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DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 1 NESTE CAPÍTULO VOCÊ IRÁ APRENDER: • A interpretar os princípios gerais e constitucionais do direito empresarial. • A compreender a importância dos princípios da preservação e função social da empresa. • A diferenciar a função social da responsabilidade social da empresa. • A entender como os princípios da livre-iniciativa e liberdade de concorrência estão relacionados com o direito empresarial. INTRODUÇÃO Neste nosso terceiro capítulo, abordaremos os princípios gerais e constitucionais do direito empresarial. Partindo do estudo do princípio da preservação da empresa, o qual veio insculpido em 2005 no artigo 47 da Lei 11.101, iremos analisar a função social da empresa, bem como realizar sua diferenciação da responsabilidade social, conceitos que muitas vezes são confundidos. Será possível perceber que os princípios da preservação e função social da empresa se complementam. Serão estudados, também, os princípios da livre-iniciativa e da liberdade de concorrência, os quais norteiam o direito empresarial e estão ligados à ordem econômica previstos na Constituição Federal. DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 2 PRINCÍPIOS GERAIS E CONSTITUCIONAIS DO DIREITO EMPRESARIAL Os princípios gerais e constitucionais são aqueles que orientam o direito empresarial e podemos dividi-los em quatro: princípios da preservação e função social da empresa, livre-iniciativa e liberdade de concorrência. 1. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA O princípio da preservação da empresa ganhou visibilidade com a aprovação da Lei n.º 11.101/05, que em seu artigo 47 consagra, de modo incisivo, a primazia pela recuperação da empresa em crise econômica. Há de se considerar que o referido princípio alcança abrigo além da Lei infraconstitucional. Trata-se de um princípio constitucional não escrito, respaldado materialmente pela Constituição Federal de 1988, pois embora tal princípio não esteja expresso no Texto Constitucional, podemos extrair sua formulação a partir dos princípios explícitos, como o princípio da legalidade (art. 5º, II), da irretroatividade das Leis e da proteção à coisa julgada (art. 5º, inc. XXXVI), do princípio do Juiz Natural (art. 5º, inc. XXXVII), do livre acesso ao Poder Judiciário (5º, inc. XXXV), do princípio da anterioridade tributária (art. 150, inc. III, “b”), entre outros. Pelo exposto, observa-se que, a partir de princípios explícitos, ou seja, positivados na Constituição, é possível extrair princípios implícitos, quer dizer, não escritos. Sob esse prisma, percebe-se que o princípio da preservação da empresa está lastreado muito além do artigo 47 da Lei n.º 11.101/05, no momento em que se analisa sob os aspectos constitucionais. Faz-se necessário observar o princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, positivado no inciso III do artigo 1.º da Carta Magna; com base nesse princípio explícito, se extraem outros implícitos que são indispensáveis para a materialização do disposto no texto constitucional. Axiologicamente, o princípio da preservação da empresa encontra sua origem DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 3 no princípio da dignidade da pessoa humana e na garantia da ordem econômica, sendo, assim, um princípio constitucional implícito. Apesar de a Constituição Federal não reconhecer o princípio da preservação da empresa de maneira positivada, é cristalina sua origem constitucional; no momento em que se analisa com cautela o artigo 170, percebe-se que o princípio da livre concorrência e da busca do pleno emprego, integrantes da ordem econômica, não serão possíveis de se tornar realidade sem que a empresa seja valorizada e preservada. A partir de então, verifica-se que o princípio da preservação da empresa está lastreado na Constituição Federal, tratando-se de um princípio constitucional não escrito, sendo vital para manutenção dos princípios positivados e tornando-os viáveis. Dessa forma, resta clara a conexão da preservação da empresa com a materialização de um princípio constitucional escrito. Torna-se impossível considerar o princípio positivado afastado do implícito, uma vez que o princípio não escrito é um pilar para a realização fática da norma constitucional. Como visto anteriormente, o direito empresarial sofreu grandes mudanças legislativas nos últimos anos. O empresário deixou de ser visto como um explorador em busca somente do lucro e passou a ser considerado como uma peça muito importante na engrenagem que sustenta a economia do país. No momento em que o legislador consagrou a função social da empresa e se preocupou em criar uma legislação, mais precisamente, em 2005, com o objetivo de recuperar empresas em crise financeira, restou demonstrado o papel relevante que as empresas possuem para que os direitos fundamentais do cidadão sejam respeitados e atendidos. 2. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA A Lei n.º 11.101/05, consagrou a função social da empresa, bem como o fato de ser uma célula vital para a economia, gerando empregos, melhorias locais e fomentação do mercado capital. Com a ruptura da tradição dos atos de comércio, a unificação do Direito Civil, em 2002, e a criação da teoria da DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 4 empresa no Brasil, o empresário deixou de ser visto apenas como um explorador comercial em busca do lucro e passou a ser agente social, responsável pelo bem-estar da população, colaborando com o Estado na busca da justiça social e do desenvolvimento do país. A função social está presente de forma intrínseca no exercício da atividade empresarial, tendo em vista que o ordenamento econômico brasileiro está fundado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa; assegurando a todos a justiça social. O conceito atual de empresa está fundamentado nesse princípio, não visando apenas à obtenção de lucro aos seus proprietários, mas ao atendimento dos interesses da sociedade na qual está inserida, constituindo um dos principais agentes de desenvolvimento econômico e social do país. Tomasevicius Filho conceitua a função social da empresa como “o poder de o empresário e os administradores da empresa harmonizarem as atividades da empresa, segundo o interesse da sociedade mediante a obediência de determinados deveres, positivas e negativas”. Por meio desse conceito, pode-se entender que a empresa deverá observar esses deveres, não podendo ser entendida como satisfação de interesse de particulares. A Constituição ordena a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, nos termos da justiça social, observando a função social. Nesse sentido, em torno da empresa, gravitam vários agentes econômicos, não assalariados, como os investidores de capital, os fornecedores e os prestadores de serviço. Apesar da importância da empresa e da função social que ela desempenha, não existem instrumentos de sanções no direito pátrio, quanto à responsabilização das empresas pelo não cumprimento da função social. O que se verifica é que os princípios constitucionais informadores da ordem econômica e social não correspondem a um côngruo aparelhamento de sanções. O sistema jurídico prevê, tradicionalmente, remédios jurídicos adequados para a proteção dos interesses dos particulares, mas não para a defesa dos interesses comuns do povo, cuja realização é, também, confiada às empresas. DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 5 2.1RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA Além da função social tratada no tópico anterior, existe outro conceito muito próximo a ela, a responsabilidade social. A responsabilidade social da empresa está ligada às preocupações sociais e ambientais aplicadas de modo voluntário, que, embora tratem de uma integração com a sociedade, nada tem a ver com a sua função social. Importante analisar seu conceito e sua aplicabilidade com o objetivo de diferenciá-la da função social da empresa. A responsabilidade social é conhecida como um valor que se reflete nas atitudes das empresas. Nos últimos anos, foi colocada em pauta de discussões a relação da sociedade com o meio ambiente e a responsabilidade das ações do homem na atualidade, em relação ao futuro da humanidade. Essas pautas de reflexões ocasionaram o surgimento de uma nova geração de empresas, comprometida não apenas com os lucros, mas também, com as questões sociais trazidas na explanação sobre a responsabilidade social da empresa; na expectativa de que esse novo comprometimento contribuirá na construção de um país melhor, mais justo e, sobretudo, mais humano. A nova postura da empresa frente à sociedade tem acionado empresas de todos os portes. Assim, uma empresa com atitude de responsabilidade social, não é apenas uma empresa de resultado econômico, mas equilibra o econômico e o respeito à cidadania, à ética e ao meio ambiente. A responsabilidade social da empresa está dividida em dois tipos: a) o primeiro, no trabalho interno, com emprego, qualidade, remuneração, higiene dos seus funcionários e tudo aquilo que acontece dentro da empresa; b) o segundo, no trabalho externo, no qual apresenta preocupação com o devedor e com a comunidade em que ela está inserida, com os clientes, os fornecedores e as entidades públicas. A responsabilidade social nada mais é que uma melhoria voltada para a qualidade de vida da coletividade, integrando preocupações sociais das atividades empresariais, a fim de investir no capital humano. Diante disso, empresa e sociedade estão completamente ligadas, de forma que a ação de uma reflete na outra. Os conceitos e distinções trazidos DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 6 neste tópico e no seu anterior são essenciais para a aplicação do direito empresarial vigente, revelando um crescimento na relação empresa/sociedade. Pode-se destacar, como um exemplo bem sucedido de investimento em programas sociais, o programa Volvo de segurança no trânsito. Esse projeto foi implementado em 1987, vigorou por mais de 15 anos e foi reconhecido mundialmente como um modelo de comprometimento de uma empresa privada com as questões de interesse social. Conforme visto, responsabilidade social corresponde a ações que a empresa adota para reparar, eventualmente, o transtorno que causa ao lugar que ocupa ou para proporcionar um retorno aos seus empregados, além do que a lei determina. Por exemplo, a Lei da Empresa Cidadã (Lei 11.770/2008) possibilita que a empresa aufira algum subsídio fiscal em caso de ofertar, além dos quatro meses obrigatórios de licença gestante, mais dois meses, chegando num total de seis, tendo direito, então, a alguns subsídios. Outros exemplos de responsabilidade social podem ser encontrados nas empresas que adotam a manutenção de praças públicas e naquela empresa que paga mensalidades escolares dos empregados ou de seus familiares; enfim, quando a empresa promove algo além da Lei. A função social é algo bem diverso da responsabilidade social. Está ligada ao próprio emprego, ou seja, ao direito social ao trabalho, aos objetivos da Constituição, à erradicação da pobreza, ao desenvolvimento econômico, à redução das desigualdades regionais e sociais, entre outros. 3. PRINCÍPIO DA LIVRE-INICIATIVA A ordem econômica vem disciplinada por um conjunto de princípios, estabelecidos pela Constituição Federal, em seu artigo 170. A expressão ordem econômica, indica a proporção de ordem jurídica que, tem por finalidade, indicar o modo de ser da economia brasileira. A Constituição ordena que essa ordem econômica seja fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tenha como finalidade a garantia da dignidade humana, nos termos da justiça social. DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 7 O princípio da livre-iniciativa é consagrado pelo sistema jurídico brasileiro como princípio fundamental da República no art. 1º, IV, e, mais especificamente, da ordem econômica, no art. 170, caput, da Constituição Federal. A livre-iniciativa é entendida como um desdobramento necessário do direito de liberdade, significando a ampla possibilidade de realização de condutas diversas, podendo somente esse âmbito de atuação ser restrito por lei. Uma das faces da livre-iniciativa é a liberdade de iniciativa econômica, que consiste na faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado. A liberdade de exploração da atividade empresarial é decorrência imediata desse princípio, garantindo aos particulares e às sociedades a livre atuação dentro do mercado. O princípio da livre-iniciativa se desdobra em quatro condições fundamentais para o funcionamento eficiente do modo de produção capitalista: a) imprescindibilidade da empresa privada para que a sociedade tenha acesso aos bens e serviços de que necessita para sobreviver; b) busca do lucro como principal motivação dos empresários; c) necessidade jurídica de proteção do investimento privado; d) reconhecimento da empresa privada como polo gerador de empregos e de riquezas para a sociedade. Ligado intimamente ao princípio da livre-iniciativa, temos o princípio da livre-concorrência. Ambos são complementares, mas, enquanto a livre-iniciativa aponta para a liberdade política, que lhe serve de fundamento, a livre- concorrência significa a possibilidade de os agentes econômicos poderem atuar sem embaraços juridicamente justificáveis, em determinado mercado. DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 8 4. PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE CONCORRÊNCIA A concorrência livre é um princípio que orienta o Direito Empresarial, em sua teoria e em sua prática, exigindo atenção a atividades e práticas comerciais. Esse princípio não estabelece condições para uma ampla liberdade, onde cada um faria o que bem quisesse. Pelo contrário, não se toleram abusos no mercado, cabendo ao Estado garantir um ambiente de concorrência livre e satisfatória. A limitação de atos individuais, pela responsabilização da empresa, estendendo-se aos seus sócios e gestores, faz- se para garantir um mercado em que haja concorrência livre e equilibrada, sem abusos de direito, infrações legais, atos que caracterizam excesso de poder, fraudes e outros atos ilícitos. O princípio da liberdade de concorrência visa a impedir que o poder econômico domine o mercado, que a avalanche capitalista, impulsionada pelo lucro, concentre o poder econômico de maneira abusiva. Assim, o princípio acaba por exigir do Estado uma atitude proativa no mercado para coibir excessos por meio de tratamento desigual nas relações comerciais, que envolvem as empresas de grande e de pequeno porte, os direitos dos consumidores, dos trabalhadores e o meio ambiente. Existem basicamente duas formas pelas quais o Estado se propõe a concretizar esse princípio: a) coibição das práticas de concorrência desleal, inclusive tipificando-as como crimes; b) repressão ao abuso de poder econômico, caracterizando-os como infração contra a ordem econômica. A livre concorrência é um princípio constitucional da ordem econômica previsto no art. 170, IV, da CF e é protegidapelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). O CADE tem como funções primordiais: a) punir as infrações à ordem econômica; DIREITO EMPRESARIAL TEMA 3 Prof. Alberto Wunderlich 9 b) controlar os atos de concentração empresarial que de qualquer forma possam influir na livre concorrência. Alguns atos de concentração empresarial podem eventualmente representar danos à livre concorrência, na medida em que podem diminuir o número de concorrentes no mercado, ou podem representar uma prefixação de preços ou, ainda, podem representar obstáculos ao ingresso de novos entes no mercado, sendo que se ocorrer alguma dessas hipóteses o Estado deverá coibir tais práticas abusivas. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Thiago Pinho de. Empresas Responsabilidade e Função Social, 1ª ed. Curitiba: CRV, 2016. BITELLI, Marcos Alberto Sant’ Anna. Da Função Social para a Responsabilidade da Empresa: temas atuais do direito civil na constituição. Org. Rui Geraldo Camargo Viana e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito Empresarial Esquematizado. 7ª ed. Saraiva: São Paulo, 2020. COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012. COMPARATO, apud, CAVALLAZZI FILHO, Tullo. 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