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CAPÍTULO 3 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral de Vontade A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � A definição de obrigações extracontratuais e de declaração unilateral de vontade. � As principais espécies de obrigações extracontratuais unilaterais. � A identificação das obrigações extracontratuais unilaterais, diferenciando-as das obrigações firmadas em contrato, especialmente quanto aos efeitos. 116 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais 117 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Contextualização Neste capítulo, estudaremos outro tipo de obrigação civil, também oriunda da vontade individual, mas independente da existência de um credor: que são os atos unilaterais de vontade, institutos que se diferenciam sobremaneira dos contratos, assunto estudado nos capítulos anteriores. Embora a vontade individual esteja presente para a caracterização dos atos unilaterais, ela dispensa a existência de duas ou mais pessoas, bastando que um indivíduo, sozinho, manifeste seu desejo de agir em determinadas condições. Imaginemos que quando um animal de estimação desaparece e seu dono oferece uma quantia em dinheiro para quem o resgatar ou quando alguém emite um cheque para pagamento de dívidas, estamos diante de atos unilaterais de vontade – emitidos por um sujeito, individualmente, e que poderão gerar benefícios para um eventual credor, que é totalmente dispensável para o início do ato. Este capítulo será dedicado ao estudo destas figuras jurídicas tão presentes em nosso dia a dia. Conceitos Introdutórios As obrigações civis, hodiernamente conceituadas como o vínculo jurídico entre credor e devedor a respeito de uma prestação, têm como fonte a lei. É a legislação que irá determinar os efeitos dos contratos, impor o dever de indenizar quando alguém comete ato ilícito e, ainda, obrigar o declarante a pagar recompensa prometida, como veremos adiante neste capítulo. A lei, porém, poderá originar obrigações de forma direta ou indireta. No primeiro caso, nos referimos àquelas situações regidas especificamente pela legislação, por exemplo, a pensão alimentícia. Independentemente da vontade do sujeito, o fato de se ter um filho gera por si só, em razão da lei, o dever de alimentá-lo. Entretanto, existem casos em que a vontade do indivíduo é levada em consideração para a criação de obrigações. A lei disciplina os efeitos que irão se originar com essa declaração de vontade, atuando assim como fonte indireta das obrigações. Enquadram-se nessa categoria os contratos, já estudados nos capítulos anteriores; os atos ilícitos, relativos às ações contrárias à lei e aos atos unilaterais de vontade, categoria a que iremos nos ater neste capítulo. 118 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Como o nome já adianta, os atos unilaterais de vontade são aqueles emitidos por um só indivíduo, independentemente da existência ou não de credor. São criados especificamente por lei, que irá disciplinar as consequências jurídicas da manifestação da vontade desde indivíduo. Como afirma Diniz (2011, p. 812): A declaração unilateral de vontade é uma das fontes das obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa, formando- se a partir do instante em que o agente se manifesta com a intenção de se obrigar, independentemente da existência ou não de uma relação creditória, que poderá surgir posteriormente. [...] As obrigações nascem da declaração unilateral da vontade manifestada em circunstâncias tidas pela lei como idôneas para determinar sua imediata constituição e exigibilidade, desde que o declarante emita com a intenção de obrigar-se, e desde que chegue ao conhecimento da pessoa a quem se dirige, e seja esta determinada ou pelo menos determinável. Conforme Gonçalves (2014), o Código Civil de 2002 elenca, entre os artigos 854 e 909, cinco atos unilaterais de vontade: 1) Promessa de recompensa; 2) Gestão de negócios; 3) Pagamento indevido; 4) Enriquecimento sem causa; 5) Títulos de crédito. Neste capítulo, estudaremos em detalhes cada um deles. Promessa de Recompensa A promessa de recompensa pode ser conceituada como ato obrigacional de um sujeito que promete recompensa a quem preencher certo requisito ou desempenhar algum tipo de atividade. Trata-se, assim, de um negócio jurídico unilateral que gera obrigações a quem manifestar a vontade de recompensar, independentemente se outra parte irá ou não cumprir os requisitos para auferir o prometido. Neste sentido, o artigo 854 do Código Civil (BRASIL, 2002) assim determina: “aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido”. Imaginemos, pois, que Alice perdeu seu querido gato Cheshire. Seu pai, com pena da garota, distribuiu cartazes por toda a vizinhança e se comprometeu a pagar R$ 500,00 (quinhentos reais) a quem quer que traga o gato de volta. Eis a promessa de recompensa. Os atos unilaterais de vontade são aqueles emitidos por um só indivíduo, independentemente da existência ou não de credor. São criados especificamente por lei, que irá disciplinar as consequências jurídicas da manifestação da vontade desde indivíduo. A promessa de recompensa pode ser conceituada como ato obrigacional de um sujeito que promete recompensa a quem preencher certo requisito ou desempenhar algum tipo de atividade. 119 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Para que essa promessa seja obrigatória, entretanto, são necessários três requisitos: 1) Publicidade da promessa; 2) Especificação da condição ou do serviço a serem realizados; 3) Indicação da recompensa. O primeiro requisito encontra fundamento na expressão “anúncios públicos”, do art. 854 do CC, sendo irrelevante a maneira pela qual a publicidade será fornecida (se por meio de mídias, imprensa, cartazes ou folhetos). Deve ser direcionada ao público em geral, de maneira indeterminada, sob pena de ser caracterizada como negócio bilateral. É necessário, ainda, que a condição ou serviço a serem realizados sejam expressamente indicados, já que são os objetos da promessa. Assim, a promessa pode se referir a uma ação (por exemplo, ofereço quinhentos reais para quem fornecer informações sobre o gato de Alice) ou a uma omissão (por exemplo, os alunos que não faltarem a nenhuma aula ganharão 20 pontos extras). Por fim, cumpre mencionar qual será a recompensa entregue ao sujeito que cumprir os requisitos da promessa. É possível, assim, que a recompensa seja a entrega de um bem (por exemplo, dinheiro), ou a realização de alguma atividade por parte do promitente (por exemplo, pagamento de cursinho pré-vestibular). Caso a recompensa não esteja indicada na promessa, será necessário que um juiz a arbitre. Quanto à exigibilidade da recompensa, o Código Civil dispõe que o simples cumprimento da condição ou do serviço objeto da promessa já torna o indivíduo apto para seu recebimento (art. 855, CC). Assim, mesmo que o sujeito não tenha conhecimento prévio de que havia uma promessa para a ação que realizou, ou ainda que tenha agido com único interesse em receber a recompensa, ele poderá exigi-la conforme prometido. Se a pessoa que preencher os requisitos da promessa for menor incapaz, ainda assim fará jus à recompensa, como afirma Lucca (2003, p. 17): o executante deve estar legitimado a recebê-la, independentemente de sua capacidade civil. A criança de dez anos que encontra o cachorro perdido terá direito ao prêmio oferecido. A quitação será dada pelo seu representante legal, dada a incapacidade absoluta do menor de dezesseis anos (art. 3º, inciso I, do CC). Casoo objeto da promessa tenha sido executado por mais de uma pessoa, a recompensa será de quem o realizou primeiro (art. 857, CC); se a execução foi simultânea, cada um receberá quinhão igual; se o bem for indivisível, haverá sorteio (art. 858, CC). É possível que a promessa seja revogada desde que a revogação tenha a mesma publicidade que o negócio unilateral; se na promessa ele tiver estipulado prazo, deverá aguardar o fim deste para fazer a revogação (art. 856, CC). 120 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Cumpre destacar que a promessa de recompensa pode ser realizada em concursos, como os concursos literários, artísticos ou científicos. Neste caso, o prazo de vigência é obrigatório e ela não poderá ser revogada antes de seu fim (art. 859, CC). Além disso, segundo Gonçalves (2014, p. 418): A decisão da “pessoa nomeada nos anúncios como juiz obriga os interessados”, proclama o § 1º do aludido art. 859 do Código Civil. Ao participar do concurso as pessoas se submetem às suas condições, dentre elas a de concordarem com o veredito do juiz ou dos juízes cujos nomes em regra constam do edital. Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresentarem, “entender-se-á que o promitente se reservou essa função” (CC, art. 859, § 2º). Se os trabalhos tiverem mérito igual, “proceder-se-á de acordo com os arts. 857 e 858” (art. 859, § 3º), isto é, far-se-á a partilha, se a recompensa é divisível, e sorteio, se indivisível. A promessa visa estimular o trabalho intelectual. As obras premiadas só ficarão pertencendo ao promitente, “se assim for estipulado na publicação da promessa” (CC, art. 860). Vejamos, agora, o segundo ato unilateral elencado no Código: a gestão de negócios. Atividade de Estudos: 1) Agora que já estudamos a promessa de recompensa, avalie o caso a seguir e forneça sua resposta juridicamente fundamentada. Laura, de 15 anos, está andando pela rua quando encontra Smoke, um belo coelho de cor cinza vagando na rua. Com pena do animal, ela o resgata e o mantém em sua casa por alguns dias. Passado um tempo, Júlia, sua vizinha, a procura dizendo que o coelho na verdade lhe pertence. Laura, de boa-fé, entrega o animal a Júlia acreditando estar fazendo a coisa certa. Acontece que na verdade o coelho originalmente pertencia a Alissa, uma rica empresária, que oferecia por ele uma generosa recompensa a quem o devolvesse. Isto posto, responda: se Júlia efetivamente entregar o coelho a Alissa, ela terá direito à promessa de recompensa? E Laura? Justifique sua resposta. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 121 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Gestão de Negócios A gestão de negócios é o ato unilateral segundo o qual um indivíduo administra negócios alheios, sem procuração, agindo, porém, no interesse do dono. Tem por base o altruísmo, já que o sujeito pratica atos de administração com o objetivo de evitar prejuízos para o dono. Conforme Gonçalves (2014, p. 420): Dá-se a gestão de negócios, por exemplo, quando alguém, presenciando em prédio alheio estragos capazes de o destruir, ajusta em nome do proprietário ausente, mas sem sua autorização, um empreiteiro para o reparar. Ou ainda quando alguém socorre pessoa desconhecida, vítima de um acidente, conduzindo-a ao hospital e tomando todas as providências para o seu atendimento, realizando inclusive o depósito exigido pelo nosocômio. Disciplinada no art. 861 do Código Civil, a gestão de negócios só se concretiza com a junção dos seguintes elementos: a) Negócio alheio, ainda que o gestor confunda os donos ou que acredite erroneamente que o negócio lhe pertence; b) Ausência de autorização do dono, já que o gestor agirá espontaneamente, sem acordo prévio, por algum motivo de urgência; c) Preservação do interesse e vontade presumida do dono, já que o gestor deve agir conforme desejo do dono. LEI INCENTIVA DENÚNCIAS ANÔNIMAS E RECOMPENSA QUEM AJUDAR A SOLUCIONAR CRIMES Já está em vigor a lei que incentiva denúncias anônimas e permite recompensas em dinheiro para quem auxiliar nas investigações policiais, com informações que levem à prevenção, à repressão ou à solução de crimes e ilícitos administrativos. O texto, sancionado neste mês, estabelece que as empresas de transporte coletivo divulguem o número do disque-denúncia. Os recursos para financiar as atividades e as recompensas sairão do Fundo Nacional de Segurança Pública, e os valores pagos devem ser definidos pelo governo federal, estados e cidades. Fonte: Disponível em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/ audios/2018/01/lei-incentiva-denuncias-anonimas-e-recompensa- quem-ajudar-a-solucionar-crimes>. Acesso em: 6 fev. 2018. A gestão de negócios é o ato unilateral segundo o qual um indivíduo administra negócios alheios, sem procuração, agindo, porém, no interesse do dono. 122 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Se a gestão for ruim, o dono pode não ratificar os atos realizados e tornar o gestor pessoalmente responsável por eles; se for iniciada contra a vontade presumida do dono, o gestor será responsabilizado até mesmo pelos casos fortuitos (art. 862, CC); d) Realização de atos unicamente patrimoniais passíveis de serem executados pelo gestor, ou seja, que não exijam mandato expresso (doação, repúdio de herança etc.); e) Necessidade ou utilidade da intervenção. Sobre este último ponto, Gonçalves (2014, p. 421) exemplifica: [...] a atuação do despachante, que recolhe imposto para cliente de outro negócio, no último dia do prazo. Este último pressuposto constitui a razão de ser do referido contrato. Com efeito, a utilidade é elemento fundamental na gestão de negócios. Sendo proveitosa a administração, o dono do negócio ficará vinculado aos compromissos assumidos pelo gestor, ainda que tal fato o desagrade. Tal ocorrerá mesmo que a gestão se haja iniciado contra a sua vontade presumível e mesmo que tenha consistido em “operações arriscadas”, excedentes da mera administração. Nesta última hipótese, se o dono do negócio quiser aproveitar-se da gestão, “será obrigado a indenizar o gestor” por todas as despesas e prejuízos sofridos (CC, art. 868, parágrafo único). Quanto às obrigações do gestor, estas se confundem com as obrigações do mandatário, no contrato de mandato, conforme estudado em capítulo anterior. Ainda assim, cumpre destacar os seguintes deveres do gestor: a) Comunicar a gestão ao dono do negócio (art. 864, CC); o gestor deve esperar resposta do dono, só podendo agir caso a demora acarrete em prejuízo. Após a comunicação, o dono poderá adotar as seguintes soluções, elencadas por Monteiro (1997, p.427): [...] desaprovará a gestão, caso em que a situação se regerá pelo art. 874 do Código Civil; aprová-la-á expressa ou tacitamente, caso em que a gestão se converterá em mandato expresso ou tácito; aprová-la-á na parte já realizada, desaprovando-a, porém, para o futuro; constituirá procurador, que assumirá o negócio no pé em que se achar, extinguindo-se assim a gestão; assumirá pessoalmente o negócio, cessando igualmente a gestão, como no caso anterior. No caso de morte do dono, a gestão continua até que os herdeiros apresentem as devidas instruções (art. 865, CC). O gestor tem como dever, ainda, b) Agir com diligência e ressarcir o dono por eventuais prejuízos (art. 866, CC); c) Não realizar operações de risco, ainda que o dono as fizesse regularmente. Quanto ao dono do negócio, suas obrigações são: a) Indenizar o gestor pelas despesas necessárias e por eventuais benfeitorias úteis (art. 868 e 869, CC); b) Cumprir as obrigações contraídas pelo gestor em seu nome (art. 869, § 1º e §2º e 123 Teoria das ObrigaçõesExtracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 art. 870, CC); c) Reembolsar o gestor que pagar alimentos devidos por ele (dono) (art. 871 e 872, CC). Gonçalves (2014, p. 423) elenca mais um dever, oriundo do art. 875, CC: “se os negócios de outrem forem conexos com os do gestor, de tal modo que se não possam gerir separadamente, o gestor será considerado sócio daquele na respectiva gerência; mas o beneficiado com a gestão só é obrigado na razão das vantagens que lograr”. Por fim, cumpre tecer comentários a respeito da ratificação do dono do negócio. A ratificação nada mais é que a aprovação e concordância do dono com os atos realizados pelo gestor, de forma expressa ou tácita. Ela tem efeito retroativo, contando, quando emitida, desde o início da gestão – momento em que a gestão passa, juridicamente, a contar como mandato, devendo ser analisada conforme as regras deste contrato (art. 873, CC). Estudaremos, agora, o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa. Atividade de Estudos: 1) Walcir, senhor já idoso e acometido de Alzheimer, adentra uma mercearia que não lhe pertence, acreditando ser um antigo comércio que outrora lhe pertencera. Informando a todos os funcionários que havia comprado o imóvel do antigo dono (fazendo com que estes acreditem em sua história), Walcir passa a gerir o negócio como se fosse seu, sem a anuência do dono, durante um dia inteiro. A gestão é bem feita e, inclusive, gera mais lucro que o habitual ao estabelecimento, até que a família de Walcir o encontra e o mal-entendido é desfeito. Pergunta: nesta situação hipotética, houve gestão de negócio? Por que? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 124 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Pagamento Indevido e Enriquecimento Sem Causa O pagamento indevido e o enriquecimento sem causa têm uma íntima relação, já que este último é um gênero do qual o primeiro é espécie. Em outras palavras, o pagamento indevido é um tipo de enriquecimento sem causa, especificamente disciplinado pelo Código Civil, conforme veremos. O enriquecimento sem causa, também chamado de enriquecimento ilícito, refere-se a um ganho monetário injusto. O indivíduo não tem direito ao lucro que é obtido, gerando desarmonia no sistema jurídico. Neste sentido, o artigo 884 do Código Civil assim determina: Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido (BRASIL, 2002). Assim, é possível afirmar que a caracterização do enriquecimento ilícito depende dos seguintes fatores: a) Enriquecimento do accipiens (ou seja, de quem lucra), que engloba qualquer vantagem por ele obtida, ainda que não patrimonial; b) Empobrecimento do solvens (de quem sofre o prejuízo), seja a diminuição de seu patrimônio, seja o não recebimento de valor que lhe é devido; c) Causalidade entre os dois fatos, já que o lucro de um geralmente ocasiona o prejuízo do outro. Sobre este ponto, porém, Gonçalves (2014, p. 433) alerta que, quando os valores não coincidirem [...] a indenização se fixará pela cifra menor. Se o enriquecimento foi de dez e o empobrecimento de quinze, o accipiens não pode ser obrigado a devolver mais do que recebeu. Assim, a indenização será de dez. Se a situação for a contrária, também a indenização será de dez, porque o solvens não pode pretender mais do que perdeu. Na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o Enunciado 35, de seguinte teor: “A expressão ‘se enriquecer à custa de outrem’ do art. 884 do novo Código Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento”. Por fim, cumpre mencionar o último requisito, qual seja d) Ausência de causa jurídica. Se não há contrato firmado entre as partes nem obrigação legal que justifique o fato, há enriquecimento sem causa. É o caso do pagamento indevido. O enriquecimento sem causa, também chamado de enriquecimento ilícito, refere-se a um ganho monetário injusto. O indivíduo não tem direito ao lucro que é obtido, gerando desarmonia no sistema jurídico. 125 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Ocorrerá pagamento indevido quando um indivíduo realiza pagamento de forma errada a outrem, sem causa, gerando assim um indébito. O erro poderá recair sobre o objeto da relação (indébito objetivo), ou sobre a pessoa do credor (indébito subjetivo). No primeiro caso, o devedor pode se enganar em relação à quantia ou bem a ser entregue, ou mesmo em relação à existência da obrigação (achar que deve, mas na verdade não deve). No segundo, ele se engana em relação à pessoa do credor, pagando para a pessoa errada. Os requisitos para a configuração do pagamento indevido são o erro, a ser provado por quem pagou, e a voluntariedade do pagamento (inexistência de obrigação) (art. 881, CC). O devedor ficará dispensado de provar seu equívoco nas hipóteses em que não poderia agir de forma distinta, por exemplo, na exigência de tributos não devidos. Embora não devesse o tributo, de fato, se não realizasse o pagamento na hora arcaria com consequências prejudiciais a si mesmo, por isso não teve como agir de outra forma. Se o credor receber o pagamento indevido de boa-fé, ou seja, sem saber que se tratava de pagamento injusto, terá direito aos frutos que perceber do bem, à indenização por benfeitorias necessárias e úteis com direito de retenção, e estará livre de responsabilidade por perda ou deterioração. Se o credor estiver de má-fé, sabendo tratar-se de pagamento indevido, terá direito de ser ressarcido apenas pelas benfeitorias necessárias (art. 878, CC). No caso de recebimento indevido de imóvel, o art. 879 do Código Civil dispõe da seguinte forma: Art. 879 Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos. Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação (BRASIL, 2002). Quando o pagamento é a entrega de um imóvel, este deve ser devolvido ao dono. Entretanto, é possível que o credor já o tenha repassado a terceiro. Se esse repasse foi de boa-fé, ou seja, sem que o credor soubesse que a entrega do bem era indevida, deverá devolver apenas o valor correspondente ao imóvel. Se agiu de má-fé, porém, sabendo da injustiça do ato, deverá arcar, ainda, com perdas e danos. E quanto ao terceiro, que recebeu o imóvel injustamente? Se o recebimento foi oneroso e de boa-fé, o terceiro permanece com o imóvel. Se tiver recebido o bem de forma gratuita ou por má-fé (em qualquer das duas hipóteses), o imóvel retorna ao dono. Ocorrerá pagamento indevido quando um indivíduo realiza pagamento de forma errada a outrem, sem causa, gerando assim um indébito. 126 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Existem hipóteses, no Código Civil, nas quais o pagamento indevido não poderá ser reparado via repetição de indébito. A primeira delas refere-se ao devedor que, após o pagamento da dívida, descobre que não era, de fato, devedor.O documento relativo à dívida, porém, é destruído ou prescrito, de forma que o credor não pode mais exigir o pagamento do verdadeiro devedor; por isso o credor não está obrigado a devolver o valor recebido, mas quem o pagou pode exigi-lo, por ação de regresso contra o real devedor (art. 880, CC). A segunda ocorre quando o devedor paga algum tipo de obrigação natural, aquelas obrigações que embora existam, não podem ser juridicamente exigidas, como a dívida de jogo ou dívida vencida (art. 883, CC). Uma vez paga a obrigação natural, o devedor não pode alegar pagamento indevido, pois embora a dívida não fosse juridicamente exigível, existia e era legítima. Por fim, não há que se falar em repetição de indébito nos casos em que o valor pago se destina a fins ilícitos ou imorais. Se alguém contrata um matador de aluguel para que assassine alguém e o matador embolsa o dinheiro, mas não cumpre o combinado, o contratante nada poderá fazer, mesmo que haja um enriquecimento sem causa por parte do matador (art. 883, CC). Sobre o enriquecimento sem causa, é importante mencionar que mesmo que houvesse justificativa para o ato em um momento passado, mas que por algum motivo ela deixe de existir, ainda estará caracterizado o enriquecimento sem causa (art. 885, CC). O Código Civil estabelece ainda que o prejudicado poderá ajuizar ação in rem verso, se não houver outro remédio processual para sua situação (art. 886, CC). Estudaremos, agora, os títulos de crédito. Atividade de Estudos: 1) Sobre o enriquecimento sem causa, marque a alternativa correta: a) Se o enriquecimento tiver por objeto coisa indeterminada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. 127 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Títulos de Crédito Embora a disciplina dos títulos de crédito esteja situada em título distinto daquele relativo aos atos unilaterais no Código Civil, os títulos também fazem parte do estudo dos atos unilaterais. Como afirma Gonçalves (2014, p. 435), tal fato é “uma questão de ordem prática, baseada na consideração de que o grande número daquelas normas demandaria sua disciplina em título próprio”. Além disso, os títulos de crédito são regulados por diversas legislações esparsas, abrangendo, ainda, matéria de direito empresarial. Trata-se, assim, de um assunto rico e minucioso, motivo pelo qual, aqui, trataremos de uma introdução geral a respeito do tema. Os títulos de crédito são conceituados pelo art. 887 do CC como “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido [...] (que) somente produz efeitos quando preenche os requisitos da lei” (BRASIL, 2002). Trata-se de um ato unilateral no qual um indivíduo manifesta sua vontade em um instrumento, obrigando-se a pagar determinada prestação independentemente da manifestação da vontade de outrem. Para que tenha valor, nele devem estar contidas data de emissão, indicação dos direitos que confere e assinatura do emitente (art. 889, CC); seus efeitos são produzidos a partir do momento em que são colocados em circulação. O título, assim, representa a existência de uma obrigação, provando que uma pessoa é credora de outra. Segundo Gonçalves (2014, p. 436), diferencia-se de outros documentos porque: b) Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. c) A restituição é indevida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. d) Caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido. Os títulos de crédito são conceituados pelo art. 887 do CC como “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido [...] (que) somente produz efeitos quando preenche os requisitos da lei” (BRASIL, 2002). 128 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Em primeiro lugar, refere-se o título de crédito unicamente a relações creditícias. Pela própria interpretação literal, verifica- se que o termo “título de crédito” diz respeito a documento representativo de um crédito (creditum, credere), ato de fé, confiança do credor de que irá receber uma prestação futura a ele devida. A segunda diferença está ligada à facilidade na cobrança do crédito em juízo, pois o título de crédito é definido pela lei processual como título executivo extrajudicial (CPC, art. 585, I). E, em terceiro lugar, ostenta ele o atributo da negociabilidade, estando sujeito a certa disciplina jurídica que torna mais fácil a circulação do crédito, a negociação do direito nele mencionado, como sucede corriqueiramente nas operações de descontos bancários. Os títulos de crédito são regidos por princípios específicos, sendo os principais deles cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais. A cartularidade refere-se à incorporação do direito pelo título, também chamado de cártula. Com isso, a cártula torna-se documento indispensável para satisfação do direito, independentemente de qual negócio jurídico tenha lhe dado origem. Imaginemos, assim, que Roberto vendeu um carro para Ricardo, que pagou com a emissão de um título de crédito. Para que Roberto receba a prestação acordada, ele deverá ter o título sob sua posse, independentemente da compra e venda que originou o título. Este princípio garante que quem busca seu direito é seu titular legítimo (pois possui o título). Segundo o princípio da literalidade, os títulos de crédito devem conter expressamente os efeitos que originarão. Não há que se falar em interpretação extensiva, ou em efeitos não escritos no título; só vale o que nele consta. Tal princípio protege o credor, que poderá exigir todas as obrigações elencadas no título, e também o devedor, que saberá não dever nada além do que está na cártula. O princípio da autonomia das obrigações cambiais diz respeito à independência entre o título e as eventuais obrigações que o originam. Se a obrigação contém algum tipo de vício, este não irá invalidar o título de crédito, que é documento autônomo. Gonçalves (2014, p. 438) menciona o seguinte exemplo: [...] bse o veículo objeto do negócio originário é portador de algum vício redibitório, tal fato não exonera quem o recebeu e emitiu a nota promissória de honrar o seu pagamento junto ao terceiro, a quem o vendedor o transferiu mediante endosso. O defeito do veículo pode influir somente na relação jurídica entre os participantes da relação originária do título, mas não tem influência no tocante aos direitos dos terceiros de boa-fé, a quem a cártula foi transferida. São várias as espécies de títulos de crédito, podendo ser classificados de diversas formas. 129 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Quanto ao modelo, existem títulos de modelo livre que podem adotar qualquer forma, desde que respeitados os requisitos legais, como a letra de câmbio e a nota promissória, e títulos de modelo vinculado, que devem obedecer a um padrão obrigatório. O cheque é um exemplo de título com modelo vinculado, pois obrigatoriamente deve ser emitido em papel fornecido pelo banco. Quanto à estrutura, temos os títulos em ordem de pagamento e em promessa de pagamento. Nos primeiros, o emitente ordena ao sacado que pague determinada importância ao tomador (beneficiário da ordem). No caso dos cheques, por exemplo, o emitente ordena ao banco (sacado) que entregue determinada prestação ao beneficiário. Já no segundo caso, o devedor promitente assume o compromisso de pagar um valor ao credor beneficiário; não há a figura de um sacado sendo ordenado a pagar quantia. Os títulos poderão ainda serclassificados de acordo com as hipóteses de emissão. Neste sentido, teremos os títulos causais, limitados e abstratos. Os causais só poderão ser emitidos quando a lei expressamente permitir (exemplo: duplicata mercantil); os limitados só podem ser emitidos em alguns casos (exemplo: letra de câmbio); e os abstratos são aqueles que podem ser emitidos a qualquer momento (como o cheque e a nota promissória). Por fim, os títulos de crédito são classificados segundo sua circulação. Temos, assim, os títulos ao portador, que são emitidos sem o nome do beneficiário e que circulam mediante tradição (art. 904, CC); e os nominativos, que podem ser à ordem ou não à ordem. Os títulos de crédito nominativos à ordem identificam o titular do crédito e podem ser transferidos a terceiros, por endosso (ato típico de circulação cambiária). Já os nominativos não à ordem identificam o credor, mas não podem ser transferidos por endosso, em razão da cláusula não à ordem, que, em regra, deve estar escrita expressamente no título (art. 890, CC). a) Títulos à ordem Os títulos à ordem, como já abordado, identificam o titular do crédito e podem ser transferidos a terceiros. No Brasil, temos quatro títulos à ordem: letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicata. Falaremos um pouco sobre cada um deles. A letra de câmbio, disciplinada pela Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.663/96), possui a forma de ordem de pagamento, já que uma vez emitida, deve ser paga, mediante aceite. O título, para que produza efeitos, precisa conter os seguintes requisitos: Os títulos à ordem, como já abordado, identificam o titular do crédito e podem ser transferidos a terceiros. No Brasil, temos quatro títulos à ordem: letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicata. 130 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais a) as palavras “letra de câmbio”, insertas no próprio texto do título, na língua empregada para a sua redação; b) uma ordem incondicional de pagar quantia determinada; c) o nome da pessoa que deve pagar (sacado); d) o nome da pessoa a quem, ou à ordem de quem, deve ser feito o pagamento (tomador); e) a assinatura de quem dá a ordem (sacador); f) data do saque; g) lugar do pagamento ou a menção de um lugar ao lado do nome do sacado; h) lugar do saque ou a menção de um lugar ao lado do nome do sacador (GONÇALVES, 2014, p. 444). Esse título funciona da seguinte forma: suponhamos que Amanda (sacador) emita uma letra de câmbio na qual consta que o valor de R$ 100,00 (cem reais) deve ser entregue a Rodolpho (beneficiário ou tomador) por dívidas passadas. Mas quem irá realizar esse pagamento será Andressa (aceitante ou sacado), pois Amanda não tem dinheiro. Se Andressa aceitar, irá fazer o pagamento a Rodolpho e será credora de Amanda, pela quantia paga. No exemplo acima, é possível ainda que um dos envolvidos ocupe mais de uma posição (art. 3º Lei Uniforme). Amanda poderia ter emitido letra de câmbio em seu próprio benefício, ordenando Andressa a pagá-la ou, ainda, Amanda poderia emitir letra de câmbio a qual deveria ela própria pagar a Rodolpho. Observe-se, ainda, no exemplo dado, que Andressa (aceitante ou sacado) precisa aceitar efetivar o pagamento solicitado por Amanda (sacador). O aceite não é obrigatório, podendo o sacado consentir ou não. Se Andressa concordar, será necessário escrever na própria letra cambial expressões como “aceito” ou “aceita-se” (art. 25 Lei Uniforme). Se ela recusar, Amanda (sacador) torna-se responsável pelo pagamento do título, que terá seu vencimento antecipado pela recusa. Em razão deste efeito, é possível que o sacador (Amanda) introduza no título uma cláusula proibindo a apresentação do título ao sacado (Andressa) antes da data de vencimento, como forma de se precaver em caso de vencimento antecipado (art. 22, Lei Uniforme). O sacado poderá, ainda, emitir aceite parcial de dois tipos: aceite limitativo, dizendo que assume a obrigação até determinado valor; ou aceite modificativo, alterando a data de vencimento ou lugar de pagamento. Em ambos os casos há o vencimento antecipado do título, já que houve recusa de certas circunstâncias, de forma que o tomador (no caso do nosso exemplo, Rodolpho) poderá executá-lo integralmente contra o sacador (Amanda). Se isso acontecer, Amanda terá direito de regresso em relação à parte assumida por Andressa (sacado) (art. 26, Lei Uniforme). 131 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Fonte: Disponível em:<http://www.protesto.com.br/gifs/ltaceita.gif>. Acesso em: 06 fev. 2018. Figura 1 – Exemplo de Letra de Câmbio Antes de prosseguir na explicação dos demais títulos de crédito à ordem, abordaremos alguns institutos gerais concernentes a todos eles (como o endosso, o aval, o protesto e a ação cambial de execução de título extrajudicial), a partir do exemplo da letra de câmbio já explicada. Os títulos de crédito podem ser transferidos pelo credor (tomador) a terceiros, de forma simples e, geralmente, onerosa por meio de endosso. O endosso é feito com a assinatura do credor no título (art. 910, CC), podendo conter o nome do endossatário (endosso em preto) ou não (endosso em branco) (art. 893, CC). Neste último caso, deixa de ser título à ordem e passa a ser título ao portador, pois já que não há indicação de quem é o novo credor, será considerado aquele que porta o título. Importante mencionar que não é possível a efetivação de endosso parcial ou de estipulação de condição que subordine o endossante – serão consideradas disposições nulas. Têm-se ainda duas espécies de endosso denominadas de endosso-impróprio: a primeira delas é o endosso-mandato; a segunda, endosso-caução. No primeiro caso, o credor não transfere o título e os direitos dele decorrentes a um terceiro, mas apenas o exercício destes direitos; como afirma Gonçalves (2014, p. 446), “em geral, é concedido a instituições financeiras para fins de cobrança do título”. No segundo caso, o credor utiliza o título como uma garantia pelo pagamento de dívida, dado em penhor. Cumprida a obrigação garantida, o título volta para o proprietário, credor original. Os títulos de crédito podem ser transferidos pelo credor (tomador) a terceiros, de forma simples e, geralmente, onerosa por meio de endosso. 132 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Se o endosso é realizado após o vencimento do título, continua válido; mas, se além de vencido, o prazo para protesto por falta de pagamento já se passou, o endosso terá os efeitos da cessão de crédito, ou seja, o endossante não responderá pelo pagamento. Este é o chamado endosso-póstumo (art. 920, CC). Os títulos de crédito podem ter seus pagamentos garantidos por aval (art. 897, CC), que podem ser feitos de maneira parcial nas letras de câmbio, notas promissórias, duplicatas e cheques (art. 30 Lei Uniforme). O aval é uma declaração unilateral própria do direito cambiário, em que um terceiro (ou um figurante do título) garante o pagamento do título, gerando responsabilidade solidária entre ele e o devedor. Caso haja indicação do avalizado, temos aval em preto; caso contrário, temos o aval em branco, relativo ao devedor final (art. 899, CC). O aval é regulado por dois princípios basilares: autonomia substancial e acessoriedade formal. O avalista assume obrigação autônoma, mas equivalente ao do avalizado (art. 899, §2º, CC); em razão da autonomia, porém ainda que o título seja eivado de alguma invalidade, o aval não é comprometido, devendo ser pago no vencimento. Ele pode ser feito de forma antecipada, emitido antes de aceite ou endosso, ou após o vencimento do título (art. 900, CC). Em caso de não pagamento dos títulos de crédito ou de recusa por parte do aceitante, o credor pode se utilizar do protesto, conceituado como “ato praticado pelo credor, perante o competente cartório, para fins de incorporarao título de crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais, como a falta de aceite ou pagamento da letra de câmbio” (COELHO, 2002, p. 423). Em relação à letra de câmbio, caso o credor (tomador) procure o devedor (sacador) para que este pague o título em razão de recusa do aceitante (que gera vencimento antecipado), o devedor poderá exigir a prova da falta de aceite, mediante protesto. Da mesma forma, afirma Gonçalves (2014, p. 449-450): O protesto é o “ato praticado pelo credor, perante o competente cartório, para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais, como a falta de aceite ou pagamento da letra de câmbio” (COELHO, 2002, p. 423). O aval é uma declaração unilateral própria do direito cambiário, em que um terceiro (ou um figurante do título) garante o pagamento do título, gerando responsabilidade solidária entre ele e o devedor. 133 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Se o aceitante não paga a letra de câmbio no vencimento, o credor deve protestá-la por falta de pagamento nos dois dias seguintes àquele em que é pagável (Lei Uniforme, art. 44). Se tal não foi feito, ou se a apresentação do título em cartório se deu fora desse prazo, a consequência será a inexigibilidade do crédito nele mencionado contra os demais coobrigados cambiários, quais sejam, sacador, endossantes e seus respectivos avalistas (art. 53). O endossatário, por exemplo, que perde o prazo para a efetivação do protesto por falta de pagamento, não pode cobrar a letra do sacador, endossante e seus avalistas, embora possa fazê-lo contra o aceitante e o avalista do aceitante, perante os quais a falta do protesto não produz efeitos. Assim, é possível inferir que o protesto por falta de pagamento do título é necessário para conservar o direito do credor (tomador). O pagamento da letra de câmbio para evitar a efetivação do protesto deve ser feito no cartório, com juros, correção monetária e eventuais despesas do credor. Efetuado o pagamento, o devedor pode solicitar o cancelamento do protesto, apresentando o próprio título como prova (art. 26 da Lei n. 9.492/97). Se ainda assim o título não for pago, o credor poderá buscar a satisfação de seu direito por meio judicial, através da execução de títulos extrajudiciais (art. 784 do Novo Código de Processo Civil). A execução é considerada uma espécie de ação cambial, ou seja, trata-se de um procedimento no qual a defesa do devedor é extremamente restrita; não se discute nessas ações a existência ou não da dívida, já comprovada pela mera existência do título. O intuito é atingir o patrimônio do devedor para que o crédito seja satisfeito. Passamos agora às considerações a respeito da nota promissória. Diferentemente da letra de câmbio, não se trata de uma ordem, mas de uma promessa de pagamento. Como consequência, teremos apenas dois indivíduos figurando na relação estabelecida pelo título: o emitente (sacador) e o beneficiário (tomador). Não há sacado nem aceite, mas há endosso (motivo pelo qual o emitente se responsabiliza a pagar a terceiro, endossatário do beneficiário original), aval (inclusive, se houver aval em branco considera-se avalizado o emitente original), protesto e ação cambial. Para que produza efeitos cambiais, a nota promissória precisa atender aos seguintes requisitos, elencados nos arts. 75 e 76 da Lei Uniforme: a) a expressão “nota promissória”, inserta no texto do título, na mesma língua utilizada para a sua redação; b) a promessa incondicional de pagar quantia determinada; c) nome do tomador; d) data do saque; e) assinatura do subscritor; f) lugar do saque, ou menção de um lugar ao lado do nome do subscritor. Como é exigido o “nome do tomador”, não produzirá efeitos cambiais a nota promissória emitida ao portador (GONÇALVES, 2014, p. 451). 134 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais A nota promissória é disciplinada pelo Decreto n. 2.044/1908 (Lei Saraiva, arts. 54 a 56) e pela Lei Uniforme, incidindo sobre este título todas as disposições relativas à letra de câmbio, desde que preservadas as suas particularidades. Figura 2 – Exemplo de Nota Promissória Fonte: Disponível em:<http://recibopronto.com/wp-content/uploads/2015/02/ Formul%C3%A1rio-Nota-Promiss%C3%B3ria3.jpg>. Acesso em: 6 fev. 2018. Passamos agora ao título de crédito mais difundido no Brasil, o cheque. Assim como a letra de câmbio, o cheque é uma ordem de pagamento; a diferença é que o pagamento deve ser efetuado à vista, ou seja, imediatamente. Ele é emitido contra um banco ou instituição financeira, que deverá pagar o valor estabelecido para terceiro ou mesmo para o próprio emitente. Assim, o cheque funciona da seguinte forma: Nathália emite um cheque em favor de Beatriz (sacador), ou a seu próprio favor, que deverá ser paga pelo Banco do Amanhã (sacado). Observa-se que o sacado sempre será um banco ou uma instituição financeira, já que sua forma é padronizada e exige que seja emitida por uma dessas instituições, em talonário, avulso, ou ainda por meio eletrônico (Resolução 885/83 do Banco Central; Lei Uniforme e Lei 7.357/85, a Lei do Cheque). Conforme Gonçalves (2014, p. 452), são essenciais ao cheque: a) a palavra “cheque”, escrita no texto do título, na língua empregada para a sua redação; b) a ordem incondicional de pagar quantia determinada; c) o nome do banco a quem a ordem é dirigida (sacado); d) data do saque; e) lugar do saque ou menção de um lugar junto ao nome do emitente; f) assinatura do emitente (sacador). Esta pode ser mecânica ou por processo equivalente, por exemplo, eletrônico (art. 2º, parágrafo único). O emitente deve estar identificado no cheque pelo nome e número O cheque é uma ordem de pagamento; a diferença é que o pagamento deve ser efetuado à vista, ou seja, imediatamente. Ele é emitido contra um banco ou instituição financeira, que deverá pagar o valor estabelecido para terceiro ou mesmo para o próprio emitente. 135 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), por exigência do art. 3º da Lei n. 6.268/75 e respectiva regulamentação pelo Banco Central. A Lei n. 9.069/95 exige ainda, no art. 69, um requisito essencial para os cheques superiores a R$ 100,00, que é a identificação do tomador ou beneficiário. Para que se efetive, o emitente e o sacado precisam ter um acordo prévio, mediante o qual o emitente abre uma conta corrente na qual deverá estar o dinheiro para pagamento do beneficiário. Assim, levando em consideração o exemplo acima, se Beatriz apresentar o cheque ao Banco do Amanhã e for informada de que a conta corrente de Nathália não tem dinheiro o bastante para cobrir o valor indicado, o título será ineficaz e o banco não poderá ser responsabilizado. CHEQUE VIRA RARIDADE E TEM MENOR CIRCULAÇÃO NO PERÍODO DE 20 ANOS No período, quantidade reduziu 78%; em um ano, são R$ 1,8 bilhão a menos Entre os objetos que José Rosa, 45 anos, afirma que precisa jogar fora estão dois talões de cheques. “A última vez que usei cheque foi há oito anos”, estimou o mototaxista, em menção a uma forma de pagamento cada vez mais em desuso. Em 2017, a queda foi recorde: a quantidade e o valor das transações com cheques em Mato Grosso do Sul foram os menores dos últimos 20 anos. Dados do Banco Central mostram que, de janeiro a dezembro do ano passado, foram trocados 6,73 milhões de cheques em todo o Estado com movimentação correspondente a R$ 11,97 bilhões. O volume de documentos vem caindo ininterruptamente há sete anos e recuou, em 2017, para a menor marca desde 1997, quando teve início a série histórica do levantamento. Nesse período, a retração foi de 78%. Fonte: Disponível em:<https://www.campograndenews.com.br/economia/cheque-vira-raridade-e-tem-menor-circulacao-no-periodo-de-20-anos>. Acesso em: 6 fev. 2018. 136 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Assim como os demais títulos de crédito à ordem, o cheque pode ser transferido por endosso. O emitente pode, porém, incluir a cláusula “não à ordem”, que fará com que a circulação do título tenha efeitos de cessão civil. O endossante é codevedor do cheque, podendo se desobrigar dessa função quando inserir a cláusula “sem garantia” no título. Existem quatro tipos de cheque: cheque visado, cheque administrativo, cheque cruzado e cheque para se levar em conta. O cheque visado é aquele que a instituição financeira, a pedido do emitente, lança no verso do cheque ainda não endossado, a existência de fundo suficiente em conta corrente para quitação do título (Lei do Cheque, art. 7º). Conforme Gonçalves (2014, p. 453): “O lançamento do visto no cheque não importa nenhuma obrigação cambial do banco, que apenas efetua uma espécie de bloqueio do valor nele indicado. O sacado somente poderá ser responsabilizado civilmente se deixar de realizar o referido bloqueio.”. O cheque administrativo é emitido pelo próprio banco, ele também atuará como sacado em favor de terceiro (Lei do Cheque, art. 9º, III). É utilizado nos negócios de maior valor, pois afasta a insuficiência de fundos para sua quitação. O cheque cruzado é caracterizado pela inserção de dois traços paralelos no anverso do título no intuito de possibilitar a identificação da pessoa em favor de quem ele foi liquidado. Pode ser geral, devendo ser apresentado ao banco em que o beneficiário possui conta, ou especial, que constará entre os traços, a identificação de um banco específico, só podendo ser pago por este. Por fim, o cheque para se levar em conta é aquele em que o pagamento em dinheiro pelo banco e sua circulação são vedados pelo emitente. Para tanto, este deve inserir no cruzamento a transcrição do número da conta do credor, sendo que só poderá obter o valor indicado com o depósito do cheque em conta. Há que se falar ainda do chamado cheque pré-datado, tipo que não encontra respaldo legal, originando-se do costume das relações comerciais. Conforme Gonçalves (2014, p. 453), “Nas vendas a prazo é comum o pagamento ser realizado mediante a entrega ao vendedor de vários cheques, tantos quantos forem as parcelas, emitidos com data futura”. Como o cheque é ordem de pagamento à vista, se for apresentado ao banco antes da data combinada, a instituição deverá fazer o pagamento, o que pode acarretar diversos prejuízos para o emitente. Por isso, a súmula 370 do STJ diz expressamente que “caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”. 137 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Figura 3 – Exemplo de cheque cruzado Fonte: Disponível em:<https://blog.rebel.com.br/wp-content/ uploads/2018/01/image2-5.jpg>. Acesso em: 6 fev. 2018. Súmula 370 STJ – “CARACTERIZA DANO MORAL A APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DE CHEQUE PRÉ-DATADO.” Recurso especial – Ação de indenização por danos morais em razão da apresentação antecipada de cheque pré-datado, ensejando a inscrição do nome do emitente no Banco Central – Procedência – Prova do dano – Desnecessidade – Incidência do enunciado n. 83/ STJ – Quantum indenizatório – Razoabilidade – Recurso a que se nega seguimento. (Nota da Redação INR: ementa oficial) EMENTA RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DE CHEQUE PRÉ-DATADO, ENSEJANDO A INSCRIÇÃO DO NOME DO EMITENTE NO BANCO CENTRAL – PROCEDÊNCIA – PROVA DO DANO – DESNECESSIDADE – INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83/ STJ – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE – RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (STJ – REsp nº 1.222.180 – AL – 3ª Turma – Rel. Min. Massami Uyeda – DJ 25.03.2011) DECISÃO MONOCRÁTICA Cuida-se de recurso especial interposto pelo BANCO SANTANDER BRASIL S/A INCORPORADOR DO BANCO ABN AMRO REAL S/A fundamentado no art. 105, inciso III, alíneas “a” 138 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais e “c”, da Constituição Federal, em que se alega violação dos arts. 160, I, 186 e 884 do CC; 4º, § 1º da Lei 7357/85; 5º, II da CF/88 e divergência jurisprudencial. O v. acórdão recorrido está assim ementado: “DIREITO CIVIL, EMPRESARIAL E CONSUMERISTA. APELAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO BANCÁRIO CONSUBSTANCIADO EM “PAGAMENTO DE CONTA PROGRAMADA COM CHEQUE”. APRESENTAÇÃO DE CHEQUE PÓS-DATADO ANTES DA DATA AVENÇADA. DEVOLUÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. REAPRESENTAÇÃO AINDA ANTES DA DATA AVENÇADA. NOVA DEVOLUÇÃO. INSERÇÃO DO NOME DA EMPRESA NO CADASTRO DE CHEQUES SEM FUNDOS (CCF). DANO MORAL CONFIGURADO. SÚMULA 370, STJ. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO. APELAÇÃO ADESIVA. PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO DO MONTANTE ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA JÁ APRECIADA NO APELO PRINCIPAL. 1. De forma assente, na doutrina e na jurisprudência, observa-se uma aceitação da ampliação da definição legal, de modo a admitir- se a utilização do cheque, não só para pagamentos à vista, mas também na modalidade pós-datada, na qual, pode-se dizer, esse título de crédito assume ares de nota promissória. 2. Tão recorrente é a matéria em debate, e tão sólido é o entendimento do STJ sobre o tema, que a referida Corte Superior editou, em fevereiro de 2009, a Súmula 370, cujo teor especifica: “caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”. 3. Ao arbitrar o valor atinente à indenização por danos morais, o Magistrado deve levar em consideração não apenas os interesses do ofendido – exercendo, aí, um juízo de valor acerca do potencial ofensivo da conduta causadora do dano e das proporções da repercussão desse evento em sua vida. Também não se poderá olvidar que, em relação ao ofensor, a indenização arbitrada deve ter, proporcionalmente ao seu patrimônio, a função de inibir reiteradas condutas danosas, estimulando um maior cuidado deste em relação a novas situações futuras. Por fim, mas não menos importante, o aplicador do direito não pode permitir que o montante por ele aplicado a título de indenização se afigure como forma de enriquecimento ilícito. 139 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 4. Promovendo, in casu, a análise de todas as circunstâncias pontuadas acima, entende-se como adequado o valor da indenização imposta pelo Magistrado a quo, cujo montante, por certo, apresenta- se razoável em relação a todas as suas finalidades, não sendo pertinente, portanto, a sua modificação. 5. Apelação principal conhecida e não provida. 6. No que se refere à Apelação Adesiva, verifica-se que o tema nela abordado já foi devidamente debatido e decidido ao final da análise da Apelação principal, razão pela qual se consigna, nesse momento, a título de apreciação deste Apelo adesivo, a reiteração das considerações ali explanadas quanto ao referido assunto, as quais concluíram pela adequação do montante indenizatório estabelecido em sede de primeiro grau. 7. Apelo Adesivo conhecido e não provido. Sustenta o recorrente, em síntese, que, sendo o cheque ordem de pagamento à vista, sua conduta reputa-se legal, não havendo que se falar em indenização. Alega, ainda, a exorbitância do quantum indenizatório. É o relatório. O inconformismo não merece prosperar. Com efeito. Cuida-se, na origem, de ação de indenização por dano moral proposta pelo ora recorrido em face do recorrente, em razão da apresentação antecipada de cheque pré-datado, ocasionando a devolução dos títulos por falta de fundos e a consequente inscrição de seu nome no Banco Central. Bem de ver, na espécie, que o Tribunal de origem, com base no acervo probatório reunido nos autos, reconheceu a indevida apresentação do cheque pré-datado em data anterior à avençada, ocasionando a inscriçãodo nome do agravado no Banco Central e ensejando a este, por conseguinte, dano moral. É o que se denota do seguinte excerto: “Diante de tais considerações, irrelevante se torna a alegação do Apelante de que a segunda apresentação do cheque emitido pela Apelada se deu em razão de autorização expressa de um 140 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais representante desta nesse sentido, mormente porque não consta, dos autos, qualquer comprovação de que tal autorização tenha, de fato, ocorrido. [...] No caso em tela, o fato narrado pela empresa ora Apelada – emissão de cheque pós-datado e apresentação deste pelo Apelante antes da data avençada – apresenta-se, indubitavelmente, verossímil, até porque o Recorrente, em momento algum, contesta tal situação e o documento de fl. 22 a corrobora. Quanto ao dano sofrido pela empresa Recorrida, é inegável que não se trata de dano hipotético, pois para ela, assim como para qualquer outra empresa que atue em qualquer ramo, a credibilidade perante a clientela é de vital importância, sendo certo que a inserção de seu nome no Cadastro de Cheques sem Fundos (CCF) é fato que abala a sua imagem perante terceiros, além de provocar-lhe restrições no mercado. Assim, é de se concluir que caberia, ao Banco Apelante, na condição de fornecedor do serviço, promover a comprovação de que os fatos não ocorreram conforme a narrativa da Apelada, o que, contudo, não se observa. Até mesmo o frágil argumento de que a reapresentação do cheque em questão teria sido expressamente autorizada por um representante da empresa recorrida é apenas lançado, sem que se verifique, nos autos, qualquer prova nesse sentido. Diante de tais considerações, não há como negar que a conduta do Apelante, diferentemente do que por ele é defendido, revestiu-se do caráter de negligência, pois a ele caberia o cuidado para que não se desse a apresentação antecipada do cheque emitido pelo seu cliente, mormente quando se trata da contratação de um serviço por ele oferecido, qual seja, o “Pagamento de Conta Programada com Cheque”. Constata-se que o Tribunal de origem, ao assim decidir, adotou entendimento consonante com o posicionamento pacificado desta Corte que é no sentido de que a apresentação de cheque pós- datado em data anterior à estipulada, acarretando a devolução do título por ausência de fundos e o consequente registro nos cadastros de emitentes de cheques sem fundos, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do prejuízo. 141 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 Nesse sentido, assim já se decidiu: “Civil Recurso especial. Cheque pré-datado. Apresentação antes do prazo. Compensação por danos morais. [...] – A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a devolução do título por ausência de provisão de fundos. Recurso especial não conhecido.” (REsp 707272/PB, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 21/03/2005) E, ainda: REsp 659760/MG, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 29.5.2006 e REsp 678878/MT, relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 6.6.2005. Assim, inarredável, na espécie, a aplicação do Enunciado n. 83/STJ. Assinala-se, por fim, que a revisão do quantum indenizatório por esta Corte exige que ele tenha sido arbitrado de forma irrisória ou exorbitante, fora dos padrões de razoabilidade, circunstância que não se verifica no caso concreto. Nesse sentido, esta augusta Corte assim já se pronunciou: “AGRAVO INTERNO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO ESPECIAL – INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SERASA – AUSÊNCIA DE CULPA DO BANCO – REVISÃO DA PROVA – INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE – SÚMULA 7/STJ. (...) III – É possível a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostre irrisório ou exagerado, situação que não ocorreu no caso concreto. IV – Em âmbito de recurso especial, não há campo para se revisar entendimento assentado em provas, conforme está sedimentado no enunciado 7 da Súmula desta Corte. Agravo improvido.” (AgRg/Ag 634288/MG, Rel. Min. Castro Filho, DJU de 10.09.2007). Na hipótese, o valor arbitrado, pela Corte de origem, em R$ 6.000,00 (seis mil reais), a título de danos morais, em razão da apresentação de cheque pós-datado antes do prazo estipulado e a consequente anotação do nome do autor nos cadastros de emitentes de cheques sem fundos (CCF), não se apresenta manifestamente 142 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais exorbitante, a ponto de atrair a intervenção excepcionalíssima deste Sodalício Superior. Ressalte-se, por oportuno, que a simples existência de julgados em que a verba indenizatória foi arbitrada em valor superior ou inferior ao caso concreto não autoriza, por si só, o seguimento do recurso, quando verificado que a Instância ordinária, em análise do contexto fático-probatório, fixou a indenização em quantia que não extrapola o critério de razoabilidade. Nesse sentido, estes precedentes: REsp 992.421/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ acórdão João Otávio de Noronha, DJe 12/12/2008; Ag 1066779/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 30/10/2008. Nega-se, pois, seguimento ao recurso. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 04 de março de 2011. MINISTRO MASSAMI UYEDA – Relator. Fonte: Disponível em:<http://www.mundonotarial.org/ sumula370.html>. Acesso em: 6 fev. 2018. Resta-nos agora algumas observações a respeito da duplicata. Trata-se de título à ordem oriundo do costume brasileiro. Conforme Gonçalves (2014, p. 455): Sua regulamentação remonta ao Código Comercial de 1850, que impunha aos comerciantes atacadistas, na venda aos retalhistas, a emissão da fatura ou conta, isto é, a relação por escrito das mercadorias entregues. O instrumento devia ser emitido em duas vias (“por duplicado”, dizia a lei), as quais, assinadas pelas partes, ficariam uma em poder do comprador, e outra do vendedor. A conta assinada pelo comprador, por sua vez, era equiparada aos títulos de crédito, inclusive para fins de cobrança judicial. Disciplinada na Lei 5.474/68 (Lei das Duplicatas) e no Decreto-Lei n. 436/69, sua função é de natureza comercial. O título é emitido e entregue pelo vendedor (credor) ao comprador (devedor, sacado e aceitante), nas vendas mercantis a prazo, com aceite obrigatório, diferentemente da letra de câmbio. Em geral, a duplicata é negociada pelo comerciante com instituições financeiras mediante cessão de crédito. O título é emitido e entregue pelo vendedor (credor) ao comprador (devedor, sacado e aceitante), nas vendas mercantis a prazo, com aceite obrigatório, diferentemente da letra de câmbio. Em geral, a duplicata é negociada pelo comerciante com instituições financeiras mediante cessão de crédito. 143 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 É passível de endosso, aval, protesto e ação cambial. Sobre o protesto, ele poderá ser feito pela falta de aceite; quando o título não for devolvido pelo comprador e pela falta de pagamento. Há que se mencionar ainda a possibilidade de emissão de duplicata por prestação de serviços (art. 20 da Lei n. 5.474/68), que podem ter o aceite negado caso os serviços prestados não forem os efetivamente contratados; forem eivados de vícios; ou comportarem divergência quanto aos prazos e preços. Figura 4 – Exemplo de Duplicata Fonte: Disponível:<http://cosif.com.br/imgs/leisfn/dm.jpg>. Acesso em: 6 fev. 2018. DUPLICATA VIRTUAL: Previsão legal A Lei de Duplicatas (Lei n° 5.474/68) não previu as chamadas duplicatas virtuais, até mesmo porque naquela época os sistemas informatizados ainda não estavam tão desenvolvidos. A Min. Nancy Andrighiafirma, contudo, que as duplicatas virtuais encontram previsão legal no art. 8º, parágrafo único, da Lei n° 9.492/97 e no art. 889, § 3º do CC-2002. 144 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Como funciona 1) O contrato de compra e venda ou de prestação de serviços é celebrado. 2) Ao invés de emitir uma fatura e uma duplicata em papel, o vendedor ou fornecedor dos serviços transmite em meio magnético (pela internet) a uma instituição financeira os dados referentes a esse negócio jurídico (partes, relação das mercadorias vendidas, preço etc.). 3) A instituição financeira, também pela internet, encaminha ao comprador ou tomador de serviços um boleto bancário para que o devedor pague a obrigação originada no contrato. Ressalte-se que esse boleto bancário não é o título de crédito. O título é a duplicata que, no entanto, não existe fisicamente. Esse boleto apenas contém as características da duplicata virtual. 4) Se chegar o dia do vencimento e não for pago o valor, o credor ou o banco (encarregado da cobrança) encaminharão as indicações do negócio jurídico ao Tabelionato, também em meio magnético, e o Tabelionato faz o protesto do título por indicações. 5) Após ser feito o protesto, se o devedor continuar inadimplente, o credor ou o banco ajuizarão uma execução contra ele, sendo que o título executivo extrajudicial será: o boleto de cobrança bancária + o instrumento de protesto por indicação + o comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços. A duplicata virtual é válida? 1ª corrente: NÃO. Wille Duarte Costa. 2ª corrente: SIM. Fábio Ulhoa Coelho e a maioria da doutrina. O STJ considera válida a duplicata virtual? SIM. Havia alguns julgados contrários, mas ano passado foi proferido precedente favorável (REsp 1.024.691-PR) e agora a 2ª Seção do STJ pacificou o tema afirmando ser legítima a duplicata virtual. (EREsp 1.024.691-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgados em 22/8/2012) 145 Teoria das Obrigações Extracontratuais: Obrigações por Declaração Unilateral De Vontade Capítulo 3 b) Títulos nominativos O artigo 921 do Código Civil afirma que os títulos nominativos são aqueles emitidos “em favor de pessoa cujo nome conste no registro do emitente”. Sua transferência ocorre por termo, em registro do emitente, assinado pelo proprietário e pelo adquirente (art. 922, CC) ou por endosso, desde que contenha o nome do endossatário (art. 923, CC). Também poderá ser transformado em título à ordem ou ao portador, por solicitação do proprietário (art. 924, CC). É interessante pontuar a crítica de Coelho (2002, p. 384) aos títulos nominativos: [...] além de não existir título de crédito nenhum, no direito brasileiro, que atenda aos requisitos para se considerar nominativo, confunde, nos títulos ao portador, efeito com conceito da classe (o título ao portador é o que não identifica o credor e por isso se transfere pela simples tradição). Algumas Considerações Conforme mencionado, as obrigações civis encontram fundamento na lei, disciplinando os contratos, os atos ilícitos e, ainda, os atos unilaterais de vontade. Compreendidos como atos jurídicos oriundos da manifestação individual de vontade, os atos unilaterais independem da figura prévia de um credor. Segundo decidiu o STJ, as duplicatas virtuais emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução, conforme previsto no art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997. Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual devidamente acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços suprem a ausência física do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos extrajudiciais. Fonte: Disponível em:<http://www.dizerodireito.com.br/2012/09/a- duplicata-virtual-e-admitida-pela.html>. Acesso em: 6 fev. 2018. 146 Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais Disciplinados nos artigos 854 a 909, do Código Civil, o direito brasileiro conta com cinco atos unilaterais de vontade: 1) Promessa de recompensa; 2) Gestão de negócios; 3) Pagamento indevido; 4) Enriquecimento sem causa; 5) Títulos de crédito. Nos primeiros, o indivíduo promete uma contraprestação a quem quer que se enquadre nos requisitos estabelecidos; no segundo, um perigo iminente compele o terceiro a administrar negócio que não é seu, no intuito de evitar maiores prejuízos ao dono efetivo; o terceiro e quarto referem-se às hipóteses de erro no pagamento da contraprestação que irá gerar um prejuízo indevido para uma parte e um lucro injusto para a outra. Por fim, temos os títulos de crédito, que, uma vez emitidos, representam em si mesmos uma obrigação a ser quitada, independentemente do negócio jurídico que lhe tenha originado. Desta forma, o presente capítulo teve por objetivo apresentar as principais características dos atos unilaterais de vontade, permitindo que o jurista estudante saiba como agir nas causas em que tais atos estejam presentes. Referências BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ CCivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 fev. 2018. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2011. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2002. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2014. LUCCA, Newton de. Comentários ao novo Código Civil. Coord. de Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1997.
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