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© 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3526 uma entrevista com Como citar esta seção: Hans MG. An interview with Mark G. Hans. Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-35. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2176- 9451.19.3.026-035.int - Enviado em: 05 de fevereiro de 2014 - Revisado e aceito: 27 de fevereiro de 2014 Mark G. Hans entrevista É uma grande honra conduzir esta entrevista com o professor Mark G. Hans, após acompanhar seu notável trabalho frente ao Bolton-Brush Growth Study Center e ao Departamento de Ortodontia da prestigiosa Faculdade de Odontologia da Case Western Reserve University (CWRU), em Cleveland, Ohio, EUA. Natural de Berea, cidade localizada no estado norte-americano de Ohio, o professor Mark Hans cursou Bacharelado em Química na Yale University, em New Haven, CT, EUA. Em seguida, Dr. Hans graduou-se em Odontologia e recebeu seu título de Mestre em Ortodontia pela Case Western Reserve University. Durante sua formação, sua dissertação de mestrado recebeu o prêmio Harry Sicher, pela me- lhor pesquisa conduzida por um estudante de Ortodontia, bem como lhe garantiu uma bolsa de estudos, dita Presidential Teaching Fellowship. Tendo sido um dos mais jovens doutores diplomados pelo American Board of Orthodontics, Dr. Hans ainda mantém sua certificação. Ele tem se envolvido, academicamente, com pesquisas que contemplam diferentes áreas de interesse, entre as quais podemos citar: demografia da prática ortodôntica, dados radiográficos digitais, genética dentária e craniofacial, bem como Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono — tendo publicações de destaque nessas áreas. Uma de suas contribuições mais notáveis à literatura ortodôntica se deu em coautoria com o Dr. Donald Enlow, no livro Essentials of facial growth, uma referência no estudo do crescimento e desenvolvimento craniofacial. A carreira acadêmica do Dr. Mark Hans está intimamente vinculada à CWRU, reconhecida como o renomado berço da pesquisa sobre o crescimento e de- senvolvimento craniofacial, onde o tradicional Bolton-Brush Growth Study foi historicamente desenvolvido. Atualmente, Dr. Hans é diretor do Bolton-Brush Growth Study Center e desempenha, com grande habilidade e dedicação, a função de controlar a maior amostra longitudinal para o estudo do crescimento ósseo. Ele é diretor associado, professor e chefe do departamento de Ortodontia, e exerce atividades práticas e teóricas com os alunos do curso de graduação da Faculdade de Odontologia e os residentes do Departamento de Ortodontia da CWRU. Parte de sua prática clínica exercida na univer- sidade é dedicada ao tratamento de anomalias craniofaciais e pacientes com necessidades especiais. Prof. Mark Hans tem, desde 2008, conduzido com sabedoria o Joint Cephalometric Experts Group (JCEG), realizado na CWRU. Coordena uma equipe de pesquisadores e clínicos americanos, asiáticos, brasileiros e europeus que trabalham na transição da cefalometria 2D para recursos 3D com a tomografia computadorizada de feixe cônico e modelos tridimensionais — utilizados para o diagnóstico, plano de tratamento e avaliação dos resultados ortodônticos. Dr. Hans viaja para diferentes países ministrando cursos e palestras em suas áreas de interesse. Além disso, mantém sua prática em sua clínica particular de Ortodontia, onde coordena todas as atividades, com especial habilidade e desenvoltura. Casado com Susan, têm dois filhos, Thomas e Jack, e uma filha, Sarah. Gosta de tocar jazz guitar para seus amigos e familiares. Matilde da Cunha Gonçalves Nojima » Graduado pela Faculdade de Odontologia da Case Western Reserve University, EUA. » Mestre em Ortodontia, Case Western Reserve University, EUA. » Chefe do Departamento de Ortodontia, Case Western Reserve University, EUA. » Diretor do Bolton-Brush Growth Study Center, Case Western Reserve University, EUA. » Diplomado pelo American Board of Orthodontics. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2176-9451.19.3.026-035.int entrevistaHans MG © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3527 1. Como diretor do Bolton-Brush Growth Study Center, o Sr. poderia nos relatar alguns pontos sobre esse renomado centro de pesquisa? (Lincoln Nojima) Localizado no terceiro piso do Bolton Dental Build- ing, o Bolton-Brush Growth Study Center abriga a maior compilação, do mundo, de dados radiográficos longitu- dinais cranianos e do esqueleto pós-craniano. O Bolton Study começou em 1930, com o inventor do cefalostato, B. Holly Broadbent, visando ampliar nossa compreensão sobre o crescimento normal da face humana. No total, 4.309 indivíduos foram incluídos nesse estudo. Telerra- diografias frontais e de perfil, além de radiografias de mão e punho e modelos de estudo, foram realizados anualmen- te nas crianças participantes do estudo, normalmente no, ou próximo ao, dia de seus aniversários. Sob a direção de T. Wingate Todd, o Brush Study foi iniciado paralelamen- te ao Bolton Study, com o objetivo de documentar radio- graficamente o crescimento e desenvolvimento normal do esqueleto apendicular. Todos os indivíduos incluídos no Bolton Study também fizeram parte do Brush Study. O Brush Study terminou em 1950 e o Bolton Study, em 2001. Para fazer parte da amostra do estudo Bolton-Brush, os indivíduos deveriam estar em bom estado de saúde e não apresentar quaisquer doenças ou enfermidades. Es- sas crianças foram, muitas vezes, selecionadas por terem recebido o prêmio “Criança Saudável”, em suas escolas. Esses lendários estudos deram origem a publicações his- tóricas, entre as quais se encontram: o Radiographic Atlas of Skeletal Development of the Hand and Wrist, de Greulich-Py- le, utilizado por pediatras ao redor do mundo para avaliar o desenvolvimento esquelético de crianças em crescimento; o Bolton Standards for Dentofacial Growth and Development, utilizado, por especialistas dessa área, para avaliar as pro- porções da face e o equilíbrio esquelético; além do traba- lho clássico de Rolf Behrents sobre o crescimento e desen- volvimento craniofacial em adultos. Embora tenhamos deixado de incluir novos sujeitos nessas pesquisas, essas amostras ainda são utilizadas por pesquisadores do mundo todo para responder a importan- tes questionamentos relativos à saúde humana. Uma das principais atividades da equipe do nosso centro de estudos consiste em converter as frágeis radiografias para o formato digital. Uma pequena parte da amostra de Bolton está dis- ponível no website da American Association of Orthodon- tist Legacy Collection: http://www.aaoflegacycollection. org/aaof_collection.html?id=CASEBolton. Além dessas, muitas outras radiografias estão dispo- níveis em formato digital e podem ser acessadas direta- mente no Centro ou solicitando-se suas cópias digitais. Uma relação completa das radiografias incluídas nas amostras de Bolton e de Brush pode ser solicitada por meio do e-mail mark.hans@case.edu, com a seguinte informação no campo assunto: “Bolton-Brush Index”. A lista está salva em formato Filemaker Pro, e a ver- são demonstrativa desse programa encontra-se disponí- vel para download gratuito no website da Filemaker Pro. 2. Em sua opinião, quais teorias sobre cresci- mento facial deveriam ser ensinadas nos cursos de Ortodontia? (Juan Martin Palomo) Em minha opinião, nós não compreendemos os in- terruptores que ligam e desligam o crescimento ósseo. No entanto, as alterações morfológicas que ocorrem em decorrência do processo de crescimento são bem descri- tas (Fig. 1). Logo, a educação em Ortodontia deveria se preocupar em proporcionar aos estudantes um entendi- Figura 1 - Alterações morfológicas da face. O recém-nascido e a criança são caracterizados por uma face com aparência larga, mas verticalmente curta. Du- rante o final da infância e início da adolescência, o aumento vertical do nariz continua, acompanhando o crescimento do corpo e dos pulmões, e os dentes e outras estruturas bucais atingemseu tamanho e configuração adultos. No ge- ral, a proporção da face, que era larga, se altera em função das mudanças ver- ticais ocorridas (Fonte: Enlow DH, Hans MG. Essentials of facial growth. 2nd ed. Ann Arbor: Needham Press, 2008. Cortesia de William L. Brudon, de Enlow DH. The human face. New York: Harper & Row, 1968, com permissão para uso). entrevista © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3528 mento abrangente das alterações morfológicas que ocor- rem, bem como dos processos biológicos que resultam nessas alterações. Por exemplo, os cursos de Ortodontia devem ensinar aos alunos os conceitos de remodelação óssea e deslocamento ósseo. Essa atividade de remode- lação inclui a deposição óssea, realizada pelos osteoblas- tos, tanto na superfície periosteal quanto na endosteal, ao mesmo tempo em que ocorre a reabsorção óssea nessas superfícies, mediada pelos osteoclastos. As áreas de de- posição e reabsorção óssea foram mapeadas, para a face humana, como parte do trabalho da vida do Prof. Dr. Donald H. Enlow. O Dr. Enlow me precedeu como chefe de departamento na Case Western Reserve Uni- versity (CWRU), e me agraciou com o convite para par- ticipar como coautor do livro Essentials of Facial Growth, em 1996. Em sua segunda edição, o livro descreve, em detalhes, o processo de remodelação. Outro conceito igualmente importante é o de deslocamento ósseo. Des- locamento é o movimento espacial do osso como um todo. Todas as alterações morfológicas observadas no esqueleto ósseo resultam desses dois processos básicos. E, considerando-se que todos os tratamentos ortodônti- cos e ortopédicos afetam um ou ambos os processos, eles devem ser ensinados em todos os cursos de Ortodontia. Quanto às teorias de crescimento facial, considero fundamental que os alunos conheçam a Teoria da Matriz Funcional, de Moss, e a Teoria do Septo Nasal, de Scott. Cada uma dessas teorias acrescenta algo de valor à com- preensão dos alunos sobre o crescimento facial. A teoria da matriz funcional leva o aluno a pensar sobre a relação entre os tecidos moles e duros da cabeça e do pescoço. Essa teoria é especialmente forte quando aplicada ao cres- cimento do neurocrânio. Nessa região, fica claro que o crescimento do tecido cerebral regula a expansão dos ossos chatos do crânio. Já na região da base craniana, a teoria da cartilagem, de Scott, torna-se atrativa devido à capacida- de da cartilagem de crescer intersticialmente e à similari- dade histológica entre a sincondrose e as placas epifisárias de crescimento. Nas áreas mais próximas ao plano oclu- sal, as coisas começam a se complicar. Por exemplo, qual é a teoria mais lógica com relação à força de separação dos tecidos que regula o crescimento do terço médio da face? A cartilagem do septo nasal encontra-se na linha média e o ligamento septo-pré-maxilar está ligado à espinha nasal anterior da maxila, o que possibilita o crescimento expansível do septo cartilaginoso, puxando a maxila para baixo e para a frente. Esses dados são compatíveis com o deslocamento da maxila para baixo e para a frente. A te- oria da matriz funcional defende que é a respiração, espe- cialmente a respiração nasal, que direciona o crescimento do terço médio da face para baixo e para a frente. É bem provável que esses dois processos (crescimento do septo e respiração) influenciem o desenvolvimento maxilar e, ainda, que a deficiência em uma das forças reguladoras seja compensada pelo excesso na outra. A existência de certa quantidade de redundância nos sistemas críticos de crescimento parece ser plausível. No entanto, a comple- xidade do crescimento maxilar em humanos provavel- mente não permitirá que as contribuições relativas da matriz funcional, comparadas às do septo nasal, sejam testadas por métodos de pesquisa baseados em hipóte- ses. Por fim, nenhuma dessas teorias é capaz de fornecer uma base lógica convincente para o crescimento man- dibular. Evidentemente, o côndilo mandibular não fun- ciona como um locus de controle, sendo que o papel mais importante dessa cartilagem é o de estabelecer e manter a integridade da articulação temporomandibular. É igual- mente difícil compreender como a mastigação e/ou a deglutição influenciam no crescimento mandibular. Eu diria que nenhuma das duas teorias apresenta um argu- mento convincente quanto à força que direciona a man- díbula para baixo e para a frente. 3. Em sua opinião, qual é a importância de se conhecer a biologia craniofacial para o plane- jamento do tratamento ortodôntico e obtenção de melhores resultados? (Matilde Nojima) O objetivo do tratamento ortodôntico deveria ser transformar um sistema estável (má oclusão) em outro sistema estável (oclusão normal), por meio da combi- nação de alterações de crescimento e da movimentação dentária, em pacientes em crescimento; ou, ainda, por meio da combinação de cirurgia ortognática e movi- mentação dentária, em pacientes cujo crescimento já cessou. Logo, para mim, resultados melhores signifi- cam resultados mais estáveis. Como podemos atingir esse objetivo da melhor maneira possível? Creio que devemos considerar vários fatores. Para começar, onde a causa puder ser identificada, essa deve ser tratada em primeiro lugar. O melhor exemplo dessa estratégia é o da criança que apresenta o hábito de sucção digital: pri- meiro é preciso eliminar o hábito e, se a má oclusão não melhorar espontaneamente, é preciso intervir para tra- tar os efeitos causados por esse hábito de sucção digital. entrevistaHans MG © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3529 A estabilidade será alcançada após a causa da má oclusão ser corrigida. Infelizmente, na maioria das más oclu- sões, a causa não é tão óbvia. Quase todos concordam que as más oclusões são causadas por fatores intrínsecos (ou genéticos) e extrínsecos (ou ambientais). Não creio que alguém pense em adotar terapias genéticas para tra- tar uma má oclusão, o que nos deixa com a opção de alterar os fatores extrínsecos e tratar a cascata de efei- tos advindos dos fatores genéticos, em vez de tratar a causa genética. Os ortodontistas precisam realizar a mo- vimentação dentária de maneira eficaz nas três dimen- sões (vertical, lateral e horizontal), no processo alveolar. É preciso prestar atenção e controlar os movimentos dentários. Para fazer isso de maneira eficaz, precisamos conhecer como os dentes se movem, naturalmente, du- rante o crescimento e desenvolvimento. Estamos todos familiarizados com o termo erupção dentária; entretan- to, gostaria de esclarecer a importante diferença entre erupção dentária e migração dentária. Erupção é o pro- cesso biológico por meio do qual o dente se move em direção ao plano oclusal até entrar em contato com o dente antagonista, quando se diz que ele está “em oclu- são”. Quando o dente está em oclusão, seu processo de erupção se encerrou. Porém, a face continua crescen- do para baixo e para a frente e, para manter a oclusão dentária, os dentes devem migrar em direção ao plano oclusal. Isso significa que os dentes superiores migram para baixo, enquanto os dentes inferiores migram para cima. Além da migração vertical, os dentes também mi- gram para mesial, com o crescimento e desenvolvimen- to normais. Desse modo, a migração dentária ocorre, naturalmente, em direção ao plano oclusal e para mesial. Enfim, o que isso significa para o ortodontista e seus pa- cientes? Todos sabemos que é mais fácil movimentar um dente na direção em que ele se moveria naturalmente. Portanto, se o profissional não prestar atenção na mecâ- nica ortodôntica, irá, certamente, acelerar a movimen- tação dentária em direção ao plano oclusal e para mesial. Isso significa que, após finalizado o tratamento, o pa- ciente apresentará uma face mais alongada (a dimensão vertical terá aumentado), com os dentes mais projetados (biprotrusão). Se esses movimentos forem realizados alémdos limites fisiológicos de estabilidade, produzirão resultados instáveis, diferentes dos que esperamos. As- sim, para se obter melhores resultados de tratamento, é preciso analisar a mecânica utilizada, a fim de se evi- tar faces alongadas e protrusão dentária. Ortodontistas habilidosos são capazes de controlar os dentes nas três dimensões, logo, é fundamental que assim o façamos. 4. Em sua opinião, estabelecer VTOs contribui para um melhor entendimento do crescimento e desenvolvimento da face de pacientes em cres- cimento? Em caso positivo, qual método você recomenda? (Kunihiko Miyashita) Para ser um ortodontista excelente, é preciso ter dois objetivos em mente: primeiro, o alinhamento dos den- tes e, depois, o posicionamento desses em relação à face. O alinhamento dos dentes é quase sempre determinado pelos pontos de contato entre dentes adjacentes. Dessa for- ma, há pouca discordância entre os dentistas quanto à po- sição ideal de cada dente em relação aos outros. Do mes- mo modo, há um consenso geral entre os dentistas quanto à oclusão dentária apropriada, ou seja, a carga axial dos dentes posteriores, com guia anterior proporcionada pelos caninos e incisivos. No entanto, não há um consenso geral quanto ao posicionamento ideal dos dentes em relação à face. É nesse aspecto que considero o VTO útil, pois ele permite que o ortodontista estabeleça um alvo e mire na direção certa, para acertá-lo em cheio. Sem um alvo, não é possível mensurar a precisão do plano de tratamento quan- to à posição dos dentes em relação à face. Assim, acredito que é necessário estabelecer uma meta para o posicionamento da dentição em relação à face. Prefiro começar o meu VTO com a seguinte per- gunta: Onde os incisivos centrais superiores deveriam estar localizados, em relação à face, em cada paciente? Há muitas maneiras de se determinar essa posição. Pre- firo utilizar os Padrões de Bolton como um guia para localizar os incisivos superiores. Além disso, uso a Linha Násio (linha vertical) para confirmar a posição definida a partir dos Padrões de Bolton, e posiciono os incisivos centrais superiores 5mm à frente dessa linha e, vertical- mente, 2-3mm abaixo da borda inferior do lábio supe- rior em repouso. Uma vez estabelecida a posição dos in- cisivos superiores, defino qual é o melhor método para se estabelecer a guia anterior e um ângulo interincisal aceitável. Em termos de previsão de crescimento, pre- firo seguir o método proposto por Johnston1. No geral, esse método supõe que a maxila irá crescer 1mm por ano, para a frente, no Ponto A e, verticalmente, 1mm por ano na ENA. O crescimento mandibular irá exce- der o crescimento maxilar em 1mm por ano, tanto na direção vertical quanto na horizontal. entrevista © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3530 regra para o tratamento de Classes III é tentar iniciar o tratamento próximo ao surto de crescimento puberal (o que é relativamente fácil de se realizar para os proce- dimentos ortopédicos). Quanto ao tratamento ortopédi- co para Classe III, acredito que as evidências relativas ao sucesso da protração com máscara facial para estimular o crescimento maxilar sejam muito mais convincentes do que aquelas relativas ao uso bem-sucedido de mento- neira para limitar o crescimento mandibular. Assim, re- comendo a terapia de protração com máscara facial para tratar más oclusões de Classe III em desenvolvimento. Na minha opinião, esse tipo de terapia pode ser utili- zado em qualquer período antes da fusão do sistema de suturas maxilares. No entanto, acredito que o momento ideal para se realizar o tratamento é após a erupção dos incisivos centrais superiores e inferiores. Prefiro esperar por esse momento por duas razões: primeiro, porque o tratamento pode, ainda, ser concluído, de maneira bem- -sucedida, antes do início da puberdade; segundo, porque é possível estabelecer trespasses vertical e horizontal nor- mais dos incisivos permanentes sem que seja necessário o uso de qualquer tipo de aparelho de contenção após a cor- reção da mordida cruzada anterior. Se a correção da Clas- se III for feita antes dessa fase, o problema será manter a correção durante a fase de transição e troca dos incisivos permanentes. Para mim, é importante que a dentição na- tural mantenha-se em contato oclusal no pós-tratamento. Considero a resposta proprioceptiva durante a função um fator importante para o sucesso do tratamento precoce da Classe III. O ideal é aguardar até que o surto de cresci- mento puberal tenha terminado para, então, iniciar-se o tratamento ortodôntico fixo total. Se a época oportuna para o tratamento ortopédi- co não for aproveitada, acredito que seja melhor espe- rar para começar o tratamento ortodôntico fixo após o surto de crescimento puberal. Creio que essa seja a melhor alternativa, pois, a essa altura, há somente duas opções: camuflagem ou cirurgia. No primeiro caso (camuflagem), são realizadas compensações den- tárias para que se possa estabelecer a melhor oclusão possível. Já na segunda opção (cirurgia), as compensa- ções dentárias são removidas para permitir a correção da desarmonia esquelética. É impossível realizar os dois procedimentos ao mesmo tempo; logo, o ortodontista precisa optar por um dos dois. Postergar essa escolha o máximo possível permite maiores chances de se tomar a melhor decisão entre essas duas opções. 5. Quais indicadores biológicos devemos obser- var para prever, especificamente, o crescimento dos ossos da face? (Ana Maria Bolognese) Em geral, considero o atlas de Greulich-Pyle2 uma ferramenta útil para estimar a idade esquelética e prever a altura corporal. No entanto, tem sido bem documen- tado que o crescimento facial não pode ser previsto utilizando-se a maturação esquelética como um indi- cador. Assim, a melhor hipótese com relação ao cresci- mento dos ossos da face (ou seja, a maxila e a mandíbu- la) é a de que, na ausência de tratamento, o crescimen- to mandibular irá ultrapassar o crescimento maxilar em 1mm por ano. Quanto à previsão da quantidade de crescimento, pode-se utilizar a idade cronológica e os indicadores hormonais de maturidade (acne; a menar- ca, nas meninas; e o crescimento de pêlos faciais, nos meninos) para estimar o potencial de crescimento re- manescente. Porém, ainda acredito que a única forma de se determinar a desaceleração do crescimento facial é a utilização de radiografias cefalométricas seriadas tiradas, no mínimo, a cada seis meses. Quando duas radiografias apresentarem alterações com valor inferior a 0,5mm ao longo dos seis meses anteriores, o clínico pode afirmar, com segurança, que o crescimento facial do adolescente está completo. 6. Em sua opinião, qual é a época mais adequada para o tratamento de casos de desarmonias es- queléticas como más oclusões de Classe III? (Matilde Nojima) Fico feliz por ter perguntado isso, pois, embora exis- tam três opções de tratamento para correção da Clas- se III (modificação ortopédica do crescimento facial, ca- muflagem ortodôntica e cirurgia ortognática), a idade do paciente é o que normalmente define a melhor estratégia de tratamento. A literatura científica evidencia que o tra- tamento ortodôntico completo aumenta o crescimento mandibular. Chamo essa estimulação não-específica do crescimento mandibular de “efeito fertilizante”. Com isso, quero dizer que, independentemente da mecânica que usarmos, a tendência é que, ao longo do tratamento, aumentemos a quantidade de crescimento mandibular apresentado pelo paciente. Porém, ao contrário do que acontece no tratamento de más oclusões de Classe III, o efeito fertilizante é benéfico no tratamento das más oclu- sões de Classe II. Esse efeito é maior durante os períodos de crescimento facial acelerado, assim, minha primeira entrevistaHans MG © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3531 7. Qual é a sua opinião sobre a modificaçãodo crescimento por meio do uso de aparelhos fun- cionais? (Juan Martin Palomo) Considero convincentes os dados relativos à modifi- cação do crescimento maxilar, tanto para a frente, por meio do uso da máscara facial para protração, quanto para trás, por meio do uso de aparelho extrabucal com tração cervical. Recomendo tais opções de tratamento para os meus pacientes mais jovens com indicação para esses tipos de terapias. Além disso, recomendo que esses aparelhos ortopédicos sejam usados somente para dormir, já que sa- bemos que o crescimento e a erupção dos dentes só ocor- rem durante a noite. Parecem existir dois fatores princi- pais relacionados ao sucesso do tratamento. O primeiro é a cooperação dos pacientes, pois o aparelho extrabucal deve ser usado quase todas as noites para que possa surtir efeito. Como o tratamento ortopédico busca influenciar o crescimento facial, é preciso dar tempo para que esse crescimento ocorra. Isso significa que o aparelho deve ser utilizado, regularmente, durante um período mínimo de 6 meses, para que se possa estimar o segundo fator que influencia no sucesso do tratamento. Esse segundo fator consiste na suscetibilidade genética do paciente à modi- ficação de crescimento, ou seja, a capacidade do paciente em responder ou não à terapia ortopédica. Acredito que a maioria dos ortodontistas tende a considerar todos os pacientes “não-responsivos” como pacientes não cola- boradores, mas eu discordo disso. Creio que é possível fazer a maioria dos pacientes cooperar com o tratamento durante alguns meses. Aqueles que veem resultados se motivam e continuam a usar o aparelho durante a noi- te, já os pacientes que não respondem ao tratamento se desmotivam e, por esse motivo, param de usar o apare- lho. Nunca culpo os pacientes por não responderem ao tratamento já que, na maioria dos casos, a culpa não é deles. Como diria meu amigo Gerry Samson: “Não se pode pedir a eles que mergulhem novamente na piscina de genes.” Seria ótimo se pudéssemos identificar os pa- cientes responsivos e os não-responsivos ao tratamento sem ter que esperar de 3 a 6 meses, mas não acredito que isso seja possível em um futuro próximo. 8. Como um grande especialista em crescimento craniofacial, qual a sua opinião sobre o debate histórico entre os aparelhos funcionais e os apa- relhos com tração extrabucal para correção das más oclusões de Classe II? (Lincoln Nojima) Com relação ao uso de tração extrabucal para cor- reção das más oclusões de Classe II, utilizo uma abor- dagem muito parecida à adotada pelo Dr. Robert Ricketts. Costumo usar aparelho extrabucal (AEB) com tração cervical combinado com arco utilidade inferior. O aparelho extrabucal é eficaz para corrigir o progna- tismo maxilar de origem esquelética e a protrusão ma- xilar dentária. Já o arco utilidade desarticula os dentes anteriores superiores e inferiores, por meio da intrusão dos incisivos inferiores. Eu concordo com a teoria de Ricketts de que a desarticulação dos dentes anteriores permite que a mandíbula seja deslocada para baixo e para a frente. Já que o efeito do tratamento ortodônti- co no crescimento mandibular é não-específico e alta- mente variável, não acredito que exista uma diferença muito grande, em termos de crescimento mandibular, entre os aparelhos funcionais que avançam a mandíbula e a mecânica com AEB/arco utilidade. Além disso, por ser um dispositivo fixo, o AEB é muito mais eficaz para tratar a protrusão maxilar que normalmente acompa- nha as más oclusões de Classe II. A propósito, utilizo tração cervical somente com AEB do tipo facebow. Não acho o controle vertical com o aparelho extrabucal de tração alta posterior tão efi- caz quanto com o aparelho extrabucal com gancho em J (J-Hook). Além disso, é preciso associar o uso de um arco transpalatino ao AEB de tração alta posterior, para anular a vestibularização dos molares. Eu costumava utilizar AEB de tração occipital (reta), mas concluí que a cooperação dos pacientes era maior com o uso do AEB com tração cervical. E, já que não uso AEB em pacientes com plano mandibular alto, a pequena diferença angular entre a tração occipital e a tração cervical não é clinicamente significativa. 9. Você acredita que o uso de dispositivos de an- coragem temporária (DAT) pode auxiliar no con- trole dos padrões de crescimento craniofacial? (Kunihiko Miyashita) Acredito que os DATs podem ajudar a controlar o deslocamento dentário vertical nos pacientes em cresci- mento. Conforme mencionei anteriormente, o desloca- mento dentário vertical ocorre em direção ao plano oclu- sal. Logo, pode ser útil controlar esse movimento natural em pacientes com altura facial vertical inferior aumenta- da. É claro que, para atingir esse objetivo, seria necessário controlar tanto o deslocamento inferior dos segmentos vestibulares da maxila, quanto o deslocamento superior entrevista © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3532 dos segmentos bucais da mandíbula. Além disso, já que estamos tentando limitar o desenvolvimento facial ver- tical por meio de modificações dentoalveolares, essas mecânicas devem continuar até que o crescimento fa- cial vertical esteja concluído. Esse tipo de modificação do crescimento encontrará os mesmos desafios enfren- tados quando do uso da mentoneira para limitar o cres- cimento mandibular, ou seja: para se obter estabilidade em longo prazo, é preciso adotar uma estratégia de con- tenção também de longo prazo. Em vários pacientes, tenho utilizado miniplacas para intruir os segmentos posteriores. Um desses casos foi, inclusive, publicado no Journal of Plastic Surgery. Os DATs são uma excelente contribuição aos nossos sistemas de mecânica, mas, para que sejam utilizados de maneira eficaz, é preciso que os ortodontistas apliquem os conceitos da biologia óssea ao planejar sua instalação. Por exemplo, a instalação de um DAT por um longo período em uma área que está pas- sando por absorção óssea, como parte de um processo de remodelação, apresenta grandes chances de falhar. Já a instalação de um DAT em uma área de deposição óssea natural apresenta grandes chances de sucesso, com base em conceitos biológicos. Aplicar esse conceito ao controle vertical do deslocamento dentário significa que os DATs maxilares deveriam ser instalados no palato, e não na superfície vestibular do processo alveolar. Já na mandíbula, os DATs poderiam ser instalados nas corti- cais vestibulares adjacentes aos molares. DATs instala- dos em osso alveolar têm probabilidade de falhar antes daqueles instalados em osso cortical. Considerando que para se modificar o crescimento craniofacial é necessário o sucesso dos DATs em longo prazo, faz-se necessário compreender os padrões de remodelação por deposição óssea e por reabsorção óssea. 10. Considerando-se o crescimento e o desloca- mento dos ossos da face nos pacientes em cres- cimento, há alguma diferença, quanto à resposta clínica dos tecidos suturais, entre o uso de mini- placas e do AEB? (Ana Maria Bolognese) Com certeza!!! Essa é uma das questões mais con- fusas quanto ao uso de miniplacas em comparação ao uso do aparelho extrabucal. O objetivo da aplicação de forças ortopédicas ao complexo craniofacial em cres- cimento é alterar o deslocamento e a remodelação dos ossos. Por exemplo, o aparelho extrabucal de tração cervical pode ser utilizado de diversas maneiras para al- terar o crescimento facial, dependendo de como a for- ça é aplicada. Andrew Haas, Robert Ricketts e outros documentaram os efeitos do AEB com tração cervical aplicada unicamente nos primeiros molares superio- res, e verificaram que, quando o aparelho extrabucal é instalado apenas nesses dentes, eles funcionam como um transdutor que envia, por meio do ligamento pe- riodontal, sinais mecânicos ao periósteo e ao sistema de suturas. As suturas que podem ser influenciadas por esse sistema mecânico incluem: a sutura intermaxilar, o sistemade suturas circum-maxilares e, em menor es- cala, as suturas circum-vestibulares. O AEB com tra- ção cervical aplicada aos primeiros molares superiores, quando combinado a um arco utilidade inferior para intruir os incisivos inferiores, também pode influen- ciar no crescimento da mandíbula. A explicação mais lógica para o efeito causado pelo AEB com tração cer- vical no crescimento mandibular é que, mediante a desarticulação da dentição com o arco de intrusão, a mandíbula cresce mais do que o complexo nasoma- xilar. Ao contrário do impacto biológico causado pela aplicação de forças ortopédicas, as miniplacas são ape- nas dispositivos que podem ser rigidamente fixados no osso. Não há nenhuma lógica biológica em se pensar que as miniplacas são similares ao AEB. 11. Levando em consideração os importantes con- ceitos incluídos em sua obra clássica “Essentials of Facial Growth” (Noções Básicas sobre Cresci- mento Facial), qual sua opinião quanto às pesqui- sas sobre crescimento craniofacial e vias aéreas? E como essas informações podem ser correlacio- nadas aos procedimentos clínicos? (Matilde Nojima) Provavelmente, um dos mais clássicos estudos de- monstrando o impacto da respiração bucal forçada no crescimento facial foi desenvolvido por Egil Harvold, ao tampar o nariz de macacos rhesus em crescimento. O fato mais memorável desse experimento é que Har- vold conseguiu induzir mordida aberta nesses macacos, sendo que essa má oclusão se caracterizou por: aumen- to na altura facial inferior, deficiência transversal ma- xilar e apinhamento dentário. No entanto, a maioria das pessoas se esquece de que nem todos os macacos utilizados nesse estudo desenvolveram má oclusão. Essa variabilidade na resposta à obstrução das vias aéreas entrevistaHans MG © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3533 tos extrusivos gerados pelo tratamento ortodôntico são mínimos. Isso realmente contribui para a correção da mordida aberta anterior. O clínico não precisa se pre- ocupar tanto com a extrusão dos molares em pacientes já esqueleticamente maduros. Pudemos demonstrar que a correção da mordida aberta é obtida, principalmen- te, pela verticalização dos incisivos superiores e inferio- res — isso quando da extração dos primeiros pré-mo- lares, bem como para a extração de primeiros molares permanentes. Acredito que a tendência de se realizar tratamentos sem extração de dentes permanentes limi- tou drasticamente os resultados que podem ser atingidos em pacientes após o crescimento. Nesses indivíduos, a necessidade de extração de dentes permanentes deve ser cuidadosamente avaliada. 13. Como você avalia a relação entre o cresci- mento craniofacial e a estabilidade dos resulta- dos do tratamento ortodôntico? (Lincoln Nojima) Essa é uma pergunta interessante, principalmen- te porque diz respeito ao crescimento craniofacial que ocorre após o tratamento ortodôntico. Durante o tra- tamento, o ortodontista monitora, constantemente, o crescimento craniofacial, a resposta ao tratamento e o progresso rumo à conclusão desse. Essa avaliação pode ser feita mensalmente, para se compensar ou descom- pensar a dentição, em função do crescimento craniofa- cial. Assim que os objetivos do tratamento (quanto ao alinhamento dentário, guias anteriores, cargas axiais nos dentes posteriores, arco do sorriso adequado e estetica- mente agradável, etc.) forem atingidos e o aparelho fixo removido, o jogo muda. A partir desse momento, o pa- ciente não conta mais com as habilidades do ortodontis- ta para manter o equilíbrio entre todos os componentes do complexo craniofacial envolvidos na manutenção da oclusão dentária. Embora não existam respostas sim- ples para esse dilema, posso oferecer uma solução: não tentem finalizar todos os casos com a relação cêntri- ca (a posição ligamentar do côndilo mandibular na ca- vidade glenoide) coincidindo com a posição do côndi- lo na cavidade glenoide imposta pela intercuspidação máxima dos dentes. Permita, ao menos, uma diferença de 1-2mm entre essas duas posições condilares. Desse modo, mesmo se houver alguns milímetros de cresci- mento mandibular tardio, poderá ocorrer uma mudança na relação RC/MIH de forma a compensar esse cresci- mento e manter uma oclusão dentária adequada. não tem sido amplamente discutida na literatura. Em minha opinião, se já temos essa variabilidade em uma população geneticamente homogênea de animais ex- perimentais, é de se esperar uma variabilidade ainda maior em populações de humanos. De fato, esses foram os resultados encontrados em todas as grandes pesquisas sobre a influência das vias aéreas no crescimento facial. É impossível se estabelecer uma relação direta de causa e efeito entre a respiração bucal e a má oclusão. Porém, faz sentido afirmar que existe alguma influência, já que o palato e o assoalho nasal são formados pelo mesmo osso. Apesar disso, acredito que nunca seremos capa- zes de provar essa relação. Em termos de procedimen- tos clínicos, sabemos que a expansão rápida da maxi- la reduz a resistência das vias aéreas superiores. Além disso, sabemos que o avanço mandibular por meio de aparelhos funcionais aumenta a orofaringe. Esses são fatos anatômicos. Portanto, casos de respiradores bucais com obstrução nasal podem ser tratados com expansão rápida da maxila. Se um pediatra me questionasse se a remoção das adenoides seria benéfica para o crescimen- to facial, eu responderia assim: se a criança precisar re- mover o tecido adenoideano por recomendação médica (em casos, por exemplo, de infecção recorrente), então eu aprovaria a realização da cirurgia, mencionando os possíveis efeitos positivos no desenvolvimento facial. Por outro lado, caso um pediatra me questione se eu recomendaria a remoção de tecido adenoideano para estimular o crescimento facial, eu responderia que não há evidências fortes o suficiente para que um ortodon- tista faça essa recomendação. 12. Após o crescimento, que mudanças podem ser realizadas a fim de se corrigir a morfologia do complexo nasomaxilar, em casos de mordida aberta e respiradores bucais? (Ana Maria Bolognese) Após o surto de crescimento puberal e crescimento na fase da adolescência, a única mudança que pode ser realizada na morfologia do complexo nasomaxilar é a remodelação dos processos alveolares, acompanhando a movimentação dentária. No entanto, essas mudan- ças podem ser significativas, principalmente, se dentes permanentes forem extraídos. Nós já publicamos vários estudos interessantes sobre a influência da exodontia de dentes permanentes no crescimento facial vertical. Nos- sas pesquisas revelam que, após o crescimento, os efei- entrevista © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3534 14. Considerando-se um complexo craniofacial em constante mudança, qual a sua opinião sobre as alterações que ocorrem durante a fase adulta; a ocorrência de desalinhamento dentário tardio, e sobre a utilização de contenção por tempo in- determinado? (Juan Martin Palomo) As publicações do grupo de estudos da University of Washington sobre a estabilidade em longo prazo de más oclusões tratadas em meados dos anos 80, juntamente com a tendência natural dos dentistas e pacientes contra as extrações dentárias, causaram uma grande mudança de paradigma na Ortodontia. Antes dessas publicações, os ortodontistas consideravam a estabilidade da correção or- todôntica como um dos principais objetivos do tratamen- to. Para atingir esse objetivo, era comum a indicação de exodontia de dentes permanentes, pois poderia-se, assim, evitar a expansão das arcadas, nas dimensões anteriores e laterais. Após essas publicações, o uso de contenção por tempo indeterminado tornou-se obrigatório para todos os pacientes. Acredito que essa mudança no modo de se abordar a estabilidade é muito perigosa para a nossa profis- são. O principal motivo para eu achar isso é que, se desis- tirmos daestabilidade como um objetivo do tratamento, corremos o risco de limitar nossa especialidade a serviços cosméticos, em vez de funcionais. Isso, por sua vez, faria com que as pessoas enxerguem, muito mais facilmente, o tratamento ortodôntico como um bem de consumo. E, quando se compra um bem de consumo, o foco está em sua importância. Se a estabilidade não fizer parte da equação da importância, nos restará somente o preço e o tempo de tratamento. Os pacientes irão pressupor que a qualidade dos resultados do tratamento é igual entre dife- rentes profissionais. A nossa especialidade vai muito além do alinhamento dentário: forma e função adequadas, bem como saúde bucal duradoura, devem estar entre as princi- pais metas do tratamento. Produzir belos sorrisos é ótimo, mas não se pode fazê-lo às custas da saúde bucal. Minha maior preocupação quanto ao uso de conten- ção por tempo indeterminado é a possibilidade real de ocorrerem alterações significativas no periodonto de su- porte caso os dentes sejam mantidos em contenção, por um longo período, em uma posição instável. Sabemos, por meio de nossos estudos em biologia óssea, que, quan- do submetido a pressão, o osso sofre reabsorção. Logo, movimentar os dentes além de seus limites fisiológicos resultará em patologia. Nesse caso, a pergunta fundamen- tal é: Quais são esses limites? Identificar quais são esses limites deveria ser o foco das pesquisas ortodônticas na próxima década. Até que tenhamos um melhor conhe- cimento quanto aos limites do tratamento, devemos ser cautelosos em recomendar o uso de contenção por tem- po indeterminado. Acredito que uma abordagem mais biológica seria dizer aos nossos pacientes que o tratamen- to ortodôntico é capaz de produzir resultados tão bons quanto de pacientes que já nasceram com os dentes ali- nhados. Porém, os estudos Bolton-Brush sobre o cresci- mento revelaram que dentes naturalmente alinhados não permanecem assim por toda a vida do paciente. A ideia de que uma única intervenção ortodôntica resultará em dentes perfeitamente alinhados para toda a vida não é re- alista. Devemos informar aos pacientes que tratamentos adicionais podem ser necessários no futuro, devido ao crescimento natural do esqueleto craniofacial no adulto. 15. Qual é o seu osso favorito? Por quê? (Kunihiko Miyashita) Sem dúvidas, a mandíbula é o meu osso favorito na região craniofacial. Minha atração pelo estudo da mandí- bula baseia-se em três fatores. Primeiro, as discussões or- todônticas históricas envolvendo esse osso, as quais come- çam com o mito de que a cartilagem condilar é um centro de crescimento que, magicamente, determina o tamanho e a forma desse osso complexo. Isso foi seguido pela ma- nia norte-americana pelos aparelhos funcionais e pelas afirmações ultrajantes de que os aparelhos para protrusão da mandíbula seriam capazes de estimular o crescimento Figura 2 - Esquema resumido do crescimento mandibular: as direções do cres- cimento envolvendo reabsorção periosteal são indicadas pelas setas apontando para dentro da superfície óssea; as direções do crescimento envolvendo depo- sição periosteal são representadas pelas setas apontando para fora da superfície óssea (Fonte: Enlow DH, Hans MG. Essentials of facial growth. 2nd ed. Ann Arbor: Needham Press, 2008. De: Enlow DH, Harris DB. A study of the postnatal growth of the human mandible. Am J Orthod. 1964;50(25), com permissão para uso). entrevistaHans MG © 2014 Dental Press Journal of Orthodontics Dental Press J Orthod. 2014 May-June;19(3):26-3535 1. Johnston LE. A simplified approach to prediction. Am J Orthod. 1975;67(3):253-7. 2. Greulich W, Pyle S. Radiographic atlas of skeletal development of the hand and wrist. 1. ed. Redwood City: Stanford University Press; 1999. ReFeRências do corpo da mandíbula, na faixa de 6 a 7mm. Logo após, vieram as afirmações falsas de que as más oclusões cau- sariam disfunções temporomandibulares. E, finalmente, a recente discussão sobre o papel do tamanho e forma da mandíbula na Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono. O segundo motivo que me leva a admirar a mandíbula é sua complexidade anatômica (Fig. 2). Quando leciono aos meus alunos sobre a mandíbula, gosto de dividi-la em cinco áreas, com base em suas funções: 1) os côndi- los, com a função primária de articulação; 2) os processos coronoides, com a função primária de inserção do mús- culo temporal; 3) o corpo da mandíbula, com a função primária de conectar os lados direito e esquerdo da man- díbula, como uma estrutura rígida; 4) os alvéolos, com a função primária de sustentar a dentição; 5) os ramos, com a função primária de proporcionar compensações Ana Maria Bolognese » Mestre e Doutora em Ortodontia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. » Pós-doutorado em Biologia Oral, Northwestern University, EUA. » Professora Titular, Departamento de Ortodontia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Juan Martin Palomo » Especialista e Mestre em Ortodontia, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA. » Diretor do Programa de Pós-graduação em Ortodontia, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA. » Diretor do Craniofacial Imaging Center, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA. » Diplomado pelo American Board of Orthodontics. » Diretor do Grupo de Biologia Craniofacial da International Association for Dental Research (IADR). Kunihiko Miyashita » Especialista em Cirurgia, Nihon University, Japão. » Especialista e Mestre em Ortodontia, University of California, Los Angeles, EUA. » Doutor em Anatomia, Nihon University, Tóquio, Japão. » Professor Colaborador, University of California, EUA. » Professor Adjunto, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA. tanto na dimensão vertical quanto horizontal, garantin- do a oclusão dos molares dentro de seus 6mm, para toda a humanidade. Finalmente, gosto da mandíbula porque temos muito a aprender sobre os processos de controle envolvidos em seu crescimento. Por fim, gostaria de di- zer aos leitores que todos os tratamentos ortodônticos/ ortopédicos de pacientes em crescimento estimulam o crescimento mandibular, ao menos um pouco. Refiro- -me a essa estimulação não específica do crescimento mandibular como o “efeito fertilizante”. » Membro do Bolton-Brush Growth Study Center, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA. » Diretor da Fundação de Pesquisa Maxilofacial/ Japão. Lincoln Issamu Nojima » Mestre e Doutor em Ortodontia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. » Pós-doutorado em Ortodontia, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA. Bolsa Capes nº 0906/11-6. » Professor Adjunto, Departamento de Ortodontia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. » Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial. » Professor Visitante, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA. Matilde da Cunha Gonçalves Nojima » Mestre e Doutora em Ortodontia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. » Pós-doutorado em Ortodontia, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA. Bolsa Capes nº 1540/11-4. » Professora Adjunta, Departamento de Ortodontia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. » Professora Visitante, Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, EUA.
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