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2018 - 08 - 13 Incesto e Alienação Parental - Edição 2017 15. 15 ALIENAÇÃO PARENTAL COMO CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO Carlos José Cordeiro1 Josiane Araújo Gomes2 O surgimento da família constitui fato inerente à própria condição humana, na medida em que a dependência do outro é característica de qualquer pessoa, o que torna a formação dos agrupamentos sociais imprescindível para que cada ser humano possa suprir suas necessidades físicas, psíquicas e culturais, em busca do seu pleno desenvolvimento pessoal. Representa a família, assim, estrutura social básica, em que se tem o início do desenvolvimento das potencialidades próprias de cada um de seus membros, possibilitando-lhes a convivência em sociedade e o alcance de suas realizações particulares. Nessa esteira, considerando o caráter eudemonista da família3, ou seja, a sua orientação no sentido de permitir, aos seus membros, a busca pela felicidade individual, por meio da realização pessoal, é imperioso o reconhecimento de que o exercício do poder familiar dos pais com relação à sua prole detém abrangência que ultrapassa as hipóteses previstas, expressamente, na legislação civil. Com efeito, sendo o poder familiar os deveres e obrigações dos genitores para com os filhos, visando à concretização da proteção integral das crianças e adolescentes, o seu exercício não está limitado às situações previstas nos arts. 1.6344 e 1.6895, ambos do Código Civil, de nítido caráter patrimonial, pois englobam questões de caráter extrapatrimonial, vale dizer, o desempenho, pelos pais, do papel de protetor, de educador, de companheiro do filho, conclusão esta, aliás, consagrada no texto constitucional, em seu art. 227, caput, in verbis: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Tal conclusão deriva do fato de que o afeto6 constitui, na atualidade, o alicerce e a mola propulsora das formações familiares, pois abrange toda a gama de sentimentos inerentes às relações interpessoais – amor, paixão, amizade, simpatia, perdão, solidariedade, transigência etc. – que sejam capazes de aproximar as pessoas em prol do alcance da felicidade individual e comum. Por consequência, o efetivo exercício da função paterna/materna decorre do fato da pessoa ser criada, educada, considerada e apresentada ao meio social como filho, contribuindo, assim, diretamente para o desenvolvimento da personalidade da prole, por meio da prática de atos de proteção e amparo econômico, bem como de apoio emocional-afetivo. Aliás, cumpre ressaltar a consagração, no art. 229 do texto constitucional, do dever dos pais de "assistir, criar e educar os filhos menores". E, tal assistência, conforme acima exposto, deve ser interpretada em seu sentido pleno, não se limitando ao dever de amparo material. Os pais possuem o dever não apenas de arcar com o custeio econômico da manutenção vital de seus filhos, mas também com o aspecto afetivo, de cuidado, de amor e de carinho. Nesse contexto, tema cada vez mais recorrente em âmbito doutrinário e jurisprudencial, existindo vozes contrárias e favoráveis ao seu reconhecimento, diz respeito ao cabimento da responsabilidade civil por abandono afetivo, que ensejaria a condenação do "genitor negligente" ao pagamento de indenização por danos extrapatrimonais em favor do "filho abandonado", na medida em que tal conduta seria capaz de violar direitos da personalidade desse filho, causando-lhe danos. O ponto de partida de tal discussão inicia da constatação de que, muito embora seja o pedido de reparação por dano moral juridicamente possível, pois está previsto na ordem jurídica pátria (art. 5º, inciso X, da Constituição Federal), tem-se que esse dano deve ser decorrente da violação de determinado direito da pessoa ofendida. Com efeito, o Código Civil, em seu art. 186, prevê a possibilidade de reparação civil em razão de ato ilícito, inclusive quando o dano é exclusivamente moral. Assim, a possibilidade de indenização deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é considerado como aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano, que pode ser material ou exclusivamente moral − ou melhor, extrapatrimonial. Em qualquer hipótese, porém, exige-se a violação de um direito da pessoa, da comprovação dos fatos alegados, dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta desenvolvida e o dano sofrido. A responsabilidade civil e seus efeitos, portanto, presumem lesão, ou seja, a violação à ordem jurídica, pois, caso contrário, tratar-se-ia de ato corriqueiro, no qual a licitude da sua prática não ensejaria qualquer reparabilidade. Por decorrência, para se falar em reparação, devem ser observados três aspectos, quais sejam: a ilicitude do ato praticado, na medida em que os atos de acordo com o direito não ensejam reparação; o dano, ou seja, a efetiva lesão suportada pela vítima; e a relação existente entre o ato praticado e a lesão experimentada, ou seja, o nexo de causalidade, que diz respeito ao "iter" entre o ato e o resultado, sem o qual impossível a reparação do dano ante a inexistência da relação fato- consequência. Nesse contexto, tanto as opiniões contrárias quanto as favoráveis à responsabilização reconhecem que o abandono afetivo pode configurar dano à esfera íntima das pessoas, em decorrência da angústia, da tristeza e do sentimento de rejeição suportado em razão de tal abandono dos filhos pelos pais. Todavia, a dissonância de entendimento sobre a questão surge na definição da linha tênue existente entre o dever moral e o dever jurídico de tal assistência afetiva. As opiniões contrárias à responsabilização por abandono afetivo − que ainda compõem a posição majoritária em âmbito jurisprudencial − defendem que a negativa de assistência afetiva, emocional e/ou presencial do genitor à prole, embora sejam lamentáveis e causem mágoas e ressentimentos imensuráveis, não caracterizam, por si só, dever de indenizar, ante a ausência de ato ilícito.7 Isso porque as relações interpessoais são balizadas por inúmeros fatores pessoais, ambientais e sociais, que produzem na pessoa sentimentos e emoções, que conduzem à aproximação entre as pessoas ou ao distanciamento entre elas, sejam parentes ou não. Por consequência, o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si só, situação capaz de gerar dano moral, pois o pai somente pode ser compelido a cumprir com todas as suas obrigações assistenciais − cuja omissão pode ser suprida com providências de cunho jurisdicional, por exemplo, ação de alimentos, regulamentação de visitas ou as diversas execuções −, não sendo, contudo, possível compelir uma pessoa a amar ou desamar outra.8 Logo, acolher a tese da responsabilização por abandono afetivo significaria fixar preço para o amor, ou desamor, admitindo-se a possibilidade de compensar a frustração e a desilusão, por exemplo, por meio de ações judiciais.9 Por sua vez, as opiniões favoráveis à responsabilização por abandono afetivo partem da diferenciação entre afeto e deveres jurídicos, na medida em que o não cumprimento desses últimos constitui ato ilícito indenizável.10 Com efeito, é inconteste a impossibilidade de se impor que uma pessoa ame outra, mesmo que se refira à relação entre pais e filhos. Contudo, tratando-se da relação de perfilhação, o ordenamento jurídico impõe deveres aos genitores − originários do poder familiar − que ultrapassam aspectos exclusivamente patrimoniais, os quais, se não cumpridos, ensejam a sua responsabilização civil, pela ofensa aos direitos da personalidade dos filhos. Tais deveres, conforme já consignado no início deste estudo, encontram assento no texto constitucional como também na legislação civil,sendo digno de nota destacar, outrossim, o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente em seus arts. 20 a 24, in verbis: Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. § 1º Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção. § 2º A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha. Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. Destarte, de acordo com o posicionamento favorável, é perfeitamente possível ao filho buscar reparação pecuniária do genitor por danos extrapatrimonais nas hipóteses em que exista efetiva comprovação de que houve negativa de amparo afetivo, moral e psicológico, os quais toda criança e adolescente necessita. Vale dizer, a violação dos direitos à personalidade do filho, como a honra, a imagem e a reputação social, pela atitude omissiva adotada por seu genitor, é passível de reparação no âmbito da responsabilização civil, pois tal hipótese se enquadra, perfeitamente, na máxima de cabimento da indenização por danos morais, qual seja: há o dever de indenizar moralmente aquele que, por ato ilícito, sob a forma de ação ou omissão, sofreu lesões a bens integrantes de sua personalidade, ocasionado dor, tristeza, vexame, humilhação, violação de sua dignidade humana e prejuízos intelectuais e morais. Inclusive, a possibilidade de o filho pleitear indenização por dano extrapatrimonial decorrente de abandono afetivo pelos pais restou reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, cujo julgado restou assim ementado, in verbis: Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.11 Dessa forma, considerando que a base da família contemporânea não mais reside em aspectos patrimoniais e na fictícia necessidade de manutenção do equilíbrio social, mas sim tem por fundamento o afeto, que se exterioriza na apreciação mútua cultivada pelos membros familiares, na manifestação de vontade voltada para a união, para a construção de uma vida em conjunto, bem como na resolução dos conflitos por meio do diálogo, de modo a permitir a continuidade saudável da família, tem-se ser o posicionamento favorável à responsabilização civil por abandono afetivo o mais adequado para se obter a concretização dos princípios do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa humana. Deveras, o afeto12, que reflete o fundamento da interação entre as pessoas, impõe aos pais um plexo de deveres jurídicos, que se consubstanciam nas noções de convívio, cuidado, criação e educação dos filhos, questões estas que envolvem, por consequência, a necessária e efetiva atribuição de atenção, bem como o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da prole. Dessa forma, a atribuição da responsabilidade civil por dano extrapatrimonial ao genitor que, culposamente, frustra verdadeiros deveres jurídicos existentes perante seus filhos, tem por objetivo reprimir tais condutas do meio social – reafirmando a importância do papel paterno/materno para o desenvolvimento da pessoa – e, principalmente, visa tutelar os direitos da personalidade – e, portanto, direitos fundamentais – dos filhos.13 Entrementes, tal conclusão deve ser adotada, no caso concreto, com o devido cuidado e prudência que a temática exige, com vistas a evitar a generalização de situações tão delicadas e particulares como as existentes na seara familiar. Nesse sentido, cabe ao magistrado, principalmente, ponderar se o alegado abandono, no caso sub judice, pode ser imputado, exclusivamente, ao genitor, ou se, pelo contrário, existiram questões particulares suficientes para excluir a sua responsabilidade pelo não cumprimento dos deveres jurídicos de natureza extrapatrimoniais decorrentes do poder familiar. Tal hipótese excludente da responsabilidade pode ser verificada, por exemplo, nas situações em que estiver presente a prática de alienação parental.14 De fato, embora a questão da alienação parental tenha, recentemente, sido objeto de proteção legal − Lei 12.318/2010 −, trata-se de problema antigo e frequente no âmbito familiar, especialmente em situações relacionadas ao fim do vínculo conjugal, que nem sempre é bem aceito e superado por ambos os cônjuges. Em tais circunstâncias, extremamente delicadas e que despertam sentimentos muitas vezes contraditórios entre os envolvidos − em razão, por exemplo, da raiva pelo fim do relacionamento e pela presença do desejo de vingança por parte do cônjuge que não queria a separação −, a alienação parental se exterioriza como sendo a principal consequência danosa suportada pela prole do ex-casal, por se caracterizar pela interferência na formação psicológica dos filhos, para que repudiem um dos genitores, com prejuízos ao estabelecimento e à manutenção de vínculos com o genitor denegrido. Com efeito, de acordo com o art. 2º, da Lei 12.318/2010, a alienação parental pode ser definida eidentificada da seguinte forma, in verbis: Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II – dificultar o exercício da autoridade parental; III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. Diante do texto legal, verifica-se que a "prática da alienação parental corrobora no descumprimento do dever fundamental de afeto por aquele que aliena, uma vez que, ficando o genitor alienado impedido de exercer a afetividade de forma plena, resta-se prejudicado o pleno desenvolvimento dos filhos".15 Assim, tem-se que as práticas reiteradas de afastamento de um dos genitores ensejam a diminuição e, em casos mais graves, a extinção da função materna ou paterna do ambiente familiar, interferindo, pois, diretamente no desenvolvimento da criança e do adolescente vítima da alienação parental. Dessa forma, conforme disserta Dias16, in verbis: Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, com o sentimento de rejeição, ou a raiva pela traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. [...]. Conforme Viviane Ciambelli, ferido em seu narcisismo, um genitor sente-se no direito de anular o outro e, a partir daí, ou ocupa onipotentemente o lugar do pai deposto junto à criança ou o substitui por uma pessoa idealizada, tornando-a mais valiosa. Dessa forma, entre relações falseadas, sobrecarregadas de imagens parentais distorcidas e memórias inventadas, a alienação parental vai se desenhando: pais riscam, rabiscam e apagam a imagem do outro genitor na mente da criança. Um dos genitores leva a efeito verdadeira "lavagem cerebral", de modo a comprometer a imagem que o filho tem do outro, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou não aconteceram conforme descrito pelo alienador. [...]. Ao conseguir impressioná-los, eles sentem-se amedrontados na presença do outro. Ao não verem mais o genitor, sem compreenderem a razão do seu afastamento, os filhos sentem- se traídos e rejeitados, não querendo mais vê-lo. Como consequência, sentem-se desamparados e podem apresentar diversos sintomas. Assim, aos poucos se convencem da versão que lhes foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo paterno-filial. Restando órfão do genitor alienado, acaba o filho se identificando com o genitor patológico, aceitando como verdadeiro tudo que lhe é informado. Nesse contexto, a alienação parental é responsável por fazer surgir prejuízos imensuráveis e irreparáveis aos filhos, devido à violação irrestrita do seu direito fundamental à convivência familiar saudável, na medida em que restará prejudicada a presença de afeto nas relações com o grupo familiar, bem como inviabilizado o cumprimento dos deveres jurídicos inerentes à autoridade parental. Por consequência, se, no caso concreto, o genitor não consegue exercer o seu papel de pai/mãe contra a sua vontade, devido à prática de alienação parental pelo genitor que detém a guarda da criança ou adolescente, é imperioso reconhecer, em tal situação, a quebra do nexo de causalidade17 entre a omissão do genitor e a lesão sofrida pelo filho "abandonado", pois, na verdade, o grande ofensor aos direitos fundamentais da prole em dada situação é o pai/mãe que impediu o exercício da autoridade parental pelo outro genitor cuja imagem foi destruída perante o filho.18 Cumpre ressaltar, mais uma vez, que o nexo causal entre o "abandono" e a lesão sofrida pelo filho somente será afastado mediante a efetiva comprovação da alienação parental − vale dizer, que, na hipótese, não é o pai/mãe que abandona o filho, mas sim que aquele se vê impedido de exercer a sua autoridade parental devido à rejeição manifestada por este em razão do ódio disseminado pelo genitor alienador.19 Com efeito, a excludente de responsabilidade não decorre, simplesmente, do distanciamento do genitor de sua prole, devendo, portanto, restar demonstrado que tal distanciamento é decorrente de atitudes do outro genitor que detém a guarda do filho, pois, caso contrário, restará configurada a sua negligência quanto ao cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Deve-se ponderar, outrossim, a necessidade do filho e a possibilidade do genitor em cada caso concreto, à luz do princípio da proteção integral, o qual impõe um mínimo de cumprimento dos deveres parentais a fim de assegurar e promover o adequado desenvolvimento psicológico e social da criança e do adolescente. Portanto, tem-se ser plenamente possível, na ordem jurídica pátria, a responsabilização civil por dano extrapatrimonial do genitor que, culposamente, se mantém inerte quanto ao cumprimento de seus deveres jurídicos perante os seus filhos. Contudo, para que se reconheça, no caso concreto, a presença dos elementos indispensáveis ao dever de indenizar em casos de abandono afetivo, deve restar devidamente comprovado que o filho buscava o afeto, o carinho, o cuidado, a atenção do genitor e este, injustificadamente, lhe privou de sua convivência e do amparo procurado, inexistindo qualquer interferência externa suficiente a excluir tal nexo de causalidade. Isso porque, generalizar tais situações poderia, por exemplo, incentivar a prática, por um dos genitores, da privação do convívio harmonioso do seu filho com o outro genitor, para, em momento futuro, representar seu filho em demanda judicial pleiteando a indenização em decorrência do suposto "abandono afetivo", o que apenas traria "ganhos" econômicos, nunca restabelecendo os vínculos afetivos entre pai e filho. Dessa forma, na hipótese da criança ou do adolescente ser vítima da prática de alienação parental, que venha a acarretar a sua repulsa à figura do genitor que tenha a imagem denegrida pelo alienante-ofensor, não há que se falar em responsabilidade civil por abandono afetivo, todavia, em dada situação, será cabível a responsabilização do genitor alienante, pois houve efetivo abuso do poder familiar, que, aliás, acarreta à prole danos similares ao abandono afetivo. 1. Referências CORDEIRO, Carlos José; GOMES, Josiane Araújo Gomes (coord.). Temas Contemporâneos de Direito das Famílias. v. I. Pillares: São Paulo, 2013. CORDEIRO, Carlos José; GOMES, Josiane Araújo Gomes (coord.). Temas Contemporâneos de Direito das Famílias. v. II. Pillares: São Paulo, 2015. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. DINIZ, Priscila Aparecida Lamana. Responsabilidade civil por dano extrapatrimonial decorrente de abandono afetivo nas relações paterno-filiais: apontamentos sobre os limites e possibilidades à luz do ordenamento jurídico-brasileiro. In: CORDEIRO, Carlos José; GOMES, Josiane Araújo Gomes (coord.). Temas Contemporâneosde Direito das Famílias. v. I. Pillares: São Paulo, 2013, p. 139-169. DUQUE, Bruna Lyra; LEITE, Letícia Durval. Dever Fundamental de Afeto e Alienação Parental. Revista de Direito de Família e das Sucessões. v. 7, jan.-mar. 2016, p. 15-31. FACHIN, Luiz Edson. Desafios e perspectivas do Direito de Família no Brasil contemporâneo. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de; TÔRRES, Heleno Taveira; CARBONE, Paolo (Coords.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e outros temas: homenagem a Tullio Ascarelli. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 423-443. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 130. FIGUEIREDO, Fábio Vieira; ALEXANDRIDIS, Georgios. Alienação parental. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. LEITE, Eduardo de Oliveira. A Lei de Alienação Parental e a Responsabilidade do Poder Judiciário. Revista de Direito de Família e das Sucessões. v. 3, Abr.-Mar. 2015, p. 57-75. PERLINGERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. NOTAS DE RODAPÉ 1 Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). 2 Mestra em Direito Público e Especialista em Direito das Famílias pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). 3 Afirma Fachin, in verbis: “Na família constitucionalizada começam a dominar as relações de afeto, de solidariedade e de cooperação. Proclama-se, com mais acento, a concepção eudemonista da famíla: não mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade”. (FACHIN, Luiz Edson. Desafios e perspectivas do Direito de Família no Brasil contemporâneo. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de; TÔRRES, Heleno Taveira; CARBONE, Paolo (Coords.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e outros temas: homenagem a Tullio Ascarelli. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 423-443, p. 437-438). 4 “Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I – dirigir-lhes a criação e a educação; II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.” 5 “Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I – são usufrutuários dos bens dos filhos; II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.” 6 De acordo com Perlingieri, in verbis: “O sangue e os afetos são razões autônomas de justificação para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual e a affectio constante e espontânea exercem cada vez mais o papel denominador comum de qualquer núcleo familiar. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual de vida”. (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 973). 7 A título exemplificativo, destaca-se o julgado, in verbis: "Apelação – Ação de Indenização por Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo – Pretensão da autora em ser ressarcida monetariamente, alegando problemas psíco-emocionais, causados pelo abandono do genitor que, após separação passou a se dedicar exclusivamente à nova família – Sentença de improcedência – Inconformismo – Dever de indenização por danos morais pressupõe a prática de ato ilícito – Conduta não configurada – Recurso desprovido". (TJSP. Apelação 4010231-85.2013.8.26.0576. Relator José Aparício Coelho Prado Neto; Comarca: São José do Rio Preto; Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 20.09.2016; Data de registro: 22.09.2016). 8 Nesse sentido, destacam-se os seguintes julgado, in verbis: "Ação de indenização – Danos morais – Abandono afetivo – Requisitos para configuração da responsabilidade civil – Inexistência. 1 – A responsabilidade civil assenta-se em três indissociáveis elementos, quais sejam: ato ilícito, dano e nexo causal, de modo que, não demonstrado algum deles, inviável se torna acolher qualquer pretensão ressarcitória. 2 – O abandono afetivo do pai não rende ao filho direito a indenização, já que não há no ordenamento jurídico obrigação legal de amar ou de dedicar amor. 3 – O dano moral decorre de situações especiais, que causam imensa dor, angustia ou vexame, não de meros aborrecimentos do cotidiano, que acontecem quando são frustradas as expectativas que se tem em relação às pessoas que nos cercam. 4 – Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida". (TJGO, Apelação Cível 131468-4/188, Rel. Des. Geraldo Gonçalves da Costa, 3ª Câmara Cível, julgado em 18.08.2009, DJe 418 de 14.09.2009); e "Civil e processo civil – Apelação cível – Ação de indenização por dano moral por abandono afetivo do pai biológico – Ato ilítico – Ausência – Dever de indenizar – Inexistência. 1. O artigo 186 do Código Civil dispõe que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Presentes a antijuricidade da conduta do agente, o dano à pessoa ou coisa da vítima e a relação de causalidade entre uma e outra, resta configurada a responsabilidade civil, a qual impõe ao causador dos prejuízos a sua reparação – inteligência do art. 927 do CC. 2. Com efeito, não comete ato ilícito o pai que abandona afetivamente o seu filho, apesar de sustentá-lo materialmente mediante pagamento de pensão alimentícia, pela simples ausência de previsão legal que o obrigue a dispensar carinho e amor à sua prole". (TJMG. Apelação Cível 1.0521.04.035405-7/002, Relator Des. Otávio Portes, 16ª Câmara Cível, julgamento em 24.02.2016, publicação da súmula em 04.03.2016). 9 A título exemplificativo, destacam-se os dizeres de Farias e Rosenvald, in verbis: " (...) entendemos não ser admissível o uso irrestrito e indiscriminado das regras atinentes à Responsabilidade Civil no âmbito do Direito das Famílias por importar o deletério efeito da patrimonialização de valores existenciais, desagregando o núcleo familiar de sua essência. Nessa ordem de ideias, não entendemos razoável a afirmação de que a negativa de afeto entre pai e filho (ou mesmo entre outros parentes, como avô e neto) implicaria indenização por dano moral. Faltando afeto entre pai e filho (e demais parentes), poder-se-ia imaginar, a depender do caso, a decorrência de outros efeitos jurídicos, como a destituição do poder familiar ou a imposição da obrigação alimentícia, mas não a obrigação de reparar um pretenso dano moral. Enfim, em hipóteses de negativa de afeto, os remédios postos à disposição pelo próprio Direito das Famílias deverão ser ministrados para a solução do problema. Até porque a indenização pecuniária nesse caso não resolveria o problema central da controvérsia que seria obrigar o pai a dedicar amor ao seu filho – e, muitopelo contrário, por certo, agravaria a situação. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 130). 10 A título exemplificativo, destaca-se o julgado, in verbis: "Direito civil. Indenização. Abandono afetivo. Menor. Abalo emocional pela ausência do genitor. Dano moral. Configurado. Valor. Majoração. 1. A responsabilidade civil extracontratual, decorrente da prática ato ilícito, depende da presença de três pressupostos elementares: conduta culposa ou dolosa, dano e nexo de causalidade. 2. Por abandono afetivo entende-se a atitude omissiva dos pais, ou de um deles, no cumprimento dos deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, dentre os quais se destacam os deveres de prestar assistência moral, educação, atenção, carinho, afeto e orientação à prole. 3. In casu, o relatório psicológico, bem como a conduta do Réu demonstrada nos autos, apontam para um comprometimento no comportamento do menor. 4. Tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, bem como a lesividade da conduta ofensiva do Réu, tem-se que o valor fixado na r. sentença atende aos princípios gerais e específicos que devem nortear a fixação da compensação pelo dano moral, notadamente o bom senso, a proporcionalidade e a razoabilidade. 5. Recurso improvido". (TJDFT. Acórdão 800268, 20120111907707APC, Relator: Getúlio de Moraes Oliveira, Revisor: Silva Lemos, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 18.06.2014, Publicado no DJE: 04.07.2014. Pág.: 107). 11 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1159242/SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 24.04.2012, DJe 10.05.2012. 12 De acordo com Duque e Leite, in verbis: "(...) para garantia da dignidade das pessoas vulneráveis dentro do ambiente familiar, é essencial assegurar-lhes a efetiva fruição de todos direitos fundamentais para que desenvolvam a sua plena capacidade para prática de atos da vida civil. Como um dever fundamental explícito, o art. 227 da CF/1988 dispõe sobre o dever do Estado, da sociedade e da família na proteção da criança e do adolescente. Sob a perspectiva de uma proteção integral da criança, abrangendo os aspectos físicos, psíquicos e morais, parece interpretação lógica que a violação do dever de afeto viola o artigo supracitado, na medida em que esta pode provocar o aparecimento de problemas psicológicos para os envolvidos na relação parental, sendo tais problemas, na maior parte das vezes, de caráter permanente e irreversível. E é neste ponto que reside o fundamento do dever de afeto como fundamental". (DUQUE, Bruna Lyra; LEITE, Letícia Durval. Dever Fundamental de Afeto e Alienação Parental. Revista de Direito de Família e das Sucessões. v. 7, jan.-mar. 2016, p. 15- 31). 13 Quanto à responsabilidade civil por dano extrapatrimonial em caso de abandono afetivo dos pais em relação aos filhos, destaca-se a existência do Projeto de Lei 700/2007, de autoria do Senador Marcelo Crivella, o qual propõe a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal. Referido Projeto de Lei foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa em 09.09.2015, tendo sido remetido à Câmara dos Deputados em 06.10.2015. (Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate="83516]." Acesso em: 26.09.2016). 14 Existem outras situações aptas a impedir a imputação da responsabilidade por abandono afetivo ao genitor que descumpre os deveres jurídicos extrapatrimonais para com os seus filhos: a hipótese do genitor estar acometido de doença grave; quando o genitor estiver cumprindo pena privativa de liberdade; quando o genitor que detém a guarda muda o seu domicílio para outra cidade por questões profissionais, dificultando, assim, o convívio da criança com o outro genitor etc. A título exemplificativo, têm-se os seguintes julgado, in verbis: "Apelação cível. Indenizatória. Abandono afetivo e material por parte do genitor. Dano moral. Ausência de demonstração da prática de ato ilícito passível de reparação no âmbito econômico-financeiro. 1. Caso em que o distanciamento afetivo havido entre pai e filho encontra justificativa na alteração de domicílio do genitor, que, logo após o seu nascimento, foi estudar e trabalhar na Espanha, onde permaneceu até um mês depois do ajuizamento da presente ação, arranjo que inviabilizou a aproximação paterna, não havendo como reconhecer, portanto, a prática de ato ilícito passível de reparação no âmbito econômico-financeiro. 2. Os alimentos constituem tema que está sub judice em ação própria, também intentada pelo ora apelante, sendo descabido o seu enfrentamento na presente demanda. Apelo desprovido". (TJRS. Apelação Cível 70056129950, Oitava Câmara Cível, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 14.11.2013); "Apelação. Ação indenizatória. Abandono afetivo. Dano moral. Inocorrência. Não como impor aos genitores a obrigação de dar amor e afeto aos seus filhos. Todavia, há possibilidade de responsabilizá-los pelos danos decorrentes da ausência, diante de eventual conduta ativa ou omissiva, que configure violação do dever de cuidado. Inteligência do art. 186 do CC/02. Precedente do STJ. No caso dos autos, inobstante os dissabores sofridos pela apelante, decorrentes da falta de carinho e atenção paterna, não restou demonstrado o dolo ou culpa por parte do apelado, pressupostos subjetivos necessários para o reconhecimento do dever de indenizar. O distanciamento entre as partes resulta de circunstâncias da vida, notadamente da separação dos genitores e da falta de estrutura familiar. Inexistência de ato ilícito. Dano moral não caracterizado. Precedentes desta C. Câmara. Sentença mantida. Recurso não provido". (TJSP. Apelação 0014444-51.2009.8.26.0510. Relator(a): Rosangela Telles; Comarca: Rio Claro; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 31.05.2016; Data de registro: 31.05.2016); e "Ação de investigação de paternidade movida por filho maior em face do suposto pai, requerendo, ainda, compensação indenizatória lastreada no abandono afetivo. Sentença de parcial procedência, declarando a paternidade, mas afastando o direito à indenização. Apelo do autor. Direito de filiação que é personalíssimo, indisponível e imprescritível, não havendo dúvida quanto ao acerto da sentença neste ponto. Questão do abandono afetivo já debatida no âmbito do colendo STJ, reconhecida sua possibilidade pela jurisprudência do Tribunal da Cidadania, desde 2012, a partir do acórdão paradigmático trazido nos autos do REsp 1.159.242-SP, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi. A questão da indenização por abandono afetivo há que ser resolvida de acordo com as regras inerentes à responsabilidade civil, havendo possibilidade, assim, de exclusão do nexo causal, a depender do conjunto probatório trazido ao processo. No caso particular dos autos, houve um primeiro julgamento de ação de investigação de paternidade ajuizada logo após o nascimento do autor, improcedente ao final. Anos mais tarde, depois do advento do exame de DNA, o autor novamente tentou ver reconhecida a paternidade pelo réu, desta vez com sucesso. O que se nota, então, é que se o réu-apelado se omitiu quanto às obrigações da paternidade, o fez amparado por sentença judicial, não havendo que se falar em ato ilícito. Rompido, assim, o nexo de causalidade, uma vez que o dano causado ao autor não decorreu diretamente de uma ação ou omissão culposamente perpetrada pelo réu. Sentença mantida. Honorários recursais arbitrados de acordo com a regra disposto no art. 85, § 11 do NCPC. Desprovimento do Recurso". (TJRJ. Apelação 0008496- 24.2013.8.19.0045. Des. Sirley Abreu Biondi. Decima Terceira Câmara Civel. Julgamento: 14.09.2016). 15 DUQUE, Bruna Lyra; LEITE, Letícia Durval. Dever Fundamental de Afeto e Alienação Parental. Revista de Direito de Família e das Sucessões. v. 7, jan.-mar. 2016, p. 15- 31. 16 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016,p. 631-632. 17 Nesse sentido, disserta Diniz, in verbis: "Restaria desconfigurado, portanto, o nexo de causalidade na hipótese do abandono afetivo, embora decorrente de ato voluntário e culposo do genitor que deixa de visitar e ter o filho em sua companhia, ser diretamente causado pela campanha nefasta feita pelo outro genitor, no sentido de prejudicar a manutenção ou estabelecimento de vínculo afetivo, obstaculizando o exercício do direito à convivência familiar, conforme previsto no art. 2º, IV, da Lei 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental. Nesse caso, a imputação do dano deveria se dar em relação ao genitor alienante, pois o ato ilícito, em verdade, teria sido praticado por ele". (DINIZ, Priscila Aparecida Lamana. Responsabilidade civil por dano extrapatrimonial decorrente de abandono afetivo nas relações paterno-filiais: apontamentos sobre os limites e possibilidades à luz do ordenamento jurídico-brasileiro. In: CORDEIRO, Carlos José; GOMES, Josiane Araújo Gomes (coord.). Temas Contemporâneos de Direito das Famílias. v. I. Pillares: São Paulo, 2013, p. 139-169, p. 150-151). 18 Tal conclusão já encontrou acolhimento jurisprudencial, sendo digno de nota destacar, a título exemplificativo, o seguinte julgado, em que restou reconhecido que o alegado "abandono" do filho não se deu em razão do pai ter se afastado do seu filho, mas devido à mãe ter dificultado o relacionamento entre pai e filho, in verbis: "Apelação cível – Ação de indenização por dano moral – Abandono afetivo – Inexistência de prática de ato ilícito – Sentença confirmada. – A responsabilidade civil decorrente da prática de ato ilícito encontra a sua regulamentação nos artigos 186 e 927 do Código Civil, dos quais se extrai como requisitos que caracterizam o dever de reparar: a configuração de uma conduta culposa, um dano a outrem e o nexo causal entre aquela e o dano causado. – Mudando-se o autor para local onde o réu não tinha acesso, não possibilitando a genitora contato entre pai e filho, não está caracterizado o abandono afetivo, capaz de gerar indenização por danos morais". (TJMG. Apelação Cível 1.0313.13.011726-7/001, Relator Des. Pedro Aleixo, 16ª Câmara Cível, julgamento em 16.12.2015, publicação da súmula em 29.01.2016). 19 Com relação a tal questão, disserta Figueiredo e Alexandridis, in verbis: "(...) o alienador procede de maneira a instalar uma efetiva equivocidade de percepção no alienado (criança ou menor) quanto aos elementos que compõem a personalidade do vitimado. Evidente que a criança ou o adolescente são vítimas da situação de alienação parental, contudo, isto é assim sob a perspectiva ex parte principi (Estado), posto que adentrando à relação familiarista, por passar a ter uma noção equivocada da situação, a criança ou o menor serão considerados alienados e aquele sobre quem se deturpa a realidade será o vitimado". (FIGUEIREDO, Fábio Vieira; ALEXANDRIDIS, © desta edição [2017] Georgios. Alienação parental. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2014, p. 37).
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