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FACULDADE DOM ALBERTO INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS SANTA CRUZ DO SUL - RS 1 1 LÍNGUA X FALA Antes de conceituar o que é língua e fala, comecemos por desmistificar a relação entre linguagem e língua. Para Saussure (2006), não podemos confundir a linguagem com a língua e tratarmos as duas como sendo a mesma coisa, porque enquanto a linguagem é heterogênea – várias formas – a língua, para ele, é de natureza homogênea. O mestre da Linguística (2006, p. 17) afirma que: Para nós, ela [língua] não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Saussure (2006) segue mostrando que a língua pode ser estudada separada da linguagem, pois ela é apenas uma parte da linguagem. Contudo, língua e fala são estreitamente relacionadas. O autor (2006, p. 27) afirma: “[...] a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta é necessária para que a língua se estabeleça [...]”. O pai da Linguística (2006, p. 22) ainda ressalta que: “[...] a língua não está completa em nenhum [indivíduo] só na massa ela existe de modo completo”. A língua só existe a partir de acordos feitos entre membros de uma comunidade, assim como nas demais instituições existentes. Entretanto, o autor distingue a língua das demais instituições, apenas por que ela tem uma natureza peculiar, sendo essa característica o que a define. Na visão de Saussure (2006, p. 23), a língua constitui-se num sistema de signos que, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas. Para ele, signos linguísticos são a relação 10 entre um conceito e uma imagem acústica, sendo o conceito uma ideia, um pensamento que serve para interpretar o mundo, e uma imagem acústica a impressão psíquica de uma sequência articulada de sons (vogais, consoantes e semivogais). O mestre (2006, p. 22) definiu ainda fala como sendo: “Um ato individual de vontade e inteligência” e também “combinações individuais, dependentes da vontade dos que falam; atos de fonação igualmente voluntários, necessários para a execução dessas combinações”. A partir das definições de língua e de fala, infere-se que a fala conduz à língua; na verdade, uma depende da outra. AULAS 11 A 20 2 A diferença entre as duas, como nos explica Saussure (2006, p.22): “A língua não constitui, pois, uma função do falante: é o produto que o indivíduo registra passivamente [...]. Já para a fala temos que, “[...] é, ao contrário, um ato individual de vontade e inteligência [...]”. É interessante como Fiorin (2011, p.81) descreve, ao afirmar que, para Saussure: Língua opõe-se a fala, porque a língua é coletiva e a fala é particular, portanto, a língua é um dado social e a fala é um dado individual. Além disso, a língua é sistemática e a fala é assistemática. Pessoas que falam a mesma língua conseguem comunicar-se porque, apesar das diferentes falas, há o uso da mesma língua. Assim, constata-se que a permanência de uma língua em um determinado contexto social, precisa do exercício da fala, sendo por meio dela que a língua é efetivada e estabelecida em um grupo social. De acordo com esse pensamento, Silvio Elia (2001, p. 5) define língua como estrutura e como instituição, sendo, primeiro a língua na sua estrutura física, depois a língua como instituição e, por fim, de acordo com o uso em uma comunidade linguística, ou seja, a língua em seu uso social. Para o autor (2001, p. 7), comunidade linguística é: “[...] todo agrupamento humano dotado de um código verbal comum que, podendo não ser exclusivo, a todos se impõe, por meio de normas que funcionam como força de coesão e solidariedade social”, ou seja, essa comunidade interage por meio de uma língua. Desse ponto de vista, ressalta-se que uma comunidade é composta de uma língua que representa, além de um símbolo, um fator de identidade cultural. Ela só existe em decorrência de espécie de contrato coletivo que se estabelece entre as pessoas e ao quais todos aderiram. A língua é um patrimônio histórico, cultural, reconhecido oficialmente 11 por um Estado, como forma de comunicação em suas relações internas e externas, conforme afirma Silvio Elia (2001, p. 15). Existem alguns traços sociolinguísticos que definem como uma língua se estabelece em uma determinada comunidade linguística. Silvio Elia (2001) destaca alguns: o primeiro traço é a língua berço; essa característica é dada quando a língua nasce em um determinado país, tomemos por exemplo a Língua Portuguesa (que será objeto de estudo nos próximos capítulos). Portugal é o berço da Língua Portuguesa, característica única e própria dele. O segundo traço é a língua materna, esta é a primeira língua aprendida pelo falante, geralmente na infância, dos lábios de sua mãe ou de parente próximos. Outro traço sociolinguístico é a língua oficial – é a língua que o Estado reconhece como válida em sua vida política e administrativa. 3 O quarto chama-se língua nacional, tem-se por essa a língua falada sem contrastes em toda a extensão do País. Um traço interessante (e o mais recente) é o da língua de cultura, está permite o acesso à cultura e sendo ela mesma um patrimônio cultural. O sexto traço é gerado da língua de cultura, sendo ele por sua vez a língua padrão, como o próprio nome estabelece, é a língua reconhecida pela comunidade nacional e que se ensina nas escolas. Podemos classificar o outro traço como língua transplantada que é a língua levada de um país para o outro e lá estabelecida; e como exemplo temos a Língua Portuguesa, que após se estabelecer como língua oficial de Portugal, foi levada por meio da expansão marítima a vários países, se expandindo por vários lugares e é hoje uma das línguas mais faladas do mundo. Para compreendermos melhor o processo de formação e estabelecimento da língua portuguesa no território brasileiro, é necessário que retornemos às suas origens, a língua latina. Assim entenderemos como foram as modificações que o latim sofreu até a formação do Português atual. Desde os primórdios da humanidade, o homem já possuía a necessidade de se comunicar. Mesmo não existindo a exata formação das palavras como atualmente, eles emitiam sons vocálicos que demonstravam seu modo de ver o mundo físico, como também expressavam suas sensações: fome, medo, insegurança, tristeza. Desta maneira, a língua(gem) não é fruto de pesquisa de longos anos. O indivíduo já nasce com esse instinto e habilidade racional. É a posse da língua(gem) o que mais claramente distingue o homem dos outros seres. A linguagem verbal, entretanto, passou a ser desenvolvida a partir do momento em que o homem julgou necessário criar uma expressão sonora que representasse o próprio elemento. Os nomes têm essa missão: nomear os seres. Assim, ao pronunciarmos a palavra fogo, imaginamos automaticamente à imagem a que se reporta essa palavra, devido ela pertencer ao campo natural. Contudo, a expressão “Eu te odeio”, não permite essa mesma “mentalização”, em virtude de a palavra não poder ser representada no campo natural. Por isso, o homem precisou moldá-la na forma de linguagem verbal. Muitas palavras trazem uma carga de conhecimentos históricos que se acoplam ao seu significado, moldando, às vezes, de tal maneira o seu sentido que elas passam a ter um cunho preconceituoso, pejorativo. É preciso um cuidado maior, para que o falante não seja o responsável pela perpetuação do preconceito. A língua é um produto da cultura, também é um instrumento de manifestação dela, que se 4 adapta ao meio ese modifica, conforme variem as necessidades e as condições de seus falantes. A língua(gem) é interação, visto que proporciona ao indivíduo a possibilidade de exercer atividade sobre o outro, sobre si mesmo e sobre o mundo. É independente de estímulo: não necessita de alguém para ativá-la. Desta forma, compreende-se que a língua(gem) é uma atividade essencialmente humana, histórica e social. Se bem conduzida, pode ser uma aliada na luta contra os preconceitos sociais, pois é a partir de seu uso que observamos, compreendemos e interagimos com o mundo natural. 1.1 O Homem, o Mundo e a Língua Se, como diz o linguista, o papel da Linguística é o de delimitar-se a si própria, é lícito que suas fronteiras sejam tão permeáveis, que discussões intermináveis como a tenuidade das fronteiras entre a semântica e a pragmática seja perpetuada. Quando Saussure legou à fala a obscuridade, não imaginava que ela voltaria às claras e tentasse novamente definir esses inconstantes limites. Locutores, ouvintes, situações, retóricas deixam de ser ignorados e passam a incorporar certas teorias linguísticas que admitem que os recursos para a expressão dos sentidos são os mais diversos e não se encontram todos enclausurados nos limites do enunciado, dentro da língua – se é que se pode definir o que lhe é interno e externo; outra indefinição. Voltemos agora às bases: a semântica considera que o fulcro dos sentidos é um sistema de referências cultural e antropológico. Os sentidos da língua podem ser encontrados na própria língua, nos enunciados, nas retomadas, anáforas, polissemias, homonímias, pressupostos... como se a língua estivesse pronta e nos fosse instituída em algum momento pelos homens e sua cultura; como se fosse um armazém cheio de provisões para os discursos, ambíguas ou não. Mas aqui, neste texto e instituto, adota-se outra concepção: a língua é uma constituição, está sempre “em processo” sendo construída a diversas mãos, nas diversas práticas discursivas. Como então garantir que o sistema de referências seja estável, como se os falantes não mais produzissem sentidos que fundamentassem a cultura e suas relações? Ilusão. O sistema de referências está também “em processo” a cada enunciação. Não quero aqui negar a semântica, mas mostrar como ela pode estabelecer relações dinâmicas com a pragmática, sem dogmatismos. Creio que outrora já discuti a importância da semântica para resolver o problema do jornalista do filme Cidadão 5 Kane, de Orson Welles. Lá o mistério era descobrir o significado de rosebud. Não houve pragmática que resolvesse o mistério, pois não se podia encontrar nenhum referente – dentro ou fora da língua. É através da primazia da semântica que Ulisses escapa do Ciclope. Os irmãos do monstro, limitaram-se a um universo referencial onde o significado de ninguém não tem referente no mundo, como se fosse um referente nulo, ou algo parecido. Não levaram em consideração o contexto, locutor, etc. É através dos dados abaixo discutirei alguns aspectos sobre semântica e pragmática para que a explicação não fique apenas teórica, mas também lúdica. Arriscando agora uma esquizofrenia metalinguística, podemos notar já na frase anterior um implícito. Dizer “não apenas teórica, mas também lúdica” implica duas coisas: teorias são enfadonhas e análises de dados não o são. Esses implícitos não necessitam do conhecimento de elementos da enunciação para serem apreendidos, eles estão marcados no próprio enunciado através de apenas e mas também. Partamos aos dados: “Errar é humano” é um clichê, um enunciado cuja estrutura é repetida em diferentes enunciados, tal qual as palavras compostas, e remetem a um referente na língua que, nesse caso, significa generalizadamente que: o erro pode ser perdoado, afinal, todos erram. Em diversas enunciações podemos encontrá-lo: quando alguém quer consolar um amigo que errou algumas perguntas de uma prova; quando alguém quer se desculpar por ter traído o cônjuge, etc. Nesses contextos o nosso clichê pode ser equivalente a desculpas, podendo assumir assim um caráter performativo que será diferente e muito mais preocupante num contexto como o apresentado na charge de Quino. O humor da piada concentra-se justamente no ato perlocutório realizado por esse enunciado que vai provocar no paciente, no mínimo, um certo desespero; enquanto esse mesmo enunciado, num contexto como o do marido traidor, provocaria, para ser muito otimista, compaixão. Os médicos, supostos enunciadores, realizam um ato ilocutório de remissão – tal qual Pilatos, lavam suas mãos. As teorias de Austin, que introduzem efetivamente a pragmática nos limites da linguística, se não utilizadas para a análise de enunciados como o anterior, deixaria à análise exclusivamente semântica uma certa incapacidade de interpretação. É a pragmática que nos permite rirmos da charge, e não um fenômeno da língua como a ambiguidade causada por uma homonímia ou polissemia. Algo parecido ocorre na música Gol Anulado da dupla Bosco/Blanc: 6 Quando você gritou mengo No segundo gol do Zico Tirei sem pensar o cinto E bati até cansar. Nesse caso mengo assume, mesmo sem a intenção do locutor, um caráter performativo pois, através de um ato perlocutório e de todo um contexto envolvido, provoca a ira no marido. Há aqui que se considerar toda a história do locutor e a enunciação (um jogo entre Vasco e Flamengo) para interpretar o efeito de sentido atribuído pelo ouvinte. Vejamos agora um dado de uma crônica de Veríssimo: - Na noite em que fui concebido – suponho que tenha sido uma noite – eu era um entre milhões de espermatozoides. Mas só eu cheguei ao óvulo de mamãe. Ou será bilhões? - Acho que é óvulo mesmo. - Não. Os espermatozoides. É milhões ou bilhões? - Kahn... Não sei. (...) - Então, imagina o seguinte. Pense bem. Amendoim. - Amendoim. Estou pensando nele. Amendoim. - Não. Me passe o amendoim e pense o seguinte. (...) A saber: os interlocutores acima estão bêbados. Primeiramente, se considerássemos os dêiticos destacados, encontraríamos um problema. Sabemos que quem fecunda o óvulo é um espermatozoide, porém, como podemos atestar no fui concebido, o locutor é um homem e não um gameta masculino, desautorizando a utilização dos eus conseguintes. Para que o interlocutor não considere o locutor demente, é necessário um trabalho de identificação de pressupostos e, como não há nenhuma marcação no enunciado, não são pressupostos, são subentendidos. É necessário que o interlocutor leve em consideração as condições pragmáticas atuantes no momento da enunciação, só assim ele poderá entender que o locutor considera que ele próprio considera-se o gameta – meia verdade – que, saído do epidídimo, fecundou, se desenvolveu e culminou nele. 7 Outro problema encontra-se quando o locutor pergunta sobre a quantidade de óvulos e o interlocutor responde uma pergunta que não era a feita pelo locutor. A resposta certamente é fruto da bebida, mas pode ser analisada tanto através da semântica quanto da pragmática. Se o interlocutor desconhecesse o significado da palavra óvulo e de bilhões, ele poderia, através do contexto, classificá-las num mesmo campo semântico, possibilitando que houvesse uma confusão com relação aos seus significados. Mas, assim mesmo, o contexto seria necessário. Podemos também considerar que há algum problema referente às leis do discurso. Uma das máximas discursivas está sendo violada: o locutor fere o princípio da cooperação, ele não explicita claramente se sua pergunta se refere à quantidade de espermatozoides ou à nomenclatura de óvulo. Porém o locutor se esforça para cooperar, escolhe uma das alternativas e responde à pergunta do locutor egoísta. Normalmente não haveria problema algum na pergunta, mas há que se considerar o estado alcoólico dos interlocutores. Última questão referente tambémàs leis do discurso: amendoim. Novamente o locutor não coopera. Ele considera que o seu interlocutor vá interpretar o implícito, o subentendido de seu enunciado, mas considera errado. O interlocutor interpreta amendoim como um ato performativo, uma ordem para pensar, quando a ordem era para passar o pratinho de amendoim. Se os interlocutores estivessem um pouco mais bêbados, talvez não interpretassem nem os pressupostos dos enunciados, as homonímias, ou mesmo o significado, o referente da palavra. Os sentidos das preposições ficam mais enriquecidos se analisados através de fatores semânticos e pragmáticos. No entanto, a resistência em se admitir que a pragmática é essencial para a análise dos dados lega à Linguística uma eterna indefinição de seus limites. Insistem em deixar o homem e seu mundo fora da língua que estão construindo constantemente. 8 2 FERDINAND DE SAUSSURE PERCURSO DE ESTUDO DA LÍNGUAS Fonte:conceitos.com Linguista suíço nascido em Genebra, fundador da moderna linguística científica. Filho de um eminente naturalista, foi orientado para seguir os estudos em linguística por um filólogo e amigo da família, Adolphe Pictet (1799-1875). Estudou Física, Química na universidade alemã de Leipzig, enquanto continuava estudando linguística fazendo cursos de gramática grega e latina. Convencido de que seu futuro estava nos estudos da linguagem, ingressou na Sociedade Linguística de Paris. Ainda estudante, publicou seu único livro, um brilhante estudo em linguística comparativa que firmou sua reputação: Mémoire sur le système primitif des voyelles dans les langues indo-européennes (1879). Posteriormente estudou sânscrito, celta e indiano, em Berlim e doutorou-se em Leipzig com a tese De l’emploi du génitif absolu en sanscrit (1880), uma tese sobre o uso do caso genitivo em sânscrito. Ensinou linguística histórica na École des Hautes Études, em Paris (1881-1891), especialmente Sânscrito, Gótico e Alto Alemão e depois Filologia Indo-europeia. Voltou para Genebra, Suíça, para ensinar linguística indo-europeia e sânscrito (1901-1913) e os célebres cursos de linguística geral (1907-1913) na Universidade de Genebra, cidade onde morreu. Sua notoriedade veio com a publicação da obra póstuma, Cours de linguistique générale (1916), textos dos cursos ministrados durante 9 seus últimos anos de vida na Universidade de Genebra, recolhidos e organizados por seus discípulos suíços Charles Bally (1865-1947) e Albert Séchehaye (1870–1946). Após a morte de Saussure, seus discípulos esperavam encontrar em seus manuscritos a imagem fiel de suas geniais lições. Qual o quê! O mestre destruía os rascunhos que escrevia, as gavetas de sua escrivaninha estavam quase vazias. O jeito foi reunir as anotações minuciosas de seus alunos, compará-las e recriar cuidadosamente o pensamento do pioneiro da linguística. O resultado deste trabalho foi a publicação do "Curso de Linguística Geral". Filho de uma família abastada, Ferdinand de Saussure estudou desde cedo inglês, grego, alemão, francês e sânscrito. Com o objetivo de continuar a tradição científica de sua família, em 1875, estudou física e química na Universidade de Genebra. Em 1877, aos 21 anos, Ferdinand de Saussure publicou o livro "Memória sobre as Vogais Indo-europeias". Três anos depois o estudioso defendeu sua tese de doutorado, "Sobre o Emprego do Genitivo Absoluto em Sânscrito". Em 1881, Ferdinand de Saussure assumiu a cátedra de linguística comparada na Escola de Altos Estudos de Paris. Em 1886 tornou-se membro da Sociedade Linguística de Paris e no ano seguinte foi para Leipzig, na Alemanha, completar seus estudos. Transferiu-se em 1891 para a Universidade de Genebra, lecionando linguística indo-europeia e sânscrito até 1906, quando passou a professor titular de linguística. Saussure foi professor na Universidade de Genebra até sua morte, aos 55 anos. Seus discípulos Charles Bally e Albert Sechehaye organizaram as anotações dos alunos de Saussure realizadas durante seus cursos universitários. Em 1915 foi publicado o já mencionado "Curso de Linguística Geral", considerado a obra fundadora da linguística moderna. 10 3 SIGNO LINGUÍSTICO Fonte:conceitos.com Para Saussure, a língua é um sistema de signos formados pela junção do significante e do significado, ou seja, da imagem acústica e do sentido. Esses saberes contribuem muito para a alfabetização e letramento, pois, nesse processo, o sujeito parte do concreto, por meio de desenhos para um conhecimento abstrato, relacionado ao mundo da escrita. A relevância do signo linguístico se faz presente, uma vez que ele precisa ser compartilhado socialmente e, dessa forma, representa uma etapa final do processo de alfabetização. Partindo de escritas pictográficas a ideográficas até chegar a uma escrita silábica e, consequentemente, à alfabética, o sujeito, em fase de alfabetização, traça o caminho que Saussure descreve por meio do significante e do significado pelos quais os signos são abarcados. É com o intuito de demonstrar como os saberes relacionados ao significado e ao significante são relevantes para o processo de alfabetização, principalmente na aquisição da escrita, é que este trabalho foi proposto. Na primeira seção, este texto descreve e explica a Teoria de Saussure sobre signo linguístico. Em seguida, será demonstrado com exemplos e atividades de crianças no período de alfabetização escolar como ocorre o processo de transição de uma escrita em que o conceito é privilegiado para um processo em que se privilegia o significante. Por fim, o texto traz alguns comentários finais sobre as contribuições de Saussure para o entendimento do processo de alfabetização e letramento. 11 A ideia de signo linguístico envolve duas dimensões mentais estreitamente interligadas: trata-se de um conceito e paralelamente de um som associado a ele. Assim, o conceito é o resumo do signo linguístico, enquanto que o som é uma marca mental que permanece em nosso cérebro. Entre o conceito e o som há uma relação recíproca. Em outras palavras, o conceito ou significado e o som ou significante interagem na mente de um falante. Vamos imaginar uma nuvem, o significante se refere à sucessão de sons para referir à nuvem (temos na memória como se pronuncia esta palavra e já escutamos em alguma ocasião), ao mesmo tempo, o significado da nuvem se refere ao conjunto de características gerais que constituem uma nuvem (sua cor, forma e tamanho). Quando falamos ocorrem três fenômenos diferenciados. O primeiro é o processo psíquico na qual os conceitos constroem uma imagem ou uma impressão digital acústica (neste processo, o cérebro transmite para os órgãos da fonação um impulso correlativo à imagem acústica). Em seguida ocorre um processo físico, pelo qual as ondas sonoras se propagam da boca ao ouvido, assim quando se escuta uma imagem acústica o cérebro identifica o som e o associa ao conceito. Neste último processo, o conceito mental realiza o caminho oposto, isto é, da mente para a emissão de uma palavra. De acordo com Saussure, o signo linguístico é a associação de uma ideia ou um conceito com forma sonora ou escrita. Assim, qualquer pessoa que fala português associa a palavra lápis à determinada imagem. Desta maneira, quando dizemos a palavra lápis pensamos em uma série de ideias ligadas entre si (um pedaço de madeira alongado com outro de grafite em seu interior que serve para escrever). O processo mental pelo qual associamos um significado a um significante tem uma série de características: 1) Há uma linearidade, uma vez que as palavras não são pronunciadas simultaneamente; 2) Há uma articulação de sons (monemas, morfemas e lexemas); 3) Há uma arbitrariedade (a relação entre significante e significado mudam em cada língua, de modo que o significante é diferente em cada idioma,mas seu significado permanece o mesmo... 12 3.1 A Teoria do Signo Linguístico segundo Saussurre Ferdinand de Saussure (1857/1913) é considerado hoje o pai da linguística moderna. Em sua formação acadêmica, o Comparativismo indo-europeu dominava os estudos da linguística. Nessa fase, o objetivo era, inicialmente, identificar-se com as ciências da natureza, entendendo que as línguas nascem, crescem e morrem, assim como os organismos. Porém, um movimento culturalista surge e acredita que as línguas não existem por si mesmas, mas são instrumentos culturais que sofrem influências sociais, históricas, geográficas etc., Entretanto, Saussure se opõe ao método histórico-comparatista existente até então. Para ele, a linguística da época tratava de diversos aspectos com nomes iguais. Assim, Saussure, primeiro, tenta dar à linguística uma linguagem unívoca e se preocupa em delimitar o objeto de estudo e um método específico para essa ciência. E dentre tantos aspectos estudados, Saussure cria a Teoria do Signo Linguístico e seus princípios (CARVALHO, 2000). Ele não deixou muitos escritos em vida, apenas alguns artigos e sua tese de doutorado. O livro “Curso de Linguística Geral”, muito conhecido, é um resultado de uma compilação de aulas feita por dois alunos (Charles Bally e Albert Sechehaye) nas aulas de Linguística Geral, entre 1906 e 1911, na Universidade de Genebra. É baseando-se, principalmente, nesta obra que este trabalho explanará sobre o signo linguístico. 4 SIGNO, SIGNIFICADO E SIGNIFICANTE Em seu Cours de linguistique générale, Saussure formulou o modelo clássico do signo linguístico, estabelecendo alguns axiomas básicos sobre o problema da significação. O primeiro axioma é o da relação indissolúvel entre um conceito e uma imagem acústica. “O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. ” (Edição De Mauro,1994, p. 98) [...] “O signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica com duas faces” que pode ser representado com a figura seguinte, adaptada do modelo saussuriano: Veja o exemplo a seguir: 13 Fonte:marcioferreri.blogspot.com . Depois de definir signo linguístico, Saussure constatou que a arbitrariedade é uma característica básica do signo linguístico. Contudo, é preciso fazer uma ressalva sobre o termo arbitrário. Não se deve pensar que o falante escolhe livremente o significante. O signo linguístico “é imotivado, isto é, arbitrário com relação ao significado” (p. 101), ou seja, com respeito ao significado, o significante não tem nenhuma relação natural com a realidade. “Imutabilidade e mutabilidade do signo” do Cours, Saussure afirma que a comunidade linguística impõe ao falante um significante e que o “signo linguístico escapa à nossa vontade”. De fato, seja qual for o momento histórico em que focalizarmos o idioma, a língua evidencia-se sempre como uma herança de épocas anteriores. Podemos imaginar que, num momento preciso, se estabeleceu uma correlação entre um significante e um significado, ou seja, foi atribuído um conceito a um referente; 14 contudo, esse fato quase nunca é constatado. A certidão de nascimento das palavras não é registrada. Por conseguinte, estamos diante de um paradoxo. De um lado, parece que o falante tem total liberdade de escolha do signo linguístico, podendo categorizar e recategorizar os dados da realidade livremente, embora use modelos de categorização prontos que a educação linguística introjetou em sua mente. De outro lado, o vocabulário da língua manifesta-se como um acervo cultural – um produto herdado das gerações precedentes. E é por causa dessa herança que Saussure reitera o fato de que o signo é imutável. Segundo Saussure, o signo resiste a qualquer substituição arbitrária porque a língua é uma instituição social. A primeira razão para justificar a imutabilidade do signo é exatamente o fato de ele ser arbitrário. Como argumenta Saussure, se o signo fosse fundamentado em uma norma racional poderia ser contestado; mas como isso não ocorre, o caráter arbitrário da sua cunhagem o protege contra substituições. A segunda razão é o número elevadíssimo de signos (palavras) de uma língua. Assim sendo, o vastíssimo vocabulário de uma língua, formando um sistema estruturado, impõe à comunidade dos falantes um mecanismo tão complexo que ela é impotente para transformá-lo. E finalmente deve-se considerar a inércia a toda inovação linguística. Continuemos a parafrasear/ refletir sobre as ideias de Saussure. A língua é utilizada por todos a todo momento; “difundida na comunidade dos falantes e manipulada por ela, a língua é algo de que todos os indivíduos se servem todo dia. Nesse sentido, não se pode estabelecer comparação entre ela e as outras instituições. As prescrições de um código, os ritos de uma religião, os sinais marítimos, etc., só ocupam simultaneamente um determinado número de indivíduos e durante um tempo limitado; a língua, pelo contrário, cada um participa dela a todo instante, e é por isso que ela sofre sem cessar a influência de todos. Esse fato fundamental basta para mostrar a impossibilidade de uma revolução. A língua é de todas as instituições sociais aquela que propicia as menores possibilidades às iniciativas [individuais]. Ela faz corpo com a vida da massa social, e essa, sendo naturalmente inerte, manifesta-se claramente como um fator de conservação. ” (p. 107-8). Essa fixidez advém do fato de que a língua se situa no tempo, continuando duradouramente numa comunidade de falantes através das idades. É o tempo que altera os signos linguísticos e que introduz outro fator importante: a mutabilidade do signo. Assim mutabilidade e imutabilidade são solidários e constituem as duas faces da moeda. 15 Na verdade, o signo não muda integralmente de uma vez; as alterações vão se verificando paulatinamente através da história. Embora seja difícil determinar as causas das mudanças ocorridas no signo linguístico, elas acarretam “um deslocamento da relação entre o significado e o significante”. Essa é uma das consequências da arbitrariedade do signo linguístico. É esse caráter arbitrário que distingue a língua de todas as outras instituições sociais. E em que se baseia a mutabilidade do signo? Ela decorre, em parte, das mudanças culturais operadas na sociedade no decorrer da história; e, em parte, da ação desses fatores sobre a língua falada por uma massa considerável de falantes. Um exemplo desse tipo de mudanças ocorre na classe do substantivo que simboliza o modelo ideal de signo linguístico. Um caso típico é o envelhecimento e morte de palavras em consequência do desaparecimento de instituições, costumes e objetos. Veja-se, a título de ilustração, algumas palavras que desapareceram do português contemporâneo porque a coisa designada não existe mais, ou não se usa mais: aguazil, bacamarte, candeeiro, canga, caravela, castiçal, ceroula, coche, mucama, palmatória, senzala, tílbure, etc. Esses vocábulos só ocorrem em textos ou referências históricas do passado de nossas sociedades brasileira e portuguesa. Às vezes, pode ocorrer a reutilização de um significante para designar um novo conceito. É o que dizia Saussure sobre o deslocamento da relação entre significado e significante. Um exemplo é a palavra candeeiro acima referida. No português brasileiro ela desapareceu; porém, no português europeu ela designa uma luminária qualquer, um artefato qualquer que produz luz. Inversamente, no português europeu já não se usa a palavra açougue, substituída por talho, enquanto no Brasil continuamos a designar “local, estabelecimento comercial onde se vendem carnes” por açougue. Em outras classes de palavras como o verbo e o adjetivo as mudanças são mais lentas e menos radicais. Eis exemplos de como se alteraram conceitos de verbos como surgir e treinar. No portuguêsrenascentista surgir significava “aportar, lançar ferro no porto”; logo era termo técnico da marinha. O dicionarista Moraes (edição de 1813) abona essa definição com dois autores do século XVI: João de Barros e Diogo do Couto. O dicionarista Aulete (1ª ed. 1881) citando Frei Luis de Sousa, também do séc. XVI, define surgir: “aparecer ou chegar por via marítima, aportar, ancorar”. Constatamos assim como mudou o conceito desse verbo que não só ampliou largamente sua área de significação, como deixou de ser monossêmico para tornar-se polissêmico no 16 português contemporâneo. Mais curioso ainda é o caso de o verbo treinar. Segundo Moraes (1813), citando como abonação. A arte da caça (séc. XV ou XVI?), eis o significado de treinar: “acostumar a ave de caçar com o cevo da sua ralé, para a acostumar a empolgar nelas pelo gosto do costume” [atualizei a ortografia]. Vemos, pois, que um significado técnico extremamente específico, usado apenas no domínio da caça para uma ave de rapina (o falcão), expandiu-se muito. Hoje significa “tornar apto, capaz de realizar uma determinada tarefa ou atividade”, isto é, atualmente o verbo se aplica a qualquer atividade técnica ou prática e embora continue a ser usado para animais, é mais usado para humanos. Assim falamos de treinar cavalos, mas também de treinar professores, soldados, esportistas. Modernamente esse verbo é usado com maior frequência no domínio do esporte para designar “fazer exercícios técnicos para se tornar um bom atleta em qualquer esporte” como futebol, vôlei, natação, tênis e até mesmo se diz treinar Fórmula I, Fórmula Indy, ou seja, o verbo se aplica também a “dirigir carro em corridas de alta velocidade”. No artigo muito conhecido “Natureza do signo linguístico”, Benveniste critica a formulação do conceito de signo por Saussure, apontando alguns senões, mas também fazendo reparos indevidos (1976, p. 53-9). Ao assinalar que o francês boeuf [=boi] e o alemão oks se referem à mesma realidade, o raciocínio de Saussure estaria falseado, exatamente porque ele não menciona a presença fundamental do terceiro elemento que deveria ser considerado para estabelecer o signo linguístico, a saber: a realidade. O argumento principal de Saussure para comprovar a arbitrariedade do signo seria invalidado, pois o fato de duas línguas diferentes atribuírem nomes diferentes ao mesmo referente físico não é pertinente para Benveniste. Contudo, esse argumento de que o signo é arbitrário por não ter nenhuma ligação com a realidade não é o ponto crucial. A meu ver, o que está implícito no texto de Saussure é que a nomeação de um referente com este ou aquele nome é que é arbitrária. Isto é, no ato de nomeação, o nomeador poderia atribuir qualquer nome (significante) a qualquer objeto da realidade. Mas é claro que Benveniste tem razão ao insistir no papel da realidade na configuração do signo, o que será discutido mais adiante. Continuando com a argumentação de Benveniste. “Um dos componentes do signo, a imagem acústica, constitui o seu significado. 17 Entre significante e o significado, o laço não é arbitrário; pelo contrário, é necessário”. (1976, p. 55). Ora, julgo que não é bem isso que Saussure chama de arbitrário. Claro que Benveniste tem razão na sua argumentação quando afirma que, no seu espírito (ou de qualquer falante), estão indissoluvelmente associadas essas duas faces do signo. “O conceito (“significado”) “boi” é forçosamente idêntico na minha consciência ao conjunto fônico (“significante”) boi”. (1976, p. 55) “O significante é a tradução fônica de um conceito; o significado é a contrapartida mental do significante. Essa consubstancialidade do significante e do significado garante a unidade estrutural do signo linguístico”. (1976, p. 56) Assim, Benveniste julga até inútil defender o princípio da “arbitrariedade do signo”; contudo, admite que ao dizer que o signo é imotivado, Saussure tocou o ponto fundamental. Benveniste aplaude também as conclusões notáveis tiradas por Saussure dessas premissas, a saber: a mutabilidade e imutabilidade do signo linguístico. Também acolhe a teoria saussuriana a respeito do valor linguístico e da sua relação com o fato de que a língua é um sistema de signos. Diversamente de Saussure e mesmo de Benveniste, o linguista italiano Mario Alinei arguiu a questão da motivação no processo de nomeação dos elementos da realidade. Mostrou como o signo é motivado no momento de sua criação. Nesse momento de gênese, as características distintivas do referente serão individualizadas e ressaltadas, motivando o nome aposto a esse referente. Esse semanticista fez escola na Europa. Um dos melhores trabalhos de sua escola foi o realizado por ele e seus discípulos sobre o arco-íris. A conceptualização deste mesmo referente materializou-se de modo bastante distinto em várias línguas europeias, cada cultura destacando um conjunto de traços desse fenômeno físico. Assim, a definição de arco-íris varia em cada cultura, dependendo de crenças e outros aspectos culturais que envolvem esse objeto. Reconhece Alinei que, na gênese, a nomeação é motivada; porém, com o passar do tempo e a permanência do signo, a palavra pode tornar-se opaca em sua significação. A elucidação da motivação semântica original dos nomes levaria à descoberta da etimologia da palavra e da história de sua evolução semântica. Saussure propôs manter signo linguístico como termo técnico para o conjunto total e substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante. Enquanto a linguística se preocupa com a linguagem humana, a Semiologia se preocupa com todo tipo de linguagem, a dos animais, a linguagem 18 natural ou convencional. A Semiologia, considerada por Saussure como uma grande ciência que abarca a Linguística, difere sinais naturais e convencionais. Os primeiros podem ter como exemplo uma nuvem, cheiro, fumaça; os segundos são mais complexos e pressupõem a existência de uma cultura. São representados sob a forma de ícones, símbolos ou signos. O ícone e o símbolo não são considerados arbitrários, pois são imagísticos, já o signo é arbitrário (CARVALHO, 2000). Para Saussure, Enquanto a linguagem é heterogênea, a língua assim delimitada é de natureza homogênea: constitui-se num sistema de signos onde, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas. Os signos linguísticos, embora sendo essencialmente psíquicos, não são abstrações; as associações, retificadas pelo conhecimento coletivo e cujo conjunto constitui a língua, são realidades que têm sua sede no cérebro. Dessa forma, o signo tem uma natureza psíquica e é a união do sentido e da imagem acústica, ou seja, do significado e do significante. Pode-se entender como significado o sentido, o conceito ou mesmo a ideia de alguma coisa. Seria a representação mental de algo. Já o significante pode ser entendido como a imagem acústica: “Esta não é o som material, 90 Significante e significado no processo de alfabetização e letramento: contribuições de Saussure G l áuciacoisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos. ” (SAUSSURE, 2003, p. 80). É possível dizer que o significante é a parte perceptível do signo e o significado a parte inteligível. Assim, o signo se parece a uma moeda com duas faces inseparáveis, mas ao mesmo tempo interdependentes. O significado e o significante estão unidos mentalmente por um vínculo de associação, porém não podem ser interpretados como um objeto e seu nome ou rótulo. Isso seria uma interpretação errônea. “Quando um falante de português recebe a impressão psíquica que lhe é transmitida pela imagem acústica ou significante /kaza/, graças à qual se manifesta fonicamente o signo casa, essa imagem acústica,de imediato, revoca-lhe a ideia de abrigo” (CARVALHO, 2000, p. 28). Pode-se dizer que o falante faz uma associação do significante /kaza/ ao significado de lugar para se viver, descansar, fazer refeições, etc. Como o signo é a junção do conceito com a imagem acústica ele foge “à vontade individual ou social, estando nisso seu caráter essencial” (SAUSSURE, 2003, p. 25). Para que um signo seja um signo, é preciso que socialmente haja uma aceitação para tal, quer dizer, uma 19 convenção social. Ninguém pode dizer que a partir de agora, por exemplo, a palavra cadeira se refere a céu. Essas convenções não podem ser desfeitas em qualquer momento por qualquer pessoa. Há um aspecto paradoxal na questão dos signos, pois, de um lado não podem ser analisados separadamente, já que a imagem acústica é a contraparte do conceito, por outro lado, o signo é a relação que une os dois elementos. Assim, os termos são solidários. Pode-se, por exemplo, trocar uma palavra por outra palavra da mesma natureza. Nesse paradigma, o seu valor não está fixado, nem é imutável. Entretanto, não se pode negar a força social e cultural que o signo exerce. Daí sua ideia de arbitrariedade. 5 IMUTABILIDADE E MUTABILIDADE DO SIGNO Fonte: www.huffingtonpost.es No CLG (SAUSSURE, 1975) figura um capítulo destinado a um princípio da língua que parece, à primeira vista, um tanto paradoxal, o princípio da mutabilidade e imutabilidade do signo linguístico. Uma das principais propriedades do signo linguístico é sua arbitrariedade. O signo é arbitrário na medida em que a relação que une seu significante ao seu significado não é regida por nenhuma norma, não tem um sentido lógico, é totalmente arbitrária. A língua chega à massa social através da 20 tradição, e assim, chegam também os signos, ou seja, ao significante “cachorro” associa-se o significado “cachorro”, porque antes já foi feita essa associação. Como a relação que liga um ao outro é totalmente arbitrária, ela se torna, então, incontestável, já que, para que algo seja contestado, é preciso que, antes, seja regido por alguma lógica a ser contestada. Dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem e cachorro. Isso não impede que exista no fenômeno total um vínculo entre esses dois fatores antinômicos: a convenção arbitrária, em virtude da qual a escolha se faz livre, e o tempo, graças ao qual a escolha se acha fixada. Justamente porque o signo é arbitrário, não conhece outra lei senão a da tradição, e é por basear- se na tradição que pode ser arbitrário. (SAUSSURE, 1975, p.88). No entanto, esse mesmo tempo que dá continuidade ao signo linguístico, tem também o poder de o alterar rapidamente, podendo-se assim falar em mutabilidade e imutabilidade do signo linguístico. Nessa alteração, no entanto, sempre persiste algo da matéria velha, a infidelidade em relação à tradição seria apenas relativa e os motivos que a motivariam são inúmeros. É importante frisar, no entanto, que, qualquer que seja a alteração dentro do sistema linguístico, ela é causada por um deslocamento entre o significante e o significado, nunca uma alteração somente fonética no significante ou somente na ideia do significado. No CLG (p. 89), encontra-se uma nota muito importante que afirma que Saussure, através da contraposição entre a imutabilidade e a mutabilidade do signo, quis afirmar que o sistema linguístico está sujeito a alterações, no entanto, não cabe ao falante alterá-lo, a língua assim seria intangível, mas não inalterável, sendo assim, as motivações de suas alterações seriam internas ao sistema, e não apenas no nível da fala, como afirma Faraco na citação da seção anterior. Para finalizar a discussão acerca dessa questão do signo, a seguinte passagem do CLG é destacada: (...) situada simultaneamente na massa social e no tempo, ninguém lhe pode alterar nada e, de outro lado, a arbitrariedade de seus signos implica, teoricamente, a liberdade de estabelecer não importa que relação entre a matéria fônica e as ideias. (Ibid., p.90). Refutada a ideia de que a língua é uma estrutura, ou ainda um sistema de relações fixas e invariáveis, ou ainda que as variações estejam sempre no nível da fala e nunca intrasistêmicas, passarei agora à discussão de um fenômeno linguístico que é, na leitura aqui defendida, um exemplo de variação intrasistêmica na língua, o fenômeno das formações analógicas. 21 6 A ARBITRARIEDADE DO SIGNO LINGUÍSTICO Arbitrariedade Caráter linear do significante significa que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade. Todo meio de expressão aceito em uma sociedade vem de um hábito coletivo ou por convenção. A ideia de cachorro não é ligada por alguma relação interior à sequência de sons c-a-c-h-o-rr-o. Quaisquer outras sequências poderiam representar a ideia. Como prova, há as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes: dog, perro, cachorro etc. Caráter linear do significante: O significante, por ser de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo e, desse modo: representa uma extensão essa extensão é uma linha, mensurável em uma única dimensão não se pode pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. Na cadeia da fala, eles se alinham um após o outro. No entanto, cabe ressaltar que Saussure também faz uma diferenciação entre o arbitrário absoluto e o relativo. Há graus de arbitrariedade no signo; este pode ser relativamente motivado. Ex.: pereira (o sufixo eira lembra cerejeira, macieira etc.; dezenove lembra dez e nove). Isso acontece porque necessitamos de um princípio de ordem e regularidade nos signos. Há línguas mais arbitrárias e outras menos. A ideia de significado e significante toca na questão da arbitrariedade, pois a ideia de “sol” não está diretamente ligada aos sons de s-o-l que é seu significante. As palavras não se relacionam diretamente com o valor e o conceito das coisas. Vê-se isso quando se observam outros idiomas. A palavra “solem português não se parece com a palavra sol em inglês ou alemão, mas o conceito é o mesmo, independentemente da imagem acústica. “Quando ouvimos uma língua desconhecida, somos incapazes de dizer como a sequência de sons deve ser analisada” (SAUSSURE, 2003, p. 120). Isso porque o conceito não apresenta um caráter fônico especial e a uma porção de sons é significante de um significado. Como o significante é arbitrário, ou seja, imotivado em relação ao significado, conclui-se que não há nenhuma relação natural entre os dois, por isso são interdependentes. Não há um significante verdadeiro, qualquer um pode ser válido, depende do idioma. Nesse sentido, o signo linguístico é arbitrário. Seu significante não tem uma relação única e direta com seu significado, além de só ter valor situado dentro de um sistema 22 linguístico específico, mais um motivo para determinar que as vontades individuais não podem alterar um signo.
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