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Incesto e Alienação Parental - 15

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2018 - 08 - 13 
Incesto e Alienação Parental - Edição 2017
15. 15 ALIENAÇÃO PARENTAL COMO CAUSA EXCLUDENTE DE
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
Carlos José Cordeiro1
Josiane Araújo Gomes2
O surgimento da família constitui fato inerente à própria condição humana, na medida
em que a dependência do outro é característica de qualquer pessoa, o que torna a
formação dos agrupamentos sociais imprescindível para que cada ser humano possa
suprir suas necessidades físicas, psíquicas e culturais, em busca do seu pleno
desenvolvimento pessoal. Representa a família, assim, estrutura social básica, em que se
tem o início do desenvolvimento das potencialidades próprias de cada um de seus
membros, possibilitando-lhes a convivência em sociedade e o alcance de suas realizações
particulares.
Nessa esteira, considerando o caráter eudemonista da família3, ou seja, a sua
orientação no sentido de permitir, aos seus membros, a busca pela felicidade individual,
por meio da realização pessoal, é imperioso o reconhecimento de que o exercício do poder
familiar dos pais com relação à sua prole detém abrangência que ultrapassa as hipóteses
previstas, expressamente, na legislação civil. Com efeito, sendo o poder familiar os
deveres e obrigações dos genitores para com os filhos, visando à concretização da
proteção integral das crianças e adolescentes, o seu exercício não está limitado às
situações previstas nos arts. 1.6344 e 1.6895, ambos do Código Civil, de nítido caráter
patrimonial, pois englobam questões de caráter extrapatrimonial, vale dizer, o
desempenho, pelos pais, do papel de protetor, de educador, de companheiro do filho,
conclusão esta, aliás, consagrada no texto constitucional, em seu art. 227, caput, in verbis:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Tal conclusão deriva do fato de que o afeto6 constitui, na atualidade, o alicerce e a mola
propulsora das formações familiares, pois abrange toda a gama de sentimentos inerentes
às relações interpessoais – amor, paixão, amizade, simpatia, perdão, solidariedade,
transigência etc. – que sejam capazes de aproximar as pessoas em prol do alcance da
felicidade individual e comum. Por consequência, o efetivo exercício da função
paterna/materna decorre do fato da pessoa ser criada, educada, considerada e
apresentada ao meio social como filho, contribuindo, assim, diretamente para o
desenvolvimento da personalidade da prole, por meio da prática de atos de proteção e
amparo econômico, bem como de apoio emocional-afetivo.
Aliás, cumpre ressaltar a consagração, no art. 229 do texto constitucional, do dever dos
pais de "assistir, criar e educar os filhos menores". E, tal assistência, conforme acima
exposto, deve ser interpretada em seu sentido pleno, não se limitando ao dever de amparo
material. Os pais possuem o dever não apenas de arcar com o custeio econômico da
manutenção vital de seus filhos, mas também com o aspecto afetivo, de cuidado, de amor e
de carinho.
Nesse contexto, tema cada vez mais recorrente em âmbito doutrinário e
jurisprudencial, existindo vozes contrárias e favoráveis ao seu reconhecimento, diz
respeito ao cabimento da responsabilidade civil por abandono afetivo, que ensejaria a
condenação do "genitor negligente" ao pagamento de indenização por danos
extrapatrimonais em favor do "filho abandonado", na medida em que tal conduta seria
capaz de violar direitos da personalidade desse filho, causando-lhe danos.
O ponto de partida de tal discussão inicia da constatação de que, muito embora seja o
pedido de reparação por dano moral juridicamente possível, pois está previsto na ordem
jurídica pátria (art. 5º, inciso X, da Constituição Federal), tem-se que esse dano deve ser
decorrente da violação de determinado direito da pessoa ofendida. Com efeito, o Código
Civil, em seu art. 186, prevê a possibilidade de reparação civil em razão de ato ilícito,
inclusive quando o dano é exclusivamente moral.
Assim, a possibilidade de indenização deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é
considerado como aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano,
que pode ser material ou exclusivamente moral − ou melhor, extrapatrimonial. Em
qualquer hipótese, porém, exige-se a violação de um direito da pessoa, da comprovação
dos fatos alegados, dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta
desenvolvida e o dano sofrido.
A responsabilidade civil e seus efeitos, portanto, presumem lesão, ou seja, a violação à
ordem jurídica, pois, caso contrário, tratar-se-ia de ato corriqueiro, no qual a licitude da
sua prática não ensejaria qualquer reparabilidade. Por decorrência, para se falar em
reparação, devem ser observados três aspectos, quais sejam: a ilicitude do ato praticado,
na medida em que os atos de acordo com o direito não ensejam reparação; o dano, ou seja,
a efetiva lesão suportada pela vítima; e a relação existente entre o ato praticado e a lesão
experimentada, ou seja, o nexo de causalidade, que diz respeito ao "iter" entre o ato e o
resultado, sem o qual impossível a reparação do dano ante a inexistência da relação fato-
consequência.
Nesse contexto, tanto as opiniões contrárias quanto as favoráveis à responsabilização
reconhecem que o abandono afetivo pode configurar dano à esfera íntima das pessoas, em
decorrência da angústia, da tristeza e do sentimento de rejeição suportado em razão de tal
abandono dos filhos pelos pais. Todavia, a dissonância de entendimento sobre a questão
surge na definição da linha tênue existente entre o dever moral e o dever jurídico de tal
assistência afetiva.
As opiniões contrárias à responsabilização por abandono afetivo − que ainda compõem
a posição majoritária em âmbito jurisprudencial − defendem que a negativa de assistência
afetiva, emocional e/ou presencial do genitor à prole, embora sejam lamentáveis e causem
mágoas e ressentimentos imensuráveis, não caracterizam, por si só, dever de indenizar,
ante a ausência de ato ilícito.7 Isso porque as relações interpessoais são balizadas por
inúmeros fatores pessoais, ambientais e sociais, que produzem na pessoa sentimentos e
emoções, que conduzem à aproximação entre as pessoas ou ao distanciamento entre elas,
sejam parentes ou não. Por consequência, o mero distanciamento afetivo entre pais e
filhos não constitui, por si só, situação capaz de gerar dano moral, pois o pai somente pode
ser compelido a cumprir com todas as suas obrigações assistenciais − cuja omissão pode
ser suprida com providências de cunho jurisdicional, por exemplo, ação de alimentos,
regulamentação de visitas ou as diversas execuções −, não sendo, contudo, possível
compelir uma pessoa a amar ou desamar outra.8 Logo, acolher a tese da responsabilização
por abandono afetivo significaria fixar preço para o amor, ou desamor, admitindo-se a
possibilidade de compensar a frustração e a desilusão, por exemplo, por meio de ações
judiciais.9
Por sua vez, as opiniões favoráveis à responsabilização por abandono afetivo partem
da diferenciação entre afeto e deveres jurídicos, na medida em que o não cumprimento
desses últimos constitui ato ilícito indenizável.10 Com efeito, é inconteste a impossibilidade
de se impor que uma pessoa ame outra, mesmo que se refira à relação entre pais e filhos.
Contudo, tratando-se da relação de perfilhação, o ordenamento jurídico impõe deveres aos
genitores − originários do poder familiar − que ultrapassam aspectos exclusivamente
patrimoniais, os quais, se não cumpridos, ensejam a sua responsabilização civil, pela
ofensa aos direitos da personalidade dos filhos. Tais deveres, conforme já consignado no
início deste estudo, encontram assento no texto constitucional como também na legislação
civil,sendo digno de nota destacar, outrossim, o disposto no Estatuto da Criança e do
Adolescente, notadamente em seus arts. 20 a 24, in verbis:
Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação.
Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe,
na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em
caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da
divergência.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores,
cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as
determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e
responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser
resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os
direitos da criança estabelecidos nesta Lei.
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para
a perda ou a suspensão do poder familiar.
§ 1º Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a
criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá
obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e
promoção.
§ 2º A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder
familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão,
contra o próprio filho ou filha.
Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em
procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese
de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.
Destarte, de acordo com o posicionamento favorável, é perfeitamente possível ao filho
buscar reparação pecuniária do genitor por danos extrapatrimonais nas hipóteses em que
exista efetiva comprovação de que houve negativa de amparo afetivo, moral e psicológico,
os quais toda criança e adolescente necessita. Vale dizer, a violação dos direitos à
personalidade do filho, como a honra, a imagem e a reputação social, pela atitude
omissiva adotada por seu genitor, é passível de reparação no âmbito da responsabilização
civil, pois tal hipótese se enquadra, perfeitamente, na máxima de cabimento da
indenização por danos morais, qual seja: há o dever de indenizar moralmente aquele que,
por ato ilícito, sob a forma de ação ou omissão, sofreu lesões a bens integrantes de sua
personalidade, ocasionado dor, tristeza, vexame, humilhação, violação de sua dignidade
humana e prejuízos intelectuais e morais.
Inclusive, a possibilidade de o filho pleitear indenização por dano extrapatrimonial
decorrente de abandono afetivo pelos pais restou reconhecida pelo Superior Tribunal de
Justiça, cujo julgado restou assim ementado, in verbis:
Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral.
Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à
responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de
Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento
jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam
suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a
imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência
de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem
juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de
cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de
se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das
inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores
em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do
mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições
para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do
abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por
demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na
estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por
danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada
pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente
provido.11
Dessa forma, considerando que a base da família contemporânea não mais reside em
aspectos patrimoniais e na fictícia necessidade de manutenção do equilíbrio social, mas
sim tem por fundamento o afeto, que se exterioriza na apreciação mútua cultivada pelos
membros familiares, na manifestação de vontade voltada para a união, para a construção
de uma vida em conjunto, bem como na resolução dos conflitos por meio do diálogo, de
modo a permitir a continuidade saudável da família, tem-se ser o posicionamento
favorável à responsabilização civil por abandono afetivo o mais adequado para se obter a
concretização dos princípios do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa
humana.
Deveras, o afeto12, que reflete o fundamento da interação entre as pessoas, impõe aos
pais um plexo de deveres jurídicos, que se consubstanciam nas noções de convívio,
cuidado, criação e educação dos filhos, questões estas que envolvem, por consequência, a
necessária e efetiva atribuição de atenção, bem como o acompanhamento do
desenvolvimento sócio-psicológico da prole. Dessa forma, a atribuição da
responsabilidade civil por dano extrapatrimonial ao genitor que, culposamente, frustra
verdadeiros deveres jurídicos existentes perante seus filhos, tem por objetivo reprimir tais
condutas do meio social – reafirmando a importância do papel paterno/materno para o
desenvolvimento da pessoa – e, principalmente, visa tutelar os direitos da personalidade –
e, portanto, direitos fundamentais – dos filhos.13
Entrementes, tal conclusão deve ser adotada, no caso concreto, com o devido cuidado e
prudência que a temática exige, com vistas a evitar a generalização de situações tão
delicadas e particulares como as existentes na seara familiar. Nesse sentido, cabe ao
magistrado, principalmente, ponderar se o alegado abandono, no caso sub judice, pode ser
imputado, exclusivamente, ao genitor, ou se, pelo contrário, existiram questões
particulares suficientes para excluir a sua responsabilidade pelo não cumprimento dos
deveres jurídicos de natureza extrapatrimoniais decorrentes do poder familiar. Tal
hipótese excludente da responsabilidade pode ser verificada, por exemplo, nas situações
em que estiver presente a prática de alienação parental.14
De fato, embora a questão da alienação parental tenha, recentemente, sido objeto de
proteção legal − Lei 12.318/2010 −, trata-se de problema antigo e frequente no âmbito
familiar, especialmente em situações relacionadas ao fim do vínculo conjugal, que nem
sempre é bem aceito e superado por ambos os cônjuges.
Em tais circunstâncias, extremamente delicadas e que despertam sentimentos muitas
vezes contraditórios entre os envolvidos − em razão, por exemplo, da raiva pelo fim do
relacionamento e pela presença do desejo de vingança por parte do cônjuge que não
queria a separação −, a alienação parental se exterioriza como sendo a principal
consequência danosa suportada pela prole do ex-casal, por se caracterizar pela
interferência na formação psicológica dos filhos, para que repudiem um dos genitores,
com prejuízos ao estabelecimento e à manutenção de vínculos com o genitor denegrido.
Com efeito, de acordo com o art. 2º, da Lei 12.318/2010, a alienação parental pode ser
definida eidentificada da seguinte forma, in verbis:
Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica
da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou
pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância
para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de
vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos
assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com
auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da
paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança
ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós,
para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a
convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com
avós.
Diante do texto legal, verifica-se que a "prática da alienação parental corrobora no
descumprimento do dever fundamental de afeto por aquele que aliena, uma vez que,
ficando o genitor alienado impedido de exercer a afetividade de forma plena, resta-se
prejudicado o pleno desenvolvimento dos filhos".15 Assim, tem-se que as práticas
reiteradas de afastamento de um dos genitores ensejam a diminuição e, em casos mais
graves, a extinção da função materna ou paterna do ambiente familiar, interferindo, pois,
diretamente no desenvolvimento da criança e do adolescente vítima da alienação
parental.
Dessa forma, conforme disserta Dias16, in verbis:
Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue
elaborar adequadamente o luto da separação, com o sentimento de rejeição, ou a raiva
pela traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de
desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. [...]. Conforme Viviane Ciambelli, ferido em
seu narcisismo, um genitor sente-se no direito de anular o outro e, a partir daí, ou ocupa
onipotentemente o lugar do pai deposto junto à criança ou o substitui por uma pessoa
idealizada, tornando-a mais valiosa. Dessa forma, entre relações falseadas,
sobrecarregadas de imagens parentais distorcidas e memórias inventadas, a alienação
parental vai se desenhando: pais riscam, rabiscam e apagam a imagem do outro genitor
na mente da criança. Um dos genitores leva a efeito verdadeira "lavagem cerebral", de
modo a comprometer a imagem que o filho tem do outro, narrando maliciosamente fatos
que não ocorreram ou não aconteceram conforme descrito pelo alienador. [...]. Ao
conseguir impressioná-los, eles sentem-se amedrontados na presença do outro. Ao não
verem mais o genitor, sem compreenderem a razão do seu afastamento, os filhos sentem-
se traídos e rejeitados, não querendo mais vê-lo. Como consequência, sentem-se
desamparados e podem apresentar diversos sintomas. Assim, aos poucos se convencem da
versão que lhes foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato
aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo paterno-filial.
Restando órfão do genitor alienado, acaba o filho se identificando com o genitor
patológico, aceitando como verdadeiro tudo que lhe é informado.
Nesse contexto, a alienação parental é responsável por fazer surgir prejuízos
imensuráveis e irreparáveis aos filhos, devido à violação irrestrita do seu direito
fundamental à convivência familiar saudável, na medida em que restará prejudicada a
presença de afeto nas relações com o grupo familiar, bem como inviabilizado o
cumprimento dos deveres jurídicos inerentes à autoridade parental. Por consequência, se,
no caso concreto, o genitor não consegue exercer o seu papel de pai/mãe contra a sua
vontade, devido à prática de alienação parental pelo genitor que detém a guarda da
criança ou adolescente, é imperioso reconhecer, em tal situação, a quebra do nexo de
causalidade17 entre a omissão do genitor e a lesão sofrida pelo filho "abandonado", pois,
na verdade, o grande ofensor aos direitos fundamentais da prole em dada situação é o
pai/mãe que impediu o exercício da autoridade parental pelo outro genitor cuja imagem
foi destruída perante o filho.18
Cumpre ressaltar, mais uma vez, que o nexo causal entre o "abandono" e a lesão
sofrida pelo filho somente será afastado mediante a efetiva comprovação da alienação
parental − vale dizer, que, na hipótese, não é o pai/mãe que abandona o filho, mas sim que
aquele se vê impedido de exercer a sua autoridade parental devido à rejeição manifestada
por este em razão do ódio disseminado pelo genitor alienador.19 Com efeito, a excludente
de responsabilidade não decorre, simplesmente, do distanciamento do genitor de sua
prole, devendo, portanto, restar demonstrado que tal distanciamento é decorrente de
atitudes do outro genitor que detém a guarda do filho, pois, caso contrário, restará
configurada a sua negligência quanto ao cumprimento dos deveres inerentes ao poder
familiar. Deve-se ponderar, outrossim, a necessidade do filho e a possibilidade do genitor
em cada caso concreto, à luz do princípio da proteção integral, o qual impõe um mínimo
de cumprimento dos deveres parentais a fim de assegurar e promover o adequado
desenvolvimento psicológico e social da criança e do adolescente.
Portanto, tem-se ser plenamente possível, na ordem jurídica pátria, a responsabilização
civil por dano extrapatrimonial do genitor que, culposamente, se mantém inerte quanto
ao cumprimento de seus deveres jurídicos perante os seus filhos. Contudo, para que se
reconheça, no caso concreto, a presença dos elementos indispensáveis ao dever de
indenizar em casos de abandono afetivo, deve restar devidamente comprovado que o filho
buscava o afeto, o carinho, o cuidado, a atenção do genitor e este, injustificadamente, lhe
privou de sua convivência e do amparo procurado, inexistindo qualquer interferência
externa suficiente a excluir tal nexo de causalidade. Isso porque, generalizar tais situações
poderia, por exemplo, incentivar a prática, por um dos genitores, da privação do convívio
harmonioso do seu filho com o outro genitor, para, em momento futuro, representar seu
filho em demanda judicial pleiteando a indenização em decorrência do suposto
"abandono afetivo", o que apenas traria "ganhos" econômicos, nunca restabelecendo os
vínculos afetivos entre pai e filho.
Dessa forma, na hipótese da criança ou do adolescente ser vítima da prática de
alienação parental, que venha a acarretar a sua repulsa à figura do genitor que tenha a
imagem denegrida pelo alienante-ofensor, não há que se falar em responsabilidade civil
por abandono afetivo, todavia, em dada situação, será cabível a responsabilização do
genitor alienante, pois houve efetivo abuso do poder familiar, que, aliás, acarreta à prole
danos similares ao abandono afetivo.
1. Referências
CORDEIRO, Carlos José; GOMES, Josiane Araújo Gomes (coord.). Temas Contemporâneos
de Direito das Famílias. v. I. Pillares: São Paulo, 2013.
CORDEIRO, Carlos José; GOMES, Josiane Araújo Gomes (coord.). Temas Contemporâneos
de Direito das Famílias. v. II. Pillares: São Paulo, 2015.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.
DINIZ, Priscila Aparecida Lamana. Responsabilidade civil por dano extrapatrimonial
decorrente de abandono afetivo nas relações paterno-filiais: apontamentos sobre os
limites e possibilidades à luz do ordenamento jurídico-brasileiro. In: CORDEIRO, Carlos
José; GOMES, Josiane Araújo Gomes (coord.). Temas Contemporâneosde Direito das
Famílias. v. I. Pillares: São Paulo, 2013, p. 139-169.
DUQUE, Bruna Lyra; LEITE, Letícia Durval. Dever Fundamental de Afeto e Alienação
Parental. Revista de Direito de Família e das Sucessões. v. 7, jan.-mar. 2016, p. 15-31.
FACHIN, Luiz Edson. Desafios e perspectivas do Direito de Família no Brasil
contemporâneo. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de; TÔRRES, Heleno Taveira; CARBONE,
Paolo (Coords.). Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e outros temas: homenagem a
Tullio Ascarelli. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 423-443.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos das famílias. 7. ed. São
Paulo: Atlas, 2015, p. 130.
FIGUEIREDO, Fábio Vieira; ALEXANDRIDIS, Georgios. Alienação parental. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014.
LEITE, Eduardo de Oliveira. A Lei de Alienação Parental e a Responsabilidade do Poder
Judiciário. Revista de Direito de Família e das Sucessões. v. 3, Abr.-Mar. 2015, p. 57-75.
PERLINGERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. de Maria Cristina
de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
NOTAS DE RODAPÉ
1
Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC/SP). Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
(TJMG).
2
Mestra em Direito Público e Especialista em Direito das Famílias pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais (TJMG).
3
Afirma Fachin, in verbis: “Na família constitucionalizada começam a dominar as relações de
afeto, de solidariedade e de cooperação. Proclama-se, com mais acento, a concepção eudemonista
da famíla: não mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o
casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade”.
(FACHIN, Luiz Edson. Desafios e perspectivas do Direito de Família no Brasil contemporâneo. In:
AZEVEDO, Antônio Junqueira de; TÔRRES, Heleno Taveira; CARBONE, Paolo (Coords.). Princípios
do Novo Código Civil Brasileiro e outros temas: homenagem a Tullio Ascarelli. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, p. 423-443, p. 437-438).
4
“Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício
do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I – dirigir-lhes a criação e a educação; II –
exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III – conceder-lhes ou
negar-lhes consentimento para casarem; IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para
viajarem ao exterior; V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua
residência permanente para outro Município; VI – nomear-lhes tutor por testamento ou
documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o
poder familiar; VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos
atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o
consentimento; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX – exigir que lhes prestem
obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.”
5
“Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I – são usufrutuários dos bens
dos filhos; II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.”
6
De acordo com Perlingieri, in verbis: “O sangue e os afetos são razões autônomas de justificação
para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual e a affectio constante e
espontânea exercem cada vez mais o papel denominador comum de qualquer núcleo familiar. O
merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas,
sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual de vida”.
(PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. de Maria Cristina de Cicco.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 973).
7
A título exemplificativo, destaca-se o julgado, in verbis: "Apelação – Ação de Indenização por Dano
Moral Decorrente de Abandono Afetivo – Pretensão da autora em ser ressarcida monetariamente,
alegando problemas psíco-emocionais, causados pelo abandono do genitor que, após separação
passou a se dedicar exclusivamente à nova família – Sentença de improcedência –
Inconformismo – Dever de indenização por danos morais pressupõe a prática de ato ilícito –
Conduta não configurada – Recurso desprovido". (TJSP. Apelação 4010231-85.2013.8.26.0576.
Relator José Aparício Coelho Prado Neto; Comarca: São José do Rio Preto; Órgão julgador: 9ª
Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 20.09.2016; Data de registro: 22.09.2016).
8
Nesse sentido, destacam-se os seguintes julgado, in verbis: "Ação de indenização – Danos morais –
Abandono afetivo – Requisitos para configuração da responsabilidade civil – Inexistência. 1 – A
responsabilidade civil assenta-se em três indissociáveis elementos, quais sejam: ato ilícito, dano e
nexo causal, de modo que, não demonstrado algum deles, inviável se torna acolher qualquer
pretensão ressarcitória. 2 – O abandono afetivo do pai não rende ao filho direito a indenização, já
que não há no ordenamento jurídico obrigação legal de amar ou de dedicar amor. 3 – O dano
moral decorre de situações especiais, que causam imensa dor, angustia ou vexame, não de meros
aborrecimentos do cotidiano, que acontecem quando são frustradas as expectativas que se tem
em relação às pessoas que nos cercam. 4 – Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida".
(TJGO, Apelação Cível 131468-4/188, Rel. Des. Geraldo Gonçalves da Costa, 3ª Câmara Cível,
julgado em 18.08.2009, DJe 418 de 14.09.2009); e "Civil e processo civil – Apelação cível – Ação de
indenização por dano moral por abandono afetivo do pai biológico – Ato ilítico – Ausência –
Dever de indenizar – Inexistência. 1. O artigo 186 do Código Civil dispõe que aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Presentes a antijuricidade da conduta do
agente, o dano à pessoa ou coisa da vítima e a relação de causalidade entre uma e outra, resta
configurada a responsabilidade civil, a qual impõe ao causador dos prejuízos a sua reparação –
inteligência do art. 927 do CC. 2. Com efeito, não comete ato ilícito o pai que abandona
afetivamente o seu filho, apesar de sustentá-lo materialmente mediante pagamento de pensão
alimentícia, pela simples ausência de previsão legal que o obrigue a dispensar carinho e amor à
sua prole". (TJMG. Apelação Cível 1.0521.04.035405-7/002, Relator Des. Otávio Portes, 16ª Câmara
Cível, julgamento em 24.02.2016, publicação da súmula em 04.03.2016).
9
A título exemplificativo, destacam-se os dizeres de Farias e Rosenvald, in verbis: " (...) entendemos
não ser admissível o uso irrestrito e indiscriminado das regras atinentes à Responsabilidade Civil
no âmbito do Direito das Famílias por importar o deletério efeito da patrimonialização de valores
existenciais, desagregando o núcleo familiar de sua essência. Nessa ordem de ideias, não
entendemos razoável a afirmação de que a negativa de afeto entre pai e filho (ou mesmo entre
outros parentes, como avô e neto) implicaria indenização por dano moral. Faltando afeto entre
pai e filho (e demais parentes), poder-se-ia imaginar, a depender do caso, a decorrência de outros
efeitos jurídicos, como a destituição do poder familiar ou a imposição da obrigação alimentícia,
mas não a obrigação de reparar um pretenso dano moral. Enfim, em hipóteses de negativa de
afeto, os remédios postos à disposição pelo próprio Direito das Famílias deverão ser ministrados
para a solução do problema. Até porque a indenização pecuniária nesse caso não resolveria o
problema central da controvérsia que seria obrigar o pai a dedicar amor ao seu filho – e, muitopelo contrário, por certo, agravaria a situação. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD,
Nelson. Direitos das famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 130).
10
A título exemplificativo, destaca-se o julgado, in verbis: "Direito civil. Indenização. Abandono
afetivo. Menor. Abalo emocional pela ausência do genitor. Dano moral. Configurado. Valor.
Majoração. 1. A responsabilidade civil extracontratual, decorrente da prática ato ilícito, depende
da presença de três pressupostos elementares: conduta culposa ou dolosa, dano e nexo de
causalidade. 2. Por abandono afetivo entende-se a atitude omissiva dos pais, ou de um deles, no
cumprimento dos deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, dentre os quais se
destacam os deveres de prestar assistência moral, educação, atenção, carinho, afeto e orientação
à prole. 3. In casu, o relatório psicológico, bem como a conduta do Réu demonstrada nos autos,
apontam para um comprometimento no comportamento do menor. 4. Tendo em vista as
circunstâncias do caso concreto, bem como a lesividade da conduta ofensiva do Réu, tem-se que o
valor fixado na r. sentença atende aos princípios gerais e específicos que devem nortear a fixação
da compensação pelo dano moral, notadamente o bom senso, a proporcionalidade e a
razoabilidade. 5. Recurso improvido". (TJDFT. Acórdão 800268, 20120111907707APC, Relator:
Getúlio de Moraes Oliveira, Revisor: Silva Lemos, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 18.06.2014,
Publicado no DJE: 04.07.2014. Pág.: 107).
11
Superior Tribunal de Justiça. REsp 1159242/SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira
Turma. Julgado em 24.04.2012, DJe 10.05.2012.
12
De acordo com Duque e Leite, in verbis: "(...) para garantia da dignidade das pessoas vulneráveis
dentro do ambiente familiar, é essencial assegurar-lhes a efetiva fruição de todos direitos
fundamentais para que desenvolvam a sua plena capacidade para prática de atos da vida civil.
Como um dever fundamental explícito, o art. 227 da CF/1988 dispõe sobre o dever do Estado, da
sociedade e da família na proteção da criança e do adolescente. Sob a perspectiva de uma
proteção integral da criança, abrangendo os aspectos físicos, psíquicos e morais, parece
interpretação lógica que a violação do dever de afeto viola o artigo supracitado, na medida em
que esta pode provocar o aparecimento de problemas psicológicos para os envolvidos na relação
parental, sendo tais problemas, na maior parte das vezes, de caráter permanente e irreversível. E
é neste ponto que reside o fundamento do dever de afeto como fundamental". (DUQUE, Bruna
Lyra; LEITE, Letícia Durval. Dever Fundamental de Afeto e Alienação Parental. Revista de Direito
de Família e das Sucessões. v. 7, jan.-mar. 2016, p. 15- 31).
13
Quanto à responsabilidade civil por dano extrapatrimonial em caso de abandono afetivo dos pais
em relação aos filhos, destaca-se a existência do Projeto de Lei 700/2007, de autoria do Senador
Marcelo Crivella, o qual propõe a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente para
caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal. Referido Projeto de Lei foi aprovado
pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa em 09.09.2015, tendo sido
remetido à Câmara dos Deputados em 06.10.2015. (Disponível em:
[www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate="83516]." Acesso em:
26.09.2016).
14
Existem outras situações aptas a impedir a imputação da responsabilidade por abandono afetivo
ao genitor que descumpre os deveres jurídicos extrapatrimonais para com os seus filhos: a
hipótese do genitor estar acometido de doença grave; quando o genitor estiver cumprindo pena
privativa de liberdade; quando o genitor que detém a guarda muda o seu domicílio para outra
cidade por questões profissionais, dificultando, assim, o convívio da criança com o outro genitor
etc. A título exemplificativo, têm-se os seguintes julgado, in verbis: "Apelação cível. Indenizatória.
Abandono afetivo e material por parte do genitor. Dano moral. Ausência de demonstração da
prática de ato ilícito passível de reparação no âmbito econômico-financeiro. 1. Caso em que o
distanciamento afetivo havido entre pai e filho encontra justificativa na alteração de domicílio do
genitor, que, logo após o seu nascimento, foi estudar e trabalhar na Espanha, onde permaneceu
até um mês depois do ajuizamento da presente ação, arranjo que inviabilizou a aproximação
paterna, não havendo como reconhecer, portanto, a prática de ato ilícito passível de reparação no
âmbito econômico-financeiro. 2. Os alimentos constituem tema que está sub judice em ação
própria, também intentada pelo ora apelante, sendo descabido o seu enfrentamento na presente
demanda. Apelo desprovido". (TJRS. Apelação Cível 70056129950, Oitava Câmara Cível, Relator:
Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 14.11.2013); "Apelação. Ação indenizatória. Abandono
afetivo. Dano moral. Inocorrência. Não como impor aos genitores a obrigação de dar amor e
afeto aos seus filhos. Todavia, há possibilidade de responsabilizá-los pelos danos decorrentes da
ausência, diante de eventual conduta ativa ou omissiva, que configure violação do dever de
cuidado. Inteligência do art. 186 do CC/02. Precedente do STJ. No caso dos autos, inobstante os
dissabores sofridos pela apelante, decorrentes da falta de carinho e atenção paterna, não restou
demonstrado o dolo ou culpa por parte do apelado, pressupostos subjetivos necessários para o
reconhecimento do dever de indenizar. O distanciamento entre as partes resulta de
circunstâncias da vida, notadamente da separação dos genitores e da falta de estrutura familiar.
Inexistência de ato ilícito. Dano moral não caracterizado. Precedentes desta C. Câmara. Sentença
mantida. Recurso não provido". (TJSP. Apelação 0014444-51.2009.8.26.0510. Relator(a): Rosangela
Telles; Comarca: Rio Claro; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento:
31.05.2016; Data de registro: 31.05.2016); e "Ação de investigação de paternidade movida por filho
maior em face do suposto pai, requerendo, ainda, compensação indenizatória lastreada no
abandono afetivo. Sentença de parcial procedência, declarando a paternidade, mas afastando o
direito à indenização. Apelo do autor. Direito de filiação que é personalíssimo, indisponível e
imprescritível, não havendo dúvida quanto ao acerto da sentença neste ponto. Questão do
abandono afetivo já debatida no âmbito do colendo STJ, reconhecida sua possibilidade pela
jurisprudência do Tribunal da Cidadania, desde 2012, a partir do acórdão paradigmático trazido
nos autos do REsp 1.159.242-SP, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi. A questão da
indenização por abandono afetivo há que ser resolvida de acordo com as regras inerentes à
responsabilidade civil, havendo possibilidade, assim, de exclusão do nexo causal, a depender do
conjunto probatório trazido ao processo. No caso particular dos autos, houve um primeiro
julgamento de ação de investigação de paternidade ajuizada logo após o nascimento do autor,
improcedente ao final. Anos mais tarde, depois do advento do exame de DNA, o autor novamente
tentou ver reconhecida a paternidade pelo réu, desta vez com sucesso. O que se nota, então, é que
se o réu-apelado se omitiu quanto às obrigações da paternidade, o fez amparado por sentença
judicial, não havendo que se falar em ato ilícito. Rompido, assim, o nexo de causalidade, uma vez
que o dano causado ao autor não decorreu diretamente de uma ação ou omissão culposamente
perpetrada pelo réu. Sentença mantida. Honorários recursais arbitrados de acordo com a regra
disposto no art. 85, § 11 do NCPC. Desprovimento do Recurso". (TJRJ. Apelação 0008496-
24.2013.8.19.0045. Des. Sirley Abreu Biondi. Decima Terceira Câmara Civel. Julgamento:
14.09.2016).
15
DUQUE, Bruna Lyra; LEITE, Letícia Durval. Dever Fundamental de Afeto e Alienação Parental.
Revista de Direito de Família e das Sucessões. v. 7, jan.-mar. 2016, p. 15- 31.
16
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016,p. 631-632.
17
Nesse sentido, disserta Diniz, in verbis: "Restaria desconfigurado, portanto, o nexo de causalidade
na hipótese do abandono afetivo, embora decorrente de ato voluntário e culposo do genitor que
deixa de visitar e ter o filho em sua companhia, ser diretamente causado pela campanha nefasta
feita pelo outro genitor, no sentido de prejudicar a manutenção ou estabelecimento de vínculo
afetivo, obstaculizando o exercício do direito à convivência familiar, conforme previsto no art. 2º,
IV, da Lei 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental. Nesse caso, a imputação do dano
deveria se dar em relação ao genitor alienante, pois o ato ilícito, em verdade, teria sido praticado
por ele". (DINIZ, Priscila Aparecida Lamana. Responsabilidade civil por dano extrapatrimonial
decorrente de abandono afetivo nas relações paterno-filiais: apontamentos sobre os limites e
possibilidades à luz do ordenamento jurídico-brasileiro. In: CORDEIRO, Carlos José; GOMES,
Josiane Araújo Gomes (coord.). Temas Contemporâneos de Direito das Famílias. v. I. Pillares: São
Paulo, 2013, p. 139-169, p. 150-151).
18
Tal conclusão já encontrou acolhimento jurisprudencial, sendo digno de nota destacar, a título
exemplificativo, o seguinte julgado, em que restou reconhecido que o alegado "abandono" do
filho não se deu em razão do pai ter se afastado do seu filho, mas devido à mãe ter dificultado o
relacionamento entre pai e filho, in verbis: "Apelação cível – Ação de indenização por dano moral
– Abandono afetivo – Inexistência de prática de ato ilícito – Sentença confirmada. – A
responsabilidade civil decorrente da prática de ato ilícito encontra a sua regulamentação nos
artigos 186 e 927 do Código Civil, dos quais se extrai como requisitos que caracterizam o dever de
reparar: a configuração de uma conduta culposa, um dano a outrem e o nexo causal entre aquela
e o dano causado. – Mudando-se o autor para local onde o réu não tinha acesso, não
possibilitando a genitora contato entre pai e filho, não está caracterizado o abandono afetivo,
capaz de gerar indenização por danos morais". (TJMG. Apelação Cível 1.0313.13.011726-7/001,
Relator Des. Pedro Aleixo, 16ª Câmara Cível, julgamento em 16.12.2015, publicação da súmula em
29.01.2016).
19
Com relação a tal questão, disserta Figueiredo e Alexandridis, in verbis: "(...) o alienador procede
de maneira a instalar uma efetiva equivocidade de percepção no alienado (criança ou menor)
quanto aos elementos que compõem a personalidade do vitimado. Evidente que a criança ou o
adolescente são vítimas da situação de alienação parental, contudo, isto é assim sob a perspectiva
ex parte principi (Estado), posto que adentrando à relação familiarista, por passar a ter uma
noção equivocada da situação, a criança ou o menor serão considerados alienados e aquele sobre
quem se deturpa a realidade será o vitimado". (FIGUEIREDO, Fábio Vieira; ALEXANDRIDIS,
© desta edição [2017]
Georgios. Alienação parental. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2014, p. 37).

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