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Documento Basilar para a Elaboração da Portaria Interministerial MJ/SPM nº 210/2014 2 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Presidenta da República DILMA ROUSSEFF MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Ministro de Estado da Justiça JOSÉ EDUARDO CARDOZO Secretária-Executiva MÁRCIA PELEGRINI DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL Diretor-Geral AUGUSTO EDUARDO DE SOUZA ROSSINI Diretor de Políticas Penitenciárias LUIZ FABRÍCIO VIEIRA NETO Comissão Especial sobre o Encarceramento Feminino Coordenação GISELE PEREIRA PERES ROSANGELA PEIXOTO SANTA RITA Áreas Temáticas DÉBORA RENATA DE PAIVA CUNHA GUIMARÃES FÁTIMA MAYUMI KOWATA MARA FREGAPANI BARRETO MARCUS CASTELO BRANCO ALVES SEMERARO RITO MICHELLE MAGALHÃES SALES SILVEIRA VALDIRENE DAUFEMBACK SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres ELEONORA MENICUCCI Secretária-Executiva LOURDES MARIA BANDEIRA DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Anexo II, 6º andar CEP: 70.064-900 Brasília-DF Fone: 61 – 2025-3187 e-mail: depen@mj.gov.br site: www.mj.gov.br/depen SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES Via N1 Leste, Pavilhão das Metas, Praça dos 3 Poderes CEP: 70150-908 Brasília-DF Fone: 61 – 3411-4246 e-mail: spmulheres@spmulheres.gov.br site: www.spm.gov.br 2 GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL Ministério da Justiça Gabinete do Ministério da Justiça: Titular: Magda Fernanda Medeiros Fernandes Suplente: Heloisa Marques Gimenez Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária Titular: Fabiana Costa Oliveira Barreto Suplente: Maria Ivonete Tamboril Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas Secretaria da Reforma do Judiciário Titular: Polliana Andrade e Alencar Suplente: Halisson Luciano Chaves Aires da Fonseca Secretaria Nacional de Justiça Titular: Fernanda Alves dos Anjos Titular: João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva Suplente: Sara de Sousa Coutinho Secretaria de Políticas para as Mulheres Titular: Aline Yamamoto Suplente: Lara Macedo Aguiar Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Titular: Mônica Alves de Oliveira Gomes Suplente: Cristina de Fátima Guimarães Secretaria de Direitos Humanos Titulares: Deise Benedito e Giuliana Hernandes Cores Suplentes: Ana Paula Diniz Moreira e Sérgio Eduardo M. da Rocha Secretaria Nacional de Juventude Titulares: Fernanda de Carvalho Papa e Fernanda Machiaveli Morão de Oliveira Suplentes: Fernanda Costa Gomes Marangoni e Luciane dos Reis Conceição Ministério do Trabalho e Emprego Titular: Anete Alves Fidelis Suplente: Sherida Maria de Freitas Moreira Lima Ministério da Saúde Titulares: Marden Marques Soares Filho e Maria Esther de Albuquerque Vilela Suplentes: Raquel Lima de Oliveira e Silva e Roseli Rossi Stoicov Ministério da Educação Titular: Mauro José da Silva e Rita de Cassia de Freitas Coelho Suplente: Rita de Cássia de Oliveira e Suely Teixeira Mello Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Titulares: José Roberto Alvarenga Frutuoso e Carla Cristina Ulhoa Lucena Suplentes: Elizabeth Cagliari Hernandes e Maria Carolina Pereira Alves Ministério da Cultura Titulares: Ana Maria Ângela Bravo Villalba e Thaís Borges da Silva Pinho Werneck Suplentes: Karina Miranda da Gama e Isabelle Cristine da Rocha Albuquerque Ministério do Esporte Titular: Jane Santana de Brito Suplente: Mariléia dos Santos 3 Institucionais: Ministério da Justiça Departamento Penitenciário Nacional Autorais: Gisele Pereira Peres Rosangela Peixoto Santa Rita Arte: Rafael de Lima Chaves 4 LISTA DE ABREVIATURAS ACESSUAS - Programa Nacional de Promoção do acesso ao Mundo do Trabalho CAPACITA SUAS - Programa Nacional de Capacitação do Sistema Único de Assistência Social CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CNJ – Conselho Nacional de Justiça CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONDEGE – Conselho Nacional dos Defensores Públicos Gerais CONSEJ – Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária CONTRAN - Conselho Nacional de Trânsito CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional FNAS - Fundo Nacional de Assistência Social GTI – Grupo de Trabalho interministerial sobre Mulheres Presas INFOPEN – Sistema Nacional de Informações Penitenciárias LEP – Lei de Execução Penal MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MEC – Ministério da Educação MINC – Ministério da Cultura MJ – Ministério da Justiça MS – Ministério da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PNSSP - Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário PPA – Plano Plurianual PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego RC – Rede Cegonha SENARC - Secretaria Nacional de Renda de Cidadania SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República SDH – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SESC – Serviço Social do Comércio SESI –Serviço Social da Indústria SEST – Serviço Social do Transporte SNAS - Secretaria Nacional de Assistência Social SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República SUAS – Sistema Único de Assistência Social 5 SUMÁRIO 1. Apresentação ........................................................................................................... 07 2. Introdução ............................................................................................................... 09 3. Breve diagnóstico da situação sobre as mulheres sob privação de liberdade no Brasil ................................................................................................................................... 11 4. Princípios ................................................................................................................. 17 5. Diretrizes gerais ........................................................................................................ 19 6. Objetivo ................................................................................................................... 21 6.1. Objetivo geral .................................................................................................. 21 6.2. Objetivos específicos ........................................................................................ 21 7. Eixos para a efetivação da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional .................................................... 23 7.1. Banco de dados com especificidades da mulher .................................................. 23 7.2. Modalidades assistenciais ................................................................................. 24 7.2.1. Assistência material .................................................................................. 25 7.2.2. Assistência à saúde .................................................................................. 26 7.2.3. Assistência educacional ............................................................................ 27 7.2.4. Assistência jurídica ................................................................................... 28 7.2.5. Assistência psicossocial ............................................................................ 29 7.2.6. Assistência religiosa .................................................................................. 29 7.2.7. Assistência laboral.................................................................................... 29 7.3. Construção e ampliação de unidades prisionais femininas/aparelhamento ............ 30 7.4. Maternidade na prisão e atenção à criança ......................................................... 32 7.4.1. Gestação ................................................................................................. 33 7.4.1.1. Identificação da situação de gestação na prisão ................................ 33 7.4.1.2. Inserção da mulher grávida e lactante em local específico e adequado, com disponibilização de serviços penais condizentes ....................................... 33 7.4.1.3. Presença de acompanhante junto à parturiente ................................. 34 7.4.1.4. Proibição do uso de algemas ............................................................34 7.4.1.5. Atividades de reintegração social e procedimentos diferenciados para as gestantes ................................................................................................ 34 7.4.1.6. Inserção da gestante na Rede Cegonha ............................................ 35 7.4.2. Atenção aos filhos de mães em situação de privação de liberdade ............... 35 7.4.2.1. Desenvolvimento de ações qualificadas materno-infantis ................... 35 7.4.2.2. Consolidação de conceito padrão dos espaços de convivência mãe-filho nos estabelecimentos prisionais ..................................................................... 35 7.4.2.3. Assistência e atendimento durante a gestação, nascimento, permanência e saída da criança do estabelecimento prisional .......................... 36 7.4.2.4. Uniformização do período de amamentação e de convivência das mulheres presas com seus filhos e desenvolvimento de ações de preparação da saída da criança do estabelecimento prisional ................................................ 38 7.4.2.5. Desenvolvimento de práticas que previnam a destituição do poder familiar por motivo de privação de liberdade .................................................. 40 7.4.2.6. Acesso das crianças que estão em ambientes intra e extramuros à rede pública de educação infantil .................................................................. 40 7.4.2.7. Programas socioassistenciais ........................................................... 41 7.4.2.8. Material de consumo e material de higiene pessoal ........................... 41 6 7.4.2.9. Equipes multidisciplinares proporcionais ao número de mulheres presas e crianças (em ambiente intramuros) .................................................. 42 7.4.2.10. Vínculo mãe e filho ......................................................................... 42 7.4.2.11. Pesquisas e estudos sobre o encarceramento feminino ................... 43 7.5. Ações voltadas à segurança e gestão prisional .................................................... 43 7.5.1. Normas e procedimentos de segurança diferenciados para as mulheres presas e mães com seus filhos ............................................................................ 43 7.5.2. Procedimento de revista ........................................................................... 43 7.5.3. Transporte diferenciado (escolta) para mulheres com deficiência, gestantes, mães com filhos e mulheres idosas ..................................................................... 44 7.5.4. Unidades prisionais específicas para mulheres/agentes de segurança interna do sexo feminino .................................................................................... 44 7.5.5. Fortalecimento do vínculo familiar ............................................................ 44 7.6. Capacitação de servidores ................................................................................. 45 7.7. Egressas do sistema prisional ............................................................................ 46 7.7.1. Atendimento às pré-egressas .................................................................... 46 7.7.2. Atendimento às egressas .......................................................................... 46 7.7.3. Acesso à rede pública de saúde ................................................................. 46 7.7.4. Documentação civil ................................................................................... 46 7.7.5. Inserção da mão-de-obra das egressas em contratos dos órgãos públicos .... 47 7.7.6. Tratamento de dependência química ......................................................... 47 7.8. Mulheres com transtorno mental ....................................................................... 47 7.8.1. Diagnóstico precoce e tratamento adequado .............................................. 47 7.8.2. Atenção às pessoas com dependência química ........................................... 47 7.8.3. Inserção das mulheres com transtornos mentais na Rede de Saúde Mental .. 48 7.8.4. Alimentação dos sistemas de informação ................................................... 48 7.9. Presas estrangeiras .......................................................................................... 48 7.9.1. Procedimentos relacionados à documentação das presas estrangeiras .......... 48 7.9.2. Cartilha especializada ............................................................................... 48 7.9.3. Vínculo familiar ........................................................................................ 49 7.9.4. Acordos de transferência de pessoas condenadas ....................................... 49 7.9.5. Acesso à educação à distância .................................................................. 49 8. Responsabilidades institucionais ................................................................................. 50 8.1. Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN/MJ............................................... 50 8.2. Órgãos estaduais de gestão do sistema prisional ................................................. 51 8.3. Ministérios ....................................................................................................... 52 8.3.1. Ministério da Educação – MEC ................................................................... 52 8.3.2. Ministério da Saúde – MS .......................................................................... 54 8.3.3. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS .................. 56 8.3.4. Secretaria de Direitos Humanos – SDH ...................................................... 57 8.3.5. Secretaria de Políticas de Promoção à Igualdade Racial – SEPPIR ................ 58 8.3.6. Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM ........................................... 60 8.4. Sociedade civil .................................................................................................. 61 8.5. Outros órgãos envolvidos com a execução penal ................................................ 62 9. Avaliação e monitoramento ...................................................................................... 65 10. Normativos nacionais e tratados internacionais de proteção às mulheres em situação de privação de liberdade ............................................................................................... 66 11. Referências bibliográficas ........................................................................................ 70 12. Anexos ................................................................................................................... 74 7 1. Apresentação O Ministério da Justiça, por meio do Departamento Penitenciário Nacional, considerando os problemas que envolvem o encarceramento feminino brasileiro e as diversas formas de discriminação que acometem as mulheres no âmbito da justiça criminal e no âmbito penitenciário, elaborou a presente Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressasdo Sistema Prisional, em parceria com diversos órgãos ligados à execução da pena, ministérios e sociedade civil. As justificativas para a falta de um olhar diferenciado com práticas humanizadoras no que diz respeito à diversidade de gênero, no âmbito das prisões de mulheres, reproduzem visões simplistas unicamente focadas na questão numérica, tendo em vista que do total de 548.0031 da população carcerária, 35.039 são mulheres, o que equivale a um percentual de cerca de 7%. No Brasil, o déficit carcerário feminino cresce à medida que a quantidade de mulheres que ingressam nos estabelecimentos prisionais aumenta, pois além da conjuntura socioeconômica, falta, também, uma política efetiva para a construção permanente de vagas. O déficit carcerário feminino atual é de aproximadamente 13 mil vagas. A maioria dos espaços físicos para o cumprimento de pena são locais adaptados para as mulheres e não possuem serviços específicos, não sendo consideradas as especificidades de gênero. Avalia-se, assim, a necessidade de que sejam construídas estruturas físicas e desenvolvidos serviços penais e programas sociais condizentes com as particularidades da mulher. Ciente do presente quadro, o Departamento Penitenciário Nacional, comprometido com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, resgatou as discussões oriundas do relatório final Reorganização e Reformulação do Sistema Prisional Feminino, elaborado em 2007 por um grupo de trabalho interministerial, sob coordenação da Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM. Com isso, o DEPEN/MJ instituiu, por meio da Portaria nº 154, de 13 de abril de 2012, prorrogada pela Portaria nº 189, de 25 de junho de 2013, a Comissão Especial do Projeto Mulheres2, vinculada à Diretoria de Políticas Penitenciárias, com o objetivo de elaborar propostas de ações para o Projeto Estratégico do Ministério da Justiça: Efetivação dos Direitos das Mulheres no Sistema Penal. Contribuindo para a consolidação da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, o Departamento Penitenciário Nacional lançou o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, normatizado pelas Portarias nº 522, de 22 de novembro de 2011, nº 317 de 18 de julho de 2012 e nº 591, de 14 de novembro de 2012, destinado à redução do 1 Dados do INFOPEN/DEPEN, referentes ao mês de dezembro de 2012. Disponível em www.mj.gov.br/depen/infopen. 2 A Comissão Especial do Projeto Mulheres é composta pelas seguintes áreas do DEPEN: Ouvidoria, Coordenação-Geral de Reintegração Social e Ensino, Coordenação-Geral de Alternativas Penais, Coordenação-Geral do Fundo Penitenciário Nacional e Coordenação de Engenharia. 8 déficit carcerário, tendo como uma das metas: a eliminação do déficit carcerário feminino, a partir da geração de vagas por meio de construção e ampliação de estabelecimentos prisionais para as mulheres. Entre as diversas ações estratégicas da referida Comissão, foi instituído um Grupo de Trabalho Interministerial - GTI, por meio da Portaria MJ nº 885, de 22 de maio de 2012, com a finalidade de elaborar políticas intersetoriais e integradas, destinadas às mulheres em situação de privação de liberdade, restrição de direitos e às egressas. O GTI é composto por 11 ministérios e eventuais convidados. Esta Política Nacional incorpora os desafios da integralidade da política criminal e penitenciária com as diversas políticas sociais de proteção à mulher e aos seus filhos, agregando, assim, um conjunto de ações dos diversos órgãos em prol da melhoria do encarceramento feminino, bem como do processo de reformulação do sistema penal feminino. Neste sentido, o Departamento Penitenciário Nacional pretende demonstrar o compromisso do Órgão com o tema, elaborando e efetivando a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, como um dos primeiros esforços, em âmbito nacional, para a melhoria do encarceramento feminino, subsidiando a elaboração da política estadual para mulheres em privação de liberdade e egressas do sistema prisional de cada unidade federativa, com o fito de proporcionar às mulheres presas o pleno exercício dos direitos constitucionais e infraconstitucionais. José Eduardo Cardozo Ministro da Justiça Eleonora Menicucci de Oliveira Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres 9 2. Introdução A Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional define os princípios, as diretrizes, os objetivos e as propostas consensuadas, de co-responsabilidade de gestão entre diversos órgãos, voltadas à melhoria da situação do sistema criminal e penitenciário feminino, com base nos normativos afetos às mulheres presas, egressas e seus filhos, em âmbito nacional e internacional. Sob o enfoque de gênero, esta Política busca garantir no âmbito criminal, o encarceramento como última medida de punição, e no âmbito penitenciário, uma execução penal menos estigmatizante e violadora de direitos, ao ser direcionada às necessidades e realidades específicas das mulheres presas. A presente publicação é produto dos trabalhos coletivos e participativos desenvolvidos durante o ano de 2012 e primeiro semestre de 2013, por meio de encontros nacionais, workshops e reuniões de trabalho, coordenados pela Comissão Especial do Projeto Mulheres/DEPEN/MJ e com a participação de representantes dos órgãos estaduais de administração prisional3, bem como pelo Grupo de Trabalho Interministerial, que é composto pelo Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Cultura, Ministério do Esporte, Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria de Políticas para as Mulheres e Secretaria Nacional da Juventude. Registrar-se que outros órgãos do Ministério da Justiça, a exemplo da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, Secretaria da Reforma do Judiciário, Secretaria Nacional de Justiça, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, além do Conselho Nacional de Justiça e Pastoral Carcerária Nacional, também, participaram das discussões para a elaboração desta Política. Trata-se, portanto, de apresentar o processo de trabalho desenvolvido com o fito de se efetivar uma política transversal, com formulação, gestão e execução compartilhadas entres as esferas de governo e atores vinculados ao sistema criminal e penitenciário, aliando-se às diretrizes de diversas políticas públicas garantidoras de direitos humanos. Dentro da perspectiva de elaboração de um documento íntegro e abrangente, a publicação da presente Política se inicia com a apresentação de uma síntese sobre o panorama do encarceramento de mulheres no Brasil, ao passo que detalha os principais consensos propostos para melhoria de práticas institucionais no âmbito do sistema penal feminino. Esta abordagem de estratégia de gestão reforça o compromisso de todos os órgãos governamentais e sociedade civil envolvidos nesse processo de formulação, efetivação e acompanhamento da Política Nacional. 3 secretarias, institutos, agências, superintendências ou órgãos similares estaduais, responsáveis pela gestão do sistema penitenciário. 10 Por fim, a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional está em consonância com os ideais e recomendações das Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras - Regras de Bangkok, que convida os Estados-membros a considerarem as necessidades e realidades específicas das mulheres presas ao desenvolver leis, procedimentos,políticas e planos de ação. Augusto Eduardo de Souza Rossini Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional 11 3. Breve diagnóstico sobre a situação das mulheres sob privação de liberdade no Brasil4 O processo de encarceramento feminino vem crescendo de forma considerável nos últimos anos, o que faz com que os órgãos envolvidos com a execução penal comecem a se preocupar com a necessidade de desenvolvimento de estratégias e ações com recorte de gênero, objetivando a instituição de diretrizes que visualizem as peculiaridades das mulheres em situação de privação de liberdade e as egressas do sistema prisional. Alguns campos do sistema penal5 já vêm sendo objeto de aprofundamento, porém, o encarceramento feminino e seus agravamentos sociais são temas pouco explorados no Brasil. O número reduzido de mulheres em situação de privação de liberdade, se comparado ao número de homens, reproduz uma invisibilidade das necessidades de gênero. Normalmente, as mulheres presas são obrigadas a se adaptarem aos modelos de estrutura física prisional e de serviços penais pensados para os homens, como é o caso dos estabelecimentos penais femininos que, na grande maioria dos casos, são adaptações de unidades prisionais masculinas desativadas ou inutilizadas, não possuindo o mínimo de espaços e serviços penais condizentes com as peculiaridades femininas. Analisando os dados do Sistema Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN do Ministério da Justiça, observa-se que no período de 2000 a 2012, o número total de pessoas presas no Brasil cresceu em torno de 136%, visto que em 2000 a população prisional era de 232.755 presos e em dezembro de 2012 passou para 548.003. O número de mulheres presas, no ano 2000, representava aproximadamente 4% da população carcerária nacional. Atualmente, o número de mulheres presas é de 35.039, o que representa cerca de 7% da população carcerária total. Pode-se constatar que nos últimos 12 anos6 o número de mulheres cresceu 256%, enquanto o número de homens teve um crescimento médio de 130%. Deste modo, a curva de crescimento carcerário feminino se mostra muito mais acentuada do que a curva de crescimento carcerário masculino, conforme ilustra os gráficos a seguir: 4 Com base nos dados do Sistema Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN Dez/12. 5 O sistema penal pode ser entendido a partir de estruturas formais e informais. As informais referem-se à família, escola, opinião pública, entre outras e as formais são os legisladores, os policiais, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a defesa e as instituições penitenciárias. 6 Importante registrar que, segundo o Censo 2010 do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população do Brasil apresentou um crescimento relativo entre 2000 a 2010 de 12,3%, ou seja, passou de 169.799.170 para 190.755.799. Disponível em www.censo2010.ibge.gov.br. Acesso em 10/10/2010. 12 Gráfico 1 – Evolução da população carcerária masculina 512964 480524 461444 442225 422775396543 378171340138 317568 296441 229060 223986 222643 200000 250000 300000 350000 400000 450000 500000 550000 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Gráfico 2 – Evolução da população carcerária feminina 10285 11863 20264 23065 25830 31401 35039 34058 34807 28654 18790 987310112 9000 14000 19000 24000 29000 34000 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 O déficit de vagas femininas, diante do cenário do encarceramento feminino nacional, é de aproximadamente 13 mil vagas. Gráfico 3 – Quantidade de presas e quantidade de vagas femininas 35039 34058 3480731401 2865425830 22583 19639 18776 16109 1558315160 15000 17500 20000 22500 25000 27500 30000 32500 35000 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Quatidade de presas Quantidade de vagas 13 Em relação ao perfil dessas mulheres, os estudos apontam para tendências muito semelhantes. Em geral, as mulheres presas são jovens, negras, mães, chefes de família, possuem baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais desfavoráveis economicamente, exercem atividades informais e possuem vinculação penal, normalmente, por envolvimento com o tráfico de drogas. No que concerne à idade, cerca de 50% das mulheres presas são jovens adultas, ou seja, possuem entre 18 e 29 anos. Gráfico 4 – Faixa etária da população carcerária feminina 26% 23% 18% 21% 9% 1% 2% 18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 34 anos 35 a 45 anos 46 a 60 anos mais de 60 anos não informado Em relação à escolaridade, quase 60% da população carcerária feminina possui apenas o ensino fundamental incompleto, o que demonstra a vulnerabilidade social desse público. Gráfico 5 – Nível de escolaridade da população carcerária feminina 9% 44%13% 12% 11% 1% 0% 3% 5%2% analfabeta alfabetizada ensino fundamental incompleto ensino fundamental completo ensino médio incompleto ensino médio completo ensino superior incompleto ensino superior completo ensino acima do superior completo não informado 14 A partir de uma pesquisa institucional, realizada no ano de 2012 e subsidiada através de dados enviados por todas as unidades da federação ao DEPEN/MJ, foi levantado que aproximadamente 80% das mulheres presas possuem envolvimento com o tráfico nacional ou internacional de drogas. Por esse motivo, há a necessidade urgente de se fomentar políticas públicas voltadas à prevenção e ao enfrentamento às drogas, além de ser de extrema importância uma revisão legislativa sobre tal temática. Neste cenário, importa destacar que a maioria das mulheres presas por tráfico de drogas possui uma posição coadjuvante no crime, realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio. Em pequena escala, elas realizam atividades voltadas à gerência. Grande parte é usuária de drogas. A cor da pele é um fator interessante entre as mulheres presas, cerca de 61% delas se autodeclararam pardas ou negras. Salienta-se, conforme dados da Secretaria de Políticas de Promoção à Igualdade Racial, da Presidência da República, que a junção de pretosas e pardas formam a categoria negra. Dessa maneira, constata-se que 61% da população carcerária feminina é negra. Gráfico 6 – Cor/Raça Há uma grande preocupação nacional com as mulheres estrangeiras, pois essas, além de serem excluídas por motivo do gênero, normalmente têm dificuldades de comunicação na língua portuguesa, não recebem visitas de familiares, não conseguem realizar ligações para o exterior e normalmente não possuem auxílio da embaixada do seu país. Atualmente há 774 mulheres estrangeiras no sistema prisional brasileiro. A maior parte das presas estrangeiras é proveniente do continente americano, mais especificamente da América Latina. Salienta-se que as mulheres representam 23% do total de pessoas presas estrangeiras. 37% 45% 16% 0%0% 2% branca parda negra amarela indígena outros 15 Gráfico 7 – População carcerária feminina estrangeira e continente de procedência Dados do INFOPEN demonstram que existem 80 estabelecimentos prisionais específicos femininos no Brasil, porém, o INFOPEN ainda não contempla a quantidade de estabelecimentos mistos7 que custodiam mulheres, os quais abrangem parte da população carcerária feminina e se encontram, atualmente, invisibilizados. Em relação ao regime de cumprimento da pena, percebe-se, conforme gráfico a seguir, que 35% das mulheres presas ainda não foram condenadas; 43% são provenientes do regime fechado; 15% são do regime semiaberto; 5% são presas do regime aberto e cerca de 2% dessas mulheres cumprem medida de segurança. Vislumbra-se a necessidade de atuação mais efetiva do poder judiciário, pois uma parte das presas provisóriaspermanece sem sentença por vários meses ou até durante anos. Atrelado a isso, verificou-se, ainda, que a Lei 12.403/20118, que modificou o Código de Processo Penal, inserindo a possibilidade de o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar em alguns casos9, necessita de uma maior aplicabilidade em razão de determinadas situações de vulnerabilidade da mulher, como foi constatado em visitas da Comissão Especial às unidades da federação. 7 Entende-se por estabelecimento misto (por gênero) um complexo/ unidade prisional onde há uma ala ou pavilhão feminino, cuja administração seja única para ambos os sexos. 8 Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. 9 Art. 318 da Lei. Nº 12.403/2011: Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; V - gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. 17% 8% 31% 44% 0% Europa Ásia África América Oceania 16 Gráfico 8 – Regime de cumprimento de pena 35% 43% 15% 5% 2% presas provisórias regime fechado regime semiaberto regime aberto medida de segurança Cerca de 9.200 mulheres estão inseridas em atividade laboral dentro ou fora dos estabelecimentos prisionais, ou seja, 1.655 mulheres desenvolvem trabalho externo, como, por exemplo, em empresas privadas ou órgãos públicos e 7.545 trabalham dentro de unidades prisionais, em atividades como manutenção, limpeza, cozinha, e outras. Esse quantitativo representa uma percentual de 26%, sendo 4,7% com trabalho externo e 21,3% com trabalho interno. Considerando o ensino ofertado às mulheres presas em ambiente intramuros e as autorizações para estudar externamente, existem 4.555, o que representa 12% de mulheres envolvidas com atividades educacionais, sendo 884 na alfabetização, 2.739 no ensino fundamental, 801 no ensino médio, 9 no ensino superior e 122 em cursos técnicos. Gráfico 9 – Práticas educacionais intramuros ou com autorização de saída 19% 18% 0% 60% 3% alfabetização ensino fundamental ensino médio ensino superior cursos técnicos 17 4. Princípios A Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional visa orientar as unidades da federação a desenvolver uma política estadual para as mulheres em privação de liberdade e egressas do sistema prisional, de efetivação dos direitos com reconhecimento à diversidade das mulheres em suas condições sociais, raciais, étnicas, culturais e de gênero. Pautada na Constituição Federal da República, Lei de Execução Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Regras de Bangkok (ONU) e outros normativos afetos às mulheres presas, egressas e seus filhos, em âmbito nacional e internacional, a presente Política tem como princípios basilares a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a equidade e a humanização do cumprimento da pena. No que diz respeito ao princípio da cidadania, deverão ser asseguradas às mulheres presas condições para o seu exercício, garantindo os direitos civis, políticos, sociais e econômicos, observadas as restrições trazidas pelos normativos constitucionais. A educação, a cultura, a saúde, a alimentação, o trabalho e a proteção à maternidade e à infância são direitos sociais que devem ser igualmente assegurados tanto às presas provisórias quanto às condenadas. O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como fundamento essencial que rege os demais princípios. Diante disso, qualquer norma ou atitude que venha a violar o princípio mencionado deve ser imediatamente afastada. Deve ser garantido o respeito à integridade física, psíquica e moral da presa, à orientação sexual, à identidade de gênero, à diversidade, à individualização da pena, às condições adequadas para que as presas permaneçam, temporariamente, com seus filhos na prisão, o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, entre outros. Deverá haver total repúdio ao racismo, à tortura, à discriminação, ao tratamento desumano e degradante, proporcionando, quando a lei admitir, a garantia da liberdade provisória, prisão domiciliar, alternativas penais e justiça restaurativa. O exercício do Poder Estatal deve considerar que a mulher presa, apesar de perder seu direito à liberdade, preserva seu direito à dignidade como qualquer cidadão livre, de forma que deve ser reprimida qualquer norma ou atitude que venha a violar tal princípio, a exemplo do uso das algemas em ocasiões consideradas desnecessárias e vedação de contato da mulher presa com seus familiares. O princípio da equidade, utilizado nesta Política, pode ser conceituado como uma forma justa de relação entre o Direito, as normas, a cultura, os costumes e os movimentos e processos de evolução histórica, onde são observados os critérios de igualdade, de justiça social e de garantia de direitos. No que tange a humanização do cumprimento da pena, deverá ser garantido o acesso das presas à justiça e às diversas políticas públicas, o reconhecimento de sua diversidade, o fortalecimento do vínculo familiar, a prevenção e acompanhamento de dependência química e outros, considerando que as práticas institucionais deverão ser 18 orientadas por servidores capacitados e habilitados para atuar com mulheres encarceradas. Como forma de garantir às mulheres presas a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a equidade e a humanização do cumprimento da pena, considerando as suas necessidades específicas, o Estado deve criar meios de controle social que exijam maior participação social, combatendo todas as formas de violência contra a mulher. Figura 1 – Princípios norteadores da Política Nacional Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Princípio da Cidadania Princípio da Equidade Princípio da Humanização no Cumprimento da Pena Política 19 5. Diretrizes gerais A Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional é regida por diretrizes voltadas à integração, articulação, factibilidade, coerência e viabilidade de execução, o que deve refletir nos diversos planos estaduais, programas, projetos e atividades dela decorrentes. Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da Política Nacional, além de outros instrumentos relacionados ao tema: 5.1. Garantia da inclusão desta Política na elaboração da política estadual para mulheres privadas de liberdade e egressas do sistema prisional; 5.2. Garantia da aplicação de instrumentos de gestão para monitoramento e avaliação dos impactos da implementação desta Política; 5.3. Ampliação e participação da sociedade civil no controle social desta Política, bem como nos diversos planos, programas, projetos e atividades dela decorrentes; 5.4. Incentivo à participação das mulheres presas e seus familiares no processo de formulação e implantação da política estadual para mulheres em privação de liberdade e egressas do sistema prisional, planos, programas, projetos e atividades sobre o tema; 5.5. Implantação de bancos de dados nacional e estaduais de informações penitenciárias, com recorte para as especificidades da mulher inserida no sistema penal; 5.6. Adoção do encarceramento como última medida de punição e aumento na aplicação de alternativas penais, justiça restaurativa e prisão domiciliar para as mulheres inseridas no sistema penal; 5.7. Combate a todas as formas de violência contra a mulher; 5.8. Garantia do pleno exercício dos direitos e acesso às diversas políticas sociais pelas mulheres encarceradas;5.9. Garantia do voto a todas as presas provisórias do país; 5.10. Discussão sobre a necessidade de alteração legislativa no que tange à pena e quantum da pena, nos crimes relacionados ao tráfico de drogas; 5.11. Garantia da construção/adaptação de unidades prisionais exclusivas e regionalizadas, para o público feminino; 5.12. Incentivo à produção do conhecimento científico sobre o encarceramento feminino e seus impactos sociais; 5.13. Inclusão da temática do encarceramento de mulheres nos processos de formação permanente de todos os servidores vinculados ao contexto do sistema penal; 5.14. Garantia de adaptação dos serviços penais, programas, projetos e ações de reintegração social às especificidades de gênero feminino; 5.15. Contemplação de rotinas carcerárias, serviços penais e atividades intramuros às mulheres encarceradas, reconhecendo suas necessidades especiais, perfil de 20 idade, etnia, raça, sexualidade, nacionalidade, escolaridade, maternidade, deficiência, entre outros; 5.16. Garantia de procedimentos dignificantes para o acesso e permanência dos visitantes nos estabelecimentos prisionais femininos; 5.17. Garantia do oferecimento de atividades específicas voltadas ao fortalecimento de vínculo entre a mulher presa e seu núcleo familiar, com especial atenção para seus filhos; 5.18. Garantia do acesso à educação e ao trabalho, para a mulher em situação de privação de liberdade, assegurada a ampliação da oferta em diferentes turnos; 5.19. Desenvolvimento de ações de humanização à assistência pré-natal e pós- parto, com rechaço a qualquer forma de coerção e violência física, institucional ou psicológica à mulher; 5.20. Promoção da atenção integral aos filhos e filhas das mulheres encarceradas, que se encontram intra ou extramuros com garantia de acesso à educação básica pública, gratuita e de qualidade; 5.21. Garantia dos direitos das crianças e adolescentes, filhos de mães que se encontram em privação de liberdade, à convivência familiar e comunitária, conforme preconiza a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio de estratégias diversificadas e espaços específicos, assegurando o fortalecimento do vínculo familiar; 5.22. Fomento ao desenvolvimento de ações que visem a assistência às pré- egressas e egressas do sistema prisional, por meio do conhecimento, orientação e acesso às políticas públicas de proteção social, trabalho e renda; e 5.23. Fomento ao diagnóstico precoce e encaminhamento para serviços compatíveis da rede de saúde pública, a partir de articulações necessárias, para a mulher que possui transtornos mentais. 21 6. Objetivo 6.1. Objetivo geral Promover reformulações de práticas na alçada da justiça criminal e execução penal feminina, contribuindo, efetivamente, para a garantia dos direitos, por meio da implantação e implementação de ações intersetoriais que atendam as especificidades de gênero. 6.2. Objetivos específicos 6.2.1. Organizar o sistema prisional feminino, para que contemple as especificidades de gênero da mulher desde a questão da arquitetura prisional à execução de atividades, serviços penais e rotinas carcerárias; 6.2.2. Promover e pactuar ações integradas com outras áreas governamentais, visando à complementação e inserção de políticas sociais voltadas às mulheres presas e seu núcleo familiar; 6.2.3. Contribuir para a garantia das assistências e políticas de saúde, educação, laboral, material, religiosa, jurídica, cultural, psicossocial e desportiva no interior dos estabelecimentos prisionais que custodiam mulheres; 6.2.4. Promover o acesso efetivo às políticas públicas existentes aos filhos e filhas das mulheres presas que se encontram em ambientes intra e extramuros; 6.2.5. Contribuir para que todos os estabelecimentos prisionais específicos femininos e aqueles com características mistas adotem práticas institucionais com recorte de gênero, orientação sexual, identidade de gênero, condição étnico-racial e diversidades das mulheres encarceradas; 6.2.6. Garantir o cumprimento dos normativos nacionais e internacionais de proteção à mulher presa; 6.2.7. Contribuir para a garantia de práticas humanizadoras voltadas ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários da mulher encarcerada; 6.2.8. Incentivar a rotina de capacitação permanente a todos os servidores que atuam em estabelecimentos prisionais que custodiam mulheres sobre as especificidades do encarceramento feminino; 6.2.9. Fomentar a adoção de normas e procedimentos de segurança diferenciados para as mulheres gestantes, lactantes e mães com seus filhos, que garantam estruturas físicas, serviços penais e atenção à criança inserida na unidade prisional, em atendimento às especificidades de gênero e proteção integral à criança; 6.2.10. Aprimorar a qualidade dos dados constantes em sistemas de informação penitenciária, contemplando as especificidades da mulher encarcerada; 22 6.2.11. Contribuir, em parceria com outros atores, para a construção das políticas estaduais para as mulheres em situação de privação de liberdade; 6.2.12. Fomentar e desenvolver pesquisas e estudos na seara do encarceramento feminino; 6.2.13. Monitorar e avaliar as mudanças institucionais, de forma progressiva, visando a garantia da aplicabilidade das diretrizes e estratégias desta Política em nível nacional; 6.2.14. Contribuir para o desenvolvimento de ações integradas voltadas à assistência às pré-egressas e egressas do sistema prisional; e 6.2.15. Contribuir com ações intersetorias voltadas ao atendimento de mulheres com transtorno mental. 23 7. Eixos para a efetivação da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional Os eixos para a implantação e implementação da Política Nacional alinham-se à necessidade de elaboração, pelos órgãos estaduais responsáveis pela gestão do sistema prisional, das políticas estaduais para as mulheres em situação de privação de liberdade, que devem ser coordenadas por comitê intersetorial específico, bem como por planos de ações dos órgãos ministeriais envolvidos. Com o objetivo de aprofundar a pauta do encarceramento feminino foram realizados dois encontros nacionais10 para debater o assunto, com o intuito de produzir propostas efetivas e capazes de alterar as diversas problemáticas existentes. Neste contexto, seguem os eixos nucleares desta Política, para orientação ao Departamento Penitenciário Nacional, aos órgãos estaduais de administração penitenciária e demais órgãos envolvidos com a execução penal feminina: 7.1 Banco de dados com especificidades da mulher Considerando o cenário atual sobre o encarceramento feminino, há a necessidade de criação ou adaptação de bancos de dados nacional e estadual, com informações específicas relacionadas à mulher presa, haja vista as diversas peculiaridades que compõem este universo. Como forma de aprimorar os bancos de dados penitenciários11, no tocante à inserção da questão de gênero, foram elaboradas as seguintes propostas de indicadores, a serem incorporadas no âmbito dos governos federal e estadual: 7.1.1. quantidade de estabelecimentos penais femininos exclusivos e mistos que custodiam mulheres, indicando número de mulheres por estabelecimento, por regime e quantidade de vagas; 7.1.2. existência de local adequado para visitação, a frequência e os procedimentos necessários para o ingresso do visitante social e íntimo; 7.1.3. quantidade de profissionais inseridos no sistema prisional feminino, por estabelecimento e área de atuação, visando o levantamento da quantidade de profissionais que atuam no sistema prisional feminino, inclusive os médicos, 10 Os encontros foram realizados em Brasília/DF pela Comissão do Projeto Efetivação dos Direitos das Mulheres no Sistema Penal/DEPEN/MJ, em conjunto com osintegrantes dos órgãos ministeriais e representantes das unidades da federação. 11 Registra-se que o Sistema Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN, do Departamento Penitenciário Nacional, tem como objetivo subsidiar órgãos estaduais de administração prisional e órgãos da execução penal em relação aos dados do sistema prisional. 24 agentes penitenciários, professores, pedagogos, técnicos da área da saúde, advogados, policiais, demais servidores a serviço do sistema prisional, terceirizados e outros. Deve haver campo específico para médicos ginecologistas e pediatras; 7.1.4. quantidade de mulheres gestantes, lactantes, parturientes e mães com filhos; 7.1.5. quantidade e idade dos filhos em ambiente intra e extramuros, bem como as pessoas ou órgãos responsáveis pelos seus cuidados; 7.1.6. indicação do perfil da mulher presa, considerando o estado civil, faixa etária, cor ou raça12, deficiência, nacionalidade, religião, grau de instrução, profissão, renda mensal anterior ao aprisionamento e atual da família; documentação civil básica, tempo total das penas, tipos de crimes, procedência de área rural e urbana, regime prisional e reiteração criminal; 7.1.7. quantidade de mulheres inseridas em atividade laboral interna e externa e educação formal ou profissionalizante, de acordo com as modalidades e períodos de aprendizagem; 7.1.8. quantidade de mulheres que recebem assistência jurídica regular pela Defensoria Pública, outro órgão ou advogado particular e a frequência desses procedimentos na unidade prisional; 7.1.9. quantidade e motivo de óbitos relacionados à mulher e á criança, no âmbito do sistema prisional; 7.1.10. dados relativos à incidência de hipertensão, diabetes, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis (DST), síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS- HIV) ou outras doenças; 7.1.11. quantidade de mulheres inseridas em programas de atenção à saúde mental e dependência química; 7.1.12. quantidade e local de permanência das mulheres internadas em cumprimento de medidas de segurança e o total de vagas; e 7.1.13. quantidade de mulheres que deixaram o sistema prisional por motivos de alvará de soltura, indulto, fuga, progressão de regime ou aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. 7.2. Modalidades assistenciais A prisão potencializa vulnerabilidades, sejam físicas, psíquicas, sociais ou econômicas, portanto, a atuação integrada entre os diversos atores envolvidos com a execução da pena e a concepção de tratamento penal baseada nos direitos humanos garante os direitos das mulheres encarceradas. Em razão da história de desigualdades de poder entre homem e mulher refletidas nas leis, políticas, práticas sociais e comportamentos das pessoas, torna-se 12 Conforme orientação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e classificação utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. 25 imprescindível a incorporação da perspectiva de gênero no planejamento das assistências voltadas às mulheres encarceradas, o que promoverá a melhoria das suas condições de vida e dos seus direitos. As modalidades assistenciais constituem direitos das mulheres em privação de liberdade. Para a efetiva garantia desses direitos, deverão ser assegurados recursos humanos e espaços físicos adequados às diversas ações, sejam de saúde, psicossocial, religiosa, educacional, jurídica e laboral e sua integração às demais atividades do estabelecimento prisional, contribuindo para o processo de reintegração social. A Coordenação-Geral de Reintegração Social e Ensino do DEPEN/MJ, por meio de seus diversos planos, programas e políticas, colabora com as unidades federativas no alcance dessas modalidades assistenciais. O agrupamento das modalidades assistenciais apresentado a seguir deve ser pensado de maneira articulada às muitas iniciativas, ações, projetos, práticas e políticas desenvolvidas no âmbito da gestão prisional de cada unidade federativa, a exemplo das ações para retirada de documentação civil, que se demonstram de suma importância para a inserção da mulher no mercado de trabalho ou dos programas de tratamento à dependência química. 7.2.1. Assistência material Desde o momento do recolhimento da mulher à prisão, a deficiência no fornecimento de assistência material é um dos vários problemas enfrentados, e que lhe causa enorme constrangimento. A LEP13 disciplina a assistência material como um dos deveres do Estado e cita tais assistências como: alimentação, vestuário e instalações higiênicas, onde se incluem os itens básicos de higiene pessoal. A alimentação deve ser fornecida às mulheres presas, atendendo aos critérios nutricionais para a manutenção da saúde e do vigor físico, considerando as especificidades das mulheres idosas, deficientes, doentes, com restrição alimentar, gestantes, lactantes, mães e filhos inseridos na unidade prisional. O cardápio deve ser elaborado por nutricionista, e todas as refeições devem ser preparadas de acordo com as normas de higiene alimentar. Em relação ao vestuário, o órgão estadual responsável pela administração prisional deve criar e fornecer um enxoval básico, composto por, no mínimo, uniforme (com cores e modelos diferenciados dos estabelecimentos prisionais masculinos), agasalho, roupa íntima, meias, chinelos, itens de cama e banho, que respeite a condição feminina e a sua diversidade sexual e religiosa, em quantitativo suficiente e observando as condições climáticas locais. 13 Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V – social; VI - religiosa. Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. 26 O órgão estadual de administração prisional deve montar e fornecer, em quantidade suficiente, um kit básico de higiene pessoal para as mulheres presas, composto, no mínimo, por: papel higiênico, sabonete, creme dental, escova dental, xampu, condicionador, desodorante feminino e absorvente, considerando as especificidades físicas e biológicas da mulher. Importante reiterar que para presas idosas, doentes, deficientes, gestantes, lactantes, mães e filhos inseridos no contexto prisional, a assistência material deve ser adequada à condição. 7.2.2. Assistência à saúde A realidade das unidades prisionais brasileiras demonstra a necessidade de se pensar uma política voltada para a reintegração ao contexto social e familiar, com um enfoque, inclusive, na área da saúde. Existem várias normativas, nacionais e mundiais, que garantem a proteção à saúde da pessoa em situação de prisão, como por exemplo, as Resoluções da ONU que prevêem a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Regras Mínimas para Tratamento do Preso e as Regras para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras - Regras de Bangkok. Em nível nacional, a Constituição Federal apresenta, em seu artigo 5º, incisos que tratam das garantias da pessoa presa. A saúde é considerada como um direito fundamental e social do ser humano. A assistência à saúde no âmbito do encarceramento feminino deve estar em consonância com as perspectivas de promoção e prevenção em saúde, pautadas na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional14 e na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde e políticas de atenção à saúde da criança, consoantes com os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde. As condições de confinamentoem que se encontram as pessoas privadas de liberdade são determinantes para o bem-estar físico e psíquico. A insalubridade da moradia, da alimentação e da precariedade do atendimento à saúde nas unidades prisionais contribuem para o agravamento da situação de saúde dessas mulheres. Na perspectiva da integralidade, as ações de saúde devem seguir todos os protocolos de atendimento do SUS, ofertando ações de saúde voltadas para a prevenção de doenças e seus agravos; a promoção da saúde, acompanhamento, controle e tratamento de doenças crônicas, infecciosas e infecto-contagiosas; a atenção clínico-ginecológica; os direitos sexuais e reprodutivos; a atenção obstétrica e neonatal qualificada e humanizada; o planejamento familiar; a atenção à saúde mental; a redução da morbimortalidade15; a atenção à saúde da mulher no climatério; a atenção à saúde da mulher na terceira idade; a atenção à saúde da mulher negra; a 14 O Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário está em processo de revisão, com o fito de ser transformado em uma Política Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. 15 Para o Ministério da Saúde refere-se ao impacto das doenças e das mortes que incorrem em uma sociedade 27 instituição de grupos terapêuticos para tratamento da dependência química; a atenção para a prescrição equilibrada de medicamentos; a qualificação permanente e valorização do corpo técnico de profissionais, a saúde integral da criança entre outras abordagens, na perspectiva da assistência e na inclusão das mulheres presas respaldada em princípios básicos que assegurem a eficácia das ações de promoção, prevenção e tratamento, primando pela atenção integral à saúde. É importante que se desenvolva ações de saúde mental incluindo as presas e internadas na Rede de Atenção Psicossocial, podendo se beneficiar dos serviços de saúde Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, dos Serviços de Residenciais Terapêuticos ou congêneres. O acesso a esses serviços deve ser estruturado pelas gerências da área de saúde e de órgãos estaduais da administração prisional. 7.2.3. Assistência educacional Durante a execução da pena, a mulher deve passar por um processo de preparação para retornar ao convívio social, o que ocorre quando lhe é garantido, também, o direito à educação - o primeiro direito social listado pela Constituição Federal16, - um direito de todos e dever do Estado e da família Segundo o Sistema Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN17, do total de mulheres presas, mais da metade parou de estudar antes de finalizar o ensino fundamental. Os resultados de inclusão proporcionados pela educação podem possibilitar a melhora das estratégias de prevenção e promoção da saúde para as mulheres presas. O artigo 1º da Lei de Execução Penal disciplina que a pena tem como um de seus objetivos proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Nesse sentido, percebe-se a importância da garantia da assistência educacional às presas do sistema prisional brasileiro, pois a educação é um direito subjetivo previsto em diferentes instrumentos normativos nacionais e internacionais. Pela nova redação do artigo 126 da LEP18 está assegurado ao preso o direito à remição pelo estudo, na proporção de um dia de pena a cada 12 horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 dias. No ano de 2011, foi publicado o Decreto nº 7.626/2011, que institui o Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional, que tem como objetivo ampliar o acesso e qualificar a oferta de educação aos indivíduos que se encontram em situação de prisão, contemplando a educação básica na modalidade de jovens e 16 Art. 6º da Constituição Federal : São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 17 Dados referentes ao mês de junho de 2012. 18 Lei nº 12.433/2011 - Altera a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) - dispõe sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou por trabalho. 28 adultos, a educação profissional e tecnológica e educação superior, sob a coordenação e execução dos Ministérios da Justiça e Ministério da Educação. As fundamentações teóricas e operacionais do referido Plano Estratégico remetem-se às Diretrizes Nacionais para Oferta de Educação em Estabelecimentos Penais, já definidas pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Essa relação entre Ministério da Justiça e Ministério da Educação e os órgãos estaduais de educação e de gestão do sistema penitenciário deve ser capaz de proporcionar atitudes concretas na vida das mulheres encarceradas, aliando as suas necessidades específicas e aspirações em matéria de aprendizagem. Nessa perspectiva, a assistência à educação deve estar associada a ações complementares de cultura, esporte, inclusão digital, educação profissional, fomento à leitura e a programas de implantação, recuperação e manutenção de bibliotecas. Deve ser proporcionada oferta à educação às mulheres, também, em horários distintos dos horários de trabalho, garantindo, entre outros desdobramentos: 1. O combate ao analfabetismo; 2. O aumento da escolaridade; 3. A educação profissional permanente com base nas aptidões e necessidades pessoais, bem como necessidades de mercado de trabalho, sempre que possível com caráter empreendedor; 4. A educação e a diversidade (a exemplo das mulheres presas que estão em companhia de filhos pequenos, as idosas, as estrangeiras e as deficientes); 5. A criação de mecanismos eficientes para as ações de fiscalização, controle, acompanhamento e avaliação das atividades educacionais desenvolvidas nos estabelecimentos prisionais e outros. 6. O acesso à educação em todas as unidades que custodiam mulheres. Assim, as ações de educação em espaços intramuros devem promover a integração entre os órgãos responsáveis pelo ensino público com os órgãos da execução penal, para promoção da reintegração social da pessoa presa, bem como a garantia de acesso à educação pública, gratuita e de qualidade às crianças que estejam no ambiente das prisões, em virtude da privação de liberdade de sua mãe. 7.2.4. Assistência jurídica À mulher em situação de privação de liberdade que não possui recursos financeiros suficientes para constituir advogado particular deve ter garantida a efetivação do acesso ao sistema de justiça. A assistência jurídica, prestada pela Defensoria Pública, disciplinada pela Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, deve ser integral e gratuita, como forma de acabar com a barreira que dificulta o acesso à justiça e atender a um preceito constitucional. 29 A realidade caracterizada pela superlotação dos estabelecimentos prisionais dificulta o trabalho da Defensoria Pública, que, em muitos casos, atua com baixo efetivo de defensores públicos, o que faz com que o acesso à justiça não seja atendido em sua plenitude. Dessa forma, há a necessidade de que sejam realizados concursos públicos, para aumentar o quantitativo destes profissionais atuando no sistema penal. De forma complementar, os órgãos estaduais de administração prisional devem garantir o acompanhamento processual das presas por meio de estruturação de setor jurídico e parcerias. 7.2.5. Assistência psicossocial A assistência psicossocial, desenvolvida no interior das unidades prisionais femininas, requer práticas interdisciplinares e integradas no âmbito de atuação das diversas categorias de servidores penitenciários. Dessa forma, os programasde assistência psicossocial desenvolvidos pela equipe técnica das unidades prisionais femininas devem promover a saúde, reabilitação e autonomia das mulheres, inserindo diversas abordagens e acompanhamento na área de dependência química, convivência familiar e comunitária, cuidados com a saúde mental, violência doméstica ou outras formas de violência contra as mulheres, que devem se articular com os programas e benefícios socioassistenciais, de saúde pública entre outras políticas governamentais. 7.2.6. Assistência religiosa O direito à liberdade de manifestação religiosa e o respeito às crenças devem ser garantidos às mulheres encarceradas, sem imposição estatal, de acordo com o que disciplina a Lei 9.982/200019, o artigo 24 da Lei de Execução Penal e a Resolução CNPCP nº 08/201120. A religião exerce uma significativa influência dentro das casas penais, ao trabalhar a espiritualidade e a dignidade da pessoa humana. 7.2.7. Assistência laboral A atividade laboral constitui um direito e um dever para as pessoas presas. Com base em todos os regramentos legais que disciplinam o trabalho nas prisões, esse direito/dever deve ser garantido às presas com perspectivas de capacitação e adequação às suas peculiaridades e perfil profissional. O trabalho é considerado um dever social e uma condição de dignidade humana e deverá se ater às finalidades educativa e produtiva. Nesse sentido, devem ser incentivadas, inclusive as ações que se baseiem na valorização da produção e formação de redes cooperativas e economia solidária, 19 Dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares. 20 Estabelece as diretrizes para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais. 30 possibilitando a comercialização dos produtos fabricados por meio de apoio da rede de comércio local. Além das práticas cotidianas de remição da pena pelo trabalho (1 dia de pena remido a cada 3 dias trabalhados), deve ser proporcionada, no interior das unidades prisionais que custodiam mulheres, a acumulação21 dos casos de remição por trabalho e estudo, desde que exista compatibilidade das horas diárias. No período pré-parto, as mulheres devem desenvolver atividade laboral condizente com a sua condição de gestante; no pós-parto, deve ser garantida a licença da atividade laboral22, durante 120 dias, para que as mulheres que se encontravam trabalhando possam continuar sendo remuneradas e terem remida a sua pena23. Após os 120 dias de licença remunerada, a mãe que permanece cuidando do filho dentro da unidade prisional deve fazer jus à remuneração e remição de pena, pelo trabalho de “cuidadora”. Tal prática já está em desenvolvimento em algumas unidades federativas. 7.3. Construção e ampliação de unidades prisionais femininas / aparelhamento Diversos estabelecimentos penais que custodiam mulheres levam uma herança histórica por serem, na grande maioria dos casos, adaptações de presídios masculinos ou adaptações de prédios que antes eram utilizados para outra finalidade, com total ausência de planejamento, seja no âmbito arquitetônico ou no campo dos serviços penais, voltados às particularidades femininas. Na perspectiva desta Política, os estabelecimentos prisionais femininos devem ser dotados de planejamento que indique os níveis reais de segurança, com base na sua categoria, tipo e regime prisional. Diante dessa lógica, as unidades prisionais que abrigam mulheres devem ter estrutura e autonomia de gestão prisional que espelhe uma política com recorte de gênero. Há, assim, a necessidade de construção de estabelecimentos penais de regimes específicos - regime fechado, semiaberto e aberto -, cadeias públicas, para presas provisórias, bem como a inserção de albergues femininos em locais mais centralizados do perímetro urbano. Com base nos escopos da Resolução CNPCP nº 09/2011, que edita as Diretrizes Básicas para a Arquitetura Penal, a diferença essencial entre os vários tipos de estabelecimentos penais está na particularização da categoria das pessoas presas que os ocuparão. Os projetos para estabelecimentos penais deverão prever, conforme o caso e o uso a que se destinam, módulos conforme o programa de necessidades, atendendo às atividades: administrativas; de serviços (alimentação, lavanderia, 21 Alteração dada pela Lei 12.433/2011 que alterou o artigo 126 da Lei de Execução Penal. 22 Para tal procedimento, devem ser elaborados critérios normativos para a sua concessão. 23 Atenta-se para a possibilidade de utilização do disposto no art. 126 § 4º, da Lei nº 7.210/84: (...) Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena (...) § 4o O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição. (...) 31 manutenção); de convivência; de refeição; religiosas; educativas; desportivas; laborais; de visita social; de visita íntima; de atendimento médico; de atendimento odontológico; de atendimento psicológico; de atendimento do serviço social; de atendimento jurídico; de enfermaria; de berçário e creche24 e outros. Durante o I Encontro de Planejamento do Projeto Efetivação dos Direitos das Mulheres no Sistema Penal, realizado pela equipe da Comissão Especial em 2012, foram mapeadas diversas demandas que resultaram em propostas25 e anseios das unidades federativas quanto à melhoria da arquitetura das unidades prisionais femininas. Essas propostas referem-se às especificidades da mulher e dignidade no cumprimento da pena, a exemplo de: 1. separação do ambiente sanitário e do ambiente de banho, com altura adequada para garantir a privacidade; 2. vasos sanitários nos banheiros e não vasos estilo turco (acoplado no chão); 3. instalação de válvula de descarga com acionamento direto pela mulher em privação de liberdade; 4. acessibilidade; 5. espaços específicos para gestantes, lactantes e parturientes e espaços de convivência mãe e filho, contendo planejamento específico de funcionamento e articulação com diversas políticas sociais; 6. espaços e estruturas específicas para lavagem e secagem de roupas (com tanques e varais); 7. espaços de pátio de banho de sol separado do local onde se realizam as visitas sociais; 8. espaços específicos para a realização de visitas íntimas; 9. brinquedotecas para as crianças que permanecem com suas mães e crianças visitantes26; 10. quadras poliesportivas para o desenvolvimento de atividades desportivas; 11. espaços para realização de cultos ecumênicos; 12. espaços multiprofissionais para realização, por exemplo, de dinâmica de grupo; 13. ampliação do espaço de convivência dentro das celas, com local de guarda de pertences (prateleiras); 14. espaço físico externo e coberto, para utilização por visitantes (sala de espera); 24 No âmbito desta política, esses espaços são denominados de “espaços de convivência mãe-filho”. 25 Tais propostas foram encaminhadas à Coordenação de Engenharia e Arquitetura/CGPAI/DEPEN/MJ, que as inseriu no projeto referência de cadeias públicas femininas, como parte do Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, que tem como um de seus objetivos zerar o déficit carcerário feminino. 26 A estrutura de brinquedoteca proporciona a manutenção e fortalecimento do vínculo familiar, devendo, também, ser inserida em todos os estabelecimentos prisionais masculinos. 32 15. espaços especificos para utilização, pelas mulheres em privação de liberdade que trabalham externamente, como guarda-volumes e local reservado para troca de roupas; 16. módulos de saúde; 17. módulos de educação formal e profissionalizantesem grade de separação entre o professor e a aluna, separado do módulo de vivência; 18. oficinas de trabalho; 19. estrutura da rede hidráulica com instalação de filtros de água; 20. paisagismo; e 21. espaços para atividades de horta, jardinagem e reciclagem e coleta seletiva de lixo. Faz-se necessário, ainda, o aparelhamento das unidades prisionais femininas, tanto nas áreas de segurança, incluindo materiais adequados para o biótipo feminino (coletes, uniformes e armamento) das agentes penitenciários, como materiais necessários aos técnicos da área de tratamento penal (materiais e equipamento permanentes e de consumo para a assistência à saúde, psicossocial, educacional e outros). 7.4. Maternidade na prisão e atenção à criança A Constituição Federal Brasileira define em seu art. 6º que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. Na Lei nº 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, produto de um amplo processo organizativo da sociedade para a superação do comportamento tradicional, alicerçado no abandono, na carência e na delinquência, meninas e meninos são definidos como pessoas, sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento. No âmbito do universo prisional, pode-se afirmar que são poucas as reflexões sobre a proteção integral à maternidade e à infância. Tradicionalmente, o sistema prisional feminino não tem dado prioridade às peculiaridades e necessidades de atenção às mulheres grávidas, parturientes, lactantes e às mães com seus filhos. Por mais que as crianças permaneçam nessa condição (ambiente prisional) temporária, para favorecer o vínculo infanto maternal, a administração prisional deve desenvolver formas de tornar semelhante, ao máximo possível, a dinâmica de vida com o mundo exterior, já que se trata de uma etapa de desenvolvimento que se constitui como direito e prioridade absoluta nas formulações das políticas públicas. Nas visitas institucionais da Comissão Especial – Projeto Mulheres/DEPEN/MJ, verificou-se que as práticas institucionais das unidades prisionais, em geral, são omissas ou desvinculadas de projetos específicos que vinculem um fluxo operacional planejado de atendimento efetivo e humanizado, desde a gestação, parto e inserção das crianças em ambiente intramuros. Na sequência, também, há ausência de 33 abordagens específicas e técnicas direcionadas aos filhos das mulheres inseridos em ambientes extramuros. Nesse cenário de demandas, apresenta-se, a seguir, um conjunto de propostas pactuadas voltadas à maternidade na prisão, abordando dois eixos: 1) Garantia de atendimento na gestação e 2) Garantia de atendimento na atenção aos filhos e filhas de mães em situação de privação de liberdade. Todas essas ações de cuidados durante a gestação e de atenção às mães e seus filhos e filhas devem estar em consonância com as diretrizes das políticas do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria de Direitos Humanos, entre outros órgãos afins. 7.4.1. Gestação 7.4.1.1. Identificação da situação de gestação na prisão A mulher presa deve ser identificada quanto à situação de gestação ou maternidade no momento de seu ingresso à unidade prisional. Esses dados devem constar em formulário específico ou software capaz de registrar tais informações. O formulário deve ser consolidado e encaminhado, pelos servidores do estabelecimento prisional, aos diversos órgãos, a exemplo da Secretaria de Saúde (com vistas à inclusão no SISPré-Natal Web), Secretaria de Assistência Social (com vistas aos procedimentos dos Centros de Referência de Assistência Social), Defensoria Pública (com vistas ao procedimento de acompanhamento jurídico e solicitação de direitos da mulher), entre outros. Deve, ainda, buscar formas de uma possível inclusão desses dados no sistema de acompanhamento da execução das penas, da prisão cautelar e da medida de segurança, normatizados pela Lei nº 12.714/201227. Sobre os filhos extramuros, é importante que conste no formulário a quantidade, a idade dos filhos, e as pessoas responsáveis pelos seus cuidados, assim como a composição da estrutura familiar no momento de seu ingresso à unidade prisional. 7.4.1.2. Inserção da mulher grávida e lactante em local específico e adequado, com disponibilização de serviços penais condizentes As mulheres gestantes e lactantes devem ser inseridas em locais adequados28, onde lhe sejam oferecidos atendimento de saúde e nutricional, práticas psicossociais e desportivas, alimentação, materiais, vestuário e outros serviços específicos, que atendam às suas peculiaridades. As mães que se encontram em situação de prisão devem ter seu direito sexual e reprodutivo garantido e 27 Art. 1º - Os dados e as informações da execução da pena, da prisão cautelar e da medida de segurança deverão ser mantidos e atualizados em sistema informatizado de acompanhamento da execução da pena. 28 Conforme a Resolução CNPCP nº 09/2011. 34 deverão ser estimuladas a amamentar seus filhos e filhas, salvo se houver razões de saúde específicas. 7.4.1.3. Presença de acompanhante junto à parturiente A presença de acompanhante junto à parturiente deve ser autorizada, durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, conforme a Lei nº 11.108, de 7 de abril de 200529. O acompanhante da mulher presa deve ser indicado com antecedência e ter cadastro comprovado no rol de visitantes do estabelecimento prisional. 7.4.1.4. Proibição do uso de algemas Devem ser criados meios para garantir o conhecimento e o cumprimento dos dispositivos internacionais30 e nacionais31 que proíbem o uso de algemas ou outros meios de contenção em presas parturientes, definitivas ou provisórias, no momento em que se encontrem em intervenção cirúrgica, para realizar o parto ou estejam em trabalho de parto natural, e no período de repouso subsequente ao parto. Os serviços de saúde e da administração prisional devem incluir todas as estratégias de humanização voltadas para a mulher no ciclo de gestação, parto, puerpério e aleitamento. 7.4.1.5. Atividades de reintegração social e procedimentos diferenciados para as gestantes As presas gestantes devem dispor de mecanismos que incentivem a prática de atividades de reintegração social. Como já abordado no eixo das modalidades assistenciais, durante o pós-parto, deve ser garantida a licença da atividade laboral para que as mulheres que se encontravam trabalhando possam continuar sendo remuneradas e terem remida a sua pena. Após os 120 dias de licença remunerada, a mãe que permanece cuidando do filho dentro da unidade prisional deve fazer jus à remuneração e remição de pena, pelo trabalho de “cuidadora”. Deve ser garantido o tempo de banho de sol ampliado e em horários diferenciados, para as gestantes. 29 A portaria nº 2.418/GM de 2 de dezembro de 2008 regulamenta, em conformidade com o art. 1º da Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005, a presença de acompanhante para mulheres em trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais públicos e conveniados com o Sistema Único de Saúde - SUS. 30 Regras de Bangkok 31 Resolução CNPCP nº 03/2012. 35 7.4.1.6. Inserção da gestante na Rede Cegonha Tendo em vista que a Nota Técnica Conjunta nº 01/2011-DAPES/SAS/MS – DIRPP/DEPEN/MJ, de 16 de dezembro de 201132, inseriu a população feminina do sistema prisional na Rede Cegonha, a secretaria estadual responsável pela administração prisional deve se articular com a secretaria estadual e municipal de saúde para facilitar o acesso das mulheres que se encontram privadas de liberdade aos serviços de saúde do referido programa. O Plano é
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