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Fundamentos Histórico Teórico Metodológicos do Serviço Social – dimensão marxista Aula 02 Profª. Raquel Barcelos de Araújo CONVERSA INICIAL Olá, seja bem-vindo à segunda aula de Fundamentos Histórico Teórico Metodológicos do Serviço Social – dimensão marxista. Nosso objetivo, neste encontro, é refletir sobre a proposta feita por Marx de criar uma teoria que se propõe a compreender “o movimento constitutivo do social — movimento que se expressa sob formas econômicas, políticas e culturais”. Para tanto, vamos: Conhecer as considerações de Marx na análise da organização sociedade burguesa; Conhecer as considerações de Marx na análise da estrutura de classes e da funcionalidade do poder; Conhecer as considerações de Marx na análise do Estado; Conhecer as considerações de Marx sobre a análise de Ideologia; Conhecer as considerações de Marx sobre a análise marxiana sobre a Produção do Valor de Uso e da Mais Valia Te convido, então, a refletir sobre a análise marxiana da sociedade burguesa e sobre as principais características dessa sociedade estruturada por classes sociais distintas e antagônicas. Vamos também abordar a funcionalidade do poder exercido por uma classe, em detrimento da outra, através do desenvolvimento de estratégias de dominação. Para tanto, você vai perceber que a utilização de todo um aparato político e jurídico são fundamentais para dar legitimidade à produção e reprodução do capital e das relações sociais. CONTEXTUALIZANDO Diante do percurso de estudos e reflexões que realizamos até aqui, tendo como base a teoria social de Marx, estamos prontos para entender que a forma como a produção da vida material acontece determina o processo em geral de vida social, político e espiritual. Em nossa aula, veremos que não é a consciência dos homens que determina a sua forma de ser, mas sim é o seu ser social que determina a sua consciência; e que a partir da proposta de Marx de interpretação da realidade vemos que, em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes. A consciência dos homens determina sua forma ser! Concorda com esta afirmação? Seria o ser social o agente determinante da sua consciência? Reflita sobre isso durante os estudos desta aula, que vai nos ajudar a entender a forma como a nossa sociedade se organiza hoje e ainda entender como a teoria de Marx foi sendo constituída e suas contribuições para o Serviço Social. Tema 1 - Uma análise marxiana da sociedade burguesa Alguns autores marxistas consideram que a sociedade burguesa uma revolução social, pois promoveu a transformação da base econômica e da superestrutura. Para Marx, a sociedade humana possui duas partes: a infraestrutura, compostas das forças e relações de produção; das condições de trabalho entre empregador- empregado; da divisão do trabalho e das relações de propriedade, na qual as pessoas entram para produzir as necessidades e comodidades da vida. Essas relações fundamentam outras relações e ideias da sociedade, que são descritas como a sua superestrutura. Já a superestrutura, composta pela cultura, instituições, estruturas de poder político, pelo papel social definidos, rituais e pelo Estado. Assim sendo, a infraestrutura determina a superestrutura, mas sua relação não é estritamente causal, porque a superestrutura, por diversas vezes, influencia a infraestrutura. Porém, a influência da infraestrutura predomina. Para os marxistas ortodoxos, a infraestrutura determina a superestrutura em uma relação unilateral. No entanto, nas formas mais avançadas do pensamento marxista, a sua relação não é unilateral. Acreditam, portanto, que assim como a base influencia a superestrutura, a superestrutura também influencia infraestrutura. Segundo Netto (2009), é necessário distinguir entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser alvo de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas. Ou seja, são através das formas ideológicas que os homens tomam consciência desse conflito. Coloca que a consciência que o indivíduo tem de si mesmo não é o suficiente para explicar sua realidade e as contradições da vida material, que é forjada a partir do conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Assim, vemos em Netto (2009:27), que: (...) uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade. (...). Em grandes traços, podem ser caracterizadas como épocas progressivas da formação econômica da sociedade os modos de produção: asiático, antigo, feudal e burguês moderno. Percebemos então que as relações burguesas de produção constituem a última forma antagônica do processo social de produção (antagônicas em relação às condições sociais de vida dos indivíduos). No entanto, ao mesmo tempo em que as forças produtivas produzem condições de vida contraditórias, criam também soluções para essas contradições/antagonismos presentes na realidade social. Devemos, ainda segundo Netto (2009), considerar dois aspectos para análise da sociedade burguesa. 1. Marx apresenta a sociedade burguesa como produto de um processo gerado ao longo de vários séculos, no qual certas possibilidades do gênero humano não só se explicitam, como, ainda, servem para iluminar etapas históricas precedentes. Partindo dessa perspectiva, entende-se que é o presente que esclarece o passado — o mais complexo ajuda a explicar o mais simples. Assim sendo, ao elaborar a sua teoria da sociedade burguesa, Marx estabeleceu pressupostos amplos, onde o homem é concebido como um ser prático e social, produzindo-se a si mesmo através das suas objetivações e organizando as suas relações com os outros homens e com a natureza, conforme o nível de desenvolvimento dos meios de produção pelos quais se mantém e reproduz enquanto homem. 2. A teoria marxiana entende a sociedade (burguesa) como uma totalidade, não como um conjunto de partes que se integram funcionalmente (um todo), mas como um sistema dinâmico e contraditório de relações articuladas, que se implicam e se explicam estruturalmente. É uma teoria que quer compreender o movimento constitutivo do social. Esse movimento tem sua expressão nas esferas econômicas, políticas e culturais, mas vão além de todas elas. Podemos compreender, então, que a análise da organização da economia é o ponto de irradiação para a análise da estrutura de classes e da funcionalidade do poder e das formulações jurídico-políticas. E que, para realizarmos uma análise marxiana da sociedade burguesa, devemos entender as dimensões do social apontadas acima e conectá-la à análise do movimento do capital e à análise do movimento das classes. Desse modo, portanto, entendemos que em Marx exista uma teoria da sociedade burguesa que pouco tem a ver com as ciências sociais especificamente (economia, sociologia, etc.), apesar de operar com os mesmos materiais que servem de objeto a elas. Sendo assim, essa teoria oferece o entendimento sobre o processo da sociedade burguesa que, generalizando e universalizando a troca mercantil, atravessada por uma constante entre o caráter social da produção e a sua apropriação privada (pelos capitalistas), antagoniza os que detêm os meios de produção com os que só têm a sua força de trabalho – sociedade esta, que se desenvolve através de crises econômicas constantes e vai se reproduzindo, em todos os seus níveis e dimensões, conflitos e tensões que, acumuladose multiplicados, apartam a maioria dos homens com seu modo de vida imperante. Tema 2 - Análise marxiana da estrutura de classes Ao refletirmos sobre a análise marxiana da estrutura de classes e da funcionalidade do poder, precisamos entender que essa proposição redunda no estudo de algumas bases da sociedade capitalista e de seu modo de reprodução. Sendo assim, ao afirmar que a sociedade é capitalista, significa dizer que vivemos sob um sistema político, econômico e social que teve início na Europa do século XVI, com o advento do comércio marítimo no Ocidente. Com o passar dos séculos, esse sistema sofreu significativas transformações, mas como já vimos em nossas aulas anteriores, o sistema capitalista tal como vemos em nossos dias teve início com a Primeira Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII. Vemos, assim, a configuração do modo de produção capitalista, que é a forma como os homens produzem os bens materiais fundamentais para sua existência, ou seja, os homens passam a elaborar e produzir coisas úteis à vida humana, partindo de suas necessidades. Podemos entender que para caracterizar uma determinada sociedade, não precisamos apenas saber o que ela produz, mas sim a maneira como ela produz. Desse modo, compreendemos que o modo de produção é a maneira como identificamos a estrutura de uma sociedade, suas relações sociais e o tipo de dominação entre as classes. Sendo assim, a partir do surgimento do modo de produção capitalista, este prevaleceu sobre os demais, trazendo consigo grandes mudanças históricas e a transição para o regime social denominado capitalismo. Exemplificando, podemos comparar a sociedade Feudal com a sociedade capitalista. No feudalismo, as relações giravam em torno do senhor feudal, que oferecia proteção militar e terras aos servos em troca do que estes produziam. Já os servos, deviam obediência ao senhor feudal em troca de comida, segurança e terras para morar e produzir. No modo de produção capitalista há também dois polos na estrutura social, que apresentam diferenças em relação aos senhores feudais e servos. Vemos, então, a classe dominante ou burguesia e a classe operária ou trabalhadora. As duas participam das relações sociais de produção, ou seja, das relações que os homens estabelecem para realizar trabalho e atender suas necessidades materiais básicas, sendo que ocupam posições bem distintas, mas interdependentes. Tais relações constituem o que Marx denomina de relações de classes. A classe dominante – burguesa/capitalista – detém os meios de produção, e a classe dominada – operária/trabalhadora – vende sua força de trabalho para sobreviver. Se no feudalismo, os servos pertenciam ao senhor feudal e dependiam deste para ter segurança e terras para produzir e sobreviver. No capitalismo, o trabalhador é livre para vender a sua força de trabalho em relação ao capitalista, o que irá os vincular é o contrato de trabalho assalariado. Como podemos ver no modo de produção capitalista, a classe trabalhadora é composta por indivíduos que possuem como sua marca a força de trabalho (seja física ou intelectual), que é o elemento humano (homem), que se torna mercadoria a partir do modo de produção capitalista. Mais adiante, falaremos do salário. Já a chamada classe burguesa é caracterizada por indivíduos que têm a posse dos meios de produção, os quais são compostos pelos instrumentos com os quais se torna possível um determinado tipo de produção e incluem os instrumentos de trabalho – máquinas, ferramentas, etc. Sob o capitalismo, os meios de produção servirão, essencialmente, para acumulação da riqueza, ou seja, serão utilizados, principalmente, para gerar lucros para seus proprietários. Possuem, portanto, o poder econômico advindo de sua posição social. Vemos, assim, que o fato de a burguesia possuir meios para ampliar suas riquezas, sejam elas materiais ou não, coloca-a em uma posição privilegiada na sociedade, pois seu poder e sua influência social são ampliados como resultado de sua condição financeira. Como a relação entre essas duas classes acontece? Em um primeiro momento, como uma relação estritamente econômica: a burguesia, proprietária dos meios de produção, é quem compra a força de trabalho e paga por ela um salário. A classe trabalhadora, não possuindo mais que sua força de trabalho, se submete à condição de “exploração”. E como acontece a exploração? É no momento em que o trabalhador vende sua força de trabalho no mercado em troca de um salário, que é determinado pelo tempo de trabalho dispensado para produção de um objeto. Mas, o salário não é apenas o pagamento pelo trabalho realizado, é também uma das fontes da exploração sob a forma de extração de mais valia na esfera da produção. É exatamente o fato de o trabalho executado pelo trabalhador não ser pago integralmente que possibilita a extração do que Marx chama de mais valia. Vemos, a partir da visão marxiana, que esses dois grupos formam classes sociais distintas e que se realizam concretamente na sociedade enquanto grupos opostos e conflituosos, já que seus interesses são divergentes e contraditórios. Sendo assim, a parcela de poder e influência que cada uma possui é desigual, o que acaba por gerar a luta entre as classes. Por sua vez, a luta de classes nada mais é do que um conflito contínuo no qual as diferentes classes sociais atuam, com a finalidade de realizar seus interesses. Enquanto a classe dominante cria mecanismos para manter sua posição, os interesses da classe trabalhadora circulam em torno da tentativa de melhoria de sua condição material de existência. Sendo assim, compreendemos que, de acordo com a posição na sociedade, em relação à produção, caberá ao indivíduo uma posição no espaço social. A condição econômica de cada classe irá determinar a vida social que os indivíduos que a ela pertencem irão viver. Ou seja, a classe trabalhadora se encontra privada de determinados bens, mercadorias, cuidados com saúde, entre outros fatores que os condicionam, muitas vezes a viver a margem dos mercados de consumo. Vemos, assim, que pertencer a uma ou outra classe significa estar condicionado a uma determinada realidade social, ou que essa condição econômica pode limitar ou não esse indivíduo a possuir determinados meios, a ter oportunidades ou não de estudar, comer, entre outras coisas definidas pela posição que ocupará dentro da sociedade de classes capitalista. Enfim, a posição de classe influencia a vida social dos indivíduos. Tema 3 - Análise marxiana do Estado Para abordaremos a crítica filosófica de Karl Marx (1818-1883) à teoria hegeliana do Estado, tomaremos como base a obra de Marx Crítica à filosofia do direito de Hegel. Além disso, utilizamos outros textos de Marx e de alguns comentadores do seu pensamento. É inegável a influência do filosofo alemão Georg Wilhelm Hegel (1770-1831), que escreveu a Fenomenologia do espírito, construção da doutrina marxista. Para esse autor, tudo que era racional era real, e tudo que era real era racional (HEGEL, 1974). Afirmava que o único método adequado para o estudo de uma realidade em contínuo devir era o da lógica dialética, que é constituída por três elementos: tese, antítese e síntese. Já Marx, que pertencia à esquerda hegeliana, afirmou que existem três fatores que ocasionam uma interpretação materialista da realidade: desenvolvimento da ciência, a dialética hegeliana e o aguçamento dos problemas econômico-sociais. Marx faz a transição do idealismo de Hegel ao materialismo e ressalta que a existência organizada dos indivíduos, ou seja, a sociedade, é o resultado da organização dos meios de produção e de sua distribuição entre os homens (MARX, 1985). Marx também fornece um diagnóstico agudo e claro da sociedade moderna como sociedade baseada na produção e apropriação privada da riqueza socialmenteproduzida: “[...] o atual sistema de propriedade particular, a propriedade burguesa, é a expressão mais acabada do modo de produção e de apropriação, com base nos antagonismos de classes, na exploração da maioria por uma minoria. ” (MARX:1985, p. 30). Vemos, assim, que a partir da apropriação privada dos meios de produção ocorre a luta de classes e que esta, por sua vez, levará ao fim do Estado, enquanto instrumento do capitalismo, e ao triunfo do comunismo. Marx (1985) aponta que o Estado é uma instituição transitória durante a luta de classes, e que durante a revolução serve a uma das classes para reprimir pela força os seus adversários. Para entender a análise crítica de Marx sobre o Estado, é preciso responder ao seguinte questionamento: Quais são suas críticas à concepção de Estado de Hegel? Em linhas gerais, o Estado não é absoluto para Marx e nem a base da sociedade. Enfatiza a democracia em oposição à monarquia constitucional e, embasado na concepção materialista histórica, afirma que o Estado não é a base da sociedade civil, se contrapondo ao idealista Hegel. “Família e sociedade civil são os pressupostos do Estado; elas são os elementos propriamente ativos; mas, na especulação, isso se inverte. ” (MARX, 2005, p. 30). Além disso, percebemos que o Estado deve ser pensado a partir da sociedade real existente e que as relações jurídicas são expressões do Estado, e não devem ser compreendidas por si mesma, nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas, na verdade, fundamentam-se nas condições materiais de vida. Marx rompe, então, com a concepção hegeliana do Estado por seu dogmatismo especulativo, do qual o real é o racional-conceitual, e não o real existente, porque o Estado é considerado antes mesmo que o ser humano. Marx propõe, então, uma concepção materialista, da qual o Estado é entendido de acordo com as relações sociais: das distribuições dos excedentes sociais, do caráter do direito, de representações ideológicas, da organização das relações sociais como define Hegel sob o nome de sociedade civil. (MARX, 2005). Para Hegel, o Estado é o conciliador, ou seja, o que sintetiza, numa realidade coletiva, a totalidade dos interesses contraditórios entre os indivíduos. Em resumo, Hegel diz: a) O espírito moral objetivo imediato ou natural: a família; b) Sociedade civil: associação de membros, que são indivíduos independentes, numa universalidade formal, por meio das carências, por meio da constituição jurídica como instrumento de segurança da pessoa e da propriedade e por meio de uma regulamentação exterior (…); c) Este Estado exterior converge e reúne-se na Constituição do Estado, que é o fim e a realidade em ato da substância universal e da vida pública nela consagrada (HEGEL, 2009, § 157: 149). Vemos em Marx considerações opostas! Para ele, família e sociedade civil compõem a base do Estado e este é instrumento da classe dominante na sociedade civil. O Estado, de acordo com a crítica de Marx à teoria hegeliana do Estado, não representa o coletivo e não supera as contradições e os interesses universais. Marx afirma que a sociedade civil, entendida como o conjunto de relações econômicas, é que explica o surgimento do Estado, seu caráter, suas leis e assim por diante. Assim sendo, o Estado para Marx não é absoluto e nem a base da sociedade. Marx diz que: “Hegel parte do Estado e faz do homem o Estado subjetivado; a democracia parte do homem e faz do Estado o homem objetivado” (MARX, 2005, p. 50) – compreendendo que, para Hegel, a razão está no Estado. Desse modo, a razão e a justiça são estabelecidas de acordo com quem assume o poder, e esse poder, para Hegel, é o Estado, a encarnação da razão numa dialética histórica. Entendemos, assim, que a finalidade estatal enquanto casualidade de sua existência é a conservação dos interesses particulares, ou, como diria Marx, dos interesses da classe burguesa. Afirma Marx que através da emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado foi se tornando uma existência particular ao lado e fora da sociedade civil, mas este Estado não é nada mais do que a forma de organização que os burgueses criam, tanto no exterior como no interior, para garantia recíproca de sua propriedade e os seus interesses. (MARX, 2007) Tais afirmações feitas a partir da análise marxiana do Estado nos leva a entender que ele é um instrumento de uma classe economicamente forte e que ele surge das relações de produção a partir dos interesses dos burgueses, tomando os interesses privados como ferramenta universal. O Estado, gerado pelo modo de produção capitalista, objetiva legitimar a exploração da mais valia “mais ainda: com o desenvolvimento tecnológico e da divisão do trabalho, aumenta a quantidade de horas de serviço” (MARX, 1985, p. 24-25) e manter a lei de propriedade privada. Sendo assim, o direito, mediado pela ideologia da classe dominante, burguesa, garante a posse da propriedade e seus interesses tanto interno quanto externo, permitindo, assim, a existência do Estado. Tema 4 - Análise marxiana de ideologia Entendemos ser de suma importância compreender a análise marxiana de ideologia. Tal entendimento nos permitirá compreender o quanto é importante a dimensão ideológica da vida. Para tanto, utilizaremos as considerações feitas por Marx e alguns marxistas que exercem influência para que o Serviço Social se constitua em uma categoria profissional comprometida com a classe trabalhadora. Começaremos por entender o significado de ideologia, que tem muitos significados, contudo, pudemos entendê-la como um “Conjunto de ideias que procura ocultar a sua própria origem nos interesses sociais de um grupo particular da sociedade”. Esse é o conceito utilizado por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). É nesse significado que iremos aprofundar nossa análise. Ao pesquisarmos sobre o termo ideologia, vemos que o primeiro a o utilizar foi o discípulo dos enciclopedistas chamado Destutt de Tracy. Para ele, o significado de ideologia é resultado da interação entre a natureza e o cérebro humano. Partindo desse conceito, irão surgir as conceituações feitas pelos ideólogos metafísicos, que afirmam que a ideologia parte da abstração da realidade, que vivem em um mundo especulativo. Segundo Löwy (2008), é esse mesmo significado de que Marx vai se apropriar e utilizar no seu livro A ideologia Alemã, em 1846. O termo ideologia aparece, então, como pejorativo. Já na formulação de Lênin, vemos a diferenciação entre uma ideologia burguesa e uma ideologia do proletariado. Ainda dentro da corrente marxista, o termo vai ganhar destaque na análise de Michael Löwy e do sociólogo Karl Mannheim com seu livro Ideologia e Utopia. Para Mannheim, há uma distinção entre os conceitos de ideologia e utopia: (...) ideologia é o conjunto das concepções, ideias, representações, teorias, que se orientam para a estabilização, ou legitimação, ou reprodução da ordem estabelecida [Já utopias] (...) são aquelas ideias, representações e teorias que aspiram uma outra realidade, uma realidade ainda inexistente. Têm, portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente e se orientam para sua ruptura (LÖWI, 2008, p.13). Desse modo, a partir das considerações de Löwy (2008), percebemos que as distinções de Mannheim propõem uma denominação diferente para os termos ideologia e utopia. Assim, tanto as ideologias como as utopias podem ser chamadas de visões sociais de mundo, havendo visões sociais de mundo utópicas e visões sociais de mundo ideológicas. Quando aconteceriam, então, essas visões? Aconteceriam quando visassem à manutenção da ordem estabelecida. Já as visões utópicas aconteceriam quando visassem uma ruptura com essa ordem. Löwy (2008) propõe ainda uma análise dialética das visões sociais de mundoque, como vimos, o método dialético é uma peça central do pensamento marxista. Coloca que a dialética contribuiria com o princípio da negação de todas as hipóteses, de maneira que as visões sociais do mundo devem ser pensadas e questionadas em sua historicidade, pois resultam de ações humanas. Para o referido autor, também devemos levar em conta o conceito de totalidade. Tal conceito é entendido de forma diferente de um estudo amplo de toda realidade, mas que cada fenômeno deve ser considerado, pois se articula com todos os demais, principalmente nas suas dimensões econômicas e sociais. Podendo, assim, ser aplicado às visões sociais de mundo. Percebemos, assim, que para Marx, “(...) todos os fenômenos econômicos e sociais, todas as chamadas leis da economia e da sociedade, são produtos da ação humana e (...) podem ser transformados por essa ação” (LÖWY, 2008, p.15). Então, a noção de totalidade, que parte da percepção da realidade, está ligada e determinada principalmente por suas dimensões econômico-sociais. Devemos considerar ainda outro conceito pertencente ao método marxista, apresentado por Löwy, que é o de contradição. Neste, vemos que a contradição parte do princípio de que a sociedade é fruto da ação humana, e que esta é o lócus dos fenômenos interligados e determinados principalmente pelas dimensões econômicas e sociais. Essa sociedade, que também perpassada por visões sociais utópicas e ideológicas, é cheia de conflitos e contradições. O método marxista opta por enxergar os conflitos e as contradições sociais, como as de classe, que determinam as visões sociais de mundo. Desse modo, entendemos que no marxismo posterior a Marx, sobretudo na obra de Lênin, o conceito de ideologia ganha um sentido diferente: ideologia é qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes sociais particulares. A partir da ideologia são produzidos imaginários e lógicas de identificação social, cuja função seria esconder o conflito existente entre as classes sociais, além de disfarçar a dominação e ocultar a presença do particular, dando-lhe a aparência de universal. Podemos considerar ainda que o discurso ideológico, à medida que se caracteriza por uma construção imaginária (no sentido de imagens da unidade do social), oferece aos sujeitos sociais e políticos um espaço de ação que vai além do campo das representações ideais coerentes, buscando explicar a realidade social, a partir do campo das normas coerentes para orientar a prática política. Considerando a influência de Karl Marx, a palavra ideologia tornou-se largamente utilizada nas ciências humanas contemporâneas, sendo dada a essa o significado de sistema de ideias que contribuem para compreensão da realidade, objetivando ocultar ou dissimular o domínio de um grupo sobre o outro. Nesse sentido, percebemos que a ideologia pode ser utilizada para preservar a dominação de classes, apresentando uma explicação apaziguadora para as diferenças sociais. Buscando, assim, evitar o conflito aberto entre dominadores e dominados. Alguns autores consideram que a ideologia, portanto, não seria uma mera expressão de consciência, mas uma consciência parcial, ilusória e enganadora, que se baseia na criação de conceitos e preconceitos como instrumentos de hegemonia, e que poderia levar, a partir disso, ao processo de naturalização enquanto recurso ideológico. Vimos que a principal função da ideologia é ocultar a existência do conflito de classes. Sendo assim, o discurso ideológico serviria não para negar a desigualdade entre os segmentos sociais, uma vez que a desigualdade social é visível, mas contribuiria para negação de que essa diferença tenha fundamento histórico-econômico, gerando uma explicação para as diferenças sociais e a ideologia serviria, a partir de vários recursos, para tornar a desigualdade em um processo comum e natural. O tornar comum é o recurso chamado naturalização, que é a tentativa de justificar as desigualdades sociais, remetendo-se a supostas causas naturais. Essa naturalização contribui para que o grupo social dominante que se encontra no poder beneficie-se do recurso à naturalização porque permite estabelecer uma hierarquização de grupos, ou seja, uma divisão entre os que dominam e os que são dominados. Vemos, assim, a partir da análise marxiana de ideologia, que, para Marx, ideologia é equivalente a ilusão, falsa consciência, concepção idealista, na qual a realidade é invertida e as ideias aparecem como motor da vida real. E que o sujeito da ideologia não é o indivíduo, mas as classes sociais. Portanto, quem cria as ideologias são as classes sociais. Desse modo, os criadores das visões de mundo, das superestruturas, são as classes sociais, sendo que quem as sistematiza, desenvolve, dando forma de teoria, de doutrina, de pensamento elaborado, são os representantes políticos ou literários da classe: os escritores, os líderes políticos, entre outros. São eles que formulam sistematicamente essa visão de mundo, ou ideologia, em função dos interesses da classe, tendo como objeto da ideologia não as ideias isoladas, mas um conjunto orgânico de ideias que revelam uma maneira de pensar, agir e de ser. Tema 5 - Análise marxiana sobre a Produção do Valor de Uso e da Mais Valia Partindo dos estudos feitos anteriormente, podemos agora entender um dos pressupostos mais importantes da análise marxiana da sociedade capitalista e de seu modo de produção, que é o conceito de produção do valor e de mais valia. Para elaborar sua teoria sobre a produção do valor, Marx parte da teoria do valor apresentada por David Ricardo. Segundo Karl Marx, o valor de um bem é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para sua produção. Coloca que o lucro não se realiza por meio da troca de mercadorias, que se trocam geralmente por seu valor, mas sim em sua produção. Ao fazer tais teorizações, Marx alterou alguns fundamentos da Economia Clássica, estabelecendo uma distinção entre valor de uso (algo definido a partir da utilidade que o bem proporciona à pessoa que o possui) e valor de troca (tem relação com um valor de uso, mas não depende dele). Assim como David Ricardo, Marx (1989) acreditava que o valor de troca depende da quantidade de trabalho despendido, porém, a quantidade de trabalho que entra como valor de troca é a quantidade socialmente necessária, ou seja, a quantidade que o trabalhador utiliza em média na sociedade para sua produção, e que obviamente, varia de acordo com cada sociedade. Percebemos então que a teoria marxista entende que há um processo de exploração do trabalhador e que, de fato, o que dá valor à mercadoria é o trabalho. Portanto, equipamentos, não davam valor, apenas transmitiam uma parte do seu valor às mercadorias, não contribuindo, portanto para a formação do valor final da mercadoria. Vemos que, na verdade, é o homem, através do seu trabalho, que faz com que as matérias-primas e os equipamentos transmitissem o seu valor ao bem final, e ainda por cima acrescentasse valor. Em seu livro O Capital, Marx (1989) falava do exemplo das fiandeiras, que usavam o algodão e o transformavam, por exemplo, em camisolas, criado um valor acrescentado que só mesmo o trabalho humano pode dar. Para o referido autor, existe uma apropriação do fruto do trabalho que, no entanto, não pode ser considerado um roubo pelo capitalista, porque ao fim do processo o trabalhador vai ser pago para fazer aquele trabalho. Desse modo, entendemos que o valor é formado tendo em vista o seu custo em termos de trabalho. Desse valor, o capitalista apropria-se da mais valia através da utilização do seu capital. Afinal o que é mais valia? Marx afirmava que a força de trabalho era transformada em mercadoria, e o valor de força de trabalho corresponde ao socialmente necessário. Na verdade,o que o trabalhador recebe é o salário que custeia a sua subsistência, que é o mínimo que para assegurar a manutenção e reprodução de sua força de trabalho. Mas, apesar de receber um salário, o trabalhador acaba por criar um valor excedente durante o processo de produção, ou seja, fornece mais do que aquilo que custa. É esta diferença que Marx chama de mais valia. Não podemos, no entanto, considerar a mais valia como um roubo. Ela é apenas fruto da propriedade privada dos meios de produção. Desse modo, os capitalistas e os proprietários buscam aumentar os seus rendimentos diminuindo o rendimento dos trabalhadores, é, pois, esta situação de exploração da força de trabalho pelo capital que Marx mais crítica, colocando que essa é a essência do capitalismo, que reside na exploração da força de trabalho pelo produtor capitalista – fato esse que, segundo Marx, um dia haverá de levar à revolução social. Compreendemos ainda a partir do estudo do O Capital, que o uso da força de trabalho é o trabalho, e que, por sua vez, esse deve ser útil para realizar valores de uso. Assim sendo, o processo de trabalho é formado por: atividade do homem, objeto de trabalho e meios de trabalho. Vemos que a matéria-prima é um objeto já trabalhado a partir da atividade do homem. O que distingue uma época econômica de outra são os meios de produção, verificando-se que a quantidade de mão de obra diminui com a evolução dos meios. Para Marx, só o trabalho humano agrega valor às matérias-primas, essas não criam, apenas o transferem quando são trabalhadas pelo homem. Então, o capitalista compra, portanto, o valor de uso da força de trabalho, sendo esta sua pertença. Contudo, ele não quer apenas produzir uma coisa útil, quer, acima de tudo, uma mais valia, que o valor desta mercadoria ultrapasse o das mercadorias necessárias para produzi-lo. Sendo assim, pudemos compreender que os trabalhadores não recebem o valor equivalente a seu trabalho, mas só o necessário para sua sobrevivência. Partindo de tal conclusão, surge o conceito da mais valia, a diferença entre o valor incorporado a um bem e a remuneração do trabalho que foi necessário para sua produção. Portanto, para Marx, a principal característica do sistema capitalista é a apropriação privada dessa mais valia. A partir dessas considerações, Marx elaborou sua crítica sobre o modo de produção capitalista numa obra que transcendeu os limites da pura economia e se tornou uma reflexão geral sobre o homem, a sociedade e a história. TROCANDO IDEIAS Gostaria de sugerir a você que assista ao filme O Germinal. Tal filme tem como base um romance vivido ao longo da Revolução Industrial, que provocou uma série de transformações políticas, econômicas e sociais na história. O escritor francês Émile Zola (1840-1902) representou essas transformações brilhantemente nessa sua célebre obra. O filme trata das relações de trabalho, das lutas de classe existentes na sociedade capitalista, do ritmo da produção e da exploração dos trabalhadores pelos patrões, através de um processo de trabalho desumano nas minas de carvão francesas. Retrata claramente as transformações sociais impostas pelo modo de produção capitalista. NA PRÁTICA Analise a história a seguir: Fonte: Adaptado de Will. 2013. <https://ativandoneuronios.wordpress.com/2013/05/27/mais-valia-por-karl- marx-e-will-tirando/>. Vemos, aqui, a história de Silva, que é um trabalhador assalariado. Vemos que Karl Marx participa da história e tenta fazer uma contribuição para tentar explicar a Silva o valor de seu trabalho. Será porque o patrão de Silva não deixa Marx fazer tal explicação? Faça suas anotações e compare-as com os comentários da professora Raquel, a seguir. Comentários Karl Marx tenta explicar para Silva como o seu trabalho agrega valor ao parafuso produzido. Valor esse que excede o valor pago pelo seu patrão por seu trabalho em forma de salário. O salário pago não reproduz o valor total cobrado na venda do parafuso, mas sim uma pequena parcela do valor agregado a mercadoria. A mais valia então seria o trabalho excedente não pago a Silva. SÍNTESE Chegamos ao final desta aula, onde tratamos dos pontos fundamentais dos estudos de Marx, refletindo sobre: As contribuições de Marx para a análise do capitalismo moderno e de seu modo de produção A funcionalidade do poder exercido por uma classe em detrimento da outra através do desenvolvimento de estratégias de dominação e exploração da força de trabalho e que a definição do valor de uso e consequentemente da produção da mais valia agregou vários conhecimentos sobre esse processo Como se dá a organização da sociedade burguesa e sua estrutura a partir do entendimento de que ela está dividida em classes, que dão funcionalidade ao exercício de seu poder. As considerações de Hegel e Marx sobre o Estado e suas funções ideológicas, que sevem a uma determinada classe O valor verdadeiro do trabalho dispensado pela classe trabalhadora para a produção da mercadoria, através da análise marxiana sobre a Produção do Valor de Uso e da Mais Valia Referências CHAUÍ, Marilena. 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