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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ-UVA CENTRO DE FILOSOFIA, LETRAS E EDUCAÇÃO-CENFLE CURSO DE LETRAS DISCIPLINA: Literatura Luso-Brasileira PROFESSORA: Dra. Maria Elisalene Alves dos Santos ALUNO(A): Gabriel Luiz Ribeiro de Oliveira DATA: 20/12/2020 AP2 — Os Lusíadas, de Luís Vaz De Camões INTRODUÇÃO O Classicismo — estilo/movimento literário que fez parte do Renascimento europeu — teve como intento seguir as concepções de arte dos clássicos gregos e latinos, adotando-as como modelos a serem imitados/reproduzidos. Além de imitar/ter como referência os autores clássicos, o Classicismo embasou-se em outras características. Algumas delas foram: o racionalismo, a impessoalidade, o antropocentrismo/hedonismo, o equilíbrio, a obediência a regras, e o ideal de beleza/perfeição e valores. Vale ressaltar, no entanto, que o Classicismo não se impôs de maneira absoluta: características medievais sobreviveram/resistiram durante todo o período, tendo, assim, que coexistir com as características clássicas. O Classicismo português — iniciado em 1527, com o retorno de Sá de Miranda da Itália, e encerrado em 1580, com o domínio espanhol — teve diversos escritores como, por exemplo, Sá de Miranda e Antônio Ferreira. Entretanto, o mais insigne e ínclito foi Luís Vaz de Camões (1524/25(?)-1580), considerado o maior poeta renascentista português de todos os tempos. A biografia de Camões é carente de informações documentadas, pouco se conhece sobre sua vida. O que se sabe de fato é que o poeta renascentista português: nasceu e morreu pobre; perdeu um olho em Ceuta (1549), onde exercia a função de soldado raso; foi preso, em 1552, por ferir um servidor do Paço em uma briga; foi para a Índia, em 1553, onde prestou 2 serviço militar; em 1556 seguiu para Macau, na China, onde teria escrito uma parte de Os Lusíadas; em 1572 publicou Os Lusíadas; voltou para Lisboa em 1569; e faleceu em 1580. Além disso, de acordo com uma lenda, o poeta português perdeu Dinamene (sua namorada chinesa) em um naufrágio (quando voltava de Macau), em que conseguiu salvar o manuscrito d’Os Lusíadas, segurando-o com uma das mãos e nadando com a outra. (MOISÉS, 1999, p. 53-54). DESENVOLVIMENTO O HERÓI A poesia épica (epopeia) de Camões foi marcada pela obra Os Lusíadas, uma das mais preeminentes do período renascentista europeu. Ela trata da História de Portugal e dos grandes feitos de seu povo, mais especificamente da viagem de Vasco da Gama, em 1497, em que foi descoberto o caminho marítimo para as Índias: O poema tem como núcleo narrativo a viagem empreendida por Vasco da Gama a fim de estabelecer contacto marítimo com as Índias (a frota portuguesa levantou âncora a 8 de julho de 1497, e arribou a Calicut, fim da viagem, a 24 de maio de 1498). (MOISÉS, 1999, p. 57). Sobre a figura do herói, Moisés (1999, p. 58) explana que: A começar do herói, que não é Vasco da Gama, salvo como porta- voz dos que levaram a cabo a ousada empresa, ou símbolo do povo português em sua temerária arremetida contra os mares no encalço de amplos horizantes geográficos e humanos. Os navegantes como uma unidade, ou mesmo Portugal como terra de “armas e barões assinalados”, é que representam o papel de herói no poema. Por exercer a nobre função de representar Portugal, tal navegador/conquistador foi tido como o porta-voz e o símbolo da nacionalidade portuguesa. Mas, na verdade, Vasco da Gama pode ser considerado o herói individual por seus feitos e por sua representação, enquanto o povo/império português pode ser tido como o herói coletivo, já que é exaltado por suas conquistas ultramarinas e pela difusão de sua Monarquia e crença (fé cristã). E é justamente por isto que o título da poesia é 3 Os Lusíadas, que significa “os lusitanos”, e não, por exemplo, “Vasco da Gama”. A ESTRUTURA INTERNA E A ESTRUTURA EXTERNA A obra Os Lusíadas segue as mesmas regras das epopeias clássicas, ou seja, apresenta uma estrutura que remete aos padrões greco-latinos. A respeito das características formais (estrutura externa), observa-se que essa poesia épica: Contém 10 cantos, 1102 estrofes ou estâncias e, portanto, 8816 versos: as estâncias estão organizadas em oitava-rima (compõem- se de oito versos com o seguinte esquema rímico: abababcc); os versos são decassílabos heróicos (com cesura na 2ª sílaba, ou 3ª, ou 4ª, na 6ª e na 10ª). (MOISÉS, 1999, p. 57, grifo nosso). Já a respeito da divisão do poema, Camões embasou-se/inspirou-se nos modelos clássicos de Homero (autor da Ilíada e da Odisseia) e de Virgílio (autor da Eneida). É por esta razão que a estrutura interna: Divide-se em três partes: 1.ª, Introdução (18 primeiras estâncias), subdivida em Proposição (estâncias 1-3): o poeta se propõe cantar as façanhas das “armas e os barões assinalados”, isto é, os feitos bélicos de homens ilustres; Invocação (estâncias 4.5): O poeta invoca as Tágides, musas do rio Tejo; Oferecimento (estâncias 6- 18): o poema é dedicado a D. Sebastião, a cujas expensas se deve a sua publicação; 2.ª, Narração (Canto I, estância 19 — Canto X, estância 144); 3.ª, Epilogo (Canto X, estâncias 145-156). (MOISÉS, 1999, p. 57). Na Proposição (estâncias 1-3 do Canto I) — que pertence à primeira parte, assim como a Invocação e o Oferecimento —, Camões introduz a poesia exaltando a grandiosidade de Portugal e de seu povo, cantando os ilustres feitos dos portugueses: As armas e os barões assinalados, Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; (CAMÕES, Os Lusíadas, I, 01, grifo nosso). 4 Neste fragmento (pertencente à Proposição), entende-se que territórios foram conquistados por meio de navegações e de batalhas, o que colaboraram para a expansão do império lusitano. Na Invocação (estâncias 4-5 do Canto I), o poeta invoca as Tágides (ninfas do rio Tejo): E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mim vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloquo e corrente, Porque de vossas águas, Febo ordene Que não tenham inveja às de Hipocrene. (CAMÕES, Os Lusíadas, I, 04, grifo nosso). Neste fragmento (pertencente à Invocação), verifica-se que o poeta pede às ninfas inspiração/influência/incentivo para fazer um exímio poema. Além disso, vale enfatizar que tais ninfas (criadas por Camões) viviam em Portugal (para dar um caráter nacional à poesia). No Oferecimento (estâncias 6-18 do Canto I), também chamado de Dedicatória, o poema é dedicado a D. Sebastião (rei de Portugal naquele período que, de certa forma, apadrinhou/patrocinou a obra): E vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antígua liberdade, E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade; Vós, ó novo temor da Maura lança, Maravilha fatal da nossa idade, Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Para do mundo a Deus dar parte grande; (CAMÕES, Os Lusíadas, I, 06, grifo nosso). Neste fragmento (pertencente à Dedicatória), constata-se que o poeta exalta/homenageia D. Sebastião por suas características de líder e por seus feitos, mais especificamente por espalhar os dogmas da igreja católica. Na Narração (segunda parte do poema, que vai da estância 19 do Canto I até a estância 144 do Canto X), parte mais longa da epopeia, o poeta narra as aventuras de Vasco da Gama até chegar em Calicute, na Índia, e (ao mesmo tempo) relata sobre os fatos importantes da história de Portugal (ação histórica). Ele fala também sobre a disputa entre os deuses (ação mitológica), em que uns tentam proteger os lusitanos (Vênus e outros) e 5 outros tentam impedi-los(Baco e outros). Nesta parte, a ação do poema inicia quando as naus já estão navegando no Oceano Índico, começando, portanto, in media res (Latim: “no meio das coisas/acontecimentos”), ou seja, no meio da viagem/aventura, em plena ação: Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam, Das naus as velas côncavas inchando; Da branca escuma os mares se mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As marítimas águas consagradas, Que do gado de Próteo são cortadas; (CAMÕES, Os Lusíadas, I, 19, grifo nosso). Com auxílio da estrofe/estância acima, percebe-se que o enredo não é linear, já que a narrativa tem início no meio do assunto central (quando os portugueses já estão em alto-mar). Quanto ao início da história, ele é contado mais a frente, retomando os acontecimentos como uma espécie de retrospectiva. Com base nessa falta de linearidade, contata-se que a epopeia apresente três tempos: o passado, que consiste no reconto da História de Portugal desde as origens até D. Manuel I; o presente, que consiste no tempo da ação central do poema; e o futuro, que consiste nas profecias. Por último, no Epílogo, o poeta se mostra angustiado e critica a pátria, que coloca a sede em segundo plano para dar mais ênfase às colônias (territórios conquistados). OS PLANOS TEMÁTICOS A obra Os Lusíadas é composta por cinco principais planos temáticos: o plano da viagem, que consiste na viagem de descoberta do caminho marítimo para as Índias de Vasco da Gama e seus marinheiros; o plano da história de Portugal, que consiste nos episódios que relatam a história dos lusitanos e seus grandes feitos; o plano da mitologia, em que são descritas as ações (de colaborar e de atrapalhar) dos deuses; e o plano lírico, que aparece em 6 alguns episódios da obra (são eles: Inês de Castro, Ilha dos amores, Gigante Adamastor e os Doze de Inglaterra). PRINCIPAIS EPISÓDIOS A epopeia camoniana apresenta episódios que se destacam por seu esmero e primor. Os mais notáveis são: Inês de Castro (Canto III); O Velho do Restelo (Canto IV); O Gigante Adamastor (Canto V); e A Ilha dos Amores (Canto IX e X). No episódio de Inês de Castro (Canto III), Vasco da Gama chega em Melinde e, na presença e a pedido do rei local, começa a contar histórias de Portugal. Uma delas foi a trágica história de Inês de Castro, amante de D. Pedro I, que foi assassinada por ordem do rei D. Afonso IV (pai de D. Pedro que não aceitava o romance entre o filho e ela). Neste episódio, a temática gira em torno do embate entre o amor (cruel, já que para ser celebrado foi preciso que sangue humano fosse derramado) e as conveniências (ou poderes) políticas. No episódio do Velho do Restelo (Canto IV), narra-se a saída de Vasco da Gama da praia do Restelo, onde um velho contraria tal viagem sob o argumento de que os navegantes (movidos pela cobiça de fama, glória e riquezas) trariam desgraça e tristeza para o povo lusitano. No episódio do Gigante Adamastor (Canto V), Vasco da Gama dirige- se ao Cabo das Tormentas, região inexplorada, onde se depara com um Gigante feito de pedra (personificação do Cabo das Tormentas que, após a vitória portuguesa, passou a ser chamado de Cabo da Boa Esperança). Esse episódio simboliza a superação dos portugueses sobre os desafios mitológicos e/ou naturais. No episódio da Ilha dos Amores (Canto IX e X), Vasco da Gama cumpre o objetivo de chegar ao Oriente e, como recompensa, ganha da deusa Vênus prazer e descanso em uma ilha onusta de diversas ninfas. Neste trecho, o poeta infere indiretamente que os portugueses tenham descendido de divindades, já que tiveram relações sexuais com deuses. 7 AS MARCAS DE CONTRADIÇÃO E DUALIDADE A marcas de dualidade e de contradição podem ser notadas, respectivamente, na correlação entre a mitologia e o cristianismo, e na crítica ao império lusitano: [...] se apresenta marcada de contradições e dualidades, como, por exemplo, a coexistência do maravilhoso (= intervenção de seres sobrenaturais no poema) pagão e do cristão, quando seria de esperar que o segundo predominasse. Tal dualismo, como sabemos, francamente renascentista. Outro exemplo dentro da mesma tendência: poema de exaltação patriótica, verdadeiro hino de ufania, como a proposição declara, Os Lusíadas deveriam manter-se coerentes até o fim, mas não é o que acontece, visto o Epílogo conter uma nota depressiva e melancólica O poeta dá-se conta de que tem a lira "destemperada e a voz enrouquecida, / E não do canto, mas de ver que venho / Cantar a gente surda e endurecida.": o Epílogo traduz o instante em que Camões descobre e confessa que cantava um povo tristemente embriagado com as glórias conquistadas no ultramar, tudo transformado numa desalentada confissão de vencido e visionário. (MOISÉS, 1999, p. 59). A coexistência/dualidade observada se justifica pelo fato do maravilhoso pagão ser utilizado apenas como instrumento alegórico (ou seja, de enfeite, para imitar/reproduzir as obras clássicas), e não como crença. Desse modo, Camões foi capaz de conciliar (na Narração) a presença da mitologia e a glorificação da fé cristã. Vale ressaltar ainda que, na poesia, tal fé sempre prevalecia sobre a mitologia (maneira que o autor encontrou para dignificar sua religião). Já a marca de contradição está presente no fato de Camões criticar (de maneira melancólica e depressiva), no Epílogo, o império lusitano após o exaltar veementemente por seus feitos e conquistas. Esse nacionalismo exacerbado foi deixado de lado no final da epopeia porque o poeta percebeu que o império português estava em crise/colapso e que ruiria em breve. CONCLUSÃO Pode-se concluir, portanto, que a epopeia renascentista Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões foi feita com esmero, e que suas peculiaridades a tornam uma obra ímpar, seja por sua extensão e rigorosidade (formal e vocabular) ou pelo tom lírico que o autor põe na narrativa. Tais qualidades justificam o motivo de Camões ser considerado um dos maiores poetas de 8 todos os tempos. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Matin Claret, 2001. LUCAS, Fábio. “Notícia sobre Camões e Os Lusíadas”. In: Fontes Literárias Portuguesas. Campinas, SP: Pontes; São Paulo: Secretaria do Estado da Cultura, 1991. MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Culrix, 1999.
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