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Ação de Restauração de Autos 1) Introdução - A Teoria Geral do Processo apresenta-nos uma definição de processo, sendo que uma delas é a de que processo é um procedimento animado por uma relação jurídica em contraditório; ao mesmo tempo que apresenta a esta conceituação, delimita também que autos sejam o conjunto de escritos que exteriorizam os atos processuais, documentando a existência do processo. - A partir dessas duas conceituações, ainda que genéricas, a ação de procedimento especial denominada “Ação de Restauração de Autos”, previstas nos artigos 712 a 718 do CPC tem como objetivo restaurar os autos – sejam eles físicos ou eletrônicos – que por algum motivo tenham desaparecido. - As causas de desaparecimento desses autos podem ser variadas, desde fenômenos naturais que o deteriorem, como incêndios, alagamentos, traças e cupins, até atos humanos, como a perda desmotivada dos autos em arquivos desorganizados, desvio ou até destruição dolosa destes. - Quando o desaparecimento ocorrer em razão de atos humanos praticados dolosamente, estes devem ser punidos e esta punição pode ocorrer em diversas esferas: 1ª Hipótese: Poderá sofrer consequências processuais, sendo a parte que der causa condenada nas penas previstas à litigância de má-fé, sendo que esta sanção processual pode ser direcionada às partes e/ou aos seus patronos; 2ª Hipótese: Poderão ser civilmente responsabilizados pelos danos causados. Essa reparação civil pode ser direcionada tanto à parte contrária quanto ao Poder Público, vez que também é prejudicado com o desaparecimento dos autos, ainda mais por estes serem considerados documentos públicos; 3ª Hipótese: Ainda responderão penalmente pelo crime de supressão de documentos públicos (art. 305 do CP.) 4ª Hipótese: A depender de quem pratica o ato, poderá ser acionado no âmbito administrativo (como ocorre com serventuários da justiça e advogados, por exemplo). - A partir das hipóteses lançadas, percebemos o quão importante são os autos para fins de prosseguimento do procedimento judicial, especialmente porque, não há como o processo prosseguir sem que exista autos. - Assim, a restauração apresenta-se a partir de um duplo objetivo, sendo o primeiro a reconstrução desses escritos que exteriorizam os atos processuais e o segundo motivo, a continuação do processo. - Por ter impacto significativo na prestação jurisdicional, o desaparecimento dos autos é compreendido como causa de força maior apta a provocar a suspensão do processo – art. 313, VI, do CPC – que somente retomará seu regular andamento ao final do processo de restauração de autos. ATENÇÃO: Nem todo desaparecimento de autos ensejará a ação de restauração ora analisada. Caso exista autos suplementares – reservas – não será necessária a restauração de autos, faltando interesse de agir para fins do procedimento especial (art. 712, parágrafo único). 2) Legitimidade - Conforme prevê o caput do art. 712, qualquer das partes poderá ingressar com a ação de restauração de autos. Além das partes, o Ministério Público tem legitimidade ativa, por expressa previsão do dispositivo. Excepcionalmente, terceiro terá legitimidade ativa para propor ação, desde que seja um terceiro juridicamente interessado. - Mesmo após a entrada em vigor do novo CPC, parcela da doutrina, mesmo com previsão legal no caput do art. 712, continua a entender que o juiz não tem legitimidade ativa para instaurar o processo de restauração de autos, haja vista a necessidade de respeitar o princípio da inércia da jurisdição. - Entretanto, Assumpção (2020), Mitidiero (2020) e Donizetti (2017) entendem que, se porventura as partes não tomarem as providências para restauração dos autos, ao juiz não haverá alternativa senão iniciar de ofício essa restauração. Para os doutrinadores, em especial Assumpção (2020), a instauração de ofício está amparada naqueles objetivos que trouxemos anteriormente, especialmente no interesse mediato que é dar continuidade ao processo. - Por fim, caso uma das partes ajuíze a ação, no polo passivo constarão todos os outros sujeitos que participam da ação e não estejam no polo ativo da ação de restauração de autos. Caso seja iniciado de ofício pelo juiz, todas as partes estarão no “polo passivo”, tratando-se, como visto de litisconsórcio passivo necessário. 3) Competência - A ação de restauração de autos deve ser proposta no mesmo juízo em que tramita o processo cujos autos desapareceram. Percebemos aqui uma competência absoluta com natureza funcional, isto é, se o processo estiver em trâmite, será competente o órgão jurisdicional pelo qual tramitava a ação no momento do seu desaparecimento. - Apesar de imaginarmos esse desaparecimento ocorrendo apenas na primeira instância, caso esse desaparecimento ocorra perante o tribunal, o processo será distribuído – sempre que possível – ao relator do processo. IMPORTANTE: Estando o processo em grau recursal, a competência não será do juízo de primeiro grau, que ficará limitado a cumprir carta de ordem expedida pelo tribunal para praticar atos materiais que auxiliem na restauração, tais como repetição de oitiva de testemunhas, depoimento pessoal ou prova pericial. 4) Procedimento - Caso o procedimento seja instaurado pelo juiz, ele será realizado por meio de uma portaria expedida pelo magistrado; se não for nessa hipótese, o autor da ação de restauração de autos deverá apresentar petição inicial preenchendo requisitos dos artigos 319 e 320 do CPC, além de instruir a petição inicial com os requisitos específicos do art. 713, ou seja: a) Apresentar a petição inicial com cópias das certidões dos atos constantes do protocolo de audiência do cartório onde haja corrido o processo; b) Cópia das peças que tenha em seu poder; c) Qualquer outro documento que facilite a restauração, o que pode significar praticamente a juntada de cópias “capa-a-capa” quando o advogado da parte mantém em seus arquivos cópias ao menos dos atos processuais principais. - A partir do ajuizamento da ação, deferimento o prosseguimento da petição inicial, o juiz determinará a citação do réu, que terá prazo de cinco dias para contestar o pedido, cabendo a ele apresentar as cópias, contrafés e as reproduções dos atos e documentos que estiverem em seu poder (art. 714). - Se porventura, além dos documentos a parte contrária quiser contestar, as matérias defensivas alegáveis são restritas, limitando-se a questões processuais e vinculadas unicamente a restauração de autos, sendo vedado a alegação de matérias que só interessam ao processo principal. ATENÇÃO: conforme artigo 714, §§ 1º e 2º, se as partes concordarem com a restauração, será lavrado auto que, ao ser assinado pelas partes e homologado pelo juiz, suprirá os autos desaparecidos. - Caso haja concordância parcial ou contestação, o procedimento de restauração de autos seguirá o procedimento comum. - Durante a restauração de autos, pode ser que as testemunhas anteriormente inquiridas, necessitem ser ouvidas novamente. O artigo 715, § 1º prevê a hipótese de que elas sejam reinquiridas as mesmas testemunhas, entretanto, permite sua substituição quando houver impedimento na repetição da oitiva. - A doutrina majoritária entende que pode ser dispensado a reinquirição da testemunha sempre que existir cópia da ata de audiência de instrução juntada aos autos do processo de restauração de autos. - Já o § 2º do artigo 715 traz informações acerca da realização de nova perícia, dando preferência para que essa seja realizada pelo mesmo perito, entretanto, essa nova realização depende da inexistência de certidão ou cópia do laudo pericial. Sobre o tema, o STJ entende que caso exista sentença em ação de exigir contas que reproduziu a essencialidade da prova técnica, é dispensado a realização de nova perícia (REsp 302.527/RJ – 12.02.2007). - Dando prosseguimento ao procedimentode restauração, o § 3º do art. 715, não havendo certidão de documentos, esses serão reconstituídos por meio de cópias, e, no caso de inexistência dessas, a prova anteriormente produzida por documentos será realizada por outros meios de prova, sempre que isso se mostrar possível. - Ainda, no mesmo artigo, há expressa indicação de que os serventuários e auxiliares da justiça serem obrigados a depor como testemunhas a respeito de atos que tenham praticado ou assistido, desde que, claro, essas pessoas tenham de alguma forma participado do processo principal. 5) Sentença - O processo de restauração deve ser extinto por meio de sentença e, no caso de aparecimento superveniente dos autos originais, a extinção deverá ocorrer por meio de sentença terminativa fundada na perda superveniente do interesse de agir, cabendo o processo principal prosseguir nos autos originais, sendo os autos de restauração apensados a ele, nos termos do parágrafo único do CPC. - Gajardoni (2018) apresenta um posicionamento interessante sobre o reaparecimento dos autos originais. Em regra, com o aparecimento deste, a ação prosseguirá nele, sendo apensado ao auto original os de restauração. Entretanto, levanta o autor hipótese na qual o reaparecimento ocorra em momento distante da realidade fática dos autos restaurados. - Nesse ponto, ilustra o autor que se porventura os autos originais – que estavam na fase de contestação pelo réu – reapareçam e os autos restaurados estejam em fase recursal, por exemplo na pendência de uma apelação, excepcionalmente poderão os autos originais serem apensados ao restaurado, privilegiando o princípio da celeridade, instrumentalidade das formas e outros princípios inerentes ao processo civil. 6) Sanções - Por fim, o artigo 718 do CPC ilustra que aquele que der causa ao desaparecimento responderá pelas custas da restauração e pelos honorários do advogado, sem prejuízo de eventual responsabilização civil, penal ou administrativa. - Quanto às verbas sucumbenciais, deve-se aplicar a teoria da causalidade, isto é, devendo ser responsabilizada pelo pagamento a parte responsável pelo desaparecimento. Caso não seja possível atribuir a responsabilidade, cada parte arcará com suas custas processuais, não havendo – nesse caso – condenação aos honorários advocatícios.
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