confi ança (legítimas expectativas) de todos é a mesma e reclama justa tutela jurídica. Nessa trilha, entendemos que, presente a boa-fé (objetiva ou subjetiva), é possível emprestar 25 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 efeitos típicos do Direito das Famílias e do Direito das Sucessões às uniões extramatrimoniais em que um dos companheiros sofre um dos impedimentos matrimoniais7. Caracterizar-se-á uma verdadeira união estável putativa, decorrente da boa fé. E, bem por isso, em se tratando de união estável putativa, entendemos que a melhor interpretação aponta na direção do afastamento da incidência do dispositivo sub examine, sob pena de desvio interpretativo e elastecimento indevido de uma proibição legal. Em sede jurisprudencial, já são colhidas manifestações diversas em sede de nossos Tribunais de Justiça, como o do Rio Grande do Sul8, Santa Catarina9 e Minas Gerais10. A posição do Superior Tribunal de Justiça, no entanto, é refratária à tese, mantendo o tratamento da união estável putativa como mero concubinato11, indicando a irrelevância da boa-fé. 1 Art. 550, Código Civil: “A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.” 2 Veja-se a posição dominante do Superior Tribunal de Justiça: “A orientação jurisprudencial desta Corte é fi rme no sentido de que a relação concubinária, paralela a casamento válido, não pode ser reconhecida como união estável, salvo se confi gurada separação de fato ou judicial entre os cônjuges” (STJ, Ac. unân. 3a T., AgRg no REsp 1.235.648/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 4.2.14, DJe 14.2.14). 3 Tentando justifi car a ratio do dispositivo legal, Carlos Roberto Gonçalves afi rma que “a vedação complementa a série de dispositivos destinados a proteger a família legítima e coibir o adultério”, GONÇALVES, Carlos Roberto, cf. Direito Civil Brasileiro, cit., p. 81. 4 Constava, preconceituosamente, das Ordenações Filipinas: “se algum homem casado der a sua barregã coisa móvel ou de raiz, ou a qualquer outra mulher, com que tenha carnal afeição, sua mulher poderá anular e haver para si a coisa que assim foi doada”. 5 Mais surpreendente era a justifi cativa da disparidade de tratamento: “o legislador visou evitar escandalosas investigações a respeito da vida íntima de mães de família”, MAXIMILIANO, Carlos, cf. Direito das Sucessões, cit., p. 513. 6 Art. 1.723, § 1o, Código Civil: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”. 7 Mais incisiva e direta, Maria Berenice Dias, corroborando da ideia aqui defendida, assegura que negar a união estável putativa não atende aos ditames elementares de justiça e de ética (aliás, uma das diretrizes do Código Civil). E dispara: “o casamento, embora nulo, mas realizado de boa- fé, produz todos os efeitos jurídicos até que seja desconstituído. No mínimo, em se tratando de união estável constituída em afronta aos impedimentos legais, há que se invocar o mesmo princípio e reconhecer a existência de uma união estável putativa. Estando um ou ambos os conviventes de boa-fé, é mister atribuir efeitos à união”. DIAS, Maria Berenice, cf. Manual de Direito das Famílias, cit., p. 164. 8 “União estável. Situação putativa. Affectio maritalis. Notoriedade e publicidade 26 DIREITO DAS SUCESSÕES do relacionamento. Boa-féda companheira. [...] 2. Tendo o relacionamento perdurado até o falecimento do varão e se assemelhado a um casamento de fato, com coabitação, clara comunhão de vida e de interesses, resta induvidosa a affectio maritalis. 3. Comprovada a notoriedade e a publicidade do relacionamento amoroso havido entre a autora e o de cujus, é cabível o reconhecimento de união estável putativa, quando fi ca demonstrado que a autora não sabia do relacionamento paralelo do varão com a mãe da ré” (TJ/ RS, Ac. 7a Câm. Cív., ApCív. 70025094707 comarca de Gravataí, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 22.10.08, DJRS 30.10.08). 9 “2. Embora seja predominante, no âmbito do Direito de Família, o entendimento da inadmissibilidade de se reconhecer a dualidade de uniões estáveis concomitantes, é de se dar proteção jurídica a ambas as companheiras em comprovado o estado de recíproca putatividade quanto ao duplo convívio com o mesmo varão, mostrando-se justa a solução que alvitra a divisão da pensão derivada do falecimento dele e da terceira mulher com quem fora casado” (TJ/SC, Ac. 4a Câmara de Direito Civil, ApCív. 2009.041434-7, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 10.11.11). 10 “Direito das Famílias. União estável contemporânea ao casamento. União dúplice. Possibilidade de reconhecimento face às peculiaridades do caso. Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou o nascimento de três fi lhos. Nesse período de convivência afetiva – pública, contínua e duradoura – um cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fi sicamente e sexualmente. Durante esses anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram, choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os fi lhos e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confi rma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar casado civilmente. Há, ainda, difi culdade de o Poder Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus aspectos. Ela não é concubina – palavra preconceituosa – mas companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fi m da união estável. Entender o contrário é estabelecer um retrocesso em relação a lentas e sofridas conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade jurídica e de igualdade social. Negar a existência de união estável, quando um dos companheiros é casado, é solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na clandestinidade, o que parte da sociedade prefere esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de negar a existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro” (TJ/MG, Ac. unân. 5a Câm. Cív., ApCív. 1.0017.05.016882-6/003 – comarca de Almenara, Rel. Desa. Maria Elza, j. 20.11.08, DJMG 10.12.08). 11 “A relação concubinária, paralela ao casamento válido, não pode ser reconhecida como união estável, salvo se confi gurada a separação de fato ou judicial entre os cônjuges” (STJ, Ac. unân. 6a T., AgRg no REsp. 1.147.046/ RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 8.5.14, DJe 26.5.14). FONTE: Farias e Rosenvald (2015, p. 91-94). 27 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 Por fi m, o art. 1.801, IV, CC proíbe que outros possíveis participantes da feitura do testamento (tabelião, comandante, escrivão), atuem como herdeiros testamentários ou legatários, evitando, novamente, o abuso de confi ança. Caso, ainda assim, as pessoas proibidas de herdar como testamentários ou legatários sejam contempladas mediante simulação ou interposição, as disposições testamentárias relativas a esses indivíduos serão nulas (art. 1.802, CC). Conforme Gonçalves (2012, p. 95): Simulação é uma declaração falsa, enganosa, davontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado. Proclama coerentemente o art. 167 do novo diploma que ‘é nulo o negócio jurídico simulado’, conquanto possam permanecer os efeitos do ato dissimulado, se válido for na substância e na forma. A simulação ocorrerá quando o testador afi rmar ser devedor de obrigação que não existe, ou falsamente afi rmar que prometeu a venda de alguma coisa já tendo recebido por ela o pagamento. Já a interposição de pessoas (Art. 167, §1º, I CC) benefi cia de forma direta um terceiro, capaz de suceder mediante sucessão testamentária, mas indiretamente gera algum bônus para o não legitimado. Assim, por exemplo, se para recompensar Eduardo, que escreveu o testamento a rogo, o falecido Hughes deixa herança para Alphonse, irmão de Eduardo, essa disposição será nula. No caso de ascendentes, descendentes, irmãos, cônjuge ou companheiro do não legitimado, a presunção é absoluta e dispensa provas (art. 1.802, CC). Falaremos agora dos indivíduos excluídos da sucessão. 28 DIREITO DAS SUCESSÕES Atividade de Estudos: 1) Levando em consideração o Artigo 1.801 do Código Civil, avalie a seguinte situação: Mufasa, moribundo, pede para que Scar, seu irmão, escreva o seu testamento. Na qualidade de herdeiro legítimo, Scar herda, após a morte de Mufasa, metade de seu patrimônio. Pergunta-se: a herança de Scar é válida? Por quê? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 29 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 4.2 Os EXcluídos da Sucessão Segundo Gonçalves (2012, p. 127), a sucessão baseia-se na afeição entre de cujus e herdeiro, ainda que de forma pressuposta. Assim, caso o sucessor cometa ato atentatório contra esta afetividade, poderá ser penalizado e excluído da sucessão. O art. 1.814 do CC elenca taxativamente os casos capazes de tornar o herdeiro indigno, ou seja, excluído: Art. 1.814 São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. O inciso I refere-se ao homicídio doloso do falecido ou de algum de seus familiares, incluindo a tentativa e a participação indireta no crime. Apesar de não abordar especifi camente o auxílio ao suicídio do autor da herança, esta hipótese também deve ser enquadrada já que nos termos do Código Penal vigente, trata- se de crime de igual gravidade. Já o segundo inciso refere-se à prática efetiva de crime contra a honra do morto. Neste caso, não há que se falar em exclusão do herdeiro por tentativa de cometer tal ato. No caso de denúncia caluniosa contra o falecido, esta deve ter sido efetuada em juízo criminal, dispensada a necessidade de condenação do de cujus. Diferentemente do inciso anterior, os crimes contra a honra só geram exclusão de herdeiro se tiverem sido cometidos contra o próprio morto ou contra seu cônjuge ou companheiro. Por fi m, o inciso III diz respeito às situações nas quais a vontade do autor da herança é, por algum motivo, suprimida. Monteiro (2009, p. 65) aponta alguns exemplos: “a) o herdeiro constrange o de cujus a testar; b) ou então impede-o de revogar testamento anterior; c) suprime testamento cerrado ou particular dele; d) urde ou elabora um testamento falso; e) cientemente, pretende fazer uso de testamento contrafeito”. Independentemente de relações de parentesco, qualquer indivíduo que cometa alguma dessas atitudes será considerado herdeiro indigno. Para que a efetivação da exclusão ocorra, entretanto, além de praticar um dos atos transcritos Caso o sucessor cometa ato atentatório contra esta afetividade, poderá ser penalizado e excluído da sucessão. O art. 1.814 do CC elenca taxativamente os casos capazes de tornar o herdeiro indigno. 30 DIREITO DAS SUCESSÕES acima, o herdeiro não pode ter sido perdoado pelo falecido e é preciso que haja uma sentença judicial declaratória de indignidade. Sobre o perdão do herdeiro indigno, diz o Artigo 1.818, caput e parágrafo único do CC: Art. 1.818 Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico. Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária. Desde já se percebe que o perdão deve ser manifesto em ato solene expresso, no próprio testamento ou em ato autêntico, não admitindo arrependimento. Uma leitura atenta do parágrafo único acima transcrito apontará, ainda, para a possibilidade de perdão tácito. Tal situação ocorre nos casos em que a ofensa foi cometida contra o de cujus antes de sua morte e ele, ciente do ocorrido, ainda assim resolve contemplar o ofensor em testamento. Seus direitos, porém, fi cam limitados ao que for expresso pelo autor da herança. Ato autêntico: é qualquer declaração, por instrumento público ou particular, autenticada pelo escrivão. Não têm valor, para esse fi m, escritura particular; declarações verbais ou do próprio punho, embora corroboradas por testemunhas; cartas, ou quaisquer outros atos que revelem reconciliação ou propósitos de clemência. Não é necessário que o ato seja lavrado exclusivamente para reabilitar o indigno. Mesmo que o ato autêntico tenha objetivo diverso, como doação ou pacto antenupcial, pode o hereditando inserir o seu perdão. Pode fazê-lo até em ata de casamento (GONÇALVES, 2012, p. 143). No que se refere à sentença declaratória de indignidade, cabe ressaltar que a ação cabível deve ser ajuizada apenas após a morte do autor da herança, pois é somente neste momento que o indivíduo se torna herdeiro indigno; caso o réu (herdeiro indigno) venha a falecer no curso do processo: 31 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 Extingue-se a ação, por efeito do princípio da personalidade da culpa e da pena. A morte do indigno acarreta a transmissão dos bens herdados, dos quais vinha desfrutando desde o falecimento do de cujus, aos seus próprios sucessores, visto que a indignidade só produziria efeitos depois de declarada por sentença, e tal pena não deve ir além da pessoa do criminoso (GONÇALVES, 2012, p. 141). “A indignidade é, portanto, uma sanção civil que acarreta a perda do direito sucessório. Segundo Clóvis Beviláqua, ‘é a privação do direito, cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou ao interesse do hereditando’” (GONÇALVES, 2012, p. 128). A exclusão do herdeiro produz uma série de efeitosjurídicos, sendo os principais 1) a pessoalidade; 2) a retroatividade e 3) a impossibilidade do herdeiro indigno gerir os bens herdados pelos fi lhos menores. Quanto à pessoalidade, os efeitos oriundos da exclusão atingem apenas a pessoa que efetivamente cometeu algum dos atos elencados no art. 1.814 CC, pois como sanção que é, não pode ultrapassar a fi gura do delinquente. Desta forma, o art. 1.816 do CC preceitua: “os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão”. Imaginemos que Theodoro, já idoso e viúvo, venha a falecer. Seus únicos herdeiros são Max e Walter, sendo que Max é casado e possui duas fi lhas (Helga e Anna). Após a morte de Theodoro, se descobre que seu fi lho Max o assassinou, com doses regulares de veneno, para que todos achassem que a morte chegara de causas naturais. Realizado o processo de exclusão de Max, por indignidade, a parte que lhe caberia deverá ser transmitida a quem? A seu irmão Walter, ao Estado, ou a suas duas fi lhas, Helga e Anna? Observe o esquema a seguir: 32 DIREITO DAS SUCESSÕES FIGURA 1 – EXCLUSÃO DO HERDEIRO INDIGNO FONTE: A autora Neste caso, os bens deverão ser herdados por Helga e Anna, já que a exclusão gera efeitos personalíssimos, o que para o herdeiro indigno signifi ca uma espécie de morte fi cta. A este fenômeno, chamados sub-rogação: Helga e Anna sub-rogaram para si a herança de seu pai, Max. Sobre o assunto, Gonçalves (2012, p. 144) afi rma: A situação do excluído equipara-se à do herdeiro pré-morto: embora vivo, será representado por seus descendentes, como se tivesse morrido. Os bens que deixa de herdar são devolvidos às pessoas que os herdariam, caso ele já fosse falecido na data da abertura da sucessão. Se o de cujus, por exemplo, tinha dois fi lhos e um deles foi excluído por indignidade, tendo prole, a herança será dividida entre as duas estirpes: metade fi cará com o outro fi lho, e metade será entregue aos descendentes do excluído, que herdarão representando o indigno. Esta regra, entretanto, comporta exceções. Usando o mesmo exemplo citado, caso Helga e Anna fossem diretamente contempladas em testamento, a parte de seu pai indigno, (Max) deveria ser acrescida ao total da herança para partilha, ou seja, elas não iriam sub-rogar a parte de Max, mas sim repartir diretamente com seu Tio Walter a distribuição dos bens. Voltaremos a abordar o assunto no Capítulo 2, quando trataremos diretamente da ordem de vocação hereditária. O segundo efeito gerado pela exclusão do herdeiro indigno diz respeito à retroatividade, pois ele será fi ctamente considerado morto quando da abertura da sucessão, conforme explicado anteriormente. Uma das principais consequências deste efeito é a de que, caso tenha usufruído da herança antes de ser considerado indigno, deverá restituir aquilo que percebeu, com direito a indenização por eventuais benfeitorias úteis (necessárias a conservação do bem; Art. 1.817, Parágrafo único, CC). 33 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 O terceiro efeito refere-se ao usufruto ou administração dos bens dos fi lhos menores que receberam a sua parte da herança, sendo proibido, ainda, que o indigno um dia, a herde. Para melhor entender, usaremos novamente o exemplo de Theodoro, Max e suas fi lhas Helga e Anna. Tendo Max sido considerado indigno e a sua parte sendo transmitida diretamente para suas fi lhas crianças, Helga e Anna, ele não poderá usufruir nem administrar o que as meninas herdarem. E se eventualmente as duas falecerem antes de Max, ele também não poderá herdar nenhum dos bens que originalmente eram de Theodoro e foram a elas transmitidos, seja em razão da indignidade de Max (que gerou o efeito de sub-rogação), seja em razão de disposição testamentária específi ca (que não gera sub-rogação, conforme já explicado). Questão a ser enfrentada diz respeito à validade dos atos praticados por herdeiro que posteriormente é declarado indigno. Mais uma vez valendo-me do exemplo de Max, o indigno, proponho o seguinte cenário: antes da sentença judicial declarando-o indigno, Max, tido até então como herdeiro legítimo, vende o conservado e luxuoso Chevrolet Impala 1967 de Theodoro para Simone, colecionadora de carros antigos, que nada sabia sobre o crime de Max (ou seja, ela estava de boa-fé). Uma vez excluído da sucessão por sentença, o que acontecerá com a venda deste bem? Sobre o tema, diz o Artigo 1.817 do Código Civil: São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boa-fé, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro, antes da sentença de exclusão; mas aos herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito de demandar-lhe perdas e danos. Portanto, apesar da retroatividade ser um dos efeitos da exclusão declarada em sentença, ela não atinge os atos de disposição já praticados pelo herdeiro indigno. Tais atos devem ser relativos a negócios onerosos e fi rmados de boa- fé. No caso da venda pactuada entre Max e Simone, caso Simone soubesse da indignidade e ainda assim comprasse o Impala, o carro deveria ser devolvido à herança para partilha entre os herdeiros. Se, ainda, no lugar de vender, Max o tivesse doado, o bem necessariamente voltaria para a herança do falecido, ainda que Simone estivesse de boa-fé, pois a doação é ato gratuito, não oneroso. Importante pontuar que não se deve confundir exclusão com deserdação, pois apesar de similares, há uma diferença crucial entre ambas. A exclusão é realizada por força da lei, em observância a suposta vontade do de cujus; já a deserdação advém diretamente da vontade do morto, que explicitamente afasta do rol de herdeiros alguém em específi co em disposição testamentária (art. 1.964, CC). Estudaremos, agora, questões relativas à herança. 34 DIREITO DAS SUCESSÕES 5 HERANÇA Conforme mencionado anteriormente, a herança abrange os ativos e passivos do indivíduo morto. Considera-se que com a morte do titular do patrimônio, abre-se a sucessão e a herança é transmitida aos herdeiros, tudo a um só tempo. Por força do Artigo 1.791 e seu parágrafo único, a herança é considerada um todo unitário e indivisível, que só será repartida entre os herdeiros no momento da partilha. Por esta razão, os direitos de propriedade e posse dos herdeiros são regulados pelas normas aplicáveis ao condomínio. A herança abrange os ativos e passivos do indivíduo morto. Herança: A herança (Erbschaft, como preferem os alemães) é o conjunto de relações jurídicas, ativas e passivas, patrimoniais pertencentes ao falecido e que foram transmitidas aos seus sucessores, por conta de sua morte, para que sejam partilhadas (FARIAS; ROSENVALD; 2015, p. 31). Na prática, isso signifi ca que cada herdeiro tem direitos e deveres iguais no que se refere à herança, não podendo dispor sobre parte específi ca e determinada. Entretanto, é possível que um dos herdeiros venda ou ceda a parte a que tem direito, sem especifi car nenhum tipo de bem ou que parte seria esta. O que é vendido é o próprio direito à sucessão que fora aberta, sendo este inclusive considerado bem imóvel (art. 80, II, CC). Trata-se da cessão de direitos hereditários (Art. 1.793 e seguintes), que pode operar-se de forma gratuita ou onerosa a partir da morte do autor da herança, ainda que o inventário não tenha sido aberto, e enquanto persistir a indivisibilidade da herança (ou seja, até a partilha). Como o direito à sucessão é considerado bem imóvel, a cessão de direitos hereditários tem como requisitos de validade escritura pública e autorização do cônjuge (Art. 1.793, 1.647 caput e inciso I, e 166, IV); na escritura, deve ser informado se foi realizada a título gratuito ou oneroso. Uma vez realizada, “O cessionário assume o lugar e a posição jurídica do cedente, fi cando sub- rogado em todos os direitos e obrigações, como se fosse o próprio herdeiro, recebendo, desse modo, na partilha,o que o herdeiro cedente haveria de receber” (GONÇALVES, 2012, p. 65). Como a cessão tem por objeto os direitos e não a qualidade de herdeiro em si, qualquer possibilidade de acréscimo que passe existir após sua celebração não será aproveitada pelo cessionário. 35 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 Exemplifi quemos. Rick falece e deixa um total de R$ 120.000,00 reais a ser dividido entre seus fi lhos Beth, Summer e Jerry, de forma que ao fi m da partilha espera-se que todos recebam partes iguais (total da herança – 120.000 – divididos por três herdeiros em condições iguais = 40.000 para cada herdeiro). Jerry cede seu direito a esta herança para um terceiro (Morty), de forma que é esperado que os R$ 40.000,00 reais de Jerry serão de Morty, ao fi nal da partilha. Todavia, Summer recusa sua parte na herança. Por isso, o total não mais será dividido por três herdeiros, mas por apenas dois; isto signifi ca que, se antes, Jerry tinha uma expectativa de herdar R$ 40.000,00 reais, sua expectativa, com a renúncia de Summer, será de R$ 60.000,00 reais. Mas como ele cedeu os direitos hereditários referentes aos R$ 40.000,00, Morty, em regra, só terá direito a esses mesmos R$ 40.000,00. Grafi camente, a situação originariamente pactuada entre Jerry e Morty seria a seguinte: FIGURA 2 – CESSÃO DE DIREITOS SUCESSÓRIOS FONTE: A autora Entretanto, a situação que realmente aconteceu foi a seguinte: 36 DIREITO DAS SUCESSÕES FIGURA 3 – CESSÃO DE DIREITOS SUCESSÓRIOS COM RECUSA DE UM HERDEIRO FONTE: A autora Observe que Beth receberá os R$ 60.000,00 a que tem direito, acrescido dos R$ 20.000,00 que sobram da parte de Morty. Essa situação poderia ser modifi cada caso cessante e cessionário acordassem em sentido contrário; assim, os lucros advindos da renúncia de Summer passariam para Morty, mas como nada foi acordado sobre isso, os lucros passam para os outros herdeiros (no caso, Beth). Além disso, ainda sobre cessão de direitos hereditários, caso um dos herdeiros queira obter a parte a ser cedida onerosamente, ele terá direito de preferência sobre qualquer terceiro estranho. Se for gratuita, essa preferência é perdida. Apesar de ser considerada um bem indivisível, os herdeiros possuem responsabilidade para com a herança, que, como abordado, pode englobar as dívidas do falecido. Por força do Art. 1.792 CC, porém, a responsabilidade dos herdeiros para com eventuais débitos do morto limita-se às forças da herança, não podendo atingir o patrimônio pessoal do herdeiro. Assim, imagine que John falece e deixa herança para seus fi lhos Dean e Sam. A herança é avaliada em R$ 100.000,00 reais, mas John havia contraído dívida de empréstimo bancário no valor R$ 150.000,00 reais. Desta forma, o valor deixado (R$ 100.000,00 reais) irá cobrir parte da dívida, mas os R$ 50.000,00 reais que ainda permanecerem em aberto não poderão ser cobrados dos herdeiros Dean e Sam, já que ultrapassa os limites da herança. Como afi rma Gonçalves (2012, p. 61): “Só serão partilhados os bens ou valores que restarem depois de pagas as dívidas, isto é, depois de descontado o que, de fato, pertence a outrem”. Vejamos agora como se dá a abertura do inventário. 37 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 5.1 ABertura do Inventário O inventário e a partilha, mencionados de forma recorrente ao longo deste capítulo, compõem um “procedimento especial de jurisdição contenciosa previsto no Código de Processo Civil para que seja efetivada a transmissão da herança” (FARIAS, ROSENVALD; 2012, p. 36). O inventário e a partilha compõem um “procedimento especial de jurisdição contenciosa previsto no Código de Processo Civil para que seja efetivada a transmissão da herança”. Inventário e Partilha: Trata-se de um procedimento bifásico-escalonado, por meio do qual o patrimônio transferido por conta da morte do titular será avaliado, bem como serão detectados os sucessores e eventuais credores (primeira parte, chamada inventariança), para que seja procedida a divisão entre eles, de acordo com o quinhão de cada um (segunda fase, denominada partilha). O objetivo do inventário é ‘a descrição dos bens do falecido, bem como a verifi cação dos seus possíveis herdeiros, a separação da meação do cônjuge supérstite, conforme o regime de bens do casamento, o pagamento das dívidas do de cujus, habilitando-se credores, e a partilha do acervo remanescente, atendido o eventual imposto de transmissão’, como ponderam Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 36). O procedimento deve ser iniciado em até dois meses da abertura da sucessão, prorrogáveis a pedido das partes (art. 611, Código de Processo Civil). A inobservância deste prazo pode gerar sanção fi scal, com imposição de multa no imposto a ser recolhido. O foro competente será o de último domicílio do falecido (art. 48, Código de Processo Civil); além disso, conforme Gonçalves (2012, p. 69): Requerimento de abertura do inventário será instruído obrigatoriamente com certidão de óbito do de cujus e com a procuração outorgada ao advogado que assinar a petição. Tendo sido deixado testamento, o respectivo instrumento deverá ser também anexado à inicial, além de qualquer outro documento de interesse dos herdeiros. 38 DIREITO DAS SUCESSÕES Aberto o inventário, o juiz deverá nomear inventariante, ou seja, um representante dos bens do espólio deixado de herança, cuja função principal será administrá-los. O inventariante deverá ser capaz e não poderá ter interesses contrários ao do espólio. Suas declarações presumem-se verdadeiras, sob pena de sanções criminais. A lei estabelece uma lista a ser seguida por ordem, para escolha do inventariante: Art. 617 O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem: I - o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; II - o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados; III - qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio; IV - o herdeiro menor, por seu representante legal; V - o testamenteiro, se lhe tiver sido confi ada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados; VI - o cessionário do herdeiro ou do legatário; VII - o inventariante judicial, se houver; VIII - pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial. Esta ordem deve ser obedecida e só será quebrada por razões bem fundamentadas pelo juiz. Entretanto, caso haja motivo para requerer o afastamento do inventariante, é possível solicitá-lo. O artigo 622 do Código de Processo Civil elenca um rol exemplifi cativo de motivos plausíveis para tal afastamento: Art. 622 O inventariante será removido de ofício ou a requerimento: I - se não prestar, no prazo legal, as primeiras ou as últimas declarações; II - se não der ao inventário andamento regular, se suscitar dúvidas infundadas ou se praticar atos meramente protelatórios; III - se, por culpa sua, bens do espólio se deteriorarem, forem dilapidados ou sofrerem dano; IV - se não defender o espólio nas ações em que for citado, se deixar de cobrar dívidas ativas ou se não promover as medidas necessárias para evitar o perecimento de direitos; V - se não prestar contas ou se as que prestar não forem julgadas boas; VI - se sonegar, ocultar ou desviar bens do espólio. Instaurado o inventário e nomeado inventariante, inicia-se o procedimento judicial que irá avaliar o total de ativos e passivos presentes no espólio do morto; após quitação das dívidas, restando bens, será feita a divisão entre os herdeiros, que podem, ainda, aceitar ou renunciar a herança. 39 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 5.2 Da Aceitação da Herança Com aabertura da sucessão, a herança passa automaticamente, por força de lei, aos herdeiros. Todavia, eles não são obrigados a aceitá- la, motivo pelo qual é possível que o indivíduo renuncie a herança. Neste sentido, a aceitação da herança, na verdade, não passa de uma confi rmação, já que desde a morte do autor da herança ela é transmitida aos herdeiros. Assim, uma vez aceita (confi rmada), ela continua sendo propriedade dos herdeiros; ou seja, “a aceitação tem [...] efeito retro-operante. Os direitos hereditários não nascem com ela, mas retroagem, automaticamente e ex vi legis, à data do óbito do autor da herança” (GONÇALVES, 2012, p. 101). Existem diversas espécies de aceitação, que podem ser classifi cadas: 1) Quanto à forma (expressa, tácita ou presumida); e 2) Quanto ao agente (aceitação pelos sucessores, por mandatário e gestor de negócios, por tutor ou curador de heranças, e pelos credores). A aceitação expressa é aquela manifestada por declaração escrita (art. 1.805, CC), de caráter público ou privado. A aceitação tácita advém dos atos praticados pelos herdeiros, excluídos “os atos ofi ciosos, como o funeral do falido, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória” e “a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais coerdeiros” (art. 1.805, § 1º e § 2º). Como afi rma Gonçalves (2012, p. 103): A aceitação tácita resulta de qualquer ato que demonstre intenção de adir a herança, como a intervenção no inventário, representado por advogado, concordando com as declarações preliminares e avaliações; a cessão de seus direitos a outrem; a participação em defesa dos interesses do espólio; o apossamento de bens a este pertencentes ou outros atos. Pode-se afi rmar que há aceitação tácita quando o sucessor pratica atos que ultrapassam a simples conservação e administração da herança e que implicam necessariamente a intenção de aceitar e que só poderia praticar na qualidade de herdeiro. Já se decidiu que simples requerimento de abertura de inventário, por si só, não traduz o propósito de aceitar a herança, por se tratar de obrigação legal do herdeiro. A aceitação será presumida quando um interessado em saber se o herdeiro irá ou não aceitar a herança, solicita ao juiz, após 20 dias da abertura da sucessão, que forneça um prazo não maior que 20 dias para o herdeiro manifestar sua aceitação ou renúncia; se passado o prazo o herdeiro permanecer silente, a aceitação será presumida (art. 1.807, CC). Com a abertura da sucessão, a herança passa automaticamente, por força de lei, aos herdeiros. Todavia, eles não são obrigados a aceitá- la, motivo pelo qual é possível que o indivíduo renuncie a herança. 40 DIREITO DAS SUCESSÕES O art. 1.809 do Código Civil estabelece que, caso o herdeiro morra antes de manifestar sua aceitação, o direito de aceite passa a seus próprios sucessores, exceto se houver sido estabelecida algum tipo de condição suspensiva para o herdeiro original. Exemplifi quemos. Mary morre e deixa um testamento segundo o qual sua mansão irá para Abbadon se, e somente se, ele ganhar o concurso de melhor violinista da cidade. Entretanto, Abbadon morre antes de sequer poder se inscrever no concurso, deixando duas fi lhas, Amara e Eva. Como a herança de Abbadon dependia de condição suspensiva (vencer o concurso), Amara e Eva não poderão aceitá-la porque a condição já não mais pode ser cumprida. A situação seria outra, entretanto, se Mary tivesse deixado diretamente a mansão para Abbadon. Falecendo antes de expressar sua aceitação, Amara e Eva deveriam 1) aceitar a herança de Abbadon; 2) Aceitar a herança de Mary como parte da herança de Abbadon. A aceitação também pode ser realizada por mandatário do herdeiro, ou seja, por procurador. Com relação ao gestor de negócios, entretanto, há controvérsias. A gestão de negócios é um tipo de ato unilateral que gera obrigação extracontratual e ocorre: Quando uma pessoa, sem autorização do interessado, intervém na administração de negócio alheio, dirigindo-o segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono (CC, art. 861). A intervenção é motivada por necessidade ou por utilidade, com a intenção de trazer proveito para o dono (GONÇALVES, 2012, p. 107). Em tese, nada impede o gestor de manifestar aceitação de herança, no intuito de prevenir prejuízos ao herdeiro. A herança poderá, ainda, ser aceita pelo tutor ou curador de incapaz, com a devida autorização judicial (art. 1.748, II; art. 1.781, CC). Por fi m, os credores dos herdeiros endividados podem aceitar a herança em nome deles, quando a renúncia lhes for prejudicial. A aceitação deve ser feita nos autos do inventário, mediante autorização judicial (art. 1.813 CC). Se após o pagamento das dívidas sobrar algum patrimônio, será distribuído entre os demais herdeiros, excluído o renunciante. Segundo Gonçalves (2012, p. 108): Tendo em vista que a transmissão da herança se dá no mesmo instante da abertura da sucessão (CC, art. 1.784), a renúncia da herança por parte do herdeiro pode consistir em fraude aos seus credores. Assim, por exemplo, se o de cujus deixa vultoso patrimônio a três fi lhos, que é prontamente aceito por 41 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DAS SUCESSÕES Capítulo 1 dois deles mas não pelo terceiro, que o repudia porque não possui bens penhoráveis, contraiu dívida de elevado valor e percebe que o seu quinhão na herança paterna será absorvido pelo credor, pode este requerer ao juiz que o autorize a aceitá- lo em nome do renunciante, evitando, assim, a consumação da fraude. Procura o devedor, ao renunciar ao seu quinhão, evitar que seja ele totalmente utilizado na satisfação do crédito daquele. Repudiando-o, haveria a devolução aos seus irmãos – solução esta a que dá preferência. A aceitação é juridicamente caracterizada como um negócio jurídico unilateral e puro, pois não pode depender de termos ou condições (art. 1.808 CC). É irretratável (art. 1.812, CC), embora possa vir a ser anulada se for descoberto, posteriormente, que o aceitante não é herdeiro. Nesse caso, a herança é devolvida a quem lhe tenha direito. A aceitação é, ainda, indivisível, pois não é possível que se aceite parte da herança. Essa indivisibilidade, porém, pode ser afastada caso a mesma pessoa seja herdeira legítima (fi lho do morto, por exemplo) e legatária (receba, em testamento, um bem específi co, como uma casa). Nesta hipótese, o herdeiro pode optar por aceitar apenas a herança legítima e renunciar ao legado ou vice-versa (Art. 1808, §1º, CC). Além disso, a indivisibilidade também é mitigada nos casos em que o mesmo sujeito seja herdeiro legítimo e testamentário; poderá optar pela parte deixada em testamento e renunciar a parte que lhe é legítima, ou fazer o contrário (art. 1.808, §2º, CC). Por outro lado, o herdeiro pode renunciar à herança ganha com a abertura da sucessão, conforme veremos a seguir. 5.3 Da RenÚncia da Herança Assim como a aceitação, a renúncia é um negócio jurídico unilateral cujos efeitos retroagem até a abertura da sucessão. Tendo uma vez renunciado, o inventário e a partilha desenvolvem-se como se o renunciante jamais tivesse sido herdeiro. A renúncia tem como efeitos a exclusão do renunciante do trâmite sucessório, de forma que sua parte é redistribuída entre os demais herdeiros (art. 1.829, II, CC). Diferentemente da aceitação, a renúncia só pode ser expressa, devendo ser manifestada em instrumento público ou termo judicial, nos autos do inventário e partilha (art. 1.806, CC), sob pena de invalidade absoluta do ato. Uma vez emitida, é irrevogável, assim como a aceitação (art. 1.812, CC). A renúncia tem como efeitos a exclusão do renunciante do trâmite sucessório, de forma que sua parte é redistribuída entre os demais herdeiros (art. 1.829, II, CC). 42 DIREITO DAS SUCESSÕES Entretanto, é possível falar em dois tipos de renúncia: a abdicativa e a cessão. A renúncia
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