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CARTOGRAFIA ESCOLAR ISSN 1982 - 0283 Ano XXI Boletim 13 - Outubro 2011 Sumário Cartografia esColar Apresentação da série ............................................................................................................ 3 Rosa Helena Mendonça introdução ............................................................................................................................. 4 Rosangela Doin de Almeida Texto 1 - Cartografia, cultura e produção de conhecimento escolar ..................................... 8 Rosangela Doin de Almeida Texto 2: As linguagens e a cartografia na educação básica................................................... 18 Rosangela Doin de Almeida Texto 3: Tecnologia e cartografia escolar .............................................................................28 Tania Seneme do Canto 3 Cartografia esColar apresentação 1 http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/atlasescolar/apresentacoes/oquee.swf 2 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC). Segundo pode ser lido no Atlas Geográfico Escolar, no site do IBGE1, “A palavra Cartografia foi registrada pela pri- meira vez em 1839 em uma correspondência do Visconde de Santarém para o historiador brasileiro Francisco Adolfo Varnhagem, in- dicando a ideia de um traçado de mapas e cartas, onde se lia: (...) invento esta palavra já que aí se têm inventado tantas.” Mas se a palavra surge no século XVIII, a ideia de criar registros do espaço é muito anterior, como nos revelam os historiadores. E, cada vez mais, a cartografia faz parte de nos- sas vidas, ganhando espaço também nos currí- culos escolares, desde a educação infantil. A série Cartografia escolar, com a consulto- ria da professora e pesquisadora Rosangela Doin de Almeida (UNESP – Rio Claro/SP), é uma retomada do tema apresentado com grande repercussão no Salto para o Futuro/ TV Escola em 2003. Desta vez, incorporando, além de aspectos históricos e de práticas es- colares, temas como a cultura cartográfica do ciberespaço, entre outros. Nos programas televisivos, por meio de lo- cações em diferentes espaços, incluindo o escolar, e de entrevistas com especialistas o tema será apresentado visando subsidiar novas experiências nas escolas. Os textos que compõem esta publicação também ofe- recem reflexões e referências bibliográficas que poderão servir de fundamentação aos professores e às professoras que já desen- volvem ou que pretendem desenvolver tra- balhos com cartografia na escola. Rosa Helena Mendonça1 4 Cartografia esColar introdução Rosangela Doin de Almeida1 A presença da cartografia na Educação Bási- ca cresceu consideravelmente nas duas úl- timas décadas. Embora o uso de mapas e o ensino de conceitos cartográficos já façam parte dos programas escolares de Geogra- fia há muito tempo, temos assistido recen- temente uma expansão dos conhecimen- tos cartográficos no ensino que vai desde a educação infantil até o ensino superior. Nos cursos de pós-graduação, também é crescente o interesse em temas sobre carto- grafia e educação. Diversos acontecimentos concorreram para isso, que serão, em parte, apresentados no primeiro texto. A cartografia escolar vem se estabelecendo no currículo, bem como tem despertado in- teresse de pesquisas. Ela é vista como um saber que está em construção no contexto histórico-cultural atual, momento em que a tecnologia permeia as práticas sociais e as concepções educacionais destacam a forte influência da cultura nas práticas escolares. A cartografia escolar está se estabelecendo como um conhecimento construído nas in- terfaces entre cartografia, educação e geo- grafia, abrangendo conhecimentos e práti- cas para o ensino de conteúdos originados na cartografia, mas que se caracteriza por lançar mão de visões próprias de diversas áreas. Ela também pode referir-se a formas de se apresentar conteúdos relativos ao es- paço-tempo social, a concepções teóricas de diferentes áreas de conhecimento a ela rela- cionadas, a experiências em diversos contex- tos culturais, a práticas com tecnologias da informação e comunicação. Esses e outros temas que compõem o mosaico atual das discussões sobre sociedade e escola também dizem respeito à cartografia escolar, dando- lhe novas e múltiplas interfaces. Nesta série abordaremos as especificidades do tema “Cartografia Escolar”. Ao longo de cinco programas, vamos discutir a cartogra- fia realizada nas escolas e sistematizada por 1 Professora adjunta aposentada e voluntária no Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento do IGCE – Unesp – CRC. Coordenadora do grupo de pesquisa “Geografia e Cartografia Escolar” credenciado no CNPq. Consultora da série. 5 pesquisadores sob a ótica do currículo, da cultura e da tecnologia na educação básica e no ensino superior, a partir de três eixos: 1) Cartografia, cultura e produção de conhe- cimento escolar; 2) As linguagens e a carto- grafia na educação básica; 3)Tecnologia e cartografia escolar. Com esses eixos temáticos, discutiremos a história dos conteúdos de cartografia nos livros didáticos desde o início do século XIX e as alternâncias, permanências e transfor- mações curriculares. Vamos mostrar tam- bém como os mapas e atlas escolares foram se adaptando aos contextos políticos e edu- cacionais ao longo da história da educação brasileira, criando visões de país e de mundo em sintonia com os interesses de seus pro- dutores. Discutiremos também a importân- cia da relação espaço-tempo-corpo nas re- presentações espaciais infantis. No contexto da educação inclusiva, vamos abordar a cartografia tátil no ensino de geo- grafia com uso de mapas, gráficos e maque- tes sonoras (ou não). Mostraremos como alguns laboratórios de pesquisas em carto- grafia tátil usam recursos computacionais para confecção de material didático de bai- xo custo, que são acessíveis para professores e alunos. Vamos também discutir a cultura carto- gráfica do ciberespaço: mapas multimídia, Google Earth, novas práticas de mapeamen- to que possibilitam o compartilhamento de dados e a produção colaborativa de mapas, projetos multimídia e atlas eletrônicos. Va- mos observar os desdobramentos desses itens no ensino de Geografia. TexToS dA Série CArTogrAfiA eSColAr2 A Cartografia Escolar vem se estabelecen- do como um conhecimento construído nas interfaces entre cartografia, educação e geografia. A Cartografia Escolar abrange conhecimentos e práticas para o ensino de conteúdos originados na cartografia, mas pode lançar mão de visões próprias de diver- sas áreas. Atualmente, também pode refe- rir-se a formas de se apresentar conteúdos relativos ao espaço-tempo social, a concep- ções teóricas de diferentes áreas de conheci- mento a ela relacionadas, a experiências em diversos contextos culturais, a práticas com tecnologias da informação e comunicação. Até certo ponto, sua abrangência está vin- culada à escola, diretamente ou não. Esses e outros temas serão debatidos ao longo dos cinco programas da série. 2 Estes textos são complementares à série Cartografia Escolar, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola (MEC) de 17/10/2011 a 21/10/2011. 6 TexTo 1/Pgm 1: CArTogrAfiA, CulTurA e Produção de ConheCimenTo eSColAr No primeiro texto da série, são comentados os vários eventos sobre cartografia escolar no Brasil, destacando que os trabalhos apresentados nesses eventos deli- neiam temas de interesse de pesquisadores e professores quanto à cartografia es- colar. O texto também apresenta a história dos conteúdos de Cartografia nos livros didáticos desde o início do século XIX e as alternâncias, permanências e transfor- mações curriculares. TexTo 2/Pgm 2: AS linguAgenS e A CArTogrAfiA nA eduCAção báSiCA O segundo texto discute as linguagens e a cartografia na Educação Infantil e no Ensino Fundamental,destacando a representação do espaço por crianças através do desenho. Também aborda um tema de grande importância: o ensino de mapas para pessoas portadoras de deficiência visual. TexTo 3/Pgm 3: TeCnologiA e CArTogrAfiA eSColAr O terceiro texto da série discute a cultura cartográfica do ciberespaço: mapas mul- timídia, Google Earth, novas práticas de mapeamento que possibilitam o compar- tilhamento de dados e a produção colaborativa de mapas, projetos multimídia e atlas eletrônicos. Analisa, ainda, os desdobramentos desses itens no ensino de Geo- grafia. Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais para as entrevistas e debates do PGM 4 – Outros olhares sobre cartografia escolar e do PGM 5: Cartografia escolar em debate. 7 referênCiAS ALMEIDA, Rosangela Doin de (org.) Carto- grafia Escolar. São Paulo: Ed. Contexto, 2007. ALMEIDA, Rosangela Doin de (org.) Novos ru- mos da Cartografia Escolar: currículo, lingua- gem e tecnologia. São Paulo: Ed. Contexto 2011. ALMEIDA, Rosangela Doin de. Do desenho ao mapa. São Paulo: Ed. Contexto, 2004. Cadernos dos CEDES, Formação de professo- res e Atlas municipais escolares. Campinas, v. 23, n. 60, p.131-134, agosto de 2003. MARTINELLI, Marcello. Os mapas da Geogra- fia e cartografia temática. São Paulo: Contex- to, 2003. PAGANELLI, Tomoko Y. A noção de espaço e tempo – o mapa e o gráfico. Revista Orienta- ção, São Paulo, n. 6, p.21-38, 1985. VENTORINI, Silvia. A experiência como fator determinante na representação espacial de pessoas com deficiência visual. São Paulo: Ed. Unesp, 2009. blog CArTogrAfiA eSColAr Atlas eletrônico do Rio de Janeiro – Arma- zenzinho - Instituto Pereira Passos http://portalgeo.rio.rj.gov.br/armazenzinho/ web ibge http://www.ibge.gov.br/7a12 http://www.ibge.gov.br/ibgeteen ConCurSo nACionAl de mAPAS Por CriAnçAS “líviA de oliveirA” http://www.cartografia.org.br 8 teXto 1 - Cartografia, Cultura e produção de ConheCimento esColar Rosangela Doin de Almeida1 Inicialmente, vamos retomar alguns acon- tecimentos que contribuíram para a consti- tuição da Cartografia Escolar no Brasil, de maneira que o leitor possa situar as atuais publicações e a própria série sobre este tema. Desde a década de 1990, vêm sendo realiza- dos vários eventos sobre cartografia escolar no Brasil, eventos que, em parte, correspon- dem ao que vem acontecendo na Associação Cartográfica Internacional (ICA). Em 1993, a ICA criou o Prêmio Barbara Petchenik, em memória dessa cartógrafa que foi vice-pre- sidente da ICA e trabalhou com mapas para crianças. O objetivo do concurso era promo- ver representações criativas do mundo fei- tas por crianças, o que foi recebido de modo muito positivo. Em 1994, um survey realizado conjuntamente entre Brasil e Canadá pes- quisou o nível de interesse em formar um grupo de estudos sobre a relação das crian- ças com mapas. Em decorrência dos resul- tados positivos obtidos nesse levantamento, foi criado um grupo de trabalho internacio- nal sobre Cartografia e Crianças, em 1995. Nesse mesmo ano, no Brasil, foi realizado o 1º Colóquio de Cartografia para Crianças. O interesse nessa temática foi grande, princi- palmente por parte de professores e pesqui- sadores de diversas universidades brasilei- ras. Em 1996, o II Colóquio Cartografia para Crianças foi promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizon- te. O III Colóquio Cartografia para Crianças foi realizado pela Associação de Geógrafos Brasileiros (seção São Paulo), na USP, em 1999. A Universidade Estadual de Maringá deu lugar ao IV Colóquio e I Fórum Latino- americano de Cartografia para Crianças, em 2001. Neste evento, foi realizada tam- bém a competição internacional Barbara Petchenick de mapas do mundo para a se- leção de trabalhos que foram enviados para o Congresso Internacional de Cartografia 2 Professora adjunta aposentada e voluntária no Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento do IGCE – Unesp – CRC. Coordenadora do grupo de pesquisa “Geografia e Cartografia Escolar” credenciado no CNPq. Consultora da série. 9 em Beijin (China), onde o mapa de uma aluna brasileira foi premiado. Atualmente, a Sociedade Brasileira de Cartografia criou o Prêmio “Lívia de Oliveira” com o mesmo objetivo da ICA, as regras para essa premia- ção podem ser encontradas no sítio da SBC [http://www.cartografia.org.br ]. A Universidade Federal Fluminense e a So- ciedade Brasileira de Cartografia realizaram o I Simpósio Ibero-americano de Cartografia para Crianças, no Rio de Janeiro, em 2002. Nesse mesmo ano, ocorreu o VIII Colóquio Internacional de Cartografia para Crianças, em Diamantina (MG), o qual reuniu diversos pesquisadores internacionais. O V Colóquio de Cartografia para Crianças ocorreu em 2007, na Universidade Federal Fluminense. Nesse evento, foi lançado o li- vro Cartografia Escolar (Almeida, org., 2007) que reúne as teses que embasaram o desen- volvimento de uma Cartografia Escolar no Brasil. A realização do VI Colóquio de Cartografia para Crianças e do II Fórum Latino-ameri- cano de Cartografia para Escolares ocorreu na Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2009, contando com o apoio do CNPq e da Sociedade Brasileira de Cartografia. Em outubro de 2011, será realizado do VII Co- lóquio de Cartografia para Crianças e Esco- lares, que terá lugar na Universidade Federal do Espírito Santo, com o tema “Imaginação e Inovação: desafios para a Cartografia Esco- lar”. O objetivo do evento é discutir a atual produção nessa área e ser um momento de intercâmbio com outros pesquisadores que Figura 1 – Triângulo didático (R. D. Almeida) 10 cruzam sua produção com aquela relaciona- da à cartografia e educação. Em decorrência da produção existente a res- peito do assunto, podemos agora tentar de- finir em que consiste a Cartografia Escolar. A partir do tradicional triângulo didático, em cujos vértices são indicados os três pontos principais da didática – o saber, o professor e o aluno – fizemos uma adaptação, com o objetivo de inserir elementos teóricos mais atuais. Retiramos o termo “saber” e o subs- tituímos por “currículo”, que segundo Sa- cristán (1998), corresponde a “uma seleção culturalmente definida de certos conteúdos, que estão ligados aos formatos nele esta- belecidos e às condições mais objetivas em que se desenvolve; portanto, trata-se de um elemento fundamental da cultura escolar” (ver figura 1). Na tentativa de situar a cartografia escolar no contexto da cultura escolar e do currícu- lo, elaboramos um mapa conceitual (figura 2), que representa o triângulo didático no amplo espaço em que circulam conheci- mentos de diferentes áreas das Ciências Hu- manas: Psicologia Educacional, Psicologia Social, Filosofia, Sociologia, Antropologia, História da Educação, Política Educacional, para mencionar algumas; onde circulam co- nhecimentos das ciências da Linguagem (Se- Figura 2 – Mapa conceitual de Cartografia escolar. (Extraído de: Almeida, 2011, p. 8) 11 miologia, Semiótica, Linguística, Análise do Discurso, Filosofia da Linguagem, Cinema, Literatura, por exemplo) e das ciências de referência que, no caso, são principalmente Geografia e Cartografia. Conhecimentos es- ses que se constituem e se transformam no amplo contexto da sociedade e da cultura. Cabe dizer que esse contexto ganha sentido ao circunstanciar-se no tempo e no espaço, não correspondendo a algo único e geral (Al- meida, 2011, p. 7 e 8). Os trabalhos apresentados nos eventos deli- neiam temas de interesse de pesquisadores e professores quanto à cartografia escolar. Em um levantamento que realizamos cons- tatamos, nos Anais dos eventos, que os se- guintes temas são os mais recorrentes: • Representação do espaço, que inclui con- teúdos de cunho teórico a respeito da representação do espaço na criança, lin-guagem cartográfica, mapas mentais e re- presentação de conceitos socioespaciais; • Metodologia de ensino, que envolve con- teúdos teórico-práticos voltados para a busca de caminhos didáticos no ensino da Cartografia Escolar, incluindo iniciação cartográfica, educação especial (deficien- tes visuais) e ensino-aprendizagem de ha- bilidades e conceitos específicos; • Tecnologias e produção de materiais di- dáticos cartográficos, incluindo trabalhos a respeito de atlas escolares, maquetes, multimídia, educação a distância, senso- riamento remoto e geoprocessamento; • Formação docente, incluindo pesquisas sobre saberes e práticas de professores, currículo e formação de professores. A CArTogrAfiA no CurríCulo eSColAr Cabe, agora, perguntar como a cartografia entrou no currículo escolar. Consideramos que o currículo vai se estabelecendo como resultado de um jogo de forças entre dife- rentes grupos sociais que têm poder para definir o que e como deve ser ensinado. Nis- so, estamos de acordo com Ivor Goodson (2000) e André Chervel (1990). Em uma pesquisa sobre os conteúdos de cartografia nos livros didáticos brasileiros, foram analisados os seguintes livros publi- cados no período de 1824 a 1936: • TORREÃO, Bazilio Quaresma. Compendio de Geographia Universal. Londres: L. Thom- son Library, 1824. • BRASIL, Thomaz Pompêo de Souza. Com- pendio elementar de Geographia geral e es- pecial do Brasil. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1864. • F. I. C. Terra Ilustrada. Geographia Univer- sal: Physica, Etnographica, Politica, Econo- mica dos cinco partes do mundo. Traduzida 12 e adaptada por Eugenio de Barros Raja Gabaglia. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 188(?). No primeiro compêndio, logo no início, o au- tor esclarece que se trata de um resumo de es- tudos de diversos autores estrangeiros, que ele realizou com a finalidade de apresentar aos jo- vens brasileiros. De modo curioso, o autor “re- conhece a importância do trabalho com mapas para o ensino da Geografia e lamenta a ausên- cia desse recurso didático na obra devido aos altos custos, na época, de uma impressão com imagens. Nesse senti- do, aconselha os profes- sores a fazerem uso de planisférios e de mapas regionais em suas aulas, como forma de suprir a ausência de represen- tações cartográficas no material didático” (Boli- gian e Almeida, 2011, p. 74). Já podemos notar que o texto era o princi- pal (e único) meio destinado ao ensino e que se tratava de um “resumo” construído a partir de outros autores, aos quais os professores nunca teriam acesso. Destacamos o caráter enciclo- pedístico do ensino e a concepção de que os mapas não eram necessários para o estudo do tema. Os primeiros programas oficiais de ensino foram criados para o Colégio Pedro II, nos anos seguintes da sua fundação, e serviram de base para os livros que se sucederam, mas, cabe dizer, esses programas foram sis- tematizados a partir de livros existentes na época. Isso caracteriza um efeito de dupla legitimação dos conteúdos curriculares. En- tre as obras didáticas mais indicadas, surgiu o livro do padre e jurista Thomaz Pompeu de Souza Brasil, intitulado Compendio elementar de Geographia Geral e Especial do Brasil. Esse livro foi publicado, provavel- mente, no final da década de 1850, por uma das livrarias mais tradicionais do Rio de Janeiro, a Eduardo & Hen- rique Laemmert Editores. “Souza Brasil era docente do Lyceu do Ceará, em Fortale- za, nas cadeiras de História e Geografia, e mantinha es- treitas relações com o Insti- tuto Histórico e Geo gráfico Brasileiro (IHGB), sediado no Rio de Janeiro, onde atuava como membro pesquisador” (Boligian e Al- meida, 2011, p. 75). A obra de Souza Brasil reproduz a de “pos- tillas” antigas, que eram “resumos escritos pelos professores, os quais eram reproduzi- dos de maneira manuscrita ou em pequenas tipografias, com conteúdos para algumas matérias escolares”. Essas apostilas eram já resumos do compêndio de Quaresma Tor- O título “Terra Ilustrada” remete ao aspecto inovador dessa obra, pois ela deve ser um dos primeiros livros didáticos ilustrados de Geografia impressos no Brasil. 13 reão, “em que, na primeira parte, são desen- volvidas ‘noções geraes’, com conceitos de Astronomia, Cartografia e Geografia Física, a segunda parte aborda aspectos naturais, populacionais e econômicos descritivos dos continentes e países do mundo, e uma ter- ceira parte final apresenta descrições dos aspectos já citados das províncias brasileiras (...)” (Boligian e Almeida, 2011, p. 76). Ainda resta indicar a importante influência dos livros didáticos franceses no currículo da escola brasileira. Um livro que teve gran- de presença no Colégio Pedro II durante a década de 1880 foi a obra Terra Ilustrada. Geographia Universal: Physica, Etnographica, Politica, Economica das cinco partes do mun- do, preparada, em sua versão nacional, pelo professor Eugenio de Barros Raja Gabaglia e publicada pela Livraria Garnier, do Rio de Janeiro. Esse livro era usado no original francês, Raja Gabaglia não fez apenas a tra- dução, ele incluiu novos conteúdos para se adequar ao programa escolar brasileiro. O título “Terra Ilustrada” remete ao aspecto inovador dessa obra, pois ela deve ser um dos primeiros livros didáticos ilustrados de Geografia impressos no Brasil. Trata-se de uma inovação que a Livraria Garnier trouxe para o mercado editorial brasileiro. Embora ainda consista em uma compilação baseada Figura 3 – Ilustração encontrada no livro “Terra Ilustrada”. “Geographia Universal: Physica, Etnographica, Politica, Economica das cinco partes do mundo”, da segunda metade da década de 1880, traduzido e adaptado pelo professor Eugenio Raja Gabaglia. 14 em outros autores franceses consagrados, essa obra tinha “a possibilidade técnica e fi- nanceira de, naquele momento, inserir ima- gens, avançando no didatismo proposto pe- los materiais escolares da época. Inicia-se, assim, uma nova fase na produção de ma- teriais didáticos, em que a vulgata passa a ter o apoio determinante de imagens em sua tarefa de ‘transpor’ conceitos e conteúdos” (Boligian e Almeida, 2011, p. 82). Diversas ilustrações desse livro foram copia- das por outros, chegando até os dias atuais como verdadeiros “ícones” do ensino de cartografia. Entre elas, escolhemos uma que teve o poder de quase perpetuar a ideia de que as direções cardeais estão associadas aos lados do corpo humano (direito/ Leste - esquerdo/Oeste) e levar ao esquecimento de que essas direções resultam do movimento de rotação da Terra, o qual ocasiona o mo- vimento aparente do Sol, conhecido desde a Antiguidade como referência para a orienta- ção e a localização (figura 3). Esta rápida análise nos leva a concluir que a cartografia presente nas escolas hoje con- siste na permanência de conhecimentos que podem ser chamados de “núcleo duro”, ou seja, “um conjunto de noções, conceitos e temas, como ‘Direção e Orientação’, ‘Forma da Terra e Movimentos dos astros’, ‘Linhas imaginárias: Paralelos e Meridianos’, ‘Coor- denadas geográficas: Latitude e Longitude’, ‘Mapa’ e ‘Globo terrestre’, que entendemos aqui como permanências no currículo brasi- leiro de Geografia para o ensino secundário aproximadamente nos últimos dois séculos. Esses conteúdos explícitos, assim como o método de ensino estabelecido historica- mente pelos professores-autores de mate- riais didáticos, demonstram uma produção cultural distinta, na qual verificamos que a Geografia escolar surge não como uma vulgarização ou uma adaptação de conhe- cimentos geográficos científicos, mas sim como uma forma de conhecimentos parti- cular e original da instituição escolar e para a instituição escolar” (Boligian e Almeida, 2011, p. 89). Um estudo similar iluminaoutro aspecto central da cartografia escolar – os atlas es- colares. Marcello Martinelli, autor de diver- sos atlas escolares, vem desenvolvendo uma metodologia para a produção desses atlas, de maneira a superar as dificuldades origi- nadas pela reprodução de materiais prece- dentes sem a necessária discussão de seus objetivos, conteúdos e formas. Referindo-se aos atlas do século XIX, ele traz uma informação sobre o uso de mapas contrária àquela que encontramos sobre a inserção de mapas em livros de texto: “os Atlas geográficos para escolares ganharam crédito entre os materiais didáticos, ade- quando-se cada vez mais a essa tarefa em sala de aula. Tais atlas despontaram em vá- rias partes do continente seguindo o modelo 15 da geografia alemã. Tanto é que se noticiou como um primeiro atlas escolar, o Kleiner Atlas Scholasticus publicado em 1710 pelo editor Homann. Compunha-se de mapas, sem algum texto. Numa edição posterior, de 1719, sob o nome de Atlas methodicus, fora então concebido especificamente para atender os cursos de geografia” (Martinelli, 2011, p. 57. Grifo nosso). Se retomarmos a produção de atlas esco- lares, vamos verificar que eles continham mapas e imagens organizados e relaciona- dos de acordo com o programa de Geogra- fia. Conforme essa disciplina se estabeleceu no currículo e as técnicas de impressão fo- ram se aperfeiçoando, a produção de atlas aumentou. Esses atlas foram elaborados como simplificações dos grandes atlas ge- rais de referência. No Brasil, a publicação do primeiro atlas escolar ocorreu em 1868, por Candido Mendes de Almeida, autor do Atlas do Império do Brasil, que foi adotado no Co- légio Pedro II. O Colégio Pedro II foi um marco no ensi- no em nosso país. Desde sua criação até a década de 1930, a formação de professores era feita nesse colégio, pois não existiam instituições de ensino superior para esse fim. Em geral, o ensino de Geografia era pautado na memorização de informações sobre o território brasileiro e do mundo. No ensino de cartografia, a maior ênfa- se recaía sobre os estudos astronômicos, como círculos da esfera terrestre, escala, latitude e longitude, rosa dos ventos, pon- tos cardeais e colaterais, orientação pelo Sol e pela bússola, cosmografia (astros e esfera celeste). Figura 4 – Primeiras páginas do Atlas de Geographia Universal Especial- mente do Brasil. Extraído de Aguiar, 2011, p. 42. 16 Valeria Aguiar estudou os atlas escolares bra- sileiros e concluiu que, na maior parte de- les, a cosmografia era o tema inicial. “Com o propósito de avaliar a Cartografia escolar no contexto dessas reformas educacionais, selecionamos quatro atlas que as ratificam: o Atlas de Geographia Universal Especialmente do Brasil (edições de 1906 e de 1913) e duas edições do Novo Atlas de Geographia (uma de 1927 e outra anterior, sem data de publica- ção)” (Aguiar, 2011, p. 42) . Segundo ela, as primeiras páginas desses atlas apresentam as projeções cartográficas e a cosmografia (figura 4). Podemos concluir que a cartografia passou a fazer parte do currículo como um item do programa de Geografia. Os conteúdos de cartografia até meados do século passado permaneceram vinculados à cosmografia e à astronomia. Sabemos que na segunda parte do século passado, as mudanças cur- riculares sofridas pela Geografia afetaram o ensino de cartografia, de maneira que ape- nas nas últimas décadas ressurgiram preo- cupações com a linguagem cartográfica e o ensino de mapas. referênCiAS AGUIAR, V. Trevizani. Navegar, com mapas, é bem mais preciso. In: ALMEIDA, R. D. (org.). Novos rumos da Cartografia Escolar: currícu- lo, linguagem e tecnologia. São Paulo. Ed. Contexto, 2011. p. 37-56. ALMEIDA, Rosangela Doin de (org.) Carto- grafia Escolar. São Paulo. Ed. Contexto, 2007. ALMEIDA, Rosangela Doin de (org.) Novos ru- mos da Cartografia Escolar: currículo, lingua- gem e tecnologia. São Paulo. Ed. Contexto, 2011. Boligian, Levon e ALMEIDA, Rosangela Doin de. A cartografia nos livros didáticos no pe- ríodo de 1824 a 1936 e a história da geografia escolar no Brasil. In: ALMEIDA, R. D. (org.). Novos rumos da Cartografia Escolar: currícu- lo, linguagem e tecnologia. São Paulo. Ed. Contexto, 2011. p. 71-90. CHERVEL, André. “História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pes- quisa”. In: Teoria & Educação, n. 2, 1990. GOODSON, Ivor F. El cambio en el currículum. Barcelona: Ediciones Octaedro, 2000. MARTINELLI, Marcello. Atlas geográficos para escolares. In: ALMEIDA, R. D. (org.). No- vos rumos da Cartografia Escolar: currículo, linguagem e tecnologia. São Paulo: Ed. Con- texto, 2011. p 57-70. Sacristán, J. Gimeno. O currículo, uma refle- xão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed, 1998. endereçoS eleTrôniCoS: Blog Cartografia Escolar www.cartografiaescolar@blogspot.com 17 Atlas eletrônico do Rio de Janeiro – Arma- zenzinho. Instituto Pereira Passos http://portalgeo.rio.rj.gov.br/armazenzinho/ web IBGE http://www.ibge.gov.br/7a12 http://www.ibge.gov.br/ibgeteen Concurso Nacional de mapas por crianças “Lívia de Oliveira” http://www.cartografia.org.br 18 teXto 2: as linguagens e a Cartografia na eduCação básiCa Rosangela Doin de Almeida1 Na primeira parte deste texto, vamos dis- cutir sobre linguagens e cartografia na Edu- cação Infantil e no Ensino Fundamental, destacando a representação do espaço por crianças através do desenho. Na segunda parte, vamos abordar um tema de suma importância – o ensino de mapas para pessoas portadoras de deficiência visu- al. Mostraremos como produzir materiais adequados a esses alunos. Este é um assunto já bastante debatido em diversas publicações e nos encontros de Car- tografia Escolar, portanto, vamos delinear nossa abordagem em torno da representa- ção do espaço em desenhos infantis e sua contribuição para uma cartografia pertinen- te à infância. O desenho é uma forma particular de lin- guagem. “O que faz com que um chimpan- zé, ainda que consiga riscar muito bem com um lápis na pata, jamais faça um desenho de um chimpanzé (...)?” pergunta Philippe Greig (2004, p. 13). Podemos dizer que os de- senhos ou grafismos consistem em um tipo de linguagem presente em nossas manifes- tações culturais desde a pré-história. Mas, o que é o desenho para a criança? Por que as crianças desenham? A criança desenha para se divertir. A criança desenha para se comu- nicar. É uma atividade lúdica e estética. Há poucos registros diretos a respeito do que as crianças pensam sobre o ato de de- senhar, são os adultos que escrevem sobre os desenhos de crianças. Naturalmente, a perspectiva que predomina tem como refe- rência padrões definidos pelos adultos. Ain- da que seja estranho pensar que as crianças possam pesquisar suas próprias produções, conhecer mais de perto o que elas pensam ao desenhar poderá contrabalançar nossas concepções. Levantamos essa questão para fazer notar que as sistematizações teóricas sobre o de- senho de crianças partem de concepções dos adultos a respeito da infância. E que 2 Professora adjunta aposentada e voluntária no Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento do IGCE – Unesp – CRC. Coordenadora do grupo de pesquisa “Geografia e Cartografia Escolar” credenciado no CNPq. Consultora da série. 19 predomina, ainda, uma visão evolutiva do desenho proposta no início do século passa- do. Não se trata de negar o desenvolvimento do homem desde o nascimento até a idade adulta, mas de ficarmos atentos para o fato de que existem outras abordagens além da evolutiva. O perigo aqui é considerar que crianças pequenas são incapazes ou que suas produções gráficas não correspondem ao que deveriam ser, negando até certo pon- to sua propriedade linguística. Destacamos a importância das experiências corporais no espaço porque sãoelas que proporcionam a organização espacial inter- na, a qual aparece nas representações da figura humana. Estas partem da conquista das formas fechadas que originam a figura- girino na representação de um personagem, a qual mais tarde criará uma insatisfação quanto à sua propriedade para representar o corpo. A criança logo agrega um corpo à cabeça, correspondendo à separação funcio- nal entre ambos. Na adequação das formas da figura huma- na ao esquema corporal, a verticalidade é o ponto mais importante. Em outras palavras, conforme o esquema corporal for ganhan- do detalhes funcionais (individuação de suas partes e respectivas funções) a criança perceberá que seu desenho da personagem não corresponde plenamente a essa ima- gem. Procurará, então, agregar detalhes às formas já conquistadas. Nesse processo, ao alongar as pernas para dar verticalidade ao Figura 1 – A estrutura cabeça/corpo se estabelece (Extraído de Phi- lippe Greig. A criança e seu desenho. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. p. 59). 20 corpo, perceberá que fica um vazio no tron- co, o qual poderá ser preenchido. Outro ca- minho encontrado por algumas crianças é fechar o eixo vertical, dando ao corpo uma forma trapezoidal. A diferenciação cabeça/ corpo pode ser feita também pela junção de duas formas secantes ou tangentes. Essas formas vão ganhando detalhes até atingir o esgotamento do desenho da personagem (figura 1). Notamos uma importante relação entre a construção da figura da personagem e a representação do espaço: a verticalidade do corpo. A forma vertical do corpo humano e seu deslocamento na superfície terrestre, a partir de uma postura ortostática (relativa à ou própria da postura ereta) influem na apreensão das informações espaciais. Pensamos que este ponto da construção do esquema corporal é o terreno fértil no qual germinam as noções das demais coordena- das espaciais. A verticalidade vem a consis- tir-se no eixo principal de toda organização espacial humana, pois só o homem tem uma postura ereta, o que lhe confere liberar os membros superiores e deslocar-se ortostati- camente sobre o solo. Definem-se assim três eixos a partir do esquema corporal: frente – atrás; direita – esquerda; acima – abaixo. Liliane Lurçat acrescenta que “o conheci- mento do próprio corpo procede do conhe- Figura 2 – Figura continente para o rosto, figura irradiante para o corpo (Extraído de Philippe Greig. A criança e seu desenho. Por- to Alegre: Artes Médicas, 2004. p. 50). 21 cimento do espaço e ao mesmo tempo o tor- na possível” (1979, p. 23). Portanto, é na infância que a noção das co- ordenadas espaciais se origina. O desenho de uma personagem não é apenas um dese- nho, pois traz em si a referência primordial das relações de localização espacial e sua re- presentação cartográfica. É a partir do eixo vertical e sua projeção no espaço imediato – e deste, no espaço representado no papel ou na tela – que se projetam os referenciais de localização e orientação. A conquista do desenho da personagem vai se estabelecendo com a agregação de deta- lhes na forma definida inicialmente. Trata- se da figuração da personagem, que aparece junto com outras figurações: animais, ár- vores, casas etc. Com a combinação de ele- mentos diferentes, a criança vai adquirindo um “vocabulário gráfico” que lhe permite identificar (ou agregar identidade) aos dife- rentes objetos criados no espaço gráfico. Os elementos gráficos da elaboração do dese- nho são o círculo e o traço, que podem ser combinados de três maneiras: círculo com círculo, traço com círculo e traço com traço (figura 2). Até aqui o problema das três dimensões ain- da não foi colocado. As figurações no espa- ço bidimensional do papel mantêm o ponto de vista único: as personagens são vistas de frente, animais casas e veículos são vistos de perfil (figura 3). Em objetos com formas que se aproximam dos sólidos geométricos, como por exemplo uma casa, o desenho frontal logo se revela Figura 3 – Personagem vista de frente, veículo visto de perfil. (Extra- ído de R. Doin de Almeida (coord.). Meu Primeiro Atlas de Sumaré. 2008, p. 12 ) 22 como insuficiente, pois certos detalhes não podem ser colocados, como janelas e por- tas laterais. Para resolver esse problema, algumas crianças fazem uma justaposição da casa de frente e de lado, criando assim um desdobramento ou rebatimento dos ele- mentos no plano frontal, o que é uma das principais características espaciais do dese- nho de crianças (Figura 4). A forma desdobrada ainda não satisfaz, pois não corresponde ao que as crianças obser- vam, e elas buscam outras soluções para ex- pressar a profundidade. As primeiras angu- lações resolvem o problema da expressão da profundidade. Assim, temos quatro etapas na conquista da representação tridimensio- nal do espaço nos objetos: o ponto de vista único, a conjugação sincrética com rebati- mentos, a busca da profundidade (destaque de planos diferentes, afastamento etc.) e a angulação, que define a perspectiva conven- cional (figura 5). Parece-nos que a conquista da perspectiva convencional não corresponde a uma aquisi- ção natural, mas advem de um aprendizado ou da observação de produções veiculadas pelos meios de divulgação (livros, fotos, gra- vuras etc.). A partir do Renascimento, as ar- tes visuais assumiram esse tipo de perspec- Figura 4 – Casas com visão frontal e desdobramento da lateral, o traçado das ruas é visto de cima. (Extraído de R. Doin de Almeida (coord.). Meu Primeiro Atlas de Sumaré. 2008, p. 52 ). 23 ciais. Esses grupos vêm ganhando força e es- paço junto da cartografia escolar, por traba- lharem em um tema instigante e específico. Destacamos que a representação espacial por portadores de deficiência visual é crucial para a educação cartográfica, uma vez que os produtos cartográficos são eminente- mente visuais. Os olhos são, em nossa socie- dade, o principal meio usado para conhecer o mundo, portanto, pessoas com compro- metimento do canal visual apresentam um obstáculo que desafia a educação quanto às possibilidades de aquisição de conhecimen- tos relativos à representação espacial. O termo deficiência visual pode referir-se às pessoas cegas e pessoas com baixa visão. Ao consultar a literatura especializada, cons- tatamos que o termo se refere às pessoas com baixa visão, que perderam a visão na idade adulta ou na infância, que nasceram tiva que permaneceu por séculos como uma “visão natural” dos objetos. Movimentos de artistas nos últimos dois séculos romperam com essa proposta. No entanto, na ciência (e, por conseguinte, na escola) a perspectiva a partir de um ponto de fuga foi importante para a construção da representação do espa- ço. Nesse processo, a cartografia beneficiou- se bastante, pois os mapas passaram a ser construídos com a projeção ortogonal dos pontos sobre o plano do papel, criando uma visão artificial do espaço, embora alguns textos afirmem que “os mapas mostram a terra vista de cima”! CArTogrAfiA TáTil Os estudos em cartografia tátil, no Brasil, avançaram consideravelmente nos últimos anos, graças ao empenho de grupos de pes- quisadores e professores envolvidos com a inclusão de pessoas com necessidades espe- Figura 5 – Ponto de vista frontal e único (A), conjugação sincrética com rebatimentos (B), a busca da profundidade (C) e a angulação (D). (Adaptado de Philippe Greig. A criança e seu desenho. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. p. 97). 24 cegas, que enxergam vultos ou sombras ou distinguem apenas a claridade. Portanto, as necessidades especiais não são as mesmas entre essas pessoas. Segundo Vasconcellos, “mapas são representa- ções gráficas do espaço e, como abstrações da realidade, pertencem ao mundo das imagens. Pes- soas com deficiência vi- sual precisam que estasimagens sejam percebi- das por outros canais de percepção, substituindo a visão. Um mapa é chamado tátil quando está em um formato que permite que seja ‘visto pelo toque’, nesse caso, é construído utilizando-se uma linguagem gráfica tátil com signos em relevo” (2001, p. 37) Atualmente, os recursos tecnológicos digi- tais são uma grande contribuição para a pro- dução dos mapas. Porém, mapas artesanais, feitos com materiais simples, também con- seguem atingir resultados excelentes, mas oferecem maiores limitações na reprodução de um grande número de cópias, além de ser gasto um tempo longo em sua elaboração. Na cartogra- fia tátil, os mapeadores são, geralmente, pessoas leigas, como professores e pais de crianças com deficiência visual, que necessitam maior prepa- ro para a produção e uso dos mapas. Informamos que alguns laboratórios podem auxiliar os professores na produção desses materiais. Após diversas pesquisas e cursos, o LEMADI – Laboratório de Ensino e Material Didático do Depto. de Geografia da USP – indica su- gestões referentes à produção do mapa tátil e seu uso em sala de aula, organizadas em dois grupos. Para informar os professores, incluímos essas sugestões no quadro abaixo. Pessoas com deficiência visual precisam que estas imagens sejam percebidas por outros canais de percepção, substituindo a visão 25 1 - Construção e design do mapa tátil • A escolha da linguagem gráfica (design ou solução gráfica) é, provavelmente, a etapa mais importante de todo o processo de produção das representações gráficas destinadas à per- cepção tátil. É preciso proceder a uma sistematização das regras básicas para a construção dos mapas adaptados à resolução do tato; • A criação e uso de convenções são fundamentais para facilitar a utilização da linguagem cartográfica e a leitura das representações gráficas. A legenda do mapa é um recurso muito importante para o usuário com deficiência visual, pois este grupo de usuários apresenta bastante facilidade na decodificação e leitura de legendas; • A escolha do nível de redução e generalização é vital, da mesma forma que o tamanho da base é importante. A percepção tátil não é global como a visão e possui uma menor reso- lução, o que significa que a pessoa com deficiência visual precisa juntar pequenas parcelas de informação para formar uma imagem completa; • O tamanho de cada mapa, maquete ou gráfico não deve ultrapassar 50 cm, porque o campo abrangido pelas mãos é muito mais restrito que o campo da visão; • O uso da redundância é indicado, o que significa usar duas variáveis gráficas para represen- tar uma única informação, por exemplo, textura associada a formas; • É importante medir a quantidade de informação a ser representada e nunca sobrecarregar o mapa, é preferível fazer diversos mapas a concentrar informações em um só mapa. 2 - uso dos mapas e representações gráfiCas no ensino: • Conceitos geográficos básicos, tais como proporção, escala, localização e orientação, pre- cisam ser bem entendidos antes da introdução dos mapas; • A linguagem gráfica tátil deve ser apresentada através de exercícios com as variáveis gráfi- cas em relevo, como preparação à leitura de mapas; • Modelos em três dimensões e maquetes com as altitudes ajudam a criança a entender o espaço físico. São representações menos abstratas e devem preceder o uso dos mapas; • Atividades e jogos geográficos podem facilitar o processo de aprendizagem da Geografia e da Cartografia, na medida em que motivam o aluno e tornam o ensino mais interessante; • Todos os materiais didáticos, incluindo os mapas, devem ser classificados considerando níveis de complexidade, em função de algumas variáveis importantes: idade e nível de de- senvolvimento cognitivo do aluno, interesse e experiência anterior, adequação à série que o aluno está cursando, dentre outros. Fonte: ALMEIDA, R. Araujo, 2007. p.137- 138. 26 O papel das tecnologias digitais deve ser destacado e valorizado com relação à pro- dução e uso do mapa tátil e ao processo de aprendizagem da linguagem cartográfica, além de ser importante nas ações voltadas para a formação de professores. Porém, ainda existem limitações para sua utiliza- ção, pois depende do computador e da co- nexão à Internet, o que não é encontrado em muitas escolas. Ainda que pese a dificuldade de acesso, a tecnologia atualmente disponível ao usuá- rio portador de deficiência visual possibili- ta a combinação de recursos visuais, táteis e sonoros, de forma a ampliar o acesso aos produtos cartográficos. Cabe destacar sua importância com relação à mobilidade para pessoas com deficiência visual. Merece des- taque o uso de maquetes sonoras realizado por Sena (2008), que desenvolveu um ma- terial inovador, associando as técnicas da cartografia tátil com robótica. O ensino de mapas para crianças normo- visuais já traz inúmeras questões quanto à cognição e à representação do espaço, o ensino para pessoas portadoras de de- ficiência visual parece-nos algo ainda mais complexo, instigante e desafiador. Lembramos, no entanto, que deficiências podem ter um papel criativo, dando lugar para que surjam capacidades que não se manifestariam em sua ausência, como de- fende Oliver Sacks. referênCiAS ALMEIDA, Regina Araujo; SENA, Carla Cristi- na; CARMO, Waldirene. Técnicas de Cartogra- fia Inclusiva. In: VENTURI, Luis A. Bittar (org.). Geografia - Práticas de Campo, Laboratório e Sala de Aula. São Paulo: Editora Sarandi, 2011. ALMEIDA, Regina Araujo. Ensino de Carto- grafia para Populações Minoritárias. In: Bo- letim Paulista de Geografia. São Paulo: AGB, 2007. p.111-129. ALMEIDA, Rosangela Doin de (coord.). Meu Primeiro Atlas de Sumaré. Sumaré (SP): Pre- feitura Municipal de Sumaré, 2008. ALMEIDA, Rosangela Doin de. Do desenho ao mapa. São Paulo: Ed. Contexto, 2004. CADERNOS DOS CEDES. Formação de profes- sores e Atlas municipais escolares. Campi- nas, v. 23, n. 60, p. 131-134, agosto de 2003. CARMO, Waldirene Ribeiro do. Cartografia tátil escolar: experiências com a construção de materiais didáticos e com a formação continuada de professores. Dissertação de Mestrado, DG, FFLCH, USP. São Paulo, 2010. Freitas, Maria Isabel de; Ventorini, Silvia Ele- na; Borges, José Antonio. Maquetes táteis, dispositivos sonoros e aulas inclusivas com mapavox. 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(Internet and printed version). VENTORINI, Silvia Elena. A experiência como fator determinante na representação espa- cial do Deficiente Visual. Tese (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em Geografia. Rio Claro: UNESP, 2007. VENTORINI, Sílvia Elena. A experiência como fator determinante na representação espa- cial da pessoa com deficiência visual. São Paulo: Editora UNESP, 2009. p. 112. 28 teXto 3: teCnologia e Cartografia esColar Tania Seneme do Canto1 mitir que, em questão de minutos, mapas construídos num pontodo globo alcanças- sem o mundo. Ao longo do tempo, entretanto, a tecnologia avançou e permitiu que outras formas de re- presentação cartográfica fossem incorpora- das aos sites e disponibilizadas na Internet. Desse modo, os mapas virtuais se tornaram mais interativos, possibilitando uma maior autonomia do usuário no processo de leitu- ra e interpretação cartográfica, bem como na criação de novos mapas. CArTogrAfiA mulTimídiA Uma das primeiras grandes mudanças que as novas tecnologias promoveram no mun- do da cartografia foi a possibilidade de com- binar os mapas com outras mídias e outros modos de leitura. Com o desenvolvimento da linguagem digital, imagens, textos, vídeos e sons puderam ser associados num mesmo suporte e acessados aleatoriamente a par- tir de nós de conexão chamados hiperlinks. A tecnologia, seja ela antiga ou nova, está profundamente associada aos modos pelos quais construímos o conhecimento. Atual- mente, são a internet e o computador que se destacam neste processo, ao se consti- tuírem na sociedade contemporânea como os principais meios de produção, difusão e acesso à informação. Na área da cartografia, isso significa que cada vez mais os mapas passam a circular no mundo virtualmente e, assim, começam a participar também de ou- tros modos de ensinar e aprender geografia. Os mapas que encontramos hoje nos meios digitais são de uma diversidade muito gran- de, tanto nos seus conteúdos, como nos for- matos. Isso se deve à própria evolução das tecnologias desenvolvidas com a Internet e os computadores. No início do surgimento da Internet, por exemplo, os mapas que co- meçaram a circular na rede ainda eram mui- to parecidos com aqueles que encontráva- mos em livros didáticos e atlas escolares. Na verdade, a principal importância da Internet para a cartografia, neste período, foi per- 1 Mestre em Geografia e Doutoranda no Programa de pós-graduação em Geografia do IGCE da UNESP, campus Rio Claro. Autora de livros e artigos sobre cartografia escolar. Professora efetiva da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo. 29 Aplicada à cartografia, esta nova linguagem trouxe aos usuários dos mapas a possibili- dade de navegar por diferentes formas de expressão dos conteúdos geográficos e sele- cionar, dentro de um leque de opções prede- finido, as informações que deseja visualizar cartograficamente. Para vários autores da área, o uso destes no- vos recursos pela cartografia favorece uma interação diferente entre o usuário do mapa e a representação cartográfica em si. Se- gundo Peterson (1999), esta nova linguagem permite elaborar mapas mais interativos e animados, que transcendem o caráter está- tico e imutável do mundo representado nos mapas de papel. Para Gomes (2010, p. 33), tal interatividade significa a possibilidade de “construir outras conexões e interpretações, até então impossíveis com a utilização ape- nas dos mapas impressos”. Apesar de o conceito multimídia focar es- pecialmente a combinação de diferentes mídias num mesmo suporte, o conjunto de projetos cartográficos que não só utiliza várias linguagens para representar as infor- mações geográficas, mas também permite que essas sejam acessadas através de links de acordo com o interesse do usuário, ficou conhecido pelo nome de Cartografia Multi- mídia. No início do desenvolvimento da Cartogra- fia Multimídia, a distribuição deste formato de mapas era feita por meio de CD-ROMs, no entanto, com a evolução da web, a maioria destes projetos está hoje disponível na Inter- net. Alguns exemplos que se destacam são: o projeto Armazenzinho, o canal Países do site do IBGE e os aplicativos Google Maps e Google Earth. O projeto Armazenzinho (figura 1) consiste num website com caráter educacional que busca difundir informações sobre a cidade do Rio de Janeiro. Desse modo, o site oferece vários dados sobre o município, os quais são apresentados na forma de textos, imagens e mapas. O acesso a tais dados se dá por meio de hiperlinks, os quais levam os usuários a diferentes seções do site. Os mapas apresen- tados também oferecem diferentes níveis de interatividade. Segundo Gomes (2010), na seção Conhecendo o Rio, por exemplo, o usu- ário do site pode visualizar mapas temáticos de diversos pontos da cidade do Rio de Ja- neiro, conhecer diferentes rotas por meio de sistemas de transporte como metrô, trem, bicicleta e barcas, localizar endereços, e após o mapa aparecer, montar um mapa te- mático do bairro, entre outras coisas. Já no site do IBGE, os recursos oferecidos pelo projeto Países (figura 2) são um pouco mais simples. Um mapa-múndi clicável e um menu são apresentados ao usuário, que pode selecionar o país e o tema sobre o qual gostaria de obter informações. Tais informa- ções são apresentadas na forma de tabelas 30 e podem ser comparadas com as de outros países do mundo através de hiperlinks que dão acesso a elas. Os aplicativos Google Maps (figura 3) e Goo- gle Earth (figura 4) podem ser considerados alguns dos projetos cartográficos multimí- Figura 1: Armazenzinho. Fonte: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/ar- mazenzinho/web/ Figura 2: IBGE Países. Fonte: http://www.ibge.gov.br/paisesat/ 31 dia mais sofisticados que encontramos hoje na rede. Tanto um quanto outro oferecem ao usuário a possibilidade de escolher se quer visualizar a superfície terrestre na for- ma de mapas, imagens de satélite ou uma combinação entre os dois. Através das di- Figura 3: Google Maps Fonte: http://maps.google.com.br Figura 4: Google Earth Fonte: http://www.google.com/intl/pt-PT/earth 32 versas ferramentas disponíveis, é possível também aproximar e distanciar os lugares, localizar endereços e serviços, traçar rotas, obter e compartilhar fotos e vídeos de dife- rentes lugares e desenhar novos mapas. Estas são as funções básicas dos dois progra- mas, entretanto eles se diferenciam em di- versos aspectos. O Google Earth, por exem- plo, precisa ser instalado no computador e proporciona um modelo 3D da superfície terrestre, que dá a sensação de o usuário estar sobrevoando o planeta, enquanto o Google Maps oferece apenas uma visão 2D da superfície terrestre e pode ser acessado diretamente na Internet. Além disso, o Goo- gle Earth também traz mais informações complementares sobre os lugares. A partir de um enorme banco de dados, atualizado periodicamente e acessado através da sele- ção de camadas, muitos autores defendem que este aplicativo é um grande Atlas virtual do mundo. rumo àS novAS PráTiCAS de mAPeAmenTo Além de popularizar a Cartografia Multimí- dia, o surgimento de programas como Goo- gle Maps e Google Earth acrescentou à socie- dade em rede uma nova dimensão cultural. Segundo Canto e Almeida (2011), programas como estes não só oferecem a possibilidade de navegar virtualmente pela superfície ter- restre, como também permitem que novos conteúdos e ferramentas sejam incluídos pelos usuários aos mapas e imagens de sa- télite preexistentes, fazendo emergir assim uma nova geração de mapas na Internet, bem como novas práticas de mapeamento. Conforme Cartwright (2008), um importan- te especialista na área de mapas e internet, até pouco tempo os mapas produzidos para a web eram elaborados por cartógrafos e en- tregues como pacotes completos aos seus usuários. Hoje, no entanto, devido ao de- senvolvimento de novos aplicativos na web, os internautas se apropriam da rede de uma nova maneira, participando efetivamente da produção de seus conteúdos, inclusive, dos conteúdos cartográficos. Desse modo, para o autor, uma grande revolução está ocorrendo no modo como as informações geográficas são recolhidas e mapeadas, afinal, os mapas “estão sendo produzidos por ‘novos cartó- grafos’, assim como por cartógrafos que são novos para a cartografia” (2008, p. 19). Nesse contexto,as pessoas têm utilizado estas novas tecnologias de mapeamento para os mais diversos fins e dos mais diver- sos modos. Genericamente, podemos dividir estes mapas em três categorias, conforme o modo como eles são construídos. Existe um público que utiliza estes programas de modo mais sofisticado, pois já são iniciados em linguagem de programação. Nesse caso, através de uma tecnologia chamada API, eles manipulam os códigos dos programas 33 de mapeamento e os combinam com outros sistemas e informações veiculadas por sites preexistentes na rede. O resultado é a cria- ção de aplicações que mapeiam conteúdos que circulam na web em outras formas de representação. Um exemplo disso é o site GeoImpress (figura 5), o qual combina os re- cursos do Google Maps com as imagens hos- pedadas na rede social Flickr. Desse modo, ao acessar o GeoImpress e escolher no mapa um ponto do globo para visualizar, são exi- bidas no site as fotografias identificadas no Flickr com esta localização. A tecnologia API também tem sido utiliza- da para criar o que tem sido chamado de, mapas colaborativos, esta seria outra cate- goria de mapas, pois apesar de também se manipularem os códigos dos programas de mapeamento, o objetivo não é combiná-los com dados já existentes, mas sim adicionar ferramentas que visam à inclusão direta de conteúdos e informações por qualquer usu- ário. Com isso, as aplicações criadas são na verdade mapas abertos em contínuo proces- so de construção. Exemplos bastante inte- ressantes desta forma de mapeamento po- dem ser vistos nos sites Post Urbano (figura 6) e Wikimapa (figura 7). Nos dois casos, as pessoas que visitam o site são convidadas a intervir diretamente nos mapas e imagens de satélite disponíveis. No Figura 5: Google Maps + Flickr = GeoImpress Fonte: Canto e Almeida (2010, p. 151). 34 projeto Post Urbano, o objetivo é mapear a cidade de Rosário com as experiências e his- tórias vividas por seus habitantes. Enquanto que no projeto Wikimapa, o objetivo é fazer ver as favelas do Rio de Janeiro pelos olhos dos jovens que as habitam. Assim, eles po- dem mapear trajetórias, localizar lugares, postar vídeos e fotos destes lugares, bem como escrever sobre eles. A terceira categoria de mapeamento tem uma característica singular, pois não deriva Figura 6: Post Urbano Fonte: http://post.wokitoki.org/ Figura 7: Wikimapa Fonte: http://wikimapa.org.br/ 35 da recombinação de códigos ou programas preexistentes no ciberespaço. No entanto, eles continuam sendo resultado da compo- sição entre mapas disponíveis por progra- mas online e conteúdos produzidos pelos usuários. Desse modo, de uma forma dife- rente, estes projetos também conferem sen- tidos particulares aos mapas que já existem na web. Como exemplo desse tipo de projeto, pode- mos citar o Invisible Stories (figura 8). Criado por um grupo de artistas na seção Meus Ma- pas do programa Google Maps, o objetivo do mapeamento é mostrar a história de vida de algumas pessoas que habitam a cidade de São Paulo. Desse modo, por meio das ferra- mentas de edição de texto e marcadores de lugar, fornecidas pelo programa, trechos de relatos desses habitantes foram localizados no mapa. Apesar de não ser colaborativo, já que não está aberto à participação direta dos internautas, o mapeamento representa a experiência de vida de várias pessoas na cidade. Desse modo, podemos concluir que a maior contribuição destes novos programas de mapeamento é que eles abrem o mundo dos mapas para as pessoas em geral, tornando- o uma linguagem mais participativa e de- mocrática. Com isso, outras cartografias passam a ganhar existência na sociedade. Diferentes pontos de vista sobre a realidade podem ser mapeados, outras histórias com o espaço podem ser contadas e, assim, ou- tras geografias também passam a frequen- tar nosso pensamento espacial e o de nossos alunos. André Lemos, um professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia, resume bem a importância desses novos programas, dizendo o seguinte: Figura 8: Invisible Stories Fonte: http://maps.google.com.br 36 [...] esse sistema de mapas digitais tor- nou disponível, para todos com acesso à rede, uma possibilidade de produzir conteúdos e mapas sem precedentes na história da humanidade. Com finalida- des as mais diversas, esses mapas hoje permitem a pessoas e comunidades cria- rem histórias e significações autóctones sobre suas realidades, sobre seus “luga- res”. Ou seja, é possível produzir histó- rias sobre os lugares que não são as ofi- ciais, criar sentido além da reprodução oficial. (2008, s/p) Com isso, o que percebemos hoje é que, de uma forma ou de outra, através desses no- vos mapas virtuais, a Internet se tornou um lugar de encontro de diferentes histórias com o espaço. referênCiAS CANTO, T. S. e ALMEIDA, R. D. Mapas feitos por não cartógrafos e a prática cartográfi- ca no ciberespaço. In: ALMEIDA, R. D. (org.). Novos rumos da cartografia escolar: currí- culo, linguagem e tecnologia. São Paulo: Contexto, 2011. CARTWRIGHT, W. Delivering geospatial in- formation with Web 2.0. In: PETERSON, M. P. (ed.) International Perspectives on Maps and the Internet. New York: Springer, 2008. LEMOS, A. Mapas além-Google. Trópico, Se- ção Novo Mundo, 19 abr. 2008. Entrevista concedida a G. Beiguelman. Disponível em: http://pphp.uol.com.br/tropico/html/tex- tos/2970,1.shl Acesso em 25 abr. 2008. MOREIRA, S. A. G. Cartografia multimídia: interatividade em projetos cartográficos. Tese (Doutorado em Geografia). Rio Claro, SP: Instituto de Geociências e Ciências Exa- tas/Departamento de Geografia/Universida- de Estadual Paulista, 2010. PETERSON, M. P. Elements of multimedia cartography. In: CARTWRIGHT, W.; PETER- SON, M. P.; GARTNER, Georg (orgs.). Multi- media cartography. Berlin: Springer-Verlag, 1999. 37 Presidência da república ministério da educação Secretaria de educação básica Tv eSColA/ SAlTo PArA o fuTuro Coordenação-geral da Tv escola Érico da Silveira Coordenação Pedagógica Maria Carolina Mello de Sousa Supervisão Pedagógica Rosa Helena Mendonça Acompanhamento Pedagógico Grazielle Avellar Bragança Coordenação de utilização e Avaliação Mônica Mufarrej Fernanda Braga Copidesque e revisão Magda Frediani Martins diagramação e editoração Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil Gerência de Criação e Produção de Arte Consultora especialmente convidada Rosangela Doin de Almeida E-mail: salto@mec.gov.br Home page: www.tvbrasil.org.br/salto Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro. CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ) Outubro 2011