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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS WALDEMAR NUNES DA SILVA QUEIROZ NETO APONTAMENTOS SOBRE O FILME “AS DUAS FACES DE UM CRIME” Goiânia - GO 2020 WALDEMAR NUNES DA SILVA QUEIROZ NETO APONTAMENTOS SOBRE O FILME “AS DUAS FACES DE UM CRIME” Trabalho elaborado para fins de avaliação parcial na disciplina Direito Processual Penal I, referente ao núcleo obrigatório do curso de graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), sob orientação da Prof. Dr. Adegmar José Ferreira, como requisito parcial para a aprovação na presente disciplina. Goiânia - GO 2020 APONTAMENTOS SOBRE O FILME “AS DUAS FACES DE UM CRIME”1 Waldemar Nunes da Silva Queiroz Neto2 Sinopse Depois da morte de um arcebispo, um jovem inexpressivo é acusado como sendo o maior suspeito do crime. Porém, não há um motivo para o ato fatal. Desse modo, um renomado advogado decide pegar o caso e descobrir o que houve de verdade. Personagens Principais • Coroinha/Réu: Aaron Stampler; • Arcebispo: Richard Rushman; • Advogado: Martin Vail; • Promotora: Janet Venable; • Procurador-Geral do Estado: John Shaughness; • Juíza: Miriam Shoat; • Psicóloga: Molly Arrington. • Auxiliar de investigação da defesa: Tommy Goodman. • Chefe do cartel: Joey Pinero. Resumo e Análise “Todo réu, não importa quem seja ele, não importa o que ele tenha feito, tem direito à melhor defesa que seu advogado possa oferecer.” Essa pequena frase dita em uma entrevista pelo personagem Martin Vail, ex-promotor de justiça e famoso advogado de defesa na seara penal, carrega, intrinsicamente, um dos mais nobres postulados do Direito. Com efeito, consagra que todos, independente de seus valores subjetivos, têm o direito de uma defesa justa, completa e de qualidade por alguém habilitado e capacitado para isso. Ainda durante tal entrevista inicial também é demonstrado, através do advogado, o princípio da busca pela verdade real dentro do âmbito processual. No entanto, como toda lide, sua busca aqui não é, necessariamente, pelos fatos ocorridos no plano tangível, mas, nas palavras de Martin, a verdade mais favorável para seu cliente, a “sua verdade”. 1 AS duas faces de um crime. Direção de Gregory Hoblit. Estados Unidos da América, 1996. 1 DVD (130 minutos), colorido. Título original “Primal Fear”. 2 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Estagiário do Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). Monitor da disciplina de Direito Constitucional. E-mail: waldemarnsqneto@discente.ufg.br. Por fim, como outro ponto de destaque dessa conversa, o entrevisto relembra como a sociedade relaciona e assimila a índole dos advogados de defesa com as de seus clientes, criando assim um imaginário social de que ambos são peças iguais de um mesmo jogo. Ou seja, que todos são igualmente condenáveis. Na sequência da história, há um assassinato dentro do espaço da Igreja, em que o arcebispo da cidade, pessoa extremamente conhecida e querida por todos, acaba por levar cerca de 78 facadas e ter talhado em seu peito os escritos 832.156. Quase que de imediato, a polícia já surge nos arredores do crime e passa a buscar por algum suspeito. Nesse momento de investigação nos é apresentado o personagem Aoron Stampler, coroinha daquela Igreja e que se encontrava fugindo da polícia, próximo do local do incidente, com o corpo completamente ensanguentado por sangue. Há uma forte perseguição, acompa- nhada de perto e em tempo real pela a mídia que, ao fim, culmina na captura dessa personagem. Martin, justamente através dessa transmissão por parte da mídia, conhece o caso e, desde aquele momento, propõe-se a atuar na defesa daquele jovem. Eis aqui outra característica desse personagem: busca ser reconhecido na mídia, sentindo, para tanto, um forte prazer pela fama, algo que persegue com veemência. Ao chegar na delegacia para falar com seu famigerado cliente, o advogado já é cercado por repórteres que buscam saber mais da causa, demonstrando assim que, de fato, ele estava alcançando tal fama que buscava. Na rápida conversa inicial que teve por Aoron, Martin se autodefine como um “advogado de primeira”, demostrando em certa medida sua arrogância que, mais tarde, dá-se de forma extremamente pujante. Afirma também que atuará de forma pro bono, isto é, sem custos, pedindo que o acusado não fale com mais ninguém, não sem sua permissão. Aoron explica que conheceu o bispo em um momento de extrema dificuldade e que este atuou, em poucas palavras, como um pai para ele, levando-o para o orfanato da Igreja e dando- lhe funções no coral e como coroinha. Ele também narra sua versão do assassinato: ao chegar no quarto do arcebispo, para devolver um livro, encontrou sangue por todos os lados e uma pessoa debruçada sobre o corpo do religioso. Quando essa pessoa percebeu a presença de Aoron no quarto, atacou-lhe imediatamente. Nesse momento, Aoron afirma ter apagado, algo que, em seus palavras, acontece de forma recorrente, de modo que ele não conseguia se lembrar de nada. Com efeito, quando questionado por das razões de estar fugindo da política, o coroinha também se limita a dizer que “quando acordei estava coberto de sangue. Não sabia o que fazer. Ouvi as sirenes e corri.” Pois bem. O caso então está, oficialmente, nas mãos do renomado Martin Vail e de sua renomada equipe. Como atividade inicial, buscam se debruçar sobre o motivo, as causas, a origem daquele terrível assassinato. Eles tinham que provar que mais alguém teria cometido o crime. Precipuamente, “estabelecer o benefício da dúvida” dentro do âmbito processual. Inicia-se, assim, uma trabalhosa investigação sobre a vida do religioso, buscando obter, para tanto, indícios que levariam à possíveis desafetos daquele. A equipe também inicia suas buscas por teses jurisprudenciais correlatas ao caso que poderiam ser úteis à defesa. Há também um pedido por parte de Martin para que se consiga uma psiquiatra que "conheça verdadeiramente sobre amnésia. Em relação à promotoria do caso, observa-se uma clara afronta ao princípio do promotor natural pois, em suma, o Procurador-Geral do Estado (John Shaughness), amigo íntimo do falecido religioso, indica a promotora Janet Venable para o caso. Além do mais, como pressuposto dessa indicação, pede para que Janet peça a pena de morte do acusado. Um ponto interessante é demonstrado com essa indicação: Janet já tivera um caso, algo em torno de 6 meses, com o advogado Martin. Não seria, portanto, uma clara hipótese desta se declarar como suspeita? Tal fato torna-se ainda mais pujante dentro da história devido os inúmeros encontros e desencontros que ambas as personagens possuem, mesclando, em certa medida, suas vidas pessoais com as profissionais. Essa mescla de relações se demonstra quase que instantaneamente após a indicação da promotora ao cargo. Janet, ao se encontrar com Martin, acusa-o de ser um “caçador de manchetes”. Afirma também que não precisa de uma Mercedes e muito menos ver sua cara estampada no noticiário da noite. Com efeito, isso apenas atiça a personalidade do advogado que, diante de tal afronta, passa a atuar ainda com maior empenho sobre o caso, em um espécie de ressignificação da lide para também incluir seu ego. No próximo encontro de Martin com Aoron, aquele pede que esse não diga absolutamente nada no julgamento, apelando por um profundo silêncio diante de qualquer in- quirição na corte. Ato contínuo, diante da equipe, o advogado alega que “nós temos duas vítimas e nenhum suspeito”, demonstrando que verdadeiramente acreditava nas palavras de seu cliente. Com o desenrolar da narrativa, ocorre o primeiro momento do julgamento em que a promotoria pugna por um homicídio em primeirograu. A defesa, por sua vez, solicita uma análise psiquiátrica do réu, mas é negada pela juíza. Por fim, quando se solicita a inquirição de Aoron, Martin, valendo-se de sua ideia inicial, recorre à 5ª Emenda e, ao fim, o réu acaba por nada dizer durante tal julgamento. A corte entra em recesso e a equipe do advogado continua sua busca por outros possíveis indivíduos que poderiam ter cometido o assassinato. Nessa medida, o assistente de investigação Goodman, passando-se por tio de Aoron, dirige-se até os antigos aposentos deste. Quando adentra o espaço acaba por encontrar um outro rapaz revirando as coisas de Aoron. Há uma forte luta corporal e, ao fim, durante a fuga daquele, Goodman arranca de sua orelha um pequeno crucifixo, algo que, assim, poderia identificar quem seria aquela pessoa. Ato contínuo, Martin vai até a penitenciária para falar com Aoron. Ao chegar lá, inicia seus questionamentos a Aoron para saber quem era e o porquê daquela pessoa estar revistando seus antigos aposentos. O antigo coroinha reconhece que aquele crucifixo pertencia a Alex e, ao seu ver, desconhecia as origens daquele revista em suas coisas. Durante essa conversa também nos é apresentado a personagem Linda, antiga namorada de Aoron, cujos sentimentos por parte daquele apenas se mostravam ser os melhores. Na sequência, quando questionado por Martin se Alex seria capaz de ter cometido o assassinato, Aoron se limita a dizer que não sabe quem poderia ter sido capaz de cometer aquilo. O advogado, em seus próprios termos, reafirma acreditar em seu cliente. Após essa conversa, o réu se encontra com a psicóloga Molly Arrington. Como destaque, Aoron afirma ter desmaios frequentes desde seus 12 anos, que nunca procurou um médico, e que seu pai não sabia, além de demonstrar, em certa medida, que sofreu abusos por parte deste. O tribunal volta de recesso, mas, sem pontos consideráveis de destaque. Em uma outra conversa com a psicóloga, Aoron dá mais detalhes sobre Linda. Ele afirma que se davam muito bem, que mantinha relações sexuais, e que até iriam se casar, mas que ela foi embora antes disso acontecer. Com efeito, durante toda sua fala sobre ela, mostrava- se bastante desconfortável com toda aquela situação. Ainda durante as investigações sobre a vida do arcebispo, Martin descobre que a igreja, com ações do então Procurador-Geral de Justiça, possuía inúmeros terrenos dentro de um espaço dominado por um cartel e que, a pedido desse próprio cartel, deixou de realizar empreendimentos imobiliários naquela área, algo que acaba por prejudicar seus acionistas. Quando isso é exposto diretamente para tal Procurador-Geral, este limita-se a afirmar que Martin não deve brincar com ele. O julgamento continua e, com efeito, Martin aborda, como elemento crucial, a conveniência diante da pressão e da necessidade de se dar uma resposta à sociedade. Isto é, diante do assassinato do arcebispo e de toda a cobertura midiática, a população cobrava por resultados rápidos e efetivos. Ela cobrava por um responsável, por um culpado, e cobrava que tais resultados fossem obtidos de forma rápida, através de uma incomensurável pressão. Consequente, nada mais fácil então para as autoridades do que ter incriminado Aoron, visto que este foi localizado próximo ao local minutos após o incidente, sendo totalmente conveniente sua captura e criminalização. Sem valorar necessariamente o caso em questão analisado, visto que havia inúmeras outras provas da materialidade do crime por parte de Aoron, observamos como a pressão social continua se constituindo como uma das formas mais contundentes de atuação da sociedade na seara penal. No entanto, em que pese ser digna tal participação, ela deve ser vista com olhares extremamente críticos, visto que essa busca célere por respostas, por encontrar de forma rápida um culpado, acaba por se tornar uma atividade efetiva, mas não eficaz. Isto é, o resultado foi alcançado, visto que se encontrou um suspeito, alguém para atribuir a culpa daquele fato, no entanto, essa ação foi efetiva? Ela de fato encontrou o real autor da ação ou apenas acusou àquele que mais se assemelhava ao caso e pronto? Eis aqui um ponto de discussão ainda extremamente recorrente dentro do campo do Direito e das Políticas Públicas. Uma vez feito tal reflexão, retornamos ao julgamento. Há, agora, a fala da promotoria que afirma a inexistência de evidências que prove haver outras pessoas na cena do crime. Além do mais, o então código encontrado no peito do religioso remetia a uma passagem de um livro específico da biblioteca da Igreja, cujo teor configurar-se-ia no seguinte: “nenhum homem, por um período considerável, pode usar um rosto para si e outro para a multidão sem finalmente ser descoberto por aquele que vem ser a verdadeira”. Eis aqui o fundamento da acusação. Aoron acreditava que o arcebispo possuía, por algum motivo, duas faces, duas índoles. E, para resolver toda aquela situação, resolveu acabar com ela de uma vez, ou seja, assassinando o religioso. Ao fim, a corte entra novamente em recesso. Com essa nova evidência do livro, até então desconhecida por Martin e sua equipe, o advogado demonstra uma terrível cólera, acusando impiedosamente seus colegas por não terem descoberto tal evidência. Na sequência, busca uma resposta diretamente de Aoron, o qual afirma desconhecer e não ter riscado aquele livro, pois, nem mesmo gostava daquele autor. Declara igualmente que não era apenas ele quem usava a biblioteca em que o livro foi localizado. Mesmo diante dessa pesada evidência, Martin continua convencido da inocência de seu cliente. Sua equipe até tenta o alertar de que todas os indícios continuam apontando para Aoron, mas que ele continuava se recusando a ver isso. Novamente há outro encontro de Aoron com a psicóloga, os quais, por sinal, eram gravados com áudio e vídeo. O réu afirma ter vindo para Chicago, cidade onde a narrativa se passa, sem qualquer dinheiro, sendo o arcebispo o responsável por ter ajudado a personagem naquela situação. Com efeito, Aoron continuava demonstrando seu descontentamento ao falar da Linda, sua ex-namorada, visto que aquilo o aborrecia. Uma vez pressionado pela psicóloga nessa questão da Linda, Aoron subitamente revela uma outra personalidade, diametralmente oposta à sua. O garoto até então tímico e quieto passa a gritar e xingar, demonstrando violência em seus gestos e ações. No entanto, da mesma forma que essa outra personalidade, que se autodenominava Roy, subitamente apareceu, ela desaparece e surge novamente à tona a figura de Aoron. Na sequência, Martin e Goodman vão atrás de Alex, justamente em busca de novas evidências ou fatores que auxiliem em sua investigação. Há uma forte perseguição que, ao fim, resulta na captura daquela personagem. Com um comportamento violento, dado tamanha coa- ção, Alex revela que estava no quarto de Aoron buscando por uma fita pornográfica em que ele, Aoron e Linda participavam e, com efeito, estava sendo filmada e dirigida pelo arcebispo. Afir- ma que isso ocorria com frequência, mas que o religioso utilizava apenas uma fita, regravando- a sempre. Discorre também que a Linda simplesmente sumiu, sem deixar qualquer rastro. Martin, na condição de advogado, adentra legalmente na cena do crime e consegue localizar tal fita, dentre outras inúmeras outras que lá se encontravam. Não se tratava de uma gravação integral de pornografia, visto que antes do ato havia um sermão, algo que encobertaria tal conteúdo pornográfico e, em tese, dificultaria ainda mais localizá-lo naturalmente. Com essa evidência em mãos, Marin se dirige até a penitenciária em que Aoron estava e, sinteticamente, chuta o balde e cobra a verdade de seu cliente. Diante dessa pressão, Aoron novamente muda sua personalidade e ressurge Roy. Com um linguajar direto, claro e violento, Roy confirma que matou o arcebispo. Ato contínuo,também acusa que Linda não era inocente naquela situação, e que acabou partiu o coração de “do pobre Aoron.” Com mesma surpresa do momento anterior, o personagem Roy desaparece e volta à cena Aoron. Martin, diante de tudo aquilo que acabou de presenciar, dirige-se até a psicóloga e passam a debater sobre a psique de Aoron e sua relação para o assassinato do arcebispo. Nesse momento e com base em tudo aquilo que presenciou, a especialista afirma que eles estão diante de um típico caso de personalidade múltipla e que Aoron não pode ser responsabilizado por suas atitudes. Em suas palavras: “Ele é doente. Não estamos lidando com um criminoso. É um garoto doente. Ele está preso em uma cela e esse não é o lugar dele.” Mesmo diante desse fato, mesmo diante dessa narrativa sólida da especialista, Martin se recusa a mudar sua tese de defesa durante o julgamento, visto que, em seus termos, a juíza não permitiria e, além de que provar a insanidade seria algo ainda mais difícil de se conseguir obter. Em um outro momento de diálogo com a mídia, Martin, pressionado por toda aquela trama em se encontrava, acaba por confessar seu estado de espírito ao repórter. Com efeito, confessa que gostava sim do dinheiro, que aquilo era “muito bom”. De igual modo, também admite gostar de aparecer na TV e nos meios midiáticos. Contudo, diz que não age buscando necessariamente obter tais benesses, mas sim por acreditar no princípio de que todas as pessoas são inocentes até que prove o contrário. Que ele escolheu acreditar na bondade intrínseca das pessoas. E, por fim, que acredita que nem todos os crimes são cometidos por pessoas ruins, sendo sua função entender por que de algumas pessoas tão boas fazem coisas tão ruins. Sobre suas confissões, acreditamos que se constituem em argumentos louváveis, mas intrinsicamente complexos em sua realização. Para tanto, levá-los em consideração sem qualquer espécie de malícia, acreditando puramente na palavra de seus clientes, certamente fará com que o indivíduo ande por caminhos tênues e, principalmente, falaciosos. Além do mais, entender as razões, as causas, o ethos da mente do indivíduo no momento do delito, ao nosso ver, não se constitui em uma tarefa precípua do advogado, mas sim da psicologia forense, algo natural dos peritos judiciais. Ato contínuo, ao fim das falas de Martin com o repórter, observamos que de fato se tratou de uma confissão, um meio que aquele encontrou para desabafar, expressar seus sentimentos. Isso é visto através da ameaça que Martin faz ao dizer que, caso haja a publicação daquelas palavras que acabara de expressar, ele “acabará” com repórter. Dessa forma, acaba por demonstrar que se trata de algo que deveria ficar reduzido àquele momento, sem maiores abrangências de espaços e/ou pessoas. Diante da equipe, Martin também confessa que errou e acabou por estragar tudo ao acreditar fielmente seu cliente. No entanto, buscando não perder a causa, direcionam seus esforços em obter alguma forma de demostrar que o abuso sofrido por Aoron pode, em algum medida, colocá-lo com vítima de toda aquela situação, justificando assim suas atitudes. Ao fim, decidem que irão apresentar a fita pornográfica contendo a prova de tal abuso em juízo. No entanto, por não poderem o fazer na qualidade de defesa, também decidem enviar essa fita para Janet e, de certa forma, influenciá-la para que apresente a prova no bojo dos autos. A promotora, ao perceber o plano de Martin, decide ligar para ele e marcam de se encontrar em um bar. Janet acusa-o vigorosamente de armar para cima dela. Em suas próprias palavras: “você não podia apresentá-la na corte, o júri o desprezaria por desonrar a memória do bispo. Mas, se me obrigar a apresentá-la, com motivo ou sem, eu é que fico mal e você angaria simpatia para seu pobre menino abusado. [...] Eu não tenho a intensão de usá-la.” Martin, vendo que seu plano poderia falhar, decide partir para argumentos de índole pessoal, remetendo ao caso que tiveram antes. Há, novamente, uma mescla entre a vida profissional e a particular de ambos os personagens. John Shaughness, Procurador-Geral e chefe imediato de Janet, ao saber sobre a fita, vai até a promotora e emite uma severa ordem, mas vestida de conselho: “se quiser algo a mais que esse gabinete, é melhor que essa fita seja destruída.” Ora, além de uma clara e descabida influência para com a justiça, há uma clara chantagem nesse jogo de poder, fazendo com que Janet tenha de escolher entre sua carreira ou seguir as ordens daquele no âmbito do caso. Novamente, observamos como os princípios gerais de Direito e, notadamente, do Direito Processual Penal são violentamente atacados por uma própria corrupção interinstitucional daquele órgão. O tribunal volta de recesso e continua o julgamento. A promotoria inquire Goodman, algo que Martin autoriza. Em seu depoimento, o auxiliar confirma que ele entregou as fitas na casa de Janet a pedido do próprio Martin. Com efeito, ela decide apresentar tal fita como prova no julgamento. Dessa forma, todos que ali estavam presentes tomam conhecimento dos fatos constantes na gravação, isto é, que o arcebispo assassinado foi dirigiu aqueles atos pornográficos e que deles participaram como atores, além do próprio Aoron, sua namorada Linda e seu colega Alex. Como últimos destaques, a defesa dispensa a inquirição de Goodman e o tribunal, novamente, entra em recesso. Conforme narrado anteriormente, durante as investigações de Martin é revelado que a Igreja possuía empreendimentos em uma zona dominada pelo cartel. Pois bem. Logo após o julgamento descobrem que o chefe desse cartel (Joey Pinero), que também era cliente de Martin, acabou por ser assassinado e jogado cruelmente ao mar. Há o retorno do julgamento e, de início, a defesa inquire como testemunha John Shaughnessy que, conforme também afirmado, além de ser o Procurador-Geral, também era acionista do empreendimento situado na zona do cartel e que, por atuação da Igreja, acabou por ser prejudicado. Mesmo não tendo sito arrolado com antecedência, Martin vale-se de argumentos jurisprudenciais e das Emendas pátrias daquele país para o chamar para prestar seu depoimento em juízo. Uma vez então aceito pela magistrada do caso, Shaughnessy confessa que, justamente por causa daquele atuação da Igreja, houve mais de 60 milhões de prejuízo em seus empreendimentos. Ato contínuo, Martin apresenta uma série de casos de abusos contra o falecido arcebispo que, devido a amizade daquele com o Shaughnessy, não foram levados ao Poder Judiciário, demonstrando manifesta e intrínseca relação de favoritismo entre os dois. O tribunal entra, novamente, em recesso. Nesse momento, a juíza chama Martin para uma conversa em seu gabinete. Diante do que acabara de ocorrer, decide tirar dos autos o depoimento de Shaughnessy, aplica uma multa de 10 mil dólares ao advogado, além de adverti-lo que de “se acha que vai usar meu Tribunal para fazer vinganças e acertar velhas contas está redondamente enganado.” Ao fim, termina por sugerir que o advogado comece a atuar por seu cliente e pare de representar a si mesmo. Diante tal temática notamos que, assim como ocorre nos filmes, por vezes, alguns advogados mesclam seus desejos e sentimentos com as causas de seus clientes. Não se condena aqui o fato do profissional você tomar parte em certa medida à causa, mas sim às situações em que esse esquece que está atuando em nome de terceiro e não em seu próprio. Isto é, atua com tamanho sentimento na causa que deixa por mesclar seus sentimentos à tecnicidade que o caso pede. Dessa forma, acaba por agir mais em seu próprio nome do que quando comparado ao seu próprio cliente, algo certamente incompatível com o que se exige desses profissionais. O tribunal, mais uma vez, volta do recesso, continuando com as inquirições das testemunhas. Dessa vez foi a vez da defesa inquirira psicóloga Molly Arrington. Ela inicia sua fala afirmando que descobriu que Aoron sobre de “uma condição dissociativa aguda, especificamente de uma síndrome de personalidade múltipla.” Mal ela terminara de dizer essas palavras e a promotoria pede objeção alegando, para tanto, que a defesa estava tentando mudar sua tese. Martin desmente tal afirmação, alegando que não irá afirmar que seu cliente é louco e que está unicamente buscando provar as origens da amnésia que esse alega possuir. Ato contínuo, Arrington confirma que a possibilidade de que o réu presencie atos e, em seguida, não se lembre de nada do que ocorreu. Quando questionada por Martin se Aron seria capaz de matar, a profissional afirma seguramente que não. Na sequência, quando inicia seus apontamentos sobre a outra personalidade de Aron, a promotoria, ao obter que Arrington não atuava dentro da psiquiatria forense, bem como não era especialista em transtorno de personalidade, passa a descredibilizar fortemente o valor das falas da psicóloga e, com efeito, que não aceitariam essa linha da insanidade, demonstrando uma clara desconfiança e ceticismo sobre a própria existência de uma outra personalidade em Aron. Ao fim, outra vez, o tribunal entra em recesso. O grande momento chegou: ouve-se Aoron. Ele continua afirmando que tinha o finado arcebispo como um pai, que o amava muito, que ele salvou sua vida. Quando questionado sobre o filme pornográfico, não culpa o religioso por aquilo, e afirma que não o fez forçadamente. Completa dizendo que não conhece ninguém chamado Roy e que não matou o arcebispo. A promotoria, na pessoa de Janet, começa a pressioná-lo intensamente. Aoron começa a suar e gaguejar ainda mais de modo que, com tamanha pressão, admite que foi forçado para gravar as cenas. Com efeito, sobre uma maior e mais intensa pressão, a figura de Aoron some e surge Roy. Esse, além de confessar o assassinato, ataca fisicamente Janet, algo que desencadeia toda uma cena de luta que, ao fim, culmina na imobilização daquela personagem. Diante disso, o tribunal entra no que viria a ser seu último recesso. A juíza do caso, após esse ocorrido, chama em seu gabinete Martin e Janet para uma conversa particular. Ela afirma que irá pedir a anulação do júri e que o fato seja julgado de forma comum devido à questão da insanidade. Dessa forma, após um tratamento de alguns poucos meses, Aoron poderia estar novamente em liberdade. Por mais que tal saída tenha sido extremamente benéfica no caso do filme, ao trazemos isso para a realidade brasileira, certamente não seria a melhor. Uma vez que o réu é condenado, dado a existência de problema psíquicos, esse acaba por ter de cumprir uma medida de segurança. O problema está justamente aí: diferentemente da pena, embora necessitando ser revista anualmente, a medida de segurança não possui prazo máximo para acabar, estando vinculada até a cessação da periculosidade do indivíduo. Além do mais, o fato do indivíduo ter de cumprir tal medida em um ambiente em que se encontre pessoas em maior ou menor nível de problemas psicológicos, certamente trará maiores riscos ao indivíduo do que se estivesse cumprindo a pena em um presídio comum, visto que, em teoria, todos que ali estão não apresentam tamanhas enfermidades psicológicas. Uma vez encerrada essa conversa com a magistrada, Martin se encontra em particular com Janet, a qual o acusa de ter-lhe usado. Como defesa, o advogado afirma que não teve escolha e admite, diante de tudo aquilo que ocorreu, que se constituía em uma pessoa arrogante, algo notável diante de toda a narrativa. Na sequência, buscando contar tal resultado, Martin se dirige até Aoron para transmitir- lhe da decisão da magistrada sobre anular o júri e, em sede de um julgamento comum, condená- lo ao tratamento psiquiátrico. Dessa forma, conforme afirmado, em pouco tempo ele poderá terminar tal tratamento e estar finalmente livre. Aoron, que afirma não ter se lembrado de nenhum fato desde o afloramento de Roy, agradece veementemente por todo o auxílio de Martin e, com certa modéstia, pede que este diga à Janet que não queria machucá-la. Nesse preciso momento um estalo ocorre na mente de Martin. Ora, ele acabara de afirmar que nada se recordava desde o surgimento de Roy, como então sabe que machucou a Janet? Esse pensamento se materializou em um questionamento e, com toda a franqueza e tranquilidade existente, Aoron revela que matou Linda e, de igual modo, o arcebispo. Com efeito, confessa que nunca existiu um Aron, e, nessa medida, sua personalidade real sempre foi a de Roy, sendo Aoron uma mera personagem. O brilhante, renomado e “advogado de primeira” Martin Vail foi passado para trás. Pior, foi passado por aquele “tolo” do Aron. Por aquele em quem fielmente acreditou ser inocente. Por aquele “pobre garoto” que não poderia fazer mal a ninguém. A cólera, misturada com pitadas de espanto e humilhação que Martin demonstrava foi, em poucos termos, a condecoração de sua falha. Eis aqui o grande ápice da narrativa. Diante desse choque, em uma espécie de anestesia da própria realidade, Martin abandona Aoron na cela e se dirige, quase sem chão, para fora daquele ambiente carcerário. Seu até então cliente continua agradecendo pelos serviços prestados do advogado, visto que “sozinho não teria conseguido”, além de afirmar que acredita que Martin já soubesse dessa máscara, dessa personagem tão bem criada e tão desenvolvida ao longo da história. Como última cena, a câmera, através de uma gradual e pacífica lentidão, afasta-se da personagem para um plano aéreo. Há, assim, um uma espécie de analogia à própria realidade de Martin, o qual acaba por se afastar de sua própria realidade, na qual pensava estar inserido e por certo conhecê-la, indo para um cada vez mais distante, em que tudo foi descontruído e colo- cado por chão. A soberba daquele homem, embora tenha levado à vitória no julgamento, prece- deu sua queda enquanto dono da verdade e completo administrador da realidade circunscrita. Sob a ótica do Direito, precipuamente do Direito Processual Penal, além dos pontos discorridos ao longo de toda a presente narrativa, podemos destacar como são importantes e necessários os princípios dessa importante ciência para com a lisura intrínseca do próprio processo, bem como os perigos e falácias que se efetivam quando se mesclam vidas profissionais e pessoais dentro da seara judicial. Com efeito, demonstra também como nossas verdades, por mais que se apresentem como sólidas, podem ser facilmente descontruídas diante do desenrolar da narrativa de nossas vidas. Ao fim, também atesta a importância de que a boa- fé esteja presente em todos aqueles que constituem a sociedade, não importando quem seja ou o que exerça, pois, somente através de tal presença poderemos, enquanto coletividade, caminhar em direção à evolução social.
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