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RECLAMAÇÃO 1. BREVE HISTÓRICO DA RECLAMAÇÃO E SUA EVOLUÇÃO NO BRASIL Consagrada com a promulgação da Constituição de 1988, a reclamação constitucional nasceu da jurisprudência do STF, decorrente da teoria dos poderes implícitos. Se os tribunais têm o poder explícito de julgar, também possuem o poder implícito de dar efetividade às suas decisões e defender sua competência, exercido por meio da reclamação. É também através da reclamação que o STF impõe o cumprimentode decisões proferidas no controle concretado de constitucionalidade e garante a aplicação dos enunciados de suas súmulas vinculantes. 2. FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO 2.1. Aspectos constitucionais Apesar da Constituição prever a reclamação somente para o STF e STJ, entende-se que também é cabível perante tribunais de justiça e tribunais regionais federais. 2.2. A teoria dos poderes implícitos e a teoria da reserva legal Considerando que os poderes implícitos são necessários ao exercício dos poderes explícitos, a reclamação não precisaria estar prevista em texto normativo para que os tribunais pudessem dela se valer. Entretanto, essa discussão perde sentido com a vigência do CPC/15, que prevê a reclamação para todo e qualquer tribunal. 2.3. A previsão da reclamação em outras leis Além da previsão constitucional, a reclamação está prevista na Lei n. 11.417/2006, Código Penal Militar e Código de Processo Civil. 2.4. O papel dos regimentos internos dos tribunais Cabe aos regimentos internos dos tribunais disciplinar o procedimento da reclamação e estabelecer as competências para julgamento. 3. NATUREZA JURÍDICA 3.1. Generalidades A reclamação não deve ser confundida com a correição parcial. Enquanto esta é medida administrativa (disciplinar) que apura uma atividade desordenada do juiz que 1 não pode ser recorrida, a reclamação provoca a cassação da decisão reclamada, possuindo, portanto, natureza jurídica da reclamação de ação autônoma de impugnação de ato judicial. Essa atividade jurisdicional depende de provocação de uma das partes ou do Ministério Público, e o acolhimento da reclamação ocorre em processo distinto daquele do ato reclamado. A consequência da reclamação não é a anulação ou reforma da decisão, mas sua cassação ou a avocação dos autos. 3.2. Entendimento do STF a respeito da natureza jurídica da reclamação Instado a se manifestar sobre o tema, o STF, em Ação Direta de Constitucionalidade, definiu a natureza jurídica da reclamação como manifestação do direito constitucional de petição, entretanto, por suas características e peculiaridades, a reclamação deve ser entendida como uma ação. 3.3. Consequências da definição da natureza jurídica da reclamação 3.3.1. Requisitos da petição inicial e capacidade postulatória: Por ser uma ação, a propositura da reclamação exige capacidade postulatória da parte, ou seja, a representação por advogado constituído (exceto nos casos de atuação do Ministério Público e Defensoria Pública). 3.3.2. Decisão apta a formar coisa julgada: A decisão proferida na reclamação produz coisa julgada e seus efeitos positivos e negativos. 3.3.3. Custas e honorários advocatícios na reclamação: O reclamante deve efetuar o pagamento de custar para seu ajuizamento e a parte vencida deverá ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios da parte vencedora. 3.4. Cabimento da reclamação em todos os tribunais A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal. 4. RECLAMAÇÃO E DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO Não se admitir a propositura de reclamação de decisão trânsitada em julgado, devendo esta ser impugnada através de ação rescisória. Todavia, cabe reclamação contra uma decisão que desrespeite o trânsito em julgado de outra. Outrossim, ajuizada a reclamação, o superveniente trânsito em julgado da decisão reclamada não obsta o julgamento da ação, bem como a inadmissibilidade de eventual 2 recurso contra essa decisão. 5. HIPÓTESES DE CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO (DEMANDA TÍPICA, DE FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA) 5.1. Generalidades A reclamação é cabível nas hipóteses taxativamente previstas pelo legislador, sendo, cada uma delas, uma causa de pedir suficiente para fundamentar a ação. Em alguns casos, como na reclamação contra decisão administrativa que inobservou enunciado de súmula ou destinada a impor observância de acórdão proferido em recurso extraordinário ou recurso repetitivo, a admissibilidade da reclamação é condicionado ao esgotamento prévio das instâncias ordinárias. 5.2. Reclamação para preservação da competência do tribunal A reclamação para preservação de competência do tribunal costuma exigir um ato judicial que lhe tenha usurpado. Não obstante, o ajuizamento de uma reclamação também pode ser em razão de uma omissão. Também é cabível a reclamação contra ato de autoridade administrativa que usurpa a competência do tribunal. 5.3. Reclamação para garantir a autoridade da decisão do tribunal 5.3.1. Generalidades: A reclamação fundada na garantia da autoridade do tribunal pressupõe a existência de um processo anterior. no qual foi proferida a decisão que se busca garantir. A desobediência da decisão, comissiva ou omissiva, pode ser por parte de autoridade de qualquer Poder, exceto se integrante do próprio tribunal. Entretanto, contra a desobediência por parte de um particular ou autoridade administrativa é cabível petição de execução do julgado, sendo admissível a reclamação para garantia da autoridade contra órgãos jurisdicionais. 5.3.2. Reclamação contra ato que desrespeitou enunciado de súmula vinculante do STF: Cabe reclamação do ato administrativo ou decisão judicial que contrarie ou aplique inadequadamente súmula vinculante do STF, determinando a anulação daquele ou cassação desta. Contra o ato do legislativo de elaborar lei com conteúdo que afronte a interpretação do STF, caberá Ação Direta de Inconstitucionalidade. 5.3.3: Reclamação para garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal 3 Federal proferida em controle concentrado de constitucionalidade: 5.3.3.1. Generalidades Trata-se de hipótese específica de reclamação para garantir a autoridade de decisão do tribunal, em face das decisões proferidas em Ação Direta de Constitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. É cabível a reclamação pela parte ou por pessoa juridicamente interessada contra ato administrativo ou judicial que contrarie decisões em controle de constitucionalidade, visando a eficácia do dispositivo ou da ratio decidendi do precedente adotado pelo STF. 5.3.3.2. Reclamação 4.374/PE do STF. A possibilidade de reclamação para revisar decisão proferida em ação declaratória de constitucionalidade Uma reclamação ajuizada para garantia da observância de decisão proferida em controle de constitucuinalidade pode ser rejeitada por superação ou revogação do precedente no julgamento da própria reclamação. 5.3.4: Reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência Os incidentes de resolução de demandas repetitivas, o julgamento de recursos repetitivos e o incidente de assunção de competência têm o objetivo de uniformizar a jurisprudência do tribunal, através da formação de um precedente obrigatório, cuja inobservância é hipótese de cabimento de reclamação. A inobservância deve ser expressa. Se for manifestada através de omissão do julgador, é cabível a interposição de embargos de declaração e posterior agravo de instrumento ou apelação. 5.3.5: Reclamação contra decisões em Juizados Especiais Cíveis. Revogação da Resolução n. 12/2009-STJ No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, é cabível reclamação ao STJ para garantir a autoridade de suas decisões, enunciados de súmula e observância de precedente proferido em incidente de assunção de competência. A reclamação será cabível após o esgotamento das instâncias ordinárias, ou seja, depois de julgado o recursopela turma recursal e, se for o caso, o incidente de uniformização de lei federal pela Turma Nacional de Uniformização, desde que a decisão reclamada não tenha transitado em julgado. 5.4. A reclamação como instrumento para realização da distinção 4 Admite-se a reclamação nos casos que o juiz ou tribunal aplica o precedente onde indevido (circunstâncias fáticas distintas), para que o tribunal que de origem do precedente corrija o equívoco, realizando a distinção que deveria ter sido feita pela autoridade reclamada e afastando a aplicação do precedente. 5.5. A reclamação como instrumento para interpretação da decisão do tribunal Ao interpretar uma decisão que não foi por ele prolatada, o órgão julgador submete-se à reclamação, pois a interpretação das decisões deve ser realizada pelo órgão prolator. Ao ajuizar a reclamação, o tribunal interpretará a decisão tida como desrespeitada podendo, inclusive, rejeitá-la. 6. LEGITIMIDADE PARA A RECLAMAÇÃO 6.1. Legitimidade ativa 6.1.1. Generalidades: A reclamação pode ser ajuizada pelo Ministério Público, partes ou assistente em um processo prévio, bem como aqueles atingidos por decisão contrária a julgado em controle de constitucionalidade ou ato contrário a enunciado de súmula vinculante. 6.1.2. Capacidade processual do Ministério Público estadual para ajuizar reclamação perante tribunal superior: Perante o STF e STJ, o Procurador-Geral da República e o Subprocurador-Geral da República, respectivamente, têm capacidade processual exclusiva para atuar como fiscal da lei, mas o Ministério Público estadual pode atuar como parte. 6.2. Legitimidade passiva e intervenção do interessado O sujeito passivo (réu) da reclamação é aquele que se beneficiou com o ato reclamado, e não a autoridade que descumpriu a decisão do tribunal ou que usurpou a sua competência, que prestará informações no processo na qualidade de fonte de prova. O réu deverá ser citado para apresentar a sua defesa no sentido da manutenção do ato reclamado, no prazo de quinze dias. Aquele que tem interesse jurídico na manutenção ou desfazimento da decisão reclamada poderá intervir no processo da reclamação como assistente. 7. PROCEDIMENTO DA RECLAMAÇÃO 7.1. Previsão legal 5 O procedimento da reclamação é disciplinado pelos arts. 988 a 993, do CPC e o seu ajuizamento depende de provocação da parte ou Ministério Público. 7.2. Processo documental (prova pré-constituída) A reclamação deverá ser instruída com prova documental pré-constituída e dirigida ao presidente do tribunal. Autuada, a ação será distribuída, sempre que possível, ao relator da causa principal. Não é admitida a produção de provas ao longo do processo, que possui procedimento sumário. Devem instruir a reclamação a cópia da decisão ou ato proferido pela autoridade reclamada, da decisão que se pretende garantira autoridade (se for o caso), dos elementos do processo e da atividade que usurpa a competência (se for o caso) e a comprovação de esgotamento prévio das instâncias ordinárias (se for o caso). Se a prova documental não estiver à disposição do reclamante, o relator determinará ao órgão competente ou autoridade reclamada a exibição ou entrega da mesma. 7.3. Requisitos da petição inicial Além dos requisitos do art. 319, do CPC, o reclamante deverá, em sua petição inicial, indicar a hipótese de reclamação que incide no caso, que, juntamente com os fatos constitutivos alegados, formam a causa de pedir remota da ação. A causa de pedir próxima, por sua vez, é o direito à invalidação ou cassação da decisão e, se for o caso, à transferência da causa. 7.4. Prevenção do relator Sempre que possível, o relator da ação de reclamação será o mesmo da causa principal, observado o disposto no regimento interno do tribunal. 7.5. Indeferimento da petição inicial ou julgamento de procedência liminar do pedido pelo relator Se a petição inicial estiver eivada por algum vício sanável, o relator deverá intimar o reclamante para corrigí-lo. Decorrido o prazo sem providências, a peça será indeferida pelo relator. A petição inicial também será indeferida quando não se tratar de hipótese de reclamação, quando transitada em julgado a decisão reclamada ou quando não comprovado o esgotamento das instâncias ordinárias. O pedido será julgamento liminarmente improcedente quando contrariar enunciado de súmula do STF ou STJ, acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos ou enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. Contra essa decisão, é 6 cabível a interposição de agravo interno. 7.6. Tutela provisória na reclamação É possível a concessão de tutela provisória de urgência, em sede de reclamação, para suspender o processo ou ato impugnado. Também admite-se a concessão de tutela provisória de evidência com o mesmo fim ou para antecipar os efeitos do provimento final. 7.7. Reclamação repetitiva Havendo várias reclamações sobre o mesmo tema, deverá ser adotado o procedimento próprio dos casos repetitivos para o julgamento, escolhendo-se por amostragem uma ou duas reclamações para análise e sobrestando-se as demais. 7.8. Prazo para ajuizamento da reclamação Enquanto não transitada em julgado a decisão reclamada, é possível o ajuizamento da reclamação. O trânsito em julgado superveniente ao ajuizamento fica condicionado à improcedência da reclamação. Se procedente, a decisão e, consequentemente, o transito em julgado desaparecerão. 7.9. Relação entre recurso e reclamação (art. 988, §6º, CPC) A improcedência de eventual recurso contra a decisão reclamada não obsta o julgamento da apelação. Por sua vez, a procedência do recurso, total ou parcial, ao anular ou reformar a decisão reclamada, promoverá a sua substituição pela decisão do tribunal, fazendo com que aquela deixe de existir, restanto prejudicado o exame de mérito da reclamação. 7.10. Intervenção do Ministério Público na reclamação Para a formação de um precedente, é obrigatória a invervenção do Ministério Público. A reclamação, entretanto, é ação que visa analisar a aplicação de um precedente já formado. Em razão, a intervenção do Ministério Público nas ações de reclamação é obrigatória se presentes as hipóteses do art. 178, do CPC, nas quais será intimado para atuar como fiscal da lei e terá vista dos autos por improrrogáveis cinco dias. Decorrido o prazo, com ou sem manifestação, os autos serão conclusos ao relator. 8. DECISÃO QUE JULGA A RECLAMAÇÃO A decisão que acolhe ou deixa de acolher a reclamação é de mérito e, em caso de inadmissibilidade, será hipótese de extinção sem resolução. Ao acolher uma reclamação, o tribunal cassará a decisão reclamada, determinará a 7 medidas para a solução da controvérsia ou ordenará a prolação de outra decisão. Se for o caso de usurpação de competência, é possível que os autos sejam avocados. 9. RECURSOS NA RECLAMAÇÃO Das decisões proferidas em reclamação cabem embargos de declaração. Das decisões proferidas pelo relator, cabe agravo interno. Quando julgada a reclamação por tribunal de segunda instância, caberá recurso especial e, se for o caso, extraordinário. 8
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