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81 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM BIOLOGIA: ARTICULANDO SAB ERES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES1 Simara Rodrigues GHENO2 Ana Gabriela da Silva ROCHA3 Rossano André DAL-FARRA4 RESUMO A formação inicial de professores se caracteriza tradicionalmente pela dificuldade em vincular o conteúdo específico da área com o conhecimento pedagógico. Nesse cenário, o estágio supervisionado surge como a oportunidade de vivenciar a docência articulando estes saberes adequadamente. Diante desta questão, analisou-se os relatórios de estágio em Biologia de licenciandos com o objetivo de identificar as formas pelas quais os estudantes buscam congregar os distintos saberes na construção de práticas educativas relevantes e, principalmente, como manifestam seus olhares em relação a tal articulação diante da comunidade escolar na qual realizam o seu estágio. Foi verificado que, embora os estagiários apresentassem uma intencionalidade em relação a determinados princípios educacionais, ocorreu, em muitos casos, um processo de adaptação metodológica visando atender as necessidades dos alunos e as peculiaridades da escola e/ou do professor titular. Palavras chave: Estágio supervisionado. Formação de professores. Ensino de biologia. SUPERVISED IN BIOLOGY: ARTICULATING KNOWLEDGE IN PR E-SERVICE TEACHER´S EDUCATION ABSTRACT The pre-service education for teachers is distinguished traditionally by the difficulty to make a link between teaching specific content and the didactic knowledge. In this scenario, the supervised practice appears as an opportunity to experiment teaching. It was analyzed the reports of supervised practice in Biology among graduating students aiming to identify the way that students merge different knowledge that leads to building new relevant educational practices and mainly, how they express their point of view relating to this called articulation in front of the educational community where the practice is held. It was observed that though the trainees demonstrated intentionality in relation to specific educational principles, it was verified in many situations a process of adjustment in order to achieve the needs of students and of the school and/or of the titular professor. Keywords: Teacher´s training. Teacher´s education. Biology teaching. 1 Agradecimentos à CAPES pela concessão de bolsas às primeiras autoras. 2 Licenciada Ciências Biológicas. Mestre em Ensino de Ciências pelo PPGECIM/ULBRA de Canoas/RS, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA Canoas/RS. Bolsista da CAPES. simaragheno@gmail.com 3 Licenciada Ciências Biológicas. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA Canoas/RS, Bolsista da CAPES. anagabrieladasilvarocha@yahoo.com.br 4 Licenciado Ciências Biológicas. Mestre em Zootecnia Melhoramento Genético Animal. Doutor em Educação. Professor adjunto no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA, Canoas/RS. rossanodf@uol.com.br 82 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 1 INTRODUÇÃO O Estágio Curricular Supervisionado em Biologia desempenha um papel fundamental na formação de professores. É através dele que se constituem as oportunidades das vivências específicas da docência, tornando-se um momento de excelência na articulação entre as experiências profissionais e reflexões teóricas sobre a atuação docente. Veiga (2002) destaca duas perspectivas da formação de professores: a de tecnólogo do ensino e a do professor como agente social. Esta última abordagem corrobora com a ideia de um professor reflexivo, preparado para os desafios que as transformações no mundo contemporâneo impõem à docência, “um profissional que reflete, questiona e constantemente examina sua prática pedagógica cotidiana, a qual por sua vez não está limitada ao chão da escola” (DINIZ-PEREIRA, 2008, p. 26). De acordo com Pérez Gómez (1995), a reflexão envolve a capacidade de pensar a respeito de si mesmo, das construções sociais e das estratégias de intervenção. Ela pressupõe a possibilidade, ou melhor, a inevitabilidade de utilizar o conhecimento na medida em que ele é produzido, enriquecendo e modificando o contexto e suas representações, assim como o próprio processo de conhecer. Nessa perspectiva, o contínuo processo de refletir sobre a prática docente proporciona que o licenciando articule os saberes específicos com os saberes inerentes à docência, compreendendo os desafios que irá encontrar na profissão. Faz-se necessário, nesse processo, que os estagiários compreendam a escola não somente como um local de exercer as suas atividades como possíveis “transmissores de informações”, mas, também, como um espaço no qual eles terão a oportunidade de aprender diariamente através da convivência com os alunos e com os outros professores. Fernandez (2015) faz alusão ao conceito de Pedagogical Content Knowledge (PCK) ou conhecimento pedagógico do conteúdo, representando o conhecimento profissional de professores que o distingue de um especialista da área específica, problematizando a questão em função dos distintos olhares a respeito da complexidade do processo de construção de saberes dos professores no ensino de ciências. Diante destas premissas, o objetivo deste estudo consiste em analisar o processo de construção da docência por meio da análise de relatórios de estágio cotejando as concepções de ensino e aprendizagem manifestas pelos licenciandos com as práticas educativas que desenvolveram e suas impressões sobre elas, assim como a inserção dos seus processos de planejamento diante da complexa rede de contingências presentes nas escolas em que atuam. 83 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ESTÁGIO SUPERVISIONADO O processo histórico da formação de professores no Brasil revela a inquietação, existente até hoje, em relação a uma formação inicial que articule os saberes específicos de cada área do conhecimento com os saberes docentes. O estágio supervisionado na formação de professores objetiva a aproximação do estagiário ao cotidiano da escola, percebendo e refletindo sobre os desafios que a prática trará, interagindo e trocando experiências com professores em serviço. A prática faz com que o licenciando estabeleça seu próprio olhar sobre a ação docente através de suas vivências e de suas histórias pessoais uma vez que possibilita refletir, sistematizar e colocar em prática os saberes construídos durante a graduação (GARCIA, 1992; LÜDKE, BOING, 2007; NÓVOA, 1992). Essa etapa articula teoria e prática e fortalece a capacitação para ensinar, possibilitando ao licenciando a integração com o mercado de trabalho como um profissional da educação que tem em suas mãos o papel de formar cidadãos conscientes e críticos (PERELLÓ, 1998). A vivência do licenciando na sala de aula e no ambiente escolar propicia uma percepção mais apurada em relação à complexidade da realidade escolar e educacional, bem como as dificuldades e entraves encontrados na educação (BEHRENS, 1991). Nesse sentido, o estagiário pode articular a teoria e prática pautadas pelos fundamentos da educação, contextualizando sua prática e optando por metodologias adequadas às várias nuances de uma sala de aula (PIMENTA; GHEDIN, 2005). Para Arroyo (2000), o licenciando deve refletir sobre sua prática com o objetivo de avaliar as escolhas feitas, ações desempenhadas, conteúdos abordados e avaliações realizadas. E, a partir desta reflexão, adotar uma nova postura didática e metodológica adequada à aprendizagem de seus alunos, fazendo com que o docente seja capaz de aprimorar a prática futura (FREIRE, 1996). 3 METODOLOGIA O relatório de estágio se constituiem registro de todas as atividades realizadas durante o processo em questão cotejando as vivências com a literatura da área. Nele são detalhados os dados da escola na qual o aluno realizou o estágio, caracterizando-a quanto a localização, estrutura, funcionamento, edificações, comunidade escolar, bem como planos de aula, forma de avaliação e relatos do período de estágio. 84 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 O presente estudo resultou da análise de vinte e nove relatórios entregues como atividade de conclusão da disciplina de estágio supervisionado em biologia nos anos de 2012, 2013 e 2014. Alguns relatórios não apresentavam todas as informações coletadas. Por essa razão, houve percentuais diferentes para cada resposta, já que, em alguns casos, o total de respostas não atingiu o número total de estagiários. Foram analisadas as narrativas dos relatórios a fim de obter um panorama amplo quanto à prática docente, identificando as experiências vividas pelos alunos durante o estágio e de que forma elas poderiam contribuir para a formação do professor. Procurou-se identificar ainda o que eles declararam a respeito do seu papel como professor, a percepção dos estagiários quanto às suas escolhas metodológicas envolvendo a construção dos planos de aula, a elaboração de processos avaliativos, assim como os seus relatos a respeito de como foram recebidos na escola e suas impressões a respeito do convívio com os supervisores de estágio, gestores das escolas, professores e alunos. O aprofundamento das análises compreendeu o cotejamento entre o que os estagiários declaram como sendo as suas escolhas metodológicas e o que efetivamente demonstraram a partir das análises dos relatórios, tendo em vista a complexidade envolvida na efetivação de práticas educativas fundamentadas, assim como nas contingências e peculiaridades do contexto no qual os estagiários estão inseridos. O conjunto das informações obtidas proporcionou a realização de análises qualitativas em relação às informações manifestadas pelos alunos, relatando os anseios, as dificuldades, realizações, crenças, atitudes e percepções, tanto no que diz respeito à profissão quanto na atividade de estágio. Da mesma forma, a análise dos planos de aula construídos pelos estagiários, incluindo a forma de trabalho, recursos e estratégias adotadas proporcionou um conjunto de dados quantitativos analisados por meio das ferramentas de Estatística Descritiva. O cotejamento e a integração entre os aspectos qualitativos e quantitativos caracterizam a utilização dos Métodos Mistos (DAL-FARRA, LOPES, 2013; CRESSWELL, 2013; CRESSWELL, CLARK, 2011). 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Do total de relatórios, 86,4% eram de estagiárias mulheres. As escolas eram da Região Metropolitana de Porto Alegre e cidades próximas e todas da rede pública estadual. Os recursos utilizados nas aulas foram, além da lousa, a reprografia (86,4% dos estagiários), o livro didático (72,7%), os recursos tipo multimídia “data show” (68,2%) e os vídeos (45,5%). Outros recursos 85 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 citados foram matérias de mídia impressa (18,2%), material de laboratório e cartolina, buscando contextualizar as temáticas com o cotidiano dos educandos. Ao descreverem a escola, 40,9% dos estagiários mencionaram a presença de laboratório de ciências, assim como 72,7% sinalizaram a presença de laboratório de informática. No entanto, houve escassa utilização de laboratórios, aspecto contornado pelos licenciandos pela busca, em alguns casos, da utilização de metodologias variadas, especialmente trabalhos com materiais diversos e atividades fora do espaço da sala de aula. As descrições da infraestrutura em geral, assim como da organização e da limpeza dos estabelecimentos, foram majoritariamente favoráveis e com comentários positivos. As temáticas abordadas buscavam se adequar às sequências curriculares propostas pelos planos de estudo de cada escola e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM). Entre as temáticas mais trabalhadas constam: reinos da natureza (31,8%), a zoologia (27,3%), reprodução (18,2%), citologia (13,6%), ecologia (9,1%) e origem da vida (9,1%). Com relação ao número de estudantes predominaram turmas de 21 e 30 alunos (46,6%) e de 31 a 35 alunos (26,6%). A análise dos relatórios não proporcionou encontrar uma associação entre este aspecto e as metodologias utilizadas. Estagiários que trabalharam com turmas de 35 estudantes ou mais realizaram práticas educativas diversificadas e centradas no aluno, incluindo a utilização de materiais diversos tal como rótulos de alimentos e origami nas suas aulas. Foram observadas três categorias no âmbito da “metodologia explicitada” pelos estagiários nos relatórios: - centrada no professor como “transmissor de conhecimento” (18,2% dos estagiários); - parcialmente centrada no professor e utilizando recursos variados (22,7% dos estagiários); - centrada no aluno como agente da aprendizagem e responsável pela busca do conhecimento (59,1% dos estagiários). Percebe-se que o conjunto das práticas educativas explicitado nos relatórios foi, predominantemente, em relação ao emprego de estratégias centradas no aluno (59,1%), com menor expressão para o “centrado no professor”, com a adoção de recursos variados e puramente centrada na figura deste como um “transmissor” de saberes. Com a metodologia centrada no aluno, busca-se fazer conexões entre as temáticas estudadas com aspectos relevantes para a comunidade na qual o aluno vive. Os professores que adotam esta perspectiva priorizam a construção da aprendizagem por parte do estudante de forma conectada com os saberes que estes já possuem, já que realizam atividades em constante 86 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 processo dialógico no qual ouvem constantemente as impressões dos alunos e repensam as suas práticas a todo momento, uma vez que esta abordagem possibilita que os alunos façam conexões do novo conhecimento com o que já existente, ancorando os novos saberes com aqueles já presentes em sua rede cognitiva (LUCKESI, 2002; MOREIRA, 2011). A metodologia centrada no professor (18,2%) se constitui, em muitos casos, em promotora de processos unidirecionais de ensino e aprendizagem, tendendo à desconsideração dos saberes presentes nos estudantes, em que pese as sinalizações da literatura especializada no sentido de evitar esse aspecto. De todos os relatórios analisados, 22,7% dos estagiários manifestaram a realização de metodologias centrada no professor, porém, buscando a diversificação nos recursos didáticos, o que, de certa forma, demonstra uma maior preocupação em atender aos anseios dos estudantes, já que, segundo Castoldi e Polinarski (2009), os recursos didáticos contribuem para minimizar as lacunas do ensino tradicional, possibilitando a abordagem do conteúdo de forma diferenciada. Nas práticas educativas centradas no professor o docente busca ser um transmissor de conhecimento, embora as evidências contemporâneas demonstrem que a aprendizagem é construída a partir das relações que o indivíduo faz com aquilo que já sabe. Essa concepção tende a considerar que os indivíduos são capazes de armazenar informações de forma passiva e descontextualizada (DEWEY, 1979; MIZUKAMI, 1996). Com a precípua finalidade de promover a autonomia do indivíduo a partir do processo de ensino e aprendizagem, o educador precisa superar a proposição de atividades de mera repetição e aprendizagem “mecânica”. Em que pese a relevância da repetição em processos mnemônicos, o docente precisa despertar a curiosidade e a criticidade nos alunos, promovendo o ato de pensar, respeitando os processos realizados pelos alunos, colocando-se no lugar deles (DEWEY, 1953). Cabe ao professor “cultivar o espíritode curiosidade, preservá-lo de desaparecer pelo abuso, de livrá-lo da fossilização da rotina, e de que o ensino dogmático e a aplicação constante a coisas mesquinhas não a dissipem” (DEWEY, 1953, p. 36). A Figura 1 apresenta dados relativos ao cotejamento entre “o papel do professor segundo o estagiário” e a categoria na qual foi enquadrada a “metodologia explicitada” no relatório. 87 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 Figura 1: Relação entre a metodologia explicitada e a percepção do papel do professor na opinião dos estagiários. Fonte: Dados obtidos na pesquisa. Observa-se que 31% dos licenciandos demonstraram ter realizado um processo educacional centrado na construção do conhecimento pelo aluno, acompanhando a sua declaração de que esta era a escolha metodológica a ser desenvolvida. A análise dos relatórios demonstrou que eles julgavam importante o acompanhamento da aprendizagem, evidenciando ser este um pressuposto teórico abordado ao longo da formação inicial na qual estão inseridos. Em uma parcela dos relatórios não houve sintonia entre as concepções a respeito do papel do professor e as escolhas metodológicas presentes no relatório. Mesmo que entendam ser relevante auxiliar o aluno na construção do conhecimento através da reflexão, suas aulas apresentaram metodologias centradas no professor como transmissor de conhecimentos ou utilizando recursos diversos. A esse respeito pode-se supor que este grupo de professores ainda está em processo de aprimoramento de sua prática docente, visto que, utilizando variados recursos didáticos, demonstram preocupação buscando diferentes formas de fazer com que o aluno compreenda as temáticas estudadas. Há um aspecto a ser considerado em relação ao processo de construção das atividades que, muitas vezes segue as práticas usuais realizadas na escola, sobrepondo-se, inclusive, ao desejo dos licenciandos e suas inclinações pedagógicas. Dos estagiários que explicitaram ter atuado como professores transmissores do conteúdo, 12,5% atribuíram ao professor esta prerrogativa, centrando as suas ações em uma Planejamento Auxiliar aluno Exemplo para a vida Transmitir conhecimento Construção do conhecimento pelo aluno Centrada no professor "transmissor" 6,3 12,5 6,3 Parcialm. centrada no professor com recursos variados 6,3 12,5 12,5 Centrada no aluno 6,3 6,3 31 0 5 10 15 20 25 30 35 % 88 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 atuação a partir desta perspectiva, percentual idêntico ao de estagiários que explicitaram práticas parcialmente centradas no professor com recursos variados. Um percentual reduzido dos estagiários aludiu ao papel do professor como sendo um exemplo de vida e como um auxiliar do aluno, mesmo que tenham sido classificados em categorias diferentes. Em alguns casos, mesmo com a utilização de recursos didáticos variados, as aulas não deixavam de ter o caráter de transmissão de conhecimento (12,5%), centrando o processo educacional a partir do professor como ator principal, configurando o processo, tal como sinaliza Dewey (1979) em um esquema de imposição, de cima para baixo e de fora para dentro, fixando padrões, temáticas e métodos a sujeitos em desenvolvimento. Perrenoud (2002) enfatiza a importância do processo de adaptação das estratégias utilizadas pelos professores de acordo com as necessidades dos alunos, visto que a heterogeneidade surge como um desafio diário no esforço do professor. Mesmo utilizando muitos recursos, em alguns casos, há atividades nas quais o engessamento no planejamento pode privar o aluno da descoberta que o processo de experimentação propicia. Interessante observar que consta do estágio um período de observação dos professores titulares, sendo que as descrições e adjetivações mais frequentes a respeito dos docentes observados foram: “tradicional” em uma parcela dos relatórios e “receptiva com o estagiário”. Houve menções isoladas a “tradicional usando somente livro didático”, “ procura relacionar o conteúdo com o cotidiano”, “ buscou a participação dos alunos”. A Figura 2 apresenta dados que relacionam a metodologia explicitada pelos estagiários e os processos avaliativos aplicados aos estudantes. Tal análise decorre da vinculação necessária que deve existir entre o planejamento das aulas e as avaliações da aprendizagem utilizadas com os educandos. Em relação aos instrumentos de avaliação apresentados nos relatórios predominaram as provas escritas sem consulta, contendo questões abertas possibilitando que o estudante disserte sobre o que lhe é solicitado, e questões de múltipla escolha. Os instrumentos avaliativos foram classificados em: 1 - Questões de vestibular; 2 - Questões que exigiam reduzida reflexão; 3 - Questões que exigiam compreensão e reflexão. Nem sempre questões abertas exigem que o aluno reflita sobre o tema. Muitas vezes, estas questões acabam fazendo com que o aluno responda exatamente o que está em seu caderno ou livro didático. Da mesma forma, considera-se que as questões fechadas, ou seja, as de múltipla escolha, podem ser elaboradas demandando um certo nível de compreensão e/ou reflexão sobre o que foi abordado em aula. Foram classificadas na categoria 2, tanto as questões 89 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 dissertativas, quanto as de múltipla escolha que não exigiam do aluno um nível de compreensão e/ou reflexão maior quanto ao que foi estudado. Figura 2: Relação entre as metodologias explicitadas com os instrumentos avaliativos. Fonte: Dados obtidos na pesquisa. Considerando que a maior parcela dos licenciandos declarou ter adotado uma prática centrada no aluno, 18,75% utilizou instrumento avaliativos que exigiam maior grau de compreensão do tema por parte deles, incentivando-os a construir uma reflexão mais profunda do que a simples enunciação de um conceito pronto, demandando uma articulação elaborada entre as temáticas estudadas e as vivências do cotidiano. Um quarto dos licenciandos (6,25 mais 18,75) utilizou questões transcritas de vestibular exatamente como estavam nas provas aplicadas pelas instituições de ensino superior, já que essa era uma prática adotada plas escolas nas quais realizaram o estágio. Nesse grupo, os relatos indicaram que os alunos apresentaram dificuldades elevadas durante a avaliação, e muitos demostraram ter ficado decepcionados com os resultados obtidos pelos alunos, incluindo o fato deles não atingirem o grau mínimo para aprovação na avaliação. Esse processo decorre, na atualidade, da forte presença de um discurso no ambiente escolar voltado para a preparação dos alunos para as provas de vestibular, restringindo o processo avaliativo a questões desta natureza e gerando um conjunto de contingências nas quais os estagiários precisaram se adequar nas escolas. Considera-se crucial que o professor elabore a avaliação de acordo com a metodologia utilizada em aula. A totalidade do planejamento docente envolve, imprescindivelmente, o estabelecimento de objetivos complexos esperados Centrada no professor "transmissor" Centrada no professor com recursos variados Centrada no aluno Questões de vestibular 6,25 18,75 Questões que exigiam reduzida reflexão 18,75 18,75 12,5 Questões que exigiam compreensão e reflexão 6,25 18,75 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 % 90 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 para que o aluno atinja, demonstrando, de forma processual a aprendizagem construída ao longo do período (MORETTO, 2002). No entender de Freire (1996) e Luckesi (2002) a avaliação é momento no qual o professor identifica o que o aluno aprendeu, e quais são os aspectos a serem reelaborados, além de representar o momento no qual o professor também se avalia a sua prática e elabora as ações futuras com o objetivo de desenvolverum processo avaliativo em consonância com as suas aulas. É a partir da avaliação que o professor verificará as necessidades que cada aluno possui, reorganizando a sua intervenção pedagógica. Por essa razão, questões elaboradas por outros docentes podem não abordar aspectos relevantes e considerados pelo professor como essenciais, gerando, muitas vezes, prejuízos ao desempenho dos estudantes (FRANCO, 2001; LUCKESI, 2002). A figura 3 apresenta a relação entre a metodologia explicitada pelos estagiários e a participação dos alunos nas aulas segundo os relatos dos estagiários. Figura 3: Relação das metodologias explicitadas e a participação dos alunos nas aulas. Fonte: Dados obtidos na pesquisa. É possível perceber que os alunos buscaram desempenhar um papel mais ativo no processo educacional quando o estagiário centrou as ações no estudante, já que, 33,3% das turmas foram consideradas como participativas pelos estagiários classificados nesta categoria. Nos grupos de metodologia centrada no professor com recursos variados este percentual foi de Centrada no professor "transmissor" Centrada no professor com recursos variados Centrada no aluno Não participativos 20 6,67 6,67 Pouco participativos 6,67 6,67 Participativos 20 33,3 0 5 10 15 20 25 30 35 % Não participativos Pouco participativos Participativos 91 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 20% e inexistente no grupo de estagiários cuja prática foi centrada no professor como transmissor. Os resultados evidenciam que a construção de metodologias ativas contribui para que os estudantes sejam mais participativos nas aulas e corroboram com a histórica afirmação de que a metodologia centrada no professor prejudica o envolvimento do estudante no processo, reduz o interesse dos alunos e reflete negativamente na aprendizagem, tal como evidenciado por 20% dos graduandos. A partir da análise, nota-se a relação existente entre o método escolhido pelo estagiário e a participação dos estudantes que deixam de assumir um papel ativo que depende do estímulo proporcionado pelo professor através de sua metodologia, assim como do acolhimento por parte do professor para que o aluno se sinta seguro a participar das aulas, interagindo e ampliando as suas possibilidades de aprendizagem. Nesse sentido, pensa-se ser de extrema importância elaborar o planejamento docente calcado na adoção de um processo educacional centrado no estudante, assim como é necessário a reflexão a respeito da prática para que o estagiário construa um perfil docente que lhe permita buscar um processo colaborativo e participativo em suas aulas. De acordo com Vasconcellos (2004, p. 35), “planejar é antecipar mentalmente uma ação a ser realizada e agir de acordo com o previsto; é buscar fazer algo incrível, essencialmente humano: o real ser comandado pelo ideal”. Portanto, planejar é traçar um rumo, assim como elaborar metas e objetivos que devem ser alcançados com os estudantes. A formação inicial de professores precisa capacitar os licenciandos para a realização de um planejamento em consonância com a educação centrada no estudante, que se constitui, ao mesmo tempo, na origem e no destino do pensar pedagógico, cuja finalidade se volta para a construção de um sujeito ativo na construção de sua aprendizagem. 6 CONCLUSÃO O estágio curricular supervisionado representa uma etapa fundamental para que os licenciandos compreendam a complexidade inerente ao processo de ensino e aprendizagem quando se almeja o desenvolvimento e a transformação dos indivíduos e da sociedade. Tal como assinalado por Dewey (1979): O principal propósito ou objetivo é preparar o jovem para as suas futuras responsabilidades e para o sucesso na vida, por meio da aquisição de corpos organizados de informação e de formas existentes de habilitação, que constituem o material de instrução (DEWEY, 1979, p. 4-5). 92 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 Assim, é importante que o licenciando perceba o impacto que suas estratégias metodológicas exercem sobre os estudantes pois é necessário instigar os futuros professores a construir suas práticas educativas de forma harmônica com as vivências dos alunos e se comprometerem com a aprendizagem deles. No presente estudo, foi observado que alguns estagiários planejaram suas atividades e, ao perceberem que elas não estavam sendo adequadas realizaram as adaptações necessárias. Julga-se importante essa adequação metodológica, uma vez que o estágio é o momento em que o professor avalia as suas práticas, sendo a construção deste olhar crítico de elevada importância para o aprimoramento de sua formação. O estudo pormenorizado dos relatórios permitiu observar que, embora a maior parte dos licenciandos tenham afirmado que o processo educacional deva ser centrado no estudante, um princípio trabalhado exaustivamente ao longo da formação, uma parcela deles desenvolveu práticas educativas centradas no professor, assim como elaborou instrumentos de avaliação caracterizados pelo reduzido espaço para a reflexão aprofundada por parte dos alunos. Foi possível perceber ainda, a adoção de questões de vestibulares transcritas de forma idêntica para os instrumentos avaliativos, corroborando outros elementos presentes nos relatórios que indicam um processo de adaptação dos estagiários às contingências de cada escola. Um dado interessante foi a associação encontrada entre a educação centrada no estudante e a consideração dos estagiários em relação à participação dos alunos nas aulas, já que o percentual de turmas consideradas como participativas foi maior nesta categoria do que no grupo de estagiários que desenvolveram práticas educativas centradas no professor. Foi percebido entre os licenciandos uma grande dificuldade em ajustar a metodologia que tencionavam aplicar ao conteúdo que deveria ser trabalhado, o que pode ser decorrente, muitas vezes, das injunções e circunstâncias particulares da escola e/ou do professor titular da disciplina cujos métodos acabam por ser seguidos. Dessa forma, acredita-se na crucial importância da sintonia entre as que as atividades práticas e os pressupostos teóricos específicos da área desde a formação inicial dos professores. Em tal perspectiva, o aluno terá mais contato com a sala de aula e com o funcionamento da escola, e o saber docente será construido e fortalecido nesse processo. REFERÊNCIAS ARROYO, M. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. 93 Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 5, p. 81-94, jan./jun. 2016 BEHRENS, M. A. O Estágio Supervisionado de Prática de Ensino: Uma proposta coletiva de reconstrução. 1991. 154 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP. CASTOLDI, R; POLINARSKI, C. A. A utilização de Recursos didático-pedagógicos na motivação da aprendizagem. In: II SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE CIENCIA E TECNOLOGIA . Ponta Grossa, PR, 2009. Disponível em: <http://www.pg.utfpr.edu.br/sinect/anais/artigos/8%20Ensinodecienciasnasseriesiniciais/Ensi nodecienci asnasseriesinicias_Artigo2.pdf>. Acesso em: 05 maio 2015. CRESSWELL, J. D. Research Design. 4th edition. Thousand Oaks: SAGE Publication, 2013. CRESSWELL, J. 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