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Farmacoepidemiologia Felipe Carvalho Aula 1: Introdução à Farmacoepidemiologia Hoje se sabe que o uso do medicamento ele não é determinado só por uma necessidade clínica do indivíduo, pela sua patologia ou pelo seu diagnóstico. O uso do medicamento é resultado de múltiplos fatores que vão estar influenciado esse fenômeno, como por exemplo, fatores epidemiológicos (um país com uma maior incidência de câncer, se esperaria um maior consumo de medicamentos oncológicos, considerando o acesso igualitário aos medicamentos); fatores sociais (isso diz muito respeito ao fato do medicamento ser muitas vezes utilizado como um indutor de estilo de vida, ou seja, o uso do medicamento não para tratar uma condição clínica mas para tratar uma condição social); fatores econômicos (acesso das pessoas aos diversos tipos de medicamento). Todos esses fatores estarão influenciando as pessoas a utilizarem o medicamento e a forma como esse medicamento será utilizado. Analisar esses fatores é de suma importância pois a Farmacoepidemiologia tem um foco justamente nos fatores que determinam o uso do medicamento e nas consequências desse uso para a população. Quando se fala em consequências do uso do medicamento para a população é importante lembrar quais seriam as fases de desenvolvimento de novos medicamentos. Em um primeiro momento a fase pré-clínica é onde ocorre a descoberta de novos fármacos e moléculas as quais são submetidas a estudos pré-clínicos (estudos em animais para se verificar se efetivamente a molécula desempenha o efeito farmacológico, se é tóxica ou possui uma toxicidade aceitável para organismos vivos). É uma fase que pode durar entre três e seis anos e se estima que haja uma probabilidade de sucesso de 0,01%. Essa primeira fase pré-clínica ela vai incluir desde a descoberta da molécula, testes em bancada e testes em animais. Havendo resultados favoráveis nessa fase inicia-se a segunda fase chamada de fase da pesquisa clínica, onde efetivamente esse medicamento/fármaco será testado em seres humanos. Essa fase é dividida em três fases: 1, 2 e 3 com objetivos e dimensões diferentes. A Fase 1 tem como objetivo verificar a toxicidade ou perfil de toxicidade do fármaco envolvendo indivíduos sadios que utilizarão o fármaco com objetivo de verificar se o fármaco é seguro para uso em humanos (estima-se que a fase envolva entre 20-100 voluntários sadios). A partir de resultados positivos nessa fase, inicia-se então a Fase 2 com objetivo de verificar ainda a questão da toxicidade, mas aqui já vão estar envolvidos pacientes que apresentam a patologia alvo para o medicamento estudado, ou seja, avaliar a eficácia e também a dose. A Fase 3 é a última antes desse medicamento poder ser submetido para registro e antes dele poder ser comercializado. Essa fase é como se fosse uma ampliação da fase anterior em que ocorrerá a ampliação do número de indivíduos que serão expostos ao medicamento. Geralmente são estudos multicêntricos, realizados em diferentes hospitais e em diferentes países, onde todos esses resultados serão reunidos e, sendo favoráveis, é possível então se submeter a uma demanda as autoridades regulatórias nacionais para que esse medicamento seja registrado para comercialização. Na fase 4, chamada de pós-comercialização, esse medicamento estará disponível para prescrição e para utilização pela população e é justamente nessa fase que a Farmacoepidemiologia vai começar a atuar e os estudos farmacoepidemiológicos serão realizados, quando os medicamentos já estão em uso pela população. Limitações dos estudo pre-marketing (ensaios clínicos) Os ensaios clínicos apresentam limitações (são testes, por isso tentam prever a eficácia do medicamento e segurança antes de estar disponível para a população). Porém é complicado conseguir representar no ensaio a realidade do que vai ser o uso do medicamento pela população por diferentes questões, por exemplo: • Critérios estritos de seleção de pacientes Os pacientes que participam dos ensaios clínicos são escolhidos de acordo com critérios muito restritos. Então são pacientes dentro de uma determinada faixa etária, não apresentam determinados tipos de comorbidade, geralmente não se envolvem mulheres grávidas, idosos e crianças (populações vulneráveis). Para essas populações estarem participando de ensaios clínicos precisa ter uma justificativa bastante específica para isso. • Assistência diferenciada aos participantes Os pacientes que estão participando de ensaios clínicos eles recebem uma assistência diferenciada, ou seja, eles são acompanhados durante todo o tratamento, onde regularmente exames são feitos, havendo um maior controle e assistência. Durante a prática clínica, isso é bem diferente, uma vez que o paciente vai até o consultório, recebe uma prescrição e adquire o medicamento na farmácia e depois pouco se sabe do que aconteceu com ele durante o uso do medicamento. • Curta duração Os ensaios clínicos têm curta duração, mesmo que durem alguns anos. Isso é bem diferente do que pode acontecer depois que esse medicamento é registrado para uso e utilizado por décadas. A grande questão é que os efeitos sobre toxicidade ou reações adversas a medicamentos, precisa-se de um número bem grande de indivíduos expostos ao medicamento para que haja uma probabilidade de estar observando essa reação adversa grave, fato que não terá esse número de pacientes envolvidos no ensaio clínico. • Não há informação sobre efetividade comparativa Os ensaios clínicos eles medem eficácia do medicamento enquanto que quando o medicamento está em uso na população, o que interessa é efetividade. A eficácia diz respeito ao efeito do medicamento sobre as condições controladas do ensaio clínico, mas quando esse medicamento já está disponível no mercado para uso pela população, há diversos outros fatores que estão influenciando no resultado daquele tratamento que não apenas a questão da eficácia intrínseca do fármaco. Existirão questões sobre como o medicamento foi prescrito, como foi utilizado, se o indivíduo apresentava outras doenças, se utilizava outros medicamentos concomitantemente, estilo de vida, exercício físico, alimentação e etc... Ou seja, tem vários fatores que estarão influenciando no desfecho daquele tratamento e eles podem muitas vezes modificar o resultado daquele tratamento. Logo, no ensaio clínico observa-se um tipo de resultado, mas na prática clínica, observa-se outro. Então quando há o interesse em entender o resultado de um tratamento na prática clínica na população, me refiro a efetividade desse medicamento. Caso esteja se referindo a um medicamento novo que ainda não tenha sido utilizado pela população, não se tem dados para comparar a efetividade dele com outros medicamentos. • Detecção de RAM rara improvável Durante os ensaios clínicos é muito improvável que se observe reações adversas a medicamentos (RAM). Essas reações elas vão surgir efetivamente quando tiver um grande número de pessoas utilizando o medicamento, ou seja, depois que ele já está registrado e em uso pela população. Problemas de segurança pós-marketing Após o lançamento desse medicamento no mercado, muitas vezes são necessárias modificações em relação, por exemplo, a bula (51%) do medicamentoapós seu lançamento no mercado. Essas alterações na bula são ocasionadas por questões de segurança (contraindicação na bula). Outros 20% acabam tendo restrição de venda, ou seja, era um medicamento de venda livre e passam a ser sob prescrição médica. Até cerca de 4% dos medicamentos lançados no mercado são retirados após algum tempo, pois se verifica que eles representam um risco importante a população e por isso eles não podem estar mais disponíveis para uso. Os ensaios clínicos possuem uma forma de garantir a segurança dos medicamentos que vão ser comercializados, porém possuem limitações e é justamente a ação da Farmacoepidemiologiaque resolve essa situação. A Farmacoepidemiologia é o estudo do uso e dos efeitos dos fármacos em populações, por meio da aplicação de métodos epidemiológicos no contexto da farmacologia clínica. Desse modo, tem o objetivo de entender quais são os fatores que influenciam o uso do medicamento e quais são as consequências desse uso para a população. Lembrar que agem na fase de efetividade clínica e na regulação em prol da população. A Farmacoepidemiologia hoje possui duas áreas principais: farmacovigilância que busca identificar e avaliar os efeitos do uso dos fármacos na população com ênfase especial para os efeitos nocivos ou para reações adversas a medicamentos e também os estudos de utilização de medicamentos que são realizados com o objetivo de conhecer o perfil do uso dos fármacos, quais os seus determinantes e quais as consequências desse uso para a população. Aula 2: Princípios básicos de epidemiologia e estatística Epidemiologia Na etimologia da palavra, o prefixo epi quer dizer sobre, demi significa população, logia vem de “logos” do latim estudo. A epidemiologia é o estudo da distribuição e dos determinantes dos eventos que podem afetar a saúde das pessoas. Determinante É um termo que utilizado na epidemiologia para referir a causa do que está ocorrendo com a saúde das pessoas, por exemplo: Por que existem tantas pessoas doentes em determinado bairro? Será que a água que consome estaria contaminada por dejetos da indústria química próxima? Nesse exemplo, a poluição da água seria possível determinante, ou seja, a causa da doença. Podemos nos referir também a poluição como fator de exposição ou fator de risco. Já a doença das pessoas é a consequência ou o resultado da exposição das pessoas ao poluente. Em Epidemiologia, frequentemente, referem-se à consequência ou resultado, como sendo um desfecho, mas nem sempre um fator de exposição é algo ruim ou o desfecho é uma doença. Por exemplo, se a pessoa usa medicamento e fica curada, o determinante ou fator de exposição é o medicamento e a consequência ou desfecho é a cura. Causa e efeito Um dos focos principais da Epidemiologia é o estudo da relação de causa e efeito entre o determinante e seu desfecho, ou seja, descobrir o que poderia estar causando o evento que está ocorrendo na população. Como descobrimos se algo que fazemos o que ou que somos expostos pode ser prejudicial? A forma confiável de se fazer isso é por meio da ciência, como os estudos in vitro com células, porém as células isoladas não se comportam da mesma forma que um organismo vivo; outra opção seria realizar testes em animais, mas muitas substâncias afetam animais e seres humanos de forma diferente. O que resta nesses casos é observar o mundo real, medir os fatores as quais muitas pessoas (milhares, milhões de pessoas) são expostas e tentar descobrir as conexões entre essas exposições e a saúde. Estudos como esse formam uma grande parte da Epidemiologia e são uma forma poderosa de entender como exposições e comportamentos podem afetar a saúde de grandes grupos de populações. Estudo É um processo científico utilizado para responder uma pergunta, utilizando dados da população. Por exemplo, podemos estar interessados em saber se o fumo aumenta os riscos de uma pessoa desenvolver câncer de pulmão, mas será que o fumo seria o único responsável pela doença ou existiriam outros fatores? Etapas de desenvolvimento de um estudo Um estudo sempre começa a partir de uma pergunta bem definida. Depois, precisa-se resolver qual o melhor tipo de desenho de estudo deve ser utilizado para responder essa pergunta, por exemplo, um estudo transversal, estudo caso- controle, o estudo de coorte. A partir do momento que o tipo de estudo é decidido, precisa-se coletar e analisar os dados utilizando métodos estatísticos adequados e depois os resultados devem ser interpretados de forma que façam sentido. Finalmente, esses resultados podem ser reportados, através de um artigo científico, por exemplo, respeitando sempre a ética. Fontes Os dados para realizar um estudo epidemiológico podem ser obtidos de diferentes formas e fontes. Por exemplo, através de entrevistas diretamente com os indivíduos, coletando-se dados pessoais (idade, sexo, endereço e outras perguntas específicas que sejam do interesse do estudo). Esses mesmos dados podem ser obtidos também por meio de questionários enviados para os participantes que os preenchem e depois retornam para os pesquisadores (p ex. via e-mail). Outra fonte de dados são as bases de dados eletrônicos (p. ex: prontuários eletrônicos em hospitais). Esses dados coletados são sobre o que? Em ciência, coleta- se dados sobre variáveis. Variáveis É aquilo que varia ou pode variar, é um atributo ou característica que pode ser definida e mensurada, como o gênero de uma pessoa, seu peso e altura. Existem diferentes tipos de variáveis e são divididas em dois grandes grupos: as quantitativas e as categóricas. As variáveis quantitativas são sempre numéricas. Se elas forem resultado de uma contagem, elas vão se chamar variáveis discretas, p. ex: o número de sorvete que uma pessoa tomou hoje. Por outro lado, podem ser contínuas, podendo assumir qualquer valor na reta real, p ex: o peso de uma pessoa, que pode ter o número de casas decimais que o equipamento permitir, ou seja, pode assumir qualquer valor real. Já as variáveis categóricas referem-se às categorias ou classes. Podem ser ordinais, quando seus valores possíveis possuem uma lógica entre si, p.ex: a variável grau de satisfação do cliente (as categorias desta variável são insatisfeito, indiferente e satisfeito, possuindo uma relação de ordem do pior para o melhor). Existem também as nominais, que é quando suas categorias não possuem uma relação de ordem entre si, p.ex: a variável cor do cabelo (essa variável pode assumir diferentes valores e não existe uma ordem lógica). Amostras Nos estudos epidemiológicos se coletam dados de uma amostra da população de interesse e não de toda a população. Uma amostra é, então, um grupo de pessoas selecionadas a partir da população de interesse e será sobre estas pessoas que irão coletar os dados para o estudo. É importante que a amostra seja bem selecionada, pois os resultados que serão obtidos a partir de seus dados serão utilizados para responder uma pergunta sobre toda a população. Uma das características mais importantes de uma amostra é a sua representatividade. Uma amostra ser representativa quer dizer que toda variedade de características que podem impactar nos desfechos de interesse do estudo e que estão presentes na população devem estar igualmente presentes na amostra tanto em termos qualitativos quanto quantitativos, ou seja, um sub grupo de pessoas não pode ser favorecido. Por exemplo, se a população de interesse tiver pessoas diferentes faixas etárias, a amostra não poderá ser compostas apenas por idosos ou apenas por jovens. Por isso, é importante que o método que será utilizado para selecionar as pessoas garanta que todos os indivíduos tenham a mesma chance de serem selecionados para amostra. • Amostragem por conveniência: não resulta em uma amostra representativa (não representa o todo), o pesquisador escolhe para participar da pesquisa os indivíduos que são mais facilmente recrutados, p.ex: por morarem próximo de onde o pesquisador reside. No entanto, essa amostra não vai representar de maneira adequada a população de interesse. • Amostragem aleatória: o melhor método de amostragem para garantir a representatividade, é o aleatório. Ser aleatório significa que a escolha do participante ocorre ao acaso, sem qualquer influência de fatores externos. Amostra aleatória simples: a seleção dos participantes ocorre através de um sorteio a partir da população, por exemplo. Amostra aleatória estratificada: ocorre por meio de estratos, a populaçãode interesse é dividida em grupos de acordo com alguma característica e os participantes são escolhidos a partir de cada grupo de forma aleatória. Esse tipo de amostra é utilizada quando o importante garantir que determinada característica da população esteja representada na amostra em proporções equivalentes. Na prática, não se faz sorteio e existem outras técnicas para se fazer uma seleção aleatória, como tabelas de números randômicos (tabelas contendo números agrupados ao acaso). Para utilizá- la precisa-se, primeiro, atribuir um número a cada indivíduo da população e depois escolhemos uma linha da tabela e verifica-se os dois primeiros dígitos e esse indivíduo fará parte da amostra. Caso algum dos números da tabela não exista na população pula-se e e vai para o próximo, repetindo esse processo até que se tenha escolhido o número de pessoas para compor a amostra. Inferência É uma técnica estatística que permite verificar estatisticamente se a estimativa obtida para a amostra pode ser atribuída a toda população, sendo uma probabilidade. Existem métodos para se avaliar essa inferência, como por exemplo o cálculo do intervalo de confiança e o teste de hipóteses e p-valor. Exemplo: Pergunta do estudo: Qual altura média dos alunos da Faculdade de Farmácia da UFRJ? Como já foi visto, não é viável medir a altura de todos os alunos, então foi optado trabalhar com uma amostra de 10 estudantes (imagina-se que essa é uma amostra aleatória representativa da população de estudante). Mede-se então a altura de cada um e obtém-se os resultados mostrados na tabela. A partir da altura dos indivíduos da amostra, pode-se calcular algumas medidas, como por exemplo a média amostral das alturas, que nada mais é que o somatório das alturas dividido pelo tamanho da amostra. Pode-se calcular também o desvio padrão dessa média e assim há uma ideia da dispersão das alturas (se as alturas variam pouco ou muito em relação a média calculada). A partir desses valores, pode-se calcular o intervalo de confiança, que é uma faixa de valores calculados a partir da amostra e é possível que a média da altura real da população esteja contida nesse intervalo. Ao se realizar os cálculos, tem-se: Média amostral (x̅): 167,2 cm Desvio-padrão amostral (s): 8,97 Intervalo de confiança 95%: [160,7;173,6] O que quer dizer esse intervalo de confiança? Significa dizer que se o mesmo experimento fosse repetido 100 vezes, 95% dos intervalos de confiança calculados conteriam a verdadeira média populacional. Essa é a forma correta de interpretar o intervalo de confiança, porém em muitas referências é encontrado uma interpretação alternativa que diz que existe 95% de chance da verdadeira média populacional está contida no intervalo de confiança. Essa interpretação não está correta mas raciocinar dessa forma não traz muitos problemas ao pesquisador, na maioria dos casos, e talvez seja mais fácil de compreender do que a anterior. E para responder a seguinte pergunta: Será que os alunos da Faculdade de Farmácia da UFRJ têm altura média igual a 175 cm? Novamente, será trabalhado uma amostra de 10 alunos pois é inviável medir a altura de todos os alunos. Digamos que tenham sido encontrados os mesmos valores de Média amostral (167,2) e Desvio- padrão amostral (8,97). Para responder essa pergunta, é necessário realizar o teste de hipótese. Essas hipóteses são: Para esse exemplo, foi utilizado um nível de significância de 0,05 que significa que o pesquisador assume que há um risco de 5% de concluir que a altura média não é 175 cm, quando na verdade é. De modo prático, o nível de significância reflete o quanto o pesquisador está disposto a errar. H0 → 𝜇FF = 175 cm (hipótese nula) H1 → 𝜇FF ≠ 175 cm (hipótese alternativa) A hipótese nula contém a informação que eu quero testar (no ex.: a altura média dos alunos é igual a 175 cm), a hipótese alternativa nega hipótese nula (no ex.: irei afirmar que a média de altura é diferente de 175 cm). O próximo passo é calcular a estatística teste que vai me dizer se eu devo rejeitar a hipótese nula ou se eu devo aceitar, nesse caso, utiliza-se T-Student e faz um teste bicaudal. Nos cálculos, encontra-se um p-valor = 0,023 e a partir desse valor será analisado se rejeita ou não a hipótese nula. O p-valor é uma probabilidade. É a probabilidade da amostra ter sido obtida a partir de uma população com altura média de 175 cm e é justamente o objetivo do estudo. Se essa probabilidade for grande, significa que provavelmente a altura média dos alunos realmente é igual a 175 cm. Se essa probabilidade for pequena, há duas conclusões possíveis: 1. Os alunos têm altura média de 175 cm sim e o que aconteceu foi que por acaso na amostra estavam os alunos mais baixos ou mais altos da faculdade. 2. Acredita-se não ser possível obter uma amostra com essa média e conclui-se que na verdade alunos não tem altura média de 175 cm. Com esse p-valor muito pequeno, como decidir entre essas duas opções? Basta comparar o p-valor com nível de significância definido (no ex.: 0,05). Se o p- valor foi o maior que 0,05, eu concluo que amostra pode pertencer a uma população com altura média de 175 cm, nesse caso eu aceito a hipótese nula. Por outro lado, se o p-valor for menor que 0,05, eu vou concluir que amostra não pertence a uma população com altura média de 175 cm, logo altura média da população não seria essa. O suposto valor de p calculado foi 0,023, valor menor que o nível de significância, com isso eu rejeito a hipótese nula, logo, a altura média dos alunos não é igual a 175 cm. Aula 3: Medidas de frequência em Epidemiologia Antes de falar sobre medidas de frequência, é importante saber que os estudos epidemiológicos podem ser reunidos em dois grupos: descritivos e analíticos. Os estudos descritivos têm como objetivo descrever a distribuição das doenças ou qualquer evento relacionado à saúde, e além disso, identificar as características dos indivíduos afetados e também sobre as doenças. Já os estudos analíticos buscam explorar a ocorrência desses eventos por meio da identificação de suas possíveis causas e também tem como objetivo medir a força de associação entre um fator exposição suspeito e o desfecho de interesse. Nos estudos descritivos são calculadas as chamadas medidas de frequência enquanto nos estudos analíticos, além das medidas de frequência, são calculadas também as medidas de associação (medidas de frequência + medidas de associação). Os estudos descritivos sempre serão uma primeira etapa dos estudos analíticos, isso porque para calcular as medidas de associação é preciso das medidas de frequência. Exemplos de estudos: O objetivo desses três gráficos é descrever a ocorrência de um evento em saúde, no entanto focando em diferentes aspectos sobre esse evento, seja sua ocorrência diária ou localidade. Em todos os casos, o evento de interesse é o óbito e a variável que está sendo medida é o número de óbitos. Essa variável é do tipo quantitativa discreta porque é uma variável numérica e que representa uma contagem. Em Epidemiologia essa contagem é o que chamada de medidas de frequência absolutas. Tipos de medidas de frequências 1. Frequência absoluta: forma mais simples de descrever um evento em saúde. Ela é simplesmente a contagem desses eventos e é expressa por meio de um número absoluto. É importante ressaltar que para que seja possível interpretar as frequências absolutas é imprescindível que elas sejam apresentadas sempre fazendo referência sobre o grupo populacional a qual se referem, em que ponto no tempo elas foram coletadas e em qual localidade. No exemplo sobre os óbitos de Covid-19, as informações se referem a uma população, foram coletados durante o ano de 2020 e essa população é a população brasileira. 2. Frequências relativas:facilitam as comparações e suas interpretações. Essas medidas nada mais são do que valores absolutos expressos em relação a outros valores absolutos. Dentre delas, subdividem- se em proporções, coeficientes, taxas e razão. 2.1) Proporções: as proporções são tipo de medida matemática em que todas as unidades do numerador estão contidas em um denominador mais amplo, isto é, o numerador é um subconjunto do denominador. Elas também expressam uma fração do total e seu valor vai sempre variar entre 0 e 1. Exemplo: No estado do Rio de Janeiro até o momento, foram registrados 233.000 óbitos por Covid-19, desses óbitos 122.200 foram do sexo feminino e 111.800 do sexo masculino. Se dividir o número de óbitos de mulheres pelo número de óbitos por Covid-19 da população, irá obter a proporção de óbitos femininos (0,52). No caso dos homens, fazendo a mesma divisão obtém-se o valor de 0,48. O somatório de ambos corresponde ao resultado de 1, ou seja, a soma das proporções de um mesmo total será sempre igual a 1. O denominador nesses cálculos contém um total de eventos reais, ou seja, o total de óbitos que ocorreram e não o número de óbitos que poderiam vir a ocorrer. As proporções frequentemente são apresentadas na sua forma decimal x 100 de forma que sejam expressas em percentual (mulheres 52% e homens 48%). Pode-se também multiplicar a fração por mil e dessa forma o resultado ficaria (520 óbitos/1000 habitantes do sexo feminino e 480 óbitos/1000 habitantes do sexo masculino). Em resumo, pode-se multiplicar essa fração por qualquer múltiplo de 10 dependendo da conveniência, geralmente buscando reduzir o número de casas decimais ou tornar o resultado mais fácil de ser interpretado. 2.2) Razão: são obtidas a partir da divisão de duas frequências absolutas. Por exemplo, se dividir o número de óbitos ocorridos de mulheres pelo número de óbitos por Covid-19 de homens, obtém-se um resultado que irá me representar quantas vezes o número de óbitos no numerador é maior do que no denominador. Nesse exemplo específico a razão é igual a 1, o que quer dizer que o número de óbitos de homens e de mulheres é próximo. Além disso é importante notar que nas razões o numerador não está contido no denominador como acontece no caso das proporções, permitindo comparar eventos de natureza completamente diferentes. (não há necessidade de nenhuma relação específica entre numerador e denominador). 2.3) Coeficientes: os coeficientes são tipo especial de proporção em que o denominador contém o número de eventos que podem vir a ocorrer. Os coeficientes estão relacionados entre o número de eventos que ocorreram e os que poderiam ocorrer (probabilidade), ou seja, está relacionado à ideia de risco. Por exemplo se quisermos obter o coeficiente de óbitos, no numerador colocamos o número de mortes que ocorreram e no denominador o número de mortes que potencialmente poderiam vir acontecer. Como qualquer indivíduo que está vivo pode vir a morrer, o número de óbitos possíveis será exatamente igual ao número total de habitantes. O resultado, portanto, é o coeficiente. Existem três tipos de coeficientes importantes em Epidemiologia: Prevalência, Incidência e Outros indicadores. Medidas de ocorrência de doenças Prevalência: a prevalência consiste na proporção de pessoas que apresentam determinado estado de saúde na população, como por exemplo, uma doença. A proporção é calculada como quociente entre o número de casos existentes numa população e o total de indivíduos nessa população. Neste exemplo, pode-se ver que num grupo de 36 pessoas, 4 apresentam a doença, correspondendo a uma prevalência igual a 11% o que equivale a dizer que 11% da população apresenta essa doença. Incidência: representa a probabilidade ou o risco da ocorrência de determinado evento, como por exemplo, ficar doente. Ela é calculada como quociente entre o número de casos novos que surgem em determinado período de tempo e o total de indivíduos da população estão suscetíveis a ficarem doentes. Partindo da população do exemplo anterior em que 4 pessoas estão doentes e 32 estão saudáveis, ou seja, são suscetíveis a ficarem doentes, imagine que esse grupo será observado durante um ano. Ao final desse período, é verificado um total de 9 casos novos da doença. Assim, para calcular a incidência é preciso dividir 9 (total de casos novos que surgiram no período) pelo número de pessoas suscetíveis na população (nesse exemplo, 32 pessoas), o resultado obtido reflete a incidência (25%). Isso quer dizer que nessa população há um risco de 25% de contrair a doença. É muito importante entender a diferença de cálculo da prevalência e da incidência. No caso da prevalência, o numerador traz o número de casos existentes em uma população em um determinado ponto fixo do tempo enquanto que no caso de incidência, o numerador traz o número de casos novos observados durante um período de tempo. Os denominadores também são diferentes, no caso da prevalência o denominador é o tamanho da população em um ponto fixo no tempo enquanto que o denominador da incidência se refere ao número de indivíduos susceptíveis ou em risco de adoecer no início do período de observação. Essas diferenças resultam que a prevalência seja capaz de medir a magnitude da doença enquanto que é incidência mede o risco de adoecer. Além disso, a prevalência é uma medida estática, ou seja, apresenta pouca variação ou que demora para variar enquanto que a incidência é uma medida dinâmica que vai depender da velocidade com a qual as pessoas adoecem. Qual a diferença entre incidência x prevalência? Em um grupo de cinco pessoas que desenvolvem a tuberculose no período de 5 meses, obtém-se os seguintes dados: 1 pessoa desenvolve doença em janeiro, 2 em fevereiro, 1 em abril e 1 de maio. Desconsidera-se inicialmente o denominador. O número de casos incidentes ou novos em fevereiro foi 2 e esse seria o numerador do coeficiente de incidência para esse mês o mesmo acontecendo para os meses de janeiro, abril e maio em que o numerador seria igual a 1. A prevalência por sua vez leva em conta a duração da doença. Digamos que o caso 1 seja curado em maio, o caso 2 em abril, o caso 3 em março e os casos 4 e 5 apenas após maio. Desconsidera-se inicialmente o denominador. O que se observa é que existe apenas 1 caso doente em janeiro, 3 casos doentes em fevereiro, 3 em março, 3 em abril, 3 em maio e 2 de junho. Assim, é possível concluir que a prevalência é determinada por quantas pessoas passam a fazer parte do conjunto de pessoas doentes (incidência) e de quantas pessoas deixam de estar doentes pela cura/óbito. Imaginem um tanque cheio de pedras em que cada pedra representa um indivíduo doente. Esse tanque é cheio pela incidência e ele se esvazia pela morte ou pela cura. Isso significa que se as mortes aumentam (mais pedras vão sair desse tanque) e se as mortes diminuem (mais pedras vão permanecer nesse tanque). O mesmo raciocínio se aplica a cura, se mais pessoas são curadas (mais pessoas deixam de estar doentes e saem do tanque) e se a cura diminuir (mais pessoas vão permanecer dentro do tanque). Agora digamos que o tanque possui uma prevalência basal. Perguntas: 1. O que aconteceria com a prevalência se a incidência aumentasse ao mesmo tempo em que as mortes e as curas não se alterassem? A prevalência iria subir. 2. O que ocorre se a incidência permanecer constante, mas as mortes diminuírem e a cura também permaneça constante? A prevalência também vai aumentar já que menos pessoas deixarão o tanque. 3. O que ocorreria se as mortes diminuíssem e as curas aumentassem? A prevalência iria diminuir, já que mais pessoas deixariam esse tanque. Desse modo, pode-se concluir que a prevalência é a incidência vezes a duração da doença e a duração da doença é determinada pelafrequência de mortes e curas. Incidência cumulativa x taxa ou densidade de Incidência A incidência tratada até agora é chamada incidência cumulativa ou risco médio mas existe também a taxa ou densidade de incidência. O cálculo da taxa de incidência considera o tempo em que o indivíduo permaneceu exposto ao risco de adoecer. Imagina-se um grupo de cinco pessoas que foi observado a partir de janeiro quando todas estavam saudáveis. O indivíduo número um permanece saudável até abril quando então ficou doente, ou seja ele, permaneceu 4 meses suscetível a doença. O indivíduo número dois permaneceu saudável durante todo o período de observação, logo esteve sob o risco de adoecer 5 meses. Já o indivíduo três ficou doente logo em janeiro, assim ficou suscetível apenas durante um mês. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para os indivíduos quatro e cinco que ficaram suscetíveis a doença por 3 e 5 meses, respectivamente. Para calcular a taxa de incidência, é preciso dividir o número de casos novos que surgiram durante o período de observação porém no denominador coloca-se o somatório do tempo em que cada pessoa ficou suscetível ao risco de adoecer. Nesse exemplo obteve-se um total de 3 casos novos (indivíduo 1, 3 e 4) durante o período de observação e um total de 18 meses de exposição. O resultado obtido (0,17) reflete a taxa ou densidade de incidência que representa 0,17 casos por pessoa/mês. Essa medida representa o potencial de mudança instantânea na frequência do evento de interesse. Exemplo prático: Em uma escola infantil, um total de 400 crianças foram acompanhadas durante um ano, ao final do período foi verificado que ocorreram dois casos de sarampo. Calcule a medida de ocorrência do sarampo. A primeira coisa que deve-se definir é o tipo de medida apropriada para essa situação: seria a prevalência ou incidência? A prevalência refere-se ao número de pessoas doentes em um determinado momento e geralmente é aplicável a doenças de longa duração ou doenças crônicas. Já a incidência tem relação com o número de pessoas que adoeceram/casos novos em um determinado período. Nesse caso, deve-se calcular a incidência dividindo o número de casos de sarampo que foram observados no período de 12 meses (2) pelo número de crianças suscetíveis no início do período de observação (400). Com isso obtém-se que a incidência é igual a 0,5 casos de sarampo a cada 100 alunos, ou seja, o risco de contra contrair sarampo nessa escola é 0,5%. É importante ressaltar que deve-se expressar o resultado sempre de forma completa, ou seja, precisa-se sempre especificar na resposta a cada quantos indivíduos o número de casos obtidos é observado. Tanto a incidência quanto a prevalência são indicadores muito importantes utilizados na área da saúde. Os indicadores são medidas-síntese que contêm informação relevante sobre determinados atributos e dimensões do estado de saúde, bem como sobre o desempenho do sistema de saúde. Vistos em conjunto, os indicadores devem refletir a situação sanitária de uma população e servem para a vigilância das condições de saúde. Existem alguns indicadores de saúde específicos muito importantes na epidemiologia, como por exemplo, o coeficiente geral de mortalidade que é obtido a partir da divisão do número de óbitos em determinada comunidade e ano pela população estimada para 1 de julho desse mesmo ano multiplicado por mil. Outro indicador importante é o coeficiente de mortalidade infantil que é obtido a partir da divisão do número de óbitos entre menores de um ano em determinada comunidade e ano pelo total de nascidos vivos nessa mesma comunidade ano multiplicado por mil. Outro coeficiente importante é o coeficiente de letalidade que é obtido a partir da divisão entre o número de mortos devido a uma determinada doença em um determinado grupo populacional e um determinado período de tempo pelos casos da doença nessa mesma área e tempo multiplicado por 100. É importante não confundir o coeficiente de letalidade com o coeficiente de mortalidade. O denominador é diferente, no coeficiente de mortalidade tem-se que o número total de habitantes de determinada região enquanto que no coeficiente de letalidade tem-se o total de casos de uma doença. RESUMO: Proporção: todas as unidades do numerador estão contidas em um denominador mais amplo Coeficiente: denominador contém o número de eventos que podem vir a ocorrer. Os coeficientes estão relacionados entre o número de eventos que ocorreram e os que poderiam ocorrer (probabilidade) Razão: são obtidas a partir da divisão de duas frequências absolutas. Não há necessidade de nenhuma relação específica entre numerador e denominador. Incidência: número de novos eventos ou casos novos que ocorrem em uma população de indivíduos em risco durante um determinado período de tempo. O denominador deve conter somente aqueles indivíduos que estão em risco de adquirir a doença. - Cumulativa: estimativa da probabilidade de um indivíduo desenvolver a doença durante um período específico de tempo. Ic = 𝒏ú𝒎𝒆𝒓𝒐 𝒅𝒆 𝒄𝒂𝒔𝒐𝒔 𝒏𝒐𝒗𝒐𝒔 𝒅𝒆𝒕𝒆𝒄𝒕𝒂𝒅𝒐𝒔 𝒅𝒖𝒓𝒂𝒏𝒕𝒆 𝒖𝒎 𝒅𝒆𝒕𝒆𝒓𝒎𝒊𝒏𝒂𝒅𝒐 𝒑𝒆𝒓í𝒐𝒅𝒐 𝒅𝒆 𝒕𝒆𝒎𝒑𝒐 𝒕𝒐𝒕𝒂𝒍 𝒅𝒆 𝒊𝒏𝒅𝒊𝒗í𝒅𝒖𝒐𝒔 𝒆𝒎 𝒓𝒊𝒔𝒄𝒐 𝒏𝒐 𝒊𝒏í𝒄𝒊𝒐 𝒅𝒐 𝒑𝒆𝒓í𝒐𝒅𝒐 - Taxa ou densidade de incidência: taxa instantânea de desenvolvimento da doença por unidade de tempo. O numerador tem o número de casos novos e no denominador é utilizada a soma do tempo que cada indivíduo foi observado estando livre da doença. Id = 𝒏ú𝒎𝒆𝒓𝒐 𝒅𝒆 𝒄𝒂𝒔𝒐𝒔 𝒏𝒐𝒗𝒐𝒔 𝒅𝒆𝒕𝒆𝒄𝒕𝒂𝒅𝒐𝒔 𝒅𝒖𝒓𝒂𝒏𝒕𝒆 𝒖𝒎 𝒅𝒆𝒕𝒆𝒓𝒎𝒊𝒏𝒂𝒅𝒐 𝒑𝒆𝒓í𝒐𝒅𝒐 𝒅𝒆 𝒕𝒆𝒎𝒑𝒐 𝒔𝒐𝒎𝒂 𝒕𝒐𝒕𝒂𝒍 𝒅𝒆 𝒑𝒆𝒔𝒔𝒐𝒂𝒔 𝒕𝒆𝒎𝒑𝒐 𝒆𝒎 𝒓𝒊𝒔𝒄𝒐 Prevalência: medida estática, relacionada a um ponto no tempo. O numerador é composto de casos ativos no momento do estudo, sejam eles recentes ou antigos. P = 𝒏ú𝒎𝒆𝒓𝒐 𝒅𝒆 𝒊𝒏𝒅𝒊𝒗í𝒅𝒖𝒐𝒔 𝒂𝒇𝒆𝒕𝒂𝒅𝒐𝒔 𝒆𝒎 𝒖𝒎 𝒅𝒆𝒕𝒆𝒓𝒎𝒊𝒏𝒂𝒅𝒐 𝒕𝒆𝒎𝒑𝒐 𝒕𝒐𝒕𝒂𝒍 𝒅𝒆 𝒊𝒏𝒅𝒊𝒗í𝒅𝒖𝒐𝒔 𝒆𝒔𝒕𝒖𝒅𝒂𝒅𝒐𝒔 Relação incidência x prevalência: a relação de prevalência e incidência pode ser estimada a partir que a prevalência seja proporcional ao produto da densidade de incidência com duração média da doença em questão. 𝑷 ≈ 𝐼𝑑 𝑥 𝑑𝑢𝑟𝑎çã𝑜 𝑑𝑎 𝑑𝑜𝑒𝑛ç𝑎 Aula 4: Medidas de associação em Epidemiologia As medidas de associação têm como objetivo determinar a força de associação que está dentro dos estudos epidemiológicos analíticos e são obtidas a partir das medidas de frequência. As medidas de associação permitem quantificar a relação existente entre fatores de exposição e a ocorrência de desfechos, como por exemplo, uma determinada doença. Esses fatores podem ser ambientais (poluição), podem estar relacionados à hábitos alimentares, ao hábito de fumar, a prática de exercícios físicos ou até mesmo a presença de patógenos. Essa quantificação é feita por meio da comparação das medidas de frequência de um desfecho de interesse entre subgrupos de pessoas de uma mesma população. Essa comparação pode ser feita por meio da divisão ou da diferença entre essas frequências. Além disso, esses dois subgrupos devem ser semelhantes em termos de suas características, diferenciando-se apenas pela exposição ou não a um determinado fator. Imagine que um grupo de pesquisadores deseja avaliar se as pessoas que fumam apresentam um risco aumentado de desenvolver câncer de pulmão. A pergunta do estudo poderia ser do tipo “Existe associação entre tabagismo e câncer de pulmão na população que desejamos investigar? ” e caso exista “Qual é a força da relação existente entre o tabagismo e o câncer?” para responder essa pergunta, os pesquisadores resolvem comparar dois grupos de 100 pessoas cada um, o primeiro de pessoas que não fumam e o segundo de pessoas fumantes, todos sem diagnóstico de câncer. Essaspessoas são acompanhadas por cinco anos e durante esse período, todos os casos de câncer que ocorrem são registrados. Após a checagem dos dados obtidos, foi observado que dos 100 indivíduos tabagistas 80 desenvolveram câncer de pulmão e 20 não apresentaram a doença. Já entre os não-tabagistas 20 casos da doença ocorreram e 80 indivíduos permaneceram saudáveis. Apenas olhando os números da tabela já é possível perceber que há uma provável relação entre o fumo a doença, pois apesar dos dois grupos que estão sendo comparados apresentarem mesmo número de integrantes, o número de casos de câncer entre fumantes é significativamente maior. Porém é preciso saber se essa relação é forte ou fraca, para isso o primeiro passo é calcular a frequência relativa da doença em cada um dos grupos. Calcula-se então a proporção de casos da doença em cada um dos grupos dividindo o número de casos observados pelo total de pessoas em cada um deles. Foi encontrado no grupo de fumantes que 80% dos indivíduos desenvolveram câncer contra apenas 20% no caso dos não-fumantes. A partir desses valores, pode-se calcular a medida de associação. O cálculo da medida de associação pode ser feito por meio de uma divisão ou de uma subtração, onde nesse exemplo será utilizado a divisão. É preciso dividir a proporção de casos de câncer no grupo de fumantes, ou seja, a ocorrência da doença no grupo exposto pela proporção de casos de câncer no grupo de não fumantes, ou seja, a ocorrência da doença nos não expostos. Isso significa que é preciso dividir 80% por 20% e o resultado obtido é 4. Esse resultado igual a 4 > 1 nos diz que existe associação entre o fumo e o desenvolvimento do câncer de pulmão e ele representa a força da relação existente entre o fumo e a doença, ou seja, verificou-se que os indivíduos fumantes tiveram um risco quatro vezes maior de desenvolver o câncer do que os indivíduos não fumantes. Medidas de associação do tipo razão: Essa medida calculada a cima é chamada de medida de associação do tipo razão e são calculadas através da razão entre a medida de frequência relativa de um desfecho em um grupo de pessoas expostas a um fator pela medida de frequência relativa do mesmo desfecho em um grupo de pessoas não expostas. O resultado obtido expressa o valor que vai representar a força da associação existente entre o fator de exposição e o desfecho em estudo. Dependendo do tipo de medida de frequência relativa que é utilizada, tem-se diferentes medidas de associação. Se a medida de frequência utilizada para cálculo dessa razão for a incidência, a medida de associação obtida é chamada de risco relativo. Se utilizar a chance, obtém-se a razão de chances ou Odds ratio. A prevalência também pode ser utilizada de forma a se obter a razão de prevalência e até mesmo pode-se utilizar a densidade de incidência obtendo dessa forma a razão de densidade de incidência. O tipo de medida de associação que será calculado vai depender do tipo de desenho de estudo que está sendo utilizado. As medidas de associação mais utilizadas são risco relativo e a razão de chances. Em relação ao risco relativo, essa medida é calculada pela razão entre o risco de ocorrência do desfecho no grupo exposto e o risco da ocorrência do desfecho no grupo não exposto. O risco nada mais é do que a incidência do desfecho, de forma que o risco relativo é calculado por meio da razão da incidência do desfecho nos grupos que estão sendo comparados. Exemplo: Para de estudar a associação entre o fumo e o câncer de mama, foi realizado um estudo onde 3000 mulheres sadias sendo 2000 mulheres não fumantes e 1000 mulheres fumantes foram acompanhadas durante cinco anos. Ao final desse período foram detectados 50 casos de câncer no grupo de mulheres não fumantes e 100 casos de câncer entre as mulheres fumantes. Tabela de contingência ou 2x2 Para calcular o risco relativo a partir dos dados obtidos, pode-se utilizar a chamada tabela de contingência ou tabela 2x2. As colunas nessa tabela dizem respeito a ocorrência ou não do desfecho e as linhas dizem respeito a ocorrência ou não da exposição. Neste exemplo, a exposição é o fumo e o desfecho é o câncer (lembre-se que nem sempre uma doença será um desfecho, ela também pode ser um fator de exposição, como por exemplo, a diabetes que é um fator de risco para ocorrência de óbito por COVID). Na célula A, coloca-se o número de pessoas doentes no grupo de fumantes que foi igual a 100, na célula B coloca-se o número de pessoas fumantes que não tiveram câncer (esse número pode ser obtido por diferença). Preenche-se a segunda linha de forma análoga, na célula C coloca-se o número de mulheres não fumantes que não tiveram a doença que foi igual a 50 e na célula D coloca-se colocamos o número de pessoas não fumantes que não ficaram doentes (valor novamente obtido pela diferença). Vamos aos cálculos: O risco relativo (RR) é obtido dividindo- se a incidência de câncer no grupo de fumantes pela incidência de câncer no grupo não fumante. Para isso é preciso calcular a incidência que é o número de casos novos dividido pela população em risco. Assim a incidência no grupo exposto, ou seja, no grupo de fumantes, será o número de casos da doença nesse grupo (100) dividido pelo total de mulheres que estavam em risco de desenvolver o câncer no início do período de observação (1000) - já que no início nenhuma mulher tinha câncer, ou seja, todas estavam em risco de desenvolver. A incidência de câncer entre fumantes obtida foi 0,1. De forma análoga, a incidência de câncer entre mulheres não fumantes será o número de casos de câncer nesse grupo (50) dividido pelo total de mulheres no grupo (2000) obtendo-se o valor de incidência 0,025. Todos os valores para o cálculo do RR foram encontrados, bastando-se dividir as incidências. Ao realizar essa conta foi encontrado o valor 4 que significa que o risco de desenvolver câncer de mama é 4 vezes maior em mulheres fumantes quando comparadas a não fumantes. Razão de chances ou Odds ratio Agora em relação a razão de chances ou Odds ratio, essa medida é calculada dividindo-se a chance de ocorrência do desfecho no grupo exposto pela chance de ocorrência do desfecho no grupo não exposto. O que significa chance e qual a diferença entre chance x risco que foi utilizado para calcular o risco relativo. Apesar de em geral ser utilizado os termos chance, risco e probabilidade de maneira intercambiável, existe uma diferença entre elas. Risco e probabilidade são sinônimos. Como calcular a probabilidade? É calculado dividindo o número de resultados que nos interessam pelo número de resultados possíveis. Exemplo: quando se joga um dado, qual a probabilidade de obter o número 6? Para isso é preciso dividir o número de resultados que interessam (1) pelo total de resultados possíveis (6), onde o resultado dessa divisão é 0,16 de forma que pode-se dizer que a probabilidade ou risco de obter 6 quando joga-se um dado é igual aproximadamente 16%. Pode-se referir também aos resultados que interessam como casos favoráveis e os que não interessam como casos desfavoráveis. Assim, quando calcula-se a probabilidade o número de resultados possíveis vai incluir tanto os casos favoráveis quanto os casos desfavoráveis. Já no caso da chance, apesar do numerador ser o mesmo utilizado para o cálculo da probabilidade, o denominador vai ser diferente pois ele vai incluir apenas o número de casos desfavoráveis. Voltando ao exemplo do dado, quando joga-se um dado qual é a chance de se obter o número 6? Essa chance vai ser igual ao número de casos favoráveis (1) dividido pelos casos desfavoráveis (o dado tem seis números porém só interessa 1 e os outros 5 não – casos desfavoráveis). Fazendo essa razão obtém-se o resultado igual a 0,2. Voltando ao exemplo das mulheresfumantes e não-fumantes, calcula-se as a razão de chances. Primeiro é preciso calcular a chance da doença no grupo exposto, para isso divide-se o número de doentes (100) pelo número de não doentes no grupo (900, como resultado obtém-se 0,11. Faz-se a mesma coisa para o grupo de não fumantes. A chance da doença no grupo de não fumantes é igual ao número de doentes nesse grupo (50) dividido pelo número de não doentes nesse grupo (1950), o resultado obtido então é 0,025. Para obter a razão de chances ou Odds ratio (OR) basta dividir a chance no grupo de fumante pela chance do grupo de não fumantes, obtendo-se o valor de 4,3. Eiste uma outra maneira de calcular o OR a partir da tabela 2 por 2. Para isso é preciso multiplicar a célula A x célula D, dividido pela multiplicação da célula C x célula B. O resultado obtido será o mesmo (4,3). Mas o que esse resultado significa? a interpretação é análoga do risco relativo, ou seja, um OR de 4,3 significa que a chance de desenvolver câncer de mama é 4,3 vezes maior entre as mulheres fumantes comparadas as não fumantes. Nesse exemplo foi possível observar que os valores do risco relativo (4) e OR (4,3) são bastante próximos. Isso vai ocorrer sempre que a incidência da doença ou do desfecho interessado for baixo. Por outro lado, quando essa incidência não for baixa e for utilizado o OR como uma aproximação do risco relativo, estará sempre superestimando esse risco. Porque existem esses dois tipos de medida, não seria mais simples apenas uma? Isso acontece por dois motivos: o primeiro é que alguns desenhos de estudo não é possível calcular a incidência e consequentemente não conseguimos calcular o risco relativo, o segundo motivo é que o OR tem propriedades matemáticas que permitem a aplicação de técnicas estatísticas que são bastante interessantes. Interpretação dos resultados RR e OR Se essas medidas são iguais a 1 isso quer dizer que o risco ou a chance da ocorrência do desfecho é igual nos dois grupos, tanto no exposto quanto no não exposto. Logo, podemos concluir que não existe associação, ou seja, a exposição aquele fator não interfere no risco ou na chance do indivíduo desenvolver a doença. Por outro lado, se o resultado é diferente de 1 isso quer dizer que existe diferença no risco ou na chance da ocorrência da doença, dependendo se a pessoa se expõe ou não ao fator de exposição. Logo, pode-se concluir que existe associação entre a exposição e o desfecho. Se esse valor é maior que 1, isso quer dizer que a ocorrência da doença no grupo exposto é maior do que no grupo não exposto, ou seja, a exposição aumenta o risco ou a chance de ocorrência do desfecho. Nesse caso fala-se que a exposição é um fator de risco. Por outro lado, quando o RR ou OR é menor que 1, pode-se concluir que a ocorrência da doença é menor no grupo exposto, ou seja, a exposição reduz o risco ou a chance do desfecho ocorrer. Nesse caso, fala-se que a exposição é um fator de proteção. Um exemplo comum de fator de proteção são as vacinas, onde as pessoas que são expostas a vacina tem um risco menor de desenvolver a doença. Medidas de associação do tipo diferença: Como mencionado no início dessa aula as medidas de associação também podem ser calculadas por diferença. Nesse caso, ao invés de dividir, basta fazer a diferença entre a incidência do desfecho no grupo exposto e a incidência do desfecho no grupo não exposto. A medida de associação do tipo diferença mais utilizada é o risco atribuível. O risco atribuível é uma medida de efeito absoluta, informando qual efeito da exposição no excesso de risco da doença no grupo de expostos em relação ao grupo de não expostos. Em outras palavras, ela informa o quanto da ocorrência da doença entre os expostos é atribuível a exposição. Voltando ao exemplo do fumo e do câncer de mama, pode-se observar que no mesmo grupo de pessoas não fumantes existem mulheres que desenvolvem o câncer de mama. Isso quer dizer que existem outros fatores além do fumo que podem levar ao desenvolvimento da doença. Pode-se dizer então que nesse exemplo, o risco do desenvolvimento de câncer entre as pessoas não fumantes seria um risco basal (existe independentemente da mulher fumar ou não). Se subtrair as incidências nos dois grupos, conclui-se que dos 10% de incidência de câncer que foi calculado para o grupo de fumantes apenas 7,5% podem ser efetivamente atribuídos ao fumo, ou seja, o risco atribuível especificamente ao fumo seria igual a 7,5%. Aula 5 e 6: Desenhos de estudos epidemiológicos Os desenhos de estudo são um modo científico de abordar e investigar a saúde da população, os fatores que a determinam, a evolução do processo da doença e o impacto das ações propostas para alterar o curso. Frequentemente, a pergunta que se deseja responder envolve uma exposição que potencialmente pode afetar a saúde das pessoas como, por exemplo, o fumo e um desfecho de interesse, como a doença, a exemplo do câncer de pulmão. Classificação dos desenhos de estudo De acordo com o objetivo do estudo, é essencial que o pesquisador adote um desenho adequado e que permita a obtenção das respostas a sua pergunta de interesse. De forma geral, os desenhos de estudo podem ser classificados de acordo com três critérios: modo de exposição do sujeito, ou seja, dos participantes das pesquisas, o propósito geral do estudo e a direção temporal da coleta de dados. • Modo de exposição: desrespeita a interação do pesquisador com o sujeito de pesquisa nos estudos, podendo ser: observacional e intervenção. Nos estudos observacionais, o pesquisador não faz qualquer interferência junto aos participantes, ele simplesmente observa e coleta dados sobre o que aconteceria normalmente independentemente da realização do estudo. Por outro lado, os estudos de intervenção, o pesquisador altera de forma intencional algum aspecto da vida paciente, por exemplo, oferecendo algum tipo de tratamento para estes pacientes. • Propósito geral: se o objetivo do estudo é apenas descritivo, ou seja, seu objetivo é caracterizar um contexto em saúde, utiliza-se desenhos descritivos. Por outro lado, se o objetivo da pesquisa é investigar relações de causalidade entre fatores de exposição suspeitos e desfechos, se faz necessário utilizar desenhos de estudos analíticos. • Direção temporal: se o pesquisador acompanha os indivíduos durante um período de tempo, se trata de um desenho longitudinal. Esse período de observação pode acontecer a partir do início do estudo até uma data no futuro, de forma que se tem os chamados estudos longitudinais prospectivos. Mas também existem os estudos longitudinais retrospectivos que são aqueles que o seguimento ou acompanhamento dos participantes começa a partir de uma data no passado, por exemplo, fazer a seleção de 10 mulheres que hoje tem câncer de mama e pesquisar seus históricos médicos desde 20 anos atrás, com o objetivo de verificar se elas foram expostas a algum fator de risco no passado. Existem também os estudos em que não acontece o segmento dos participantes e são chamados de estudos transversais. Nesses estudos são coletados dados em um ponto específico no tempo, como se fosse tirada uma fotografia do indivíduo naquele instante. Nessa aula serão abordados os seguintes desenhos de estudos: 1) observacionais descritivos, que são: relatos ou série de casos, estudos ecológicos, estudos transversais; 2) observacionais analíticos, que são: o caso controle e estudo de corte; 3) intervenção: esses estudos são sempre analíticos, como exemplo são os ensaios clínicos. Os estudos caso-controle, coorte e ensaio clínico são estudos longitudinais. Os estudos transversais podem ser tanto descritivos quanto analíticos, mas nunca serão longitudinais. Relato de casoou série de casos Esses estudos descrevem as características de um paciente ou grupos de pacientes que têm a mesma doença ou apresentam quadros desconhecidos semelhantes, com o objetivo de entender a apresentação clínica da doença, as características demográficas das pessoas afetadas, a sua evolução e prognóstico. Esses desenhos de estudo costumam ser a primeira abordagem para avaliação inicial de problemas de saúde ainda desconhecidos ou manifestações raras/não usuais de doenças já descritas. Um exemplo disso foi o relato de uma série de casos de pneumonia típica detectadas em pacientes do sexo masculino, jovens e homossexuais que ocorreu no início da década de 80 na cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos. Como consequência dessa série de casos o CDC, o órgão americano que realiza a vigilância epidemiológica no país, iniciou um programa de vigilância para avaliar a magnitude do problema e desenvolver critérios para o que parecia ser uma nova doença. Esse programa então levou a identificação do HIV. Os relatos de caso ou de série de casos são úteis para detectar o início de uma epidemia, detectar a emergência de uma nova doença, detectar também novos padrões de doenças conhecidas, mas que ainda não haviam sido identificados. Porém esses estudos não são conclusivos, mas servem para gerar hipóteses que precisam ser testadas futuramente utilizando-se outros desenhos de estudo mais adequados. Estudos ecológicos A característica importante desses estudos é não serem baseados em dados individuais, mas sim em dados médios de frequência de doenças e exposições em um determinado grupo populacional, ou seja, a unidade de análise não é o indivíduo e sim um grupo populacional inteiro. Esses estudos têm como objetivo avaliar e comparar a frequência global de doenças em diferentes populações, buscando identificar uma correlação entre diferentes fatores de exposição e a frequência dessas doenças. Como grupo populacional pode-se entender desde comunidades pequenas, como bairros, até populações de países inteiros. Esses estudos são exploratórios iniciais, que servem para gerar hipóteses que serão testadas futuramente utilizando-se outros desenhos de estudo. Um exemplo é o estudo que os pesquisadores utilizaram dados sobre a comercialização de carnes para estimar o consumo desse alimento em diversos países, então eles calcularam o consumo per capita de carne dividindo o total consumido pelo número de habitantes de cada país. Depois, elaboraram um gráfico, onde o consumo per capita de carne é relacionado a incidência de câncer de cólon entre mulheres. É possível observar nesse gráfico que existe uma correlação linear entre o consumo per capita de carne e a incidência de câncer de cólon em mulheres, de forma que quanto maior o consumo de carne, maior parece ser a incidência da doença, mas o consumo de carne individual provavelmente varia bastante entre as pessoas dentro de cada país. Os dados utilizados nesse gráfico assumem que todos os indivíduos ingerem a mesma quantidade de carne, que seria a média calculada dentro de cada país. Porém é necessário lembrar que, para que uma exposição possa causar um efeito no indivíduo, tanto a exposição quanto o efeito têm que ocorrer na mesma pessoa. Entretanto, uma característica importante dos desenhos de estudo ecológicos é que não há informação no nível individual, os dados estão agregados. Assim, nos estudos ecológicos não se sabe se de fato as pessoas que tiveram câncer foram efetivamente aquelas que comeram a maior quantidade de carne. Além disso, não se sabe se as pessoas já estavam doentes quando realizaram esse consumo de carne, da mesma forma não se sabe se pessoas que não comeram carne desenvolveram a doença. Essa característica dos estudos ecológicos é referida como falácia ecológica, e uma implicação disso é que apesar de vermos uma possível correlação positiva entre o consumo de carne e a ocorrência do câncer, não é possível afirmar que essa associação exista baseada apenas nos resultados do estudo ecológico. Outro cuidado que deve se ter em relação a interpretação dos resultados de um estudo ecológico desrespeito as correlações aparentes. Por exemplo, um determinado estudo poderia apontar uma forte correlação linear entre o consumo de chocolate per capita de um país e o número de ganhadores do prêmio Nobel nascidos ali. No entanto, isso não faria o menor sentido, uma vez que existem vários outros fatores que poderiam explicar esse número de premiados como, por exemplo, a riqueza de um país, que por sua vez poderia explicar também o grande consumo de chocolate verificado ali. Nesse exemplo, o consumo de chocolate seria um fator de confundimento. O confundimento ocorre quando um outro fator, que não é um fator de exposição de interesse, distorce a associação entre a exposição e o desfecho, limitando a capacidade do estudo em inferir que a exposição leva a ocorrência da doença. Apesar dessas limitações, os estudos ecológicos apresentam algumas vantagens, dentre elas: os dados agregados estão geralmente disponíveis em base de dados governamentais e por isso é uma opção relativamente rápida e barata. Além disso, são estudos úteis como uma análise exploratória inicial sobre correlações de interesse entre fatores de exposição e desfechos. Permitem também comparar o mesmo fenômeno numa ampla variedade de populações e localidades. No entanto, não são conclusivos, apenas geram hipóteses que futuramente serão testadas. Estudos transversais ou seccionais Nesse estudo, os dados sobre a saúde de uma população são obtidos em um ponto de tempo definido, de forma que se obtém um retrato da situação de saúde daquela população. Geralmente, esses dados podem ser obtidos por meio de inquéritos populacionais em que os indivíduos são diretamente questionados sobre seu estado de saúde e a condição de exposição em um determinado momento, por isso que muitas vezes esses estudos são chamados de estudos de prevalência. Apesar dos estudos transversais serem relativamente baratos e fáceis de serem realizados, eles têm uma limitação importante, pois não são capazes de determinar se o fator de exposição realmente está associado com a ocorrência do evento. Isso porque a primeira condição necessária para determinação de uma relação de causalidade não é garantida nesse desenho. Essa condição é que para que uma exposição cause a ocorrência de um desfecho, esta tem que preceder o desfecho, ou seja, tem que acontecer antes, porém, no desenho de estudo transversal, não é possível assegurar isso, sabendo apenas que o indivíduo consome uma quantidade de carne e se ele está doente ou não, mas não se sabe a relação temporal entre as duas informações. Poderia ser o caso, por exemplo, de haver outro fator desconhecido que tenha levado a ocorrência da doença e quando ocorreu a exposição a carne o indivíduo já estivesse doente. Exemplo: Um estudo transversal foi realizado para investigar a associação entre hipertensão arterial e doença renal. Foi entrevistado um total de 320 pacientes. Dos 150 indivíduos que relataram ser hipertensos, 90 apresentavam doença renal, por outro lado, dos 170 pacientes que não eram hipertensos, 30 declararam sofrer de doença renal. É possível afirmar que existe associação entre a hipertensão e a doença renal? Uma maneira de investigar essa relação é pelo cálculo da Razão de prevalência, onde para calculá- la podemos construir uma tabela 2x2. Do total de pessoas hipertensas que são 150, 90 tem doença renal, logo 60 não têm. No grupo de normotensos, que são 170 indivíduos, 30 tem doença renal e, consequentemente, 140 não têm. Para calcular a razão de prevalência, é necessário calcular a prevalência em ambos os grupos, ou seja, o grupo de hipertensos e no grupo sem hipertensão. Lembrando que a prevalênciaé a razão entre os casos existentes e a população. Dessa forma, no grupo de pacientes hipertensos a prevalência da doença renal vai ser calculada dividindo o número de pacientes com doença renal pelo total de indivíduos, logo: 90/150, isso gera prevalência igual a 0,6. A prevalência de doença renal no grupo de pacientes que não tem hipertensão é de 30/170, obtendo uma prevalência igual a 0,176. A razão de prevalência então 0,6/0,176, obtendo uma razão de prevalência igual a 3,4. Isso significa que a prevalência da doença renal em hipertensos é 3,4 vezes a prevalência de doença renal em normotensos, ou seja, a prevalência da doença renal em hipertensos é maior. Este resultado sugere uma possível associação entre hipertensão e a doença renal, porém o desenho de estudo transversal não permite afirmar essa associação, pois não se conhece a relação temporal entre a hipertensão e a doença renal (não sabe se o que vem primeiro, se o paciente era hipertenso e depois desenvolveu a doença renal ou se ele tinha doença renal e após o aparecimento da doença, se tornou hipertenso). Apesar das limitações dos estudos transversais, eles são muito úteis. Esses estudos são mais baratos que os estudos longitudinais e fáceis de realizar. Outra vantagem deles é que em um mesmo estudo é possível avaliar múltiplas exposições e desfechos, além de serem rápidos de serem realizados e por isso muitas vezes é a única opção de desenho de estudo, principalmente quando há urgência nessas análises, como em situações de emergência de surtos ou epidemias. Estudos de caso-controle Os estudos do tipo caso-controle são desenhos observacionais, analíticos e longitudinais que tem por objetivo investigar a relação de causalidade entre uma exposição e um desfecho. Nesse desenho sabe- se que os indivíduos estão doentes, o que queremos descobrir é porque que eles estão doentes ou melhor, se no passado desses indivíduos houve alguma exposição que os levou a ficarem doente. Para responder essa questão é preciso esclarecer se havia também pessoas que foram expostas a esse mesmo fator, mas não ficaram doentes (será que outras pessoas também foram expostas mas não ficaram doentes?), sendo muito importante para avaliar a relação de causalidade. Para responder essa pergunta, é necessário comparar um grupo de pessoas que estão doentes, chamado de grupo de casos com um grupo de pessoas não doentes, chamado de grupo controle. As pessoas que fazem parte do grupo controle devem possuir características semelhantes as pessoas do grupo de casos da doença, sendo a presença/ausência da doença a única diferença entre eles. Logo, de maneira simplificada, nesses estudos selecionam-se 2 grupos: casos e controle. O próximo passo é investigar o passado dessas pessoas e comparar a frequência de exposição ao fator suspeito em cada um desses grupos. Nos estudos de caso- controle, como busca-se informação sobre a exposição ao fator no histórico dos indivíduos, esse desenho é classificado como um estudo retrospectivo. Exemplo: Estudo caso-controle publicado em 1989 mostrou aumento significativo do câncer de pâncreas em quem consumia maiores quantidades de cerveja. Considerando essa possibilidade, o seguinte estudo foi realizado: Um estudo de caso-controle hipotético: imaginando que, a partir de uma base de dados, pesquisadores identifiquem 1300 adultos com câncer de pâncreas (casos). Nessa mesma base de dados, identifiquem que 1000 desses indivíduos eram consumidores habituais de cerveja. De acordo com a base de dados, os pesquisadores selecionam 4500 pessoas que não têm câncer de pâncreas (controle) e identificam que, entre eles, 3200 eram consumidores habituais da bebida. Neste estudo, surge a pergunta: o consumo de álcool aumenta a incidência de câncer de pâncreas? Para responder se o consumo de álcool está associado a tendência de desenvolver câncer de pâncreas, é preciso calcular uma medida de associação. Logo, fazendo a tabela 2x2, tem-se que do total de 1300 pessoas que apresentam a doença, foi verificado que 1000 consumiam álcool regulamente, logo 300 não consumiam. Já o grupo de controle (sem a doença) que era de 4500 pessoas, dentre elas, 3200 consumiam álcool habitualmente, logo 1300 não consumiam. Assim, calculando a medida de associação, como já foi falado, sobre dois tipos de medidas de associação do tipo razão: o risco relativo e odds ratio. O risco relativo é obtido por meio da divisão entre incidência da doença no grupo exposto e a incidência da doença no grupo não exposto, assim começamos calculando incidência no grupo exposto, que é justamente o grupo que consume álcool. Para calcular essa medida é necessário dividir o número de casos da doença no grupo exposto (grupo que consome álcool) dividido pela população em risco, verificando na tabela o número de doentes no grupo exposto que é igual a 1.000. Agora, para calcular a população em risco, deve-se considerar que, uma vez que a pessoa já tem o câncer de pâncreas, ela não está em risco de desenvolver a doença, porque ela já está doente. Assim os 1.000 indivíduos com a doença não podem ser considerados população de risco. Então como será possível chegar na população em risco e calcular a incidência? É impossível calcular. Como no estudo caso-controle os grupos de comparação são doentes x não doentes, não é possível calcular a incidência nos grupos, porque se desconhece a população em risco e, se não calcular a incidência, consequentemente não é possível calcular o risco relativo. É por essa razão que quando é feito o estudo de caso-controle não pode utilizar o risco relativo como medida de associação, na verdade, deve-se utilizar o odds ratio. Para calcular o odds a partir da tabela, é só fazer o produto cruzado, ou seja, o odds ratio é igual a 1000x1300/3200x300 obtendo-se 1,4. Como valor de odds ratio é diferente de 1, existe associação entre a exposição e o desfecho, ou seja, existe associação entre o consumo habitual de álcool e o desenvolvimento do câncer de pâncreas. Além disso, é possível concluir que a chance de pessoas que ingerem álcool desenvolverem o câncer de pâncreas é 1,4 vezes a chance de pessoas que não ingerem. Para um sucedido estudo de caso controle é necessário a seleção cuidadosa dos casos e dos controles. Na seleção dos casos, dá-se preferência a seleção de casos incidentes da doença, ou seja, pacientes em estágios iniciais, de forma que seja possível estudar a evolução da doença e também evitar que características individuais afetem os resultados. Por exemplo, se fossem selecionados apenas casos diagnosticados há mais de 10 anos, estaríamos estudando apenas sobreviventes da doença e os resultados do estudo se aplicariam apenas a esta subpopulação. Nesse caso nós teríamos o chamado viés de seleção (próxima aula). Já em relação a seleção dos controles, é importante garantir que eles sejam selecionados a partir da mesma população que deu origem ao caso e, além disso, que eles tenham a mesma oportunidade de serem selecionados como casos se, ao invés de saudáveis, fossem ou se tornassem doentes. É importante que casos e controles sejam semelhantes em suas características e uma maneira de se conseguir isso é através do pareamento. No estudo de câncer de pâncreas, um exemplo de pareamento seria primeiro escolher um indivíduo com a doença e em seguida identificar o controle, que não têm a doença, mas que tem a mesma idade e sexo do referido caso dentro da mesma população. Os controles podem ser recrutados nos hospitais onde os casos foram obtidos, na vizinhança dos casos, nas mesmas escolas, entre amigos e colegas de trabalho dos casos, na população em geral sob esquema de aposta probabilística. Em qualquer dessas situações haverá vantagens e desvantagens sempre com possibilidade de resultados com vieses. Asvantagens e desvantagens dos estudos de caso-controle consistem, por exemplo, em serem mais baratos e realizados em menor tempo, porém não são adequados para investigação de exposições raras; os estudos de caso-controle são bastante interessantes quando se deseja investigar múltiplos fatores de exposição, mas por outro lado não estima a incidência, logo não é possível obter a medida de risco relativo; são bastante interessantes para investigar doenças raras ou com um longo período de latência, no entanto a informação sobre a exposição é obtida após a ocorrência da doença, o que pode gerar o viés de memória. Estudos de coorte Os estudos de corte são desenhos de estudo analítico. Diferentemente dos estudos caso-controle, nos estudos de coorte partimos de um grupo de pessoas que não apresentam um desfecho (não doentes, por exemplo) e a pergunta que queremos responder é se, após algum tempo de observação, esses indivíduos irão apresentar ou não o desfecho. Desta forma o que se pretende descobrir são quais os efeitos da exposição a um determinado fator. Nos estudos de coorte compara-se dois grupos que se diferem quanto a exposição ao fator de interesse, ou seja, um grupo de pessoas saudáveis, mas estão expostas a um determinado fator e um segundo grupo de pessoas saudáveis e que não são expostas (controle). Ambos os grupos são acompanhados durante um período de tempo e, no final desse período, se compara a frequência da doença nos dois grupos. Como o acompanhamento desses grupos se faz de uma data presente até uma data no futuro, os estudos de cortes são geralmente prospectivos. Exemplo: Em um estudo hipotético, os pesquisadores desejam avaliar se o consumo de álcool aumenta a incidência do câncer de mama. Para isso são selecionados dois grupos de mulheres: 1) mulheres fazem uso habitual de álcool e 2) mulheres não consomem álcool. Ambos os grupos são compostos por 1000 mulheres, porém não é obrigatório, uma vez que esses grupos poderiam ser compostos por números diferentes. Ambos os grupos são acompanhados por um período de cinco anos e ao final desse período os pesquisadores verificam qual foi a frequência do câncer de mama. No grupo de pessoas expostas (usavam álcool habitualmente) foram detectados no final do período de observação 70 casos de câncer, enquanto que, no grupo controle (não faziam uso de álcool), foram detectados 15 casos de câncer de mama. Para responder à pergunta do estudo é necessário calcular as medidas de associação. Para calcular o risco relativo a partir da tabela 2x2, sabe-se que do total de 1.000 mulheres expostas foram detectados 70 casos de câncer, logo 930 mulheres não apresentaram a doença. No grupo controle, apenas 15 apresentaram câncer de mama, assim 985 permaneceram saudáveis no final do período de observação. Então, é possível calcular o risco relativo da incidência da doença. Para isso é preciso obter a incidência da doença no grupo exposto que será calculada pela divisão do número de casos de câncer no grupo exposto (70) dividido pela população em risco (1.000). O mesmo raciocínio será realizado para o grupo controle, o número de casos de câncer (15) dividido pelo total da população em risco (1000). Nesse caso não tem o mesmo problema observado no estudo tipo caso-controle quando tentamos calcular o risco relativo, isso porque no estudo de coorte, todos os participantes não estão doentes no início do estudo e se não estão doentes, eles estão em risco de adoecer. Por fim, fazendo a divisão das incidências obtém-se um risco relativo igual a 4,7. Também é possível calcular o odds ratio a partir de um estudo de coorte. A opção pelo tipo de medida de associação, seja ela risco relativo ou odds ratio, vai depender do tipo de análise de dados que se pretende fazer. De forma geral, aceita-se que o risco relativo é a medida de associação padrão ouro, pois ela efetivamente envolve o risco de apresentar o desfecho, no entanto quando a incidência do desfecho é baixa, os valores de risco relativo e odds ratio são bastante próximos. As vantagens do estudo de coorte englobam: ausência de ambiguidade temporal (logo ao iniciar o estudo, sabe-se exatamente quais pacientes estão expostos ao fator e quais não estão expostos e além disso, temos certeza que nenhum deles apresentam o desfecho, é possível assegurar que o desfecho, se ocorrer, ocorre após a exposição do indivíduo. Essa certeza é fundamental para estabelecer relação de causalidade entre a exposição e o desfecho de interesse); além disso, o desenho de coorte permite o cálculo da incidência, consequentemente, permite o cálculo do risco relativo que é considerado a medida de associação padrão ouro; os estudos de corte são adequados para avaliar exposições raras; em um único estudo é possível avaliar mais de um desfecho. Dentre as desvantagens: os estudos de cortes são mais demorados (em função do período de observação) e como consequência são mais caros; um outro problema que pode ser importante é a questão da perda do seguimento, ou seja, a perda da informação sobre um determinado participante; apesar dos estudos de cortes serem adequados para exposições raras, o mesmo não pode ser dito para o doenças raras, nesse caso, o estudo de caso-controle acaba sendo preferido. RESUMINDO: Estudo de coorte x Estudo caso-controle Ambos os estudos são desenhos observacionais, analíticos e longitudinais, porém os estudos de coorte podem ser tanto prospectivos quanto retrospectivos, sendo desenho prospectivo mais comum, enquanto que nos estudos de caso- controle são sempre retrospectivos. Nos estudos de coorte a exposição define os grupos, então serão escolhidos um grupo de indivíduos expostos ao fator de interesse que será comparado a um grupo de indivíduos não expostos ao fator de interesse, enquanto que nos estudos de caso-controle, é o desfecho é que define os grupos, por exemplo, um grupo de pessoas que apresentam uma doença que será comparado a um grupo controle de indivíduos que não apresentam aquela doença. Os estudos de coorte são mais demorados devido à necessidade do acompanhamento dos indivíduos e, consequentemente, acaba sendo mais caro. Os estudos caso-controle comparativamente são mais rápidos porque não é necessário esse período de acompanhamento dos participantes e por isso acaba sendo mais barato. Os estudos de coorte são mais adequados para avaliação de exposições raras, enquanto que os estudos de caso-controle são mais adequados para doenças raras, isso porque, no estudo de corte, seria necessário uma amostra muito grande de indivíduos para que houvesse a possibilidade de se observar um caso de uma doença rara durante o período de seguimento dos participantes, o que poderia inclusive inviabilizar o estudo. Um raciocínio análogo pode ser aplicado às exposições raras em relação aos estudos do tipo caso-controle. Devido às suas características os estudos de coorte, permitem em um único estudo, avaliar múltiplos desfechos, enquanto nos estudos caso- controle, é possível avaliar múltiplas exposições. Finalmente, nos estudos de coorte, é possível calcular tanto risco relativo quanto odds ratio, enquanto, nos estudos de caso-controle apenas o odds ratio. Aula 7: BLOCO II Aula 8: Metanálise Nessa segunda parte da disciplina, será abordado os desenhos epidemiológicos aplicados aos medicamentos do momento de pós-registro ou comercialização. Será dividido em duas partes: farmacovigilância e estudos de utilização de medicamentos. Apesar da divisão, ambos ocorrem de forma simultânea na história natural do medicamento, mas os desenhos epidemiológicos aplicados a cada uma dessas etapas são um pouco diferentes. Estudos de metanálise Os estudos de metanálise utilizam técnicas estatísticas e epidemiológicas e são considerados como estudos de primeiro nível de evidência científica. Possuem
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