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Montes Claros/MG - Outubro/2015 Ana Ivânia Alves Fonseca Antônio Maurílio Alencar Feitosa Priscilla Caires Santana Afonso 2ª edição atualizada por Antônio Maurílio Alencar Feitosa Priscilla Caires Santana Afonso Geografia Rural 2ª EDIÇÃO 2015 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) - Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: ISBN - 978-85-7739-680-1 Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Antônio Alvimar Souza DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Jânio Marques Dias EDITORA UNIMONTES Conselho Consultivo Adelica Aparecida Xavier Alfredo Maurício Batista de Paula Antônio Dimas Cardoso Carlos Renato Theóphilo, Casimiro Marques Balsa Elton Dias Xavier José Geraldo de Freitas Drumond Laurindo Mékie Pereira Otávio Soares Dulci Marcos Esdras Leite Marcos Flávio Silveira Vasconcelos Dângelo Regina de Cássia Ferreira Ribeiro CONSELHO EDITORIAL Ângela Cristina Borges Arlete Ribeiro Nepomuceno Betânia Maria Araújo Passos Carmen Alberta Katayama de Gasperazzo César Henrique de Queiroz Porto Cláudia Regina Santos de Almeida Fernando Guilherme Veloso Queiroz Luciana Mendes Oliveira Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Maria Aparecida Pereira Queiroz Maria Nadurce da Silva Mariléia de Souza Priscila Caires Santana Afonso Zilmar Santos Cardoso REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Gisléia de Cássia Oliveira Káthia Silva Gomes Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS Andréia Santos Dias Camilla Maria Silva Rodrigues Sanzio Mendonça Henriques Wendell Brito Mineiro CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Camila Pereira Guimarães Joeli Teixeira Antunes Magda Lima de Oliveira Zilmar Santos Cardoso diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado diretora do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Mariléia de Souza diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do departamento de Comunicação e letras/Unimontes Maria Generosa Ferreira Souto Chefe do departamento de educação/Unimontes Maria Cristina Freire Barbosa Chefe do departamento de educação Física/Unimontes Rogério Othon Teixeira Alves Chefe do departamento de Filosofi a/Unimontes Alex Fabiano Correia Jardim Chefe do departamento de Geociências/Unimontes Anete Marília Pereira Chefe do departamento de História/Unimontes Claudia de Jesus Maia Chefe do departamento de estágios e Práticas escolares Cléa Márcia Pereira Câmara Chefe do departamento de Métodos e Técnicas educacionais Káthia Silva Gomes Chefe do departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes Carlos Caixeta de Queiroz Ministro da educação Renato Janine Ribeiro Presidente Geral da CAPeS Jorge Almeida Guimarães diretor de educação a distância da CAPeS Jean Marc Georges Mutzig Governador do estado de Minas Gerais Fernando Damata Pimentel Secretário de estado de Ciência, Tecnologia e ensino Superior Vicente Gamarano Reitor da Universidade estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela vice-Reitor da Universidade estadual de Montes Claros - Unimontes Antônio Alvimar Souza Pró-Reitor de ensino/Unimontes João Felício Rodrigues Neto diretor do Centro de educação a distância/Unimontes Fernando Guilherme Veloso Queiroz Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Autores Ana Ivânia Alves Fonseca Doutoranda em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Rio Claro/SP). Mestre pela Universidade Federal de Uberlândia (2003). Possui especialização em Geografia Regional do Brasil e Minas Gerais pela Universidade Estadual de Montes Claros (2000). Graduada em Geografia pela Universidade Estadual de Montes Claros (1995). Professora da Universidade Estadual de Montes Claros- MG (Unimontes). Tem experiência em Geografia, atuando principalmente nas áreas de Geografia Agrária, História do Pensamento Geográfico, Geografia do Brasil e Minas Gerais. Membro do Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos Agrários do Instituto de Geociências e Ciências Exatas de Rio Claro/ Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP (2009). Antônio Maurílio Alencar Feitosa Mestre em Geografia Agrária pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU (2008). Possui especialização em Geografia Regional do Brasil e de Minas Gerais pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes (2001). Especialização em Didática - Fundamentos Teóricos da Prática Pedagógica pela Faculdade de Educação de São Luís - SP (1999). Especialização em Geografia Econômica pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ouro Fino - MG (1995). Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes (1988). Professor do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros - MG (UNIMONTES). Professor da Pós Graduação do Instituto Superior de Educação Ibituruna - ISEIB. Tem experiência na área de Geografia e Gestão Ambiental e Geografia Agrária. Priscilla Caires Santana Afonso Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU (2013). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU (2008). Graduada em Geografia pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes (2001). Professora da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes (2004 até o período atual). Atua na área de Geografia Humana, com ênfase em Geografia Rural, atuando, principalmente, nas temáticas Agricultura e Meio Ambiente, Gestão de Recursos Hídricos, Produção Camponesa e Agronegócio. É membro do Núcleo de Estudos Agrários e Territoriais - NEAT (Diretório de Grupos de Pesquisa CNPq). Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Geografia Rural - NEPGeR/Unimontes. Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 A Dinâmica Econômica e Social da Agricultura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 Contextualização Histórica da Agricultura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.3 As Abordagens Teóricas do Capitalismo sobre a Agricultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13 1.4 O Agrário e o Agrícola: qual a Diferença? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 Agricultura sob a Perspectiva da Modernização do Rural Brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 2.2 A Modernização da Agricultura e a Revolução Verde no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 2.3 A Revolução Verde e o Cerrado no Contexto do Desenvolvimento Agrário Brasileiro . 23 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28 Unidade3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 Os Problemas Sociais do Rural Brasileiro: a Luta pelo Território e as Políticas de Estado . .31 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 3.2 O Estado e as Políticas Agrárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 3.3 Os Movimentos Sociais no Campo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 3.4 MST, da União às Conquistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 3.5 A “Práxis” da Cidadania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3.6 A Estrutura Organizacional Atual do MST . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39 3.7 Características Fundamentais do MST. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 3.8 O MST como Organização Socialista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 3.9 MST – Inclusão Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42 3.10 As Lutas de Base e as Ocupações de Terras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42 3.11 Ocupações de Terras pelos Movimentos Sociais do Campo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51 Atividades Agrícolas e o Meio Ambiente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51 4.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51 4.2 A Biotecnologia Aplicada à Agricultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51 4.3 Os Transgênicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52 4.4 A Pesquisa em GM’s no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 4.5 Aqueles que são “Contra” a Biotecnologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 4.6 A Agricultura Orgânica (Alternativa) Contra os GM’s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59 Referências Básicas, Complementares e Suplementares. . . . .61 Atividades de Aprendizagem – AA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .65 9 Geografia - Geografia Rural Apresentação Caro(a) acadêmico(a), Seja bem-vindo (a) à disciplina GEOGRAFIA RURAL, que será ministrada no 5º período da sua graduação em Geografia. A disciplina tem carga/horária de 70 horas, dividida em momentos pre- senciais e intermodulares, com teorias e prática de formação, seguindo a estrutura conteudista de quatro unidades com seus respectivos temas teóricos e atividades de ensino-aprendizagem. A ementa da disciplina consiste em: Fundamentos teórico-metodológicos sobre o espaço rural; a dinâmica econômico-social e a agricultura; renda da terra e produção/organização do espaço rural; movimentos sociais no campo; atividades agrícolas e meio ambiente; estado e políticas agrárias. O objetivo da disciplina é proporcionar a você subsídios conceituais e metodológicos para que possa analisar o espaço rural, juntamente com as questões inerentes a esse tema, além de poder interpretar questões sociais, ambientais e econômicas e os conflitos referentes a tal temática. Nós, docentes, esperamos que o conteúdo programático seja a base científica para a compreensão e execução de todas as tarefas, servindo também para futuras pesquisas e análises. Temos a certeza de que, através da disciplina Geografia Rural, você poderá ter novos olhares so- bre o “rural”. Bons estudos! Os autores. 11 Geografia - Geografia Rural UnIdAde 1 A Dinâmica Econômica e Social da Agricultura Priscilla Caires Santana Afonso 1.1 Introdução Nesta unidade, convidamos você a entender um pouco da história da agricultura no mundo, como ela surge e se desenvolve até os dias atuais. Discutiremos, ainda, as principais bases teóricas que buscam o entendimento sobre a agri- cultura no Brasil e no Mundo e analisamos as abordagens teóricas referentes à reprodução do camponês e do latifúndio e sua relação com o capitalismo. Conheceremos os principais conceitos relacionados a esse tema, tais como: renda da terra, renda diferencial, renda absoluta, questão agrária e questão agrícola. 1.2 Contextualização Histórica da Agricultura Nos primórdios, no espaço visto como natural, o desenvolvimento da sociedade humana baseava-se no tempo da natureza, nos dias e nas noites, nos períodos de chuvas e secas. Esses sujeitos não nasceram agricultores, mas passam por um processo evolutivo que permitiu que deixassem de ser nômade-coletores para se tornarem agricultores. Entretanto, somente no pe- ríodo Neolítico (Revolução Agrícola Neolítica), há cerca de 10.000 anos, surgem as primeiras téc- nicas direcionadas à produção agrícola, à protocultura e protocriação (Mazoyer e Roldart, 2010). O homem começou a cultivar plantas e a criar animais que ele mesmo domesticou, introdu- zindo-os e os multiplicou em diversos tipos de ambiente, transformando os ecossistemas natu- rais. Desde então, a agricultura transforma a ecosfera. Devemos entender que o surgimento da agricultura não se deve à rarefação da caça, a pro- blemas climáticos ou à sociedade numerosa que encontra problemas de sobrevivência, como é discurso de muitos. A transformação da sociedade que vivia da predação simples para uma so- ciedade que vivia dos produtos oriundos dos cultivos e criações foi resultado do encadeamento de complexas mudanças materiais, econômicas, sociais e culturais que condicionaram uns aos outros e se organizaram por várias centenas de anos. À medida que o ser humano modificava e transformava a natureza, também transformava uma série de comportamentos que visavam à continuidade da vida. Assim, concordamos com Santos que nos diz que a evolução da racionalidade humana propiciou o nascimento de um con- junto de meios instrumentais e sociais com os quais o ser humano realiza sua vida e, ao mesmo tempo, produz e cria espaço geográfico. A esta evolução, convencionou-se chamar de técnica. No entanto, não é uma exclusividade das técnicas o aprimoramento, tanto intelectual quan- to moral e material da espécie humana, pois “não há sistema técnico sem um sistema de ações, um sistema de normas, um sistema de valores, sem que alguém o impulsione” (SANTOS, 2001). Ainda nessa perspectiva, cabe a análise de que reconhecemos que é através do trabalho que a espécie humana engendra o processo de produção espacial, em específico, de transforma- ção do meio natural e da própria natureza humana. O trabalho, a nosso ver, é a maneira como o ser humano materializa, ou melhor, implementa a técnica no meio. 12 UAB/Unimontes - 5º Período Nessa perspectiva, destacamos que um dos primeiros sistemas agrários (Neolítico), o de der- rubada-queimada, que também é um dos sistemas do cultivo mais utilizados do mundo (é utili- zado nas regiões tropicais e subtropicais,dentre essas destacamos seu uso no Brasil). Historicamente tal sistema era praticado em meios arbóreos variados: floresta densa, flores- ta secundária, capoeira, savana arborizada, etc. As parcelas a serem cultivadas eram previamente desmatadas por um abate seletivo da vegetação, seguido da queimada, mas sem destocamento. As parcelas desmatadas eram cultivadas apenas por um ano (raramente por dois ou três anos). Após esse curto período de cultivo, as parcelas eram abandonadas ao pousio por um ou vários decênios, até serem novamente desmatadas e cultivadas. Em contrapar- tida, uma gama de outros sistemas sur- ge em diferentes am- bientes (civilizações), como os sistemas hi- dráulicos nas regiões áridas, os sistemas com alqueive nas re- giões temperadas, os sistemas baseados na rizicultura aquática nas regiões de mon- ção. Esses surgem graças aos novos ins- trumentos (pá, en- xadão, tração animal leve como o arado escarificador) e novas técnicas de desmata- mentos e de renova- ção da fertilidade do solo baseado na fer- tilização com dejetos dos animais, desen- volvidos ao longo de muitos anos. No período das grandes civilizações (egípcia, mesopo- tâmia, persa, hindu, romana, chinesa, gre- ga, asteca, inca, maia, etc.), como mostra a Figura 1, houve uma modificação decisiva de como os grupos humanos se organizavam no espaço geográfico, dinamizando a divisão do trabalho no interior das civiliza- ções. Com a evolução das relações sociais dentro das civilizações, ocorreu o aparecimento de grupos sociais diferenciados, o que ampliou a divisão social do trabalho, fazendo surgir os tra- balhadores especializados (ferreiros, carpinteiros, mercadores, guerreiros, sacerdotes, pastores, etc.). Além disso, ocorreu também o desenvolvimento técnico. Já no Século X, a tração animal pesada junto ao sistema de alqueive, leva a construção da Revolução Agrícola da Idade Média. O arado charua, carretas de transporte, a grade, são algumas ferramentas que são utilizadas nesse momento histórico. Esse substitui a lavração manual reali- zada com o enxadão e com a pá, de baixa produtividade. A evolução dos arreios também foi de grande importância, pois os animais puderam carre- gar os equipamentos sem serem estrangulados pelos mesmos. Assim se inaugurou o período da tração animal pesada e do sistema de alqueive de curta duração. Cabe ressaltar que, com a expansão das cidades, houve a necessidade de uma maior produ- ção de alimentos, uma vez que era preciso abastecê-las, gerando a necessidade de ampliação do território cultivado e uma crise do ecossistema. A Europa vive, então, momentos de fome crônica e vários problemas de ordem sanitária, demográfica e econômica. Figura 2: Arado Charua. Fonte: Disponível em <http://fr.topic-topos.com/ charrue-brabant-chartres- de-bretagne>. Acesso em 17 jul. 2015. ► Figura 1: As Primeiras Civilizações da Antiguidade Fonte: Disponível em <http://www.vocesabia. net/verdade-ou-mentira/ verdade-ou-mentira-histo- ria-geral/>. Acesso em 17 jul. 2015. ► 13 Geografia - Geografia Rural Assim, surge o sistema feudalista com a implosão causada pelas invasões bárbaras e uma explosão a partir dos movimentos instaurados dentro do próprio império Romano. Tal sistema contribuiu para a organização de uma agricultura para o autoconsumo. Para Kautsky (1988), o mundo medieval constituía uma grande cooperativa quase autossu- ficiente, que não produzia apenas seus próprios produtos de consumo pessoal, como também construía sua própria casa, seus próprios móveis, utensílios domésticos e ferramentas, curtia cou- ro, preparava o linho e a lã, além de fabricar suas próprias roupas, sapatos, etc. A crise da cooperativa medieval, que não tinha a capacidade de suprir as demandas, princi- palmente dos núcleos urbanos, causou a dissolução da indústria rural doméstica, o que, em con- trapartida, gerou migração para os núcleos urbanos europeus. A crise do feudalismo leva à formação dos Estados Nacionais e adoção de novas práticas econômicas que ocasionam o aumento do consumo e produção europeia. Novas relações de produção emergem com o florescimento do capitalismo. Com a expansão marítima comercial, metrópoles como Inglaterra, Portugal e Espanha transformam as colônias de exploração em plantations de produtos agrícolas, como cana de açúcar, algodão e fumo. Essa forma de explora- ção definiu a divisão internacional do trabalho entre os continentes africano, americano e asiáti- co e foi importante para acumulação primitiva do capital nos países da Europa Ocidental, sobre- tudo a Inglaterra, principal potência econômica até a Primeira Guerra. Desde então, o capitalismo tem se expandido e as mudanças nas relações de trabalho e no modo de vida da sociedade, tanto na cidade quanto no campo, são evidentes e geram grandes discussões em especial, destacaremos as repercussões do capitalismo na agricultura. 1.3 As Abordagens Teóricas do Capitalismo sobre a Agricultura A agricultura, sob a perspectiva capitalista, tem sido tema gerador de diversos debates e discussões. De maneira geral, tais discussões deram origem a correntes que discutem as mudan- ças ocasionadas por esse sistema na agricultura. Em comum, os autores concordam que há uma generalização progressiva em todos os ramos de produção (no campo e na cidade) e consideram o assalariamento um traço fundante do modo de produção capitalista. Quanto a essa última característica, destacam-se duas correntes: a primeira expõe que ocor- re o processo de homogeneização do operariado único num polo e a classe burguesa no outro. A segunda corrente afirma que o processo é contraditório e heterogêneo, nele se expande o assa- lariamento e o trabalho familiar. Existem, ainda, os seguidores da chamada corrente neoclássica, que explicam o processo de generalização das relações produtivas capitalistas por duas vias em que se dá a destruição dos camponeses e a modernização dos latifúndios. O primeiro se dá pela contradição da inserção do campesinato no mercado capitalista. O segundo decorre da introdução de máquinas e insumos modernos, tornando os latifundiários capitalistas do campo. BOX 1 Relações Feudais? Dentro da discussão teórica, cabe destacar os estudos que apontam que campesinato e latifundiários são evidências das relações feudais de produção. Para essa corrente de pensa- mento, houve a penetração das relações capitalistas no campo. Apenas uma reforma profun- da por meio da distribuição de terras provocaria transformações no momento em que a luta camponesa poderia destruir o latifúndio e os vestígios feudais, e assim ocorreria a substitui- ção pela propriedade camponesa ou capitalista. Fonte: DANTAS, et al, 2011, p.99. 14 UAB/Unimontes - 5º Período 1.3.1 As Correntes Teóricas que Estudam a Agricultura no Brasil É importante que você, acadêmico(a), compreenda que, com o desenvolvimento da agri- cultura, o debate sobre seus rumos e perspectivas tem tomado diferentes orientações. Para Ariovaldo Umbelino, tanto para os autores defensores de que no Brasil existiram relações feu- dais, como os que partem do princípio de que o país já nasceu capitalista, acreditam que o capitalismo está “modernizando o campo” e fazendo com que a produção familiar de origem camponesa desapareça. Tais autores foram (são) influenciados pela obra de Schanin, Chaya- nov, Lenin, Kaustysk (Marx), que escreveram suas obras (clássicos da Geografia Agrária) no con- texto europeu (russo) no século XIX. Pode-se dizer que a questão sobre permanência ou fim do campesinato tem sido alvo de muitos estudos e discussões, e as questões teóricas que ema- nam desse entendimento têm influenciado políticas públicas, movimentos sociais e a própria comunidade acadêmica. De maneira geral, destacam-se três correntes, a saber: 1. aqueles que defendem que a agricultura camponesa tende à destruição do campesinato por meio da diferenciação interna produzida pelas contradições do processo de “penetração das relações capitalistasde produção no campo”. Esses processos determinariam a proletari- zação do campesinato. 2. Em outra vertente, alguns autores negam essa possibilidade, entendendo que o campesi- nato é criado, destruído e recriado pelo desenvolvimento contraditório do capitalismo, pela produção capitalista e relações não capitalistas de produção. Para esses últimos, o desenvol- vimento do capitalismo se dá no sentido da sujeição da renda da terra ao capital. Dessa forma, o capital subordina o campesinato, especula a terra, comprando-a e vendendo-a e sujeitando o trabalho nela realizado. BOX 2 A Renda da Terra A expansão do capitalismo no campo se dá primeiro e fundamentalmente pela sujeição da renda territorial ao capital. Comprando a terra, para explorar ou vender, ou subordinando a produção de tipo camponês, o capital mostra-se fundamentalmente interessado na sujeição da renda da terra que é a condição para que ele possa sujeitar também o trabalho que se dá na terra. Por isso, a concentração ou divisão da propriedade está fundamentalmente deter- minada pela renda e a renda subjugada pelo capital. No Brasil o movimento do capitalismo não opera de modo geral no sentido da separação entre a propriedade e a exploração dessa propriedade, nem a separação entre o burguês e os proprietários grandes e pequenos. Pode- mos citar, por exemplo, os agricultores familiares do Sul do Brasil que continuam proprietários de terra e dos instrumentos que utilizam no seu trabalho. Ele não é assalariado de ninguém. Como podemos dizer que o capital instituiu a sujeição do seu trabalho, dominando-o? Nem há sujeição formal (não existe vínculo trabalhista) nem há sujeição real (o capital não precisa apropriar-se da terra para retirar sua renda) do trabalho ao capital neste caso, deixando clara a sujeição da renda da terra ao capital. Esse é o processo que se observa claramente em nosso país, tanto em relação a grande propriedade quanto em relação à propriedade familiar de tipo camponês. Fonte: MARTINS, 1983, p. 174-176. Essas duas concepções discutidas estão dentro de um paradigma, ou melhor, do Paradigma da Questão Agrária. Por fim, destaca-se que, na década de 1990, surge outro paradigma denominado Para- digma do Capitalismo Agrário - PCA, que tem como referência a obra de Ricardo Abramovay (1992). 1. Essa obra propõe uma ruptura com o paradigma marxista ou lenista/kautskyano e apresen- ta uma leitura em que o desenvolvimento da agricultura nos países capitalistas ricos atingiu estágios determinados, sendo que a agricultura de base familiar teve participação expres- siva e se consolidou. Ao contrário do que foi defendido na outra vertente citada (PQA), em que o trabalho assalariado seria predominante. GloSSáRIo Paradigma: É um con- ceito das ciências e da epistemologia (a teoria do conhecimento) que define um exemplo típico ou modelo de algo. É a representação de um padrão a ser seguido. É um pressu- posto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas. Fonte: KUHN, 1991. ATIvIdAde Como o capital con- segue se apropriar da renda da terra sem apropriar-se diretamen- te dela, ou seja, sem comprá-la? Deixe suas observações no fórum de discussão. 15 Geografia - Geografia Rural BOX 3 Aspectos da Trajetória Teórico-Metodológica da Geografia Agrária no Brasil Sílvio Carlos Bray [...] A geografia nacional, através dos geógrafos agrários, teve uma dinâmica própria em re- lação ao movimento da sociedade e dos estudiosos da agricultura brasileira. Nesse contexto, tivemos períodos de vinculações com os demais cientistas sociais, preocupados em estudar e interpretar a agricultura brasileira. Em outros momentos, tivemos também desvinculações das questões nacionais, apoiando-se em teorias, métodos e técnicas dos geógrafos agrários europeus. Tudo isso, no firme propósito de construir um conhecimento científico neutro da realidade agrária - local, regional e nacional. Quando se instalaram no Brasil, (São Paulo e Rio de Janeiro) em meados da década de 30, os primeiros, cursos acadêmicos de Geografia, através dos geógrafos franceses Monbeig e Deffontaines, foi estabelecida uma orientação positivista-funcionalista-culturalista, que en- controu no seio da ideologia da cultura brasileira na época, concepções semelhantes. Com Gilberto Freire - Casa Grande e Senzala (1933) e Sérgio Buarque de Holanda - Raízes do Brasil (1936), o momento se apresentava como a descoberta das oligarquias em sua vida social, política, psicológica e íntima da vida nacional. Nesse contexto, também encontramos as questões sobre a “ideologia da democracia racial” (a mestiçagem como forma positiva), “a ideologia da democracia social” (a importância das diferentes classes sociais), “a ideologia do brasileiro bom”, “pacato”, “cordato” e “não violento” (a índole pacata do brasileiro). Essas con- cepções da ideologia da cultura nacional vinham ao encontro da nascente geografia acadê- mica no país, influenciada pelo culturalismo francês, que incorporou o positivismo como mé- todo, o liberalismo político como doutrina e a abordagem sistêmica organicista como prática, predominando a teoria do equilíbrio entre a sociedade e natureza e dos homens entre si, atra- vés da geografia da solidariedade. Outra característica a salientar nessa fase de estruturação da geografia nacional de tra- dição positivista e dentro do espírito do liberalismo político burguês é o da neutralidade da ciência e da sua desvinculação com as questões políticas nacionais. Isto é, o importante seria construir uma ciência geográfica a partir dos dados e fatos-ciência pela ciência - onde a con- tribuição do geógrafo como cientista é demonstrativa e informativa. A tradição da geografia tradicional em transformar a geografia numa ciência neutra faz parte da tradição positivista que absorveu o Estado Burguês e a nova ordem social, como fundamentos não questionáveis. Na essência do pensamento positivista e liberal político burguês, as ciências existem para jus- tificar o novo Estado e para exercerem o papel de prestadoras de serviços à nova ordem social estabelecida pela burguesia no poder. Por outro lado, o liberalismo político burguês sempre defendeu a importância da liberda- de do pesquisador e o seu não atrelamento aos interesses do Estado e do poder (liberdade de cátedra, do livre pensar e pesquisar). [...] É através da análise do complexo geográfico que o geógrafo deverá buscar a compreen- são da realidade, através das relações, ações e interações que unem os elementos do siste- ma. E, como resultante, teremos os diferentes gêneros de vida. Através dos gêneros de vida e do complexo geográfico, os geógrafos agrários desenvolveram várias preocupações e linhas de análises e investigações, principalmente a dos tipos de agricultura. Por meio da classifica- ção tipológica, buscavam compreender como as diferentes sociedades agrárias, em contato com a natureza, resolviam através dos gêneros de vida, os problemas e soluções técnicas e de sobrevivência daquelas culturas. Com os vários tipos de agricultura, os geógrafos agrários desenvolviam estudos sobre a paisagem rural, as formas variadas de agricultura, os regimes agrários, o sistema de divisão dos campos, os tipos de produção vegetais, enfim, os gêneros de vida ligados aos criadores e agricultores. Por outro lado, através das monografias, as condi- ções geográficas e os fatos sociais seriam examinados detalhadamente num campo bem es- colhido e restrito. Enfim, o geógrafo agrário deveria penetrar intimamente na vida agrícola e procurar definir e comparar as modalidades dos múltiplos gêneros de vida rurais. 16 UAB/Unimontes - 5º Período Mas, para conseguir esses estudos, o geógrafo agrário deveria substituir a “retórica vazia” pela “observação minuciosa” e pela“análise”, pois, segundo os geógrafos com essa visão, “fora dos fatos essenciais”, não existe absolutamente qualquer estudo sólido de geografia humana. Essa postura positivista-empirista, sensível ao nível do método, estabeleceu uma rigidez nas análises dos geógrafos agrários brasileiros, onde só no método empirista sensível se construía e se retirava o conhecimento da geografia agrária. Por outro lado, o caráter doutrinário do liberalismo político burguês separava o cientis- ta observador dos “fatos essenciais” do geógrafo cidadão que existia concretamente naquele universo empírico-indutivo. Desenvolve-se uma contradição em virtude da rigidez metodo- lógica e da reprodução do discurso de neutralidade. A geografia estudava concretamente os fenômenos agrários do país, mas estava pouco vinculada aos movimentos agrários da socie- dade e dos demais pesquisadores não geógrafos. Ocorria, por outro lado, um período em que se estudava a agricultura brasileira utilizando-se dos paradigmas estabelecidos pelos geógra- fos agrários europeus. Buscava-se assim estabelecer no campo brasileiro, situações concretas europeias. Temos, então, grandes contradições ao nível do discurso e do método no contexto da geografia agrária nacional. Por outro lado, encontramos uma maior abertura nos estudos de geografia agrária bra- sileira, em Manoel Correia de Andrade, que rompia com a neutralidade, discutia os movi- mentos agrários no Nordeste (através das Ligas Camponesas) e acompanhava os demais es- tudiosos da agricultura brasileira - principalmente Caio Prado Júnior, que também prefaciou sua obra “A Terra e o Homem no Nordeste”. [...] É nesse momento de comunhão do geógrafo com o movimento da sociedade brasileira, que consideramos Manuel Correia como o pri- meiro - geógrafo agrário não geográfico - isto é, o geógrafo nacional que rompe com os formalismos da rigidez positivista de neutralidade e de se construir uma geografia agrária pela geografia agrária, e passa a produzir ciência como cientista e como cidadão. A ligação da obra “A Terra e o Homem no Nordeste”, com Caio Prado Júnior, colocava a necessidade do trabalho empírico sensível que o geógrafo nacional desenvolveu, no estudo das relações de produção e de trabalho. A ligação Manuel Correia e Caio Prado é muito importante nesse período, uma vez que, apesar do bom relacionamento de Caio Prado Júnior com os geógrafos nacionais nas décadas de 30, 40 e 50, suas contribuições teórico-metodológicas não foram utilizadas pelos mesmos, principalmente os geógrafos agrários. A visão liberal política burguesa da geografia agrária brasileira via como “radicalismo” as interpretações marxistas de Caio Prado Júnior. Nas déca- das de 50 e 60, Caio Prado criticava a visão de feudalismo no campo brasileiro. No seu livro a “Questão Agrária no Brasil”, que faz parte de uma coletânea. A preocupação de Caio Prado, na obra Questão Agrária no Brasil, estava centrada no mé- todo de análise das questões sociais em geral e da questão agrária em particular, devido às formulações gerais e imprecisas como restos feudais, relações pré-capitalistas de produção, camponês rico, médio e pobre. Procurou criticar o comportamento metodológico genera- lizante e pouco afeito às análises concretas da realidade agrária nacional, e Caio Prado diz: “Cumpre substituir por métodos verdadeiramente científicos, que consistem na pesquisa ob- jetiva e rigorosa dos fatos concretos (não as generalidades e categorias abstratas) e expressão desses fatos em formulações precisas e isentas de dubiedade. Esse momento histórico é extremamente importante para ser retomado pelos geógra- fos agrários nacionais, uma vez que Caio Prado e Manoel Correia trabalham a necessidade do rigor aos fatos da realidade concreta, que é inerente à ciência na busca do conhecimento, e mostram que a análise do social, consciente ou inconscientemente, é sempre afetada pelo analista. Nesse contexto, desmistificam a neutralidade do cientista (dogma do liberalismo político), levando-os a posicionarem-se como cidadãos, rompendo com os esquemas e parâ- metros da geografia agrária europeia e de estudiosos da agricultura brasileira que buscavam paradigmas europeus para interpretar a realidade agrária nacional. Entretanto, após os primeiros anos da década de 60, os modos de produção capitalista ainda eram desconhecidos pela grande maioria dos geógrafos agrários nacionais. Mas, por outro lado, difundiam-se nos meios acadêmicos, as concepções de Caio Prado Júnior, contrá- rio à tese de feudalismo no campo. E, ainda, geógrafos nacionais reproduziam essa análise, enfocando que não existia e nunca existiu a figura do camponês no Brasil, e que camponês era um produto histórico da Europa. 17 Geografia - Geografia Rural Consequentemente, o livro “Quatro Séculos de Latifúndio” de Alberto Passos Guimarães era difundido nos meios geográficos da década de 60 e defendia a questão das relações feu- dais no campo brasileiro. Contudo, continuavam a permanecer os referenciais teórico-meto- dológicos e técnicos da geografia agrária europeia e a desvinculação com os demais estudio- sos da agricultura brasileira e das questões nacionais. A ideologia liberal político-burguesa mantinha no geógrafo agrário do país a separação entre ciência e política. Isto é, separava o pesquisador do cidadão. O geógrafo agrário continuava a manter-se como “cientista neutro”. Essa questão da “neutralidade” é tão importante que, com as influências das concepções neopositivistas, com um discurso mais objetivo e mais rigoroso no tratamento dos dados, en- controu na “neutralidade” do geógrafo agrário nacional um campo propício para se fazer ciên- cia pela ciência, mais desvinculada da realidade agrária nacional do que a própria geografia tradicional, de base positivista-culturalista. Entretanto, o mais interessante que podemos observar é que, na década de 70, com a modernização acelerada da agricultura nacional e quando o país atinge a era do capitalis- mo monopolista com a urbanização e industrialização do campo; os geógrafos agrários do IBGE e UNESP Rio Claro, influenciados pelo neopositivismo, e adotando paradigmas da agri- cultura de países norte-americanos e europeus (através da ótica do avanço da agricultura moderna), encontraram para as análises da nova realidade agrária nacional os trabalhos de Ruy Muller Paiva. Ruy Muller Paiva está incluído entre os economistas no campo político-administrativo cujo grupo faz parte da linha denominada “crítica conservadora” aos modelos amplamente aceitos das décadas de 50 e 60. Os estudiosos da agricultura nacional, com essa visão denomi- nada “crítica conservadora”, refutavam, no plano técnico e teórico, as teses que se baseavam na definição dos setores agrícola como um empecilho ao desenvolvimento. Quer dizer que esses pesquisadores não viam a agricultura como um obstáculo ao desenvolvimento do país. [...] Tentando, a seguir, um reexame dos ‘elementos tradicionalmente apontados como res- ponsáveis pelo desenvolvimento da agricultura’, introduz um novo elemento que ‘não tem sido considerado por estudiosos no assunto. Essa influência das concepções de Ruy Muller Paiva é encentrada primeiramente nos trabalhos “Proposição Metodológica para o Estudo de Desenvolvimento Rural no Brasil” e “Modernização da Agricultura Brasileira” de Olindina Mes- quita, Rivaldo Gusmão e Solange Silva, publicados em 1976 e 1977 na Revista Brasileira de Geografia. Além da influência de Paiva, outros economistas nacionais são citados pelos autores acima. Nota-se que os geógrafos agrários nacionais começam a romper com os academicismos formais da geografia pela geografia, e se voltam para os estudiosos da agricul- tura brasileira. Os primeiros encontros nacionais de geografia agrária, a partir de 1978, mostram essa abertura no encaminhamento das pesquisas, revelando a importância da questão agrária ao nível das ciências humanas. O trabalho ‘’Geografia Agrária e Metodologia de Pesquisa” de Ce- ron e Lúcia Gerardi,apresentando como um dos Textos Básicos para discussão no 1º Encontro Nacional de Geografia Agrária em Salgado (Sergipe), levantava a necessidade dos geógrafos agrários manterem um maior contato com as disciplinas de ciências sociais. Os sucessivos encontros nacionais de geografia agrária pós 1978, além de contarem com a participação expressiva dos geógrafos nacionais de vários centros do país, passaram tam- bém a contar com a valiosa colaboração de outros cientistas sociais estudiosos da agricultu- ra brasileira como José de Souza Martins, José Graziano da Silva, Alberto Passos Guimarães, Sérgio Silva, Oriowaldo Queda e outros. A década de 80 será marcada pela descolonização da geografia agrária nacional, uma vinculação ampla com os demais estudiosos da agricultura. Desenvolve-se um discurso mais voltado para as questões da agricultura nacional, alicerçadas na ótica marxista, através das transformações dos modos de produção capitalista no país. Novas perspectivas de pesquisa passaram a ser desenvolvidas pelos geógrafos agrários, principalmente nos estudos das relações sociais de produção e na análise dos modos de pro- dução capitalista na agricultura, no processo de organização do espaço nacional. O geógrafo agrário deixa de realizar uma geografia pela geografia, rompe com o liberalis- mo político burguês e, cada vez mais, vem se conscientizando de que é um cientista social. E como cientista social vem avançando nos estudos da realidade agrária nacional. Fonte: Disponível em <http://www.seer.ufu.br/index.php/campoterritorio/article/viewFile/11856/6939>. Acesso em 21 out.2010. 18 UAB/Unimontes - 5º Período 1.4 O Agrário e o Agrícola: qual a Diferença? Agora que você já conhece as principais correntes que discutem o rural brasileiro, precisa entender o que é questão agrária e a sua relação com a questão agrícola. A questão agrária está relacionada ao conteúdo político e social. Já a questão agrícola tem relação com os gêneros ali- mentícios. Em outras palavras, Graziano da Silva (1980, p. 11) explica: [...] a questão agrícola diz respeito aos aspectos ligados às mudanças na pro- dução em si mesma: o que se produz, onde se produz e quando se produz. Já a questão agrária, está ligada às transformações nas relações de produção: como se produz, de que forma se produz. No equacionamento da questão agrícola, as variáveis importantes são a quantidade e os preços dos bens produzidos. Os principais indicadores da questão agrária são outros: a maneira como se organi- za o trabalho e a produção; o nível de renda e o emprego dos trabalhadores ru- rais; a produtividade das pessoas empregadas no campo, etc (SILVA, 1980, p.11). Ainda, segundo o autor, questão agrária e questão agrícola estão relacionadas e suas crises ocorrem concomitantemente. Por vezes, a questão agrícola pode ser um condicionante para se agravar a crise da questão agrária. Para compreender melhor a questão agrária, é preciso entender bem o que é a renda da terra. Dantas (et al, 2011) discute de maneira muito didática tal categoria. Para os autores, essa representa o lucro extraordinário, suplementar, permanente, que ocorre tanto no campo quanto dICA Compreenda mais sobre a questão agrária e agrícola com a leitu- ra do livro “O que é questão agrária” de José Graziano da Silva na obra SILVA, J.G. o que é questão agrária. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980. Figura 4: Produção de alimentos – inerente à questão agrícola. Fonte: Disponível em <http://www.escolakids. com/questao-agraria-no -brasil.html>. Acesso em 17 jul.2015. ► Figura 3: Trabalhadores no campo – inerente ao estudo da questão agrária Fonte: Disponível em <http://aldeiacomum. com/2012/03/15/10-a- 1204-o-agrario-e-o -ambiental-no-seculo -xxi-estudos-e-reflexoes- sobre-a-reforma-agraria- no-nordeste-paulista/>. Acesso em 17 jul. 2015. ► 19 Geografia - Geografia Rural na cidade (também é denominada renda territorial e renda fundiária). Sendo a renda da terra um lucro extraordinário, fruto do trabalho excedente, constitui-se na fração da mais-valia. A renda da terra, em sua forma mais desenvolvida no modo de produção capitalista, é sempre sobra acima do lucro, ou seja, constitui-se num lucro excedente. Dentro da perspectiva capitalista, é analisada como renda diferencial e renda absoluta. Para Oliveira (1984, p. 93-94), esta pode ser assim explicada: Quadro 1 - Renda da Terra - Renda Diferencial e Absoluta Renda da Terra Renda diferencial Renda Absoluta [...] é a fração suplementar permanente do lucro capitalista que explora a terra sob rela- ções capitalistas de produção, ou seja, sob relações basea- das no trabalho assalariado. [...] é o produto do caráter capitalista da produção. Numa palavra, resulta da concorrência entre os produtores capitalis- tas. Isso significa dizer que ela só existe a partir do momento em que a terra é colocada para produzir. Apresenta-se sob duas formas: - Renda Diferencial I: é aquela que independe do capital apli- cado na produção específica; - Renda Diferencial II: decorre diretamente do investimento em capitais para melhorar a fertilidade natural da terra. [...] é aquela que resulta do monopólio da terra por uma classe ou fração da classe, e desapareceria caso as terras fossem nacionalizadas. Assim, a renda absoluta é resultante da elevação dos preços de produção desses gêneros, principalmente por ação dos monopó- lios. Isso porque os proprietários fundi- ários só permitem a utilização de suas terras quando os preços de mercado ultrapassam seus preços de produção. No caso da renda absoluta, podemos citar como exemplo os grandes especu- ladores latifundiários que colocam suas terras para produzir quando os preços estão acima da média. Fonte: OLIVEIRA, 1984, p.54. Referências ABRAMOVAY, R. Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão. São Paulo: UNICAMP, 1992. BRAY, S. C. Aspectos da trajetória teórico-metodológica da Geografia Agrária no Brasil. Revista Campo-Território. DANTAS, A.; FRANÇA, R. S.; MEDEIROS, S. R. F. Q. Geografia Agrária. 2. ed. Natal: EDUFRAN, 2011. KAUTSKY, Karl. A Questão Agrária. Porto: Portucalense, 1972 (1988). KUHN, Thomas. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1991. MARTINS, J. S. os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1983. MAZOYER, M., ROUDART, L. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporâ- nea. Tradução de Cláudia F. Falluh Balduino Ferreira. São Paulo: UNESP; Brasília-DF: NEAD, 2010. NEVES, M. F.; ZILBERSZTAJN, D.; NEVES, E. M. Agronegócio no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2005. OLIVEIRA, A.U. Monopólio Capitalista de Produção e Agricultura. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995. (Série Princípios). ___________. Renda da Terra. In: Revista orientação. São Paulo, v.5, n.1, p. 94-95, 1984. SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. São Paulo: Universi- dade de São Paulo, 2001. (Coleção Milton Santos). SILVA, J. G. da. o que é questão agrária. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980. ATIvIdAde 1) Faça uma pesquisa na feira de seu município e identifique os produtos agrícolas produzidos. a) Liste os produtos agrícolas encon- trados. b) De acordo com nossa discussão, identifique se os produtos são produzidos por relações tipica- mente capitalistas ou relações não capitalistas de produção. Insira no fórum de discussão o resultado da pes- quisa realizada. dICA Leia o livro “os campo- neses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político” de José de Souza Mar- tins. Merece destaque o capítulo V que trata sobre a sujeição da renda da terra ao capital e ao novo sentido da luta pela reforma agrá- ria. Nesse capítulo, o autor analisa as relações capitalistas de produ- ção, as contradições entre renda da terra e o capital, como se dá a apropriação da renda da terra pelo capital e as di- ferençasentre concen- tração da propriedade e a do capital. MARTINS, J. S. os cam- poneses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. Petropólis: Vozes, 1993. 21 Geografia - Geografia Rural UnIdAde 2 Agricultura sob a Perspectiva da Modernização do Rural Brasileiro Ana Ivânia Alves Fonseca Priscilla Caires Santana Afonso 2.1 Introdução Agora iniciaremos a Unidade II, onde se quer compreender a agricultura sob do desenvolvi- mento do capitalismo brasileiro e a territorialização da Revolução Verde (trabalhada por muitos autores como sinônimo de modernização da agricultura no Brasil). Discutiremos o processo de modernização da agricultura no Brasil e os impactos desse pro- cesso na região dos cerrados, que tem colocado em risco esse importante bioma. Alguns estu- diosos apontam que a crise da água vivida na atualidade já é um impacto vivido em todo o país, em função dos diversos problemas sócio-ambientais causados pelo modelo de agricultura vigen- te na atualidade. 2.2 A Modernização da Agricultura e a Revolução Verde no Brasil Como estudamos na unidade 1, a agricultura vem evoluindo desde a Primeira Revolução Agrícola do Neolítico, há cerca de 10.000 anos. Entretanto, é no pós-guerra que se estrutura a complexa relação dos elementos presentes no meio rural e se acirram discussões no âmbito político (e acadêmico) que se desencadeiam através dessas relações, como a manutenção das políticas de reforma agrária, os subsídios concedidos ao agronegócio e a viabilidade da agri- cultura familiar. Tudo isso acontece a partir das políticas adotadas pelo Brasil, que privilegiavam um modelo de modernização do campo guiado pela Revolução Verde. Portanto, você deve entender que a modernização da agricultura foi “comandada” ideologi- camente pela Revolução Verde. Alguns autores usam os dois termos (Revolução Verde e moder- nização da agricultura) como sinônimos. Fato é que ambas foram responsáveis pela agricultura moderna tal qual a conhecemos nos dias atuais, que segue um modelo baseado no uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, uso de maquinário agrícola pesado, sementes híbridas, irrigação, entre outros. Para se compreender o atual estágio da agricultura moderna e sua territorialização no Bra- sil, é preciso levar em consideração toda uma gama de fatores históricos, econômicos e técnicos que se desenvolvem no âmbito mundial. Assim, como salientado anteriormente, nos remetere- mos ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando se inicia a construção do contexto que permite a territorialização e desenvolvimento da Revolução Verde nessa escala. Nesse período, grandes empresários perceberam que a tecnologia da indústria química, mecânica e da biotecnologia poderiam ser direcionadas para a agricultura. Assim, as funda- ções Ford e Rockfeller, o banco Mundial, entre outros, foram encarregados de sistematizar o processo. Montaram a rede mundial GCPAI – Grupo Consultivo de Pesquisa Internacional – que é, na realidade, o somatório de centros de pesquisa e treinamento localizados em todo o mundo. GloSSáRIo Revolução verde: Consistiu na revolução das técnicas agrícolas modernas que fazem parte do processo de modernização da agri- cultura. Modernização da agri- cultura: Processo de transformação da base técnica da produção agropecuária no pós- guerra, as modificações intensas da produção no campo e das rela- ções capital x trabalho. 22 UAB/Unimontes - 5º Período Começaram a investir, então, em técnicas para o melhoramento de sementes, denominadas Variedade de Alta Produtividade (VAP), no México e nas Filipinas. Dentre as sementes, destacam- se o trigo, o milho e o arroz, que são a base da alimentação da população mundial. Alguns autores consideram que a Revolução Verde é um jeito capitalista de dominar a agri- cultura. Essas são as reais intenções das grandes empresas, ao adotar essa ideologia para atingir o processo de modernização, como o conhecemos na atualidade. A maximização do lucro atra- vés da monopolização de fatias cada vez maiores do mercado e a aquisição de royalty por inter- médio dos pacotes tecnológicos criaram um círculo de dependência para o agricultor que adqui- re os pacotes tecnológicos produzidos pelas transnacionais. O importante nesse conceito é destacar a abrangência das pesquisas realizadas em vários campos do conhecimento e também a ousadia em desenvolver “receitas” que poderiam ser adaptáveis a qualquer região. Os que acreditam nessa proposta não levam em consideração as diversas particularidades socioambientais e territoriais presentes no mundo. Entretanto, pode-se observar que o processo de modernização da agricultura vai muito além de uma mudança técnica, e sua territorialização foi possível graças a um conjunto de mu- danças sociais, políticas e econômicas. Aqui cabe evidenciar que, no Brasil, ela foi dividida em fases nos estudos de Graziano da Silva (1996). A primeira se restringe à transformação da base técnica, induzida e estimulada pelo governo e empresas norte-americanas. A segunda fase caracteriza-se pela industrialização da produção rural com a implantação da indústria de bens de produção e alimentos. Na terceira fase, ocorre a plena integração entre a agricultura e a indústria. E, por último, ocorre a integração de capitais (industriais, bancários, agrários) sob o comando do capital financeiro. Podemos afirmar que o país territorializou a modernização da agricultura porque buscava o desenvolvimento. A ideologia do desenvolvimento tinha um forte caráter economicista nesse período histórico (décadas de 1950 e 1960). Como o campo era visto como o atraso frente ao progresso representado pela sociedade urbano- industrial, tal processo foi a forma “encontrada” pelo estado de transformar essa realidade. A partir de então, legitimou-se o ideal da corrente crí- tico-conservadora (baseada nos princípios da economia neoclássica) que pensava o desenvolvi- mento sob três eixos: terra, trabalho e capital. Como o país já dispunha dos dois primeiros itens, foi aplicado capital no campo. Assim, a modernização do campo brasileiro foi idealizada sobre os princípios da Revo- lução Verde, da modernização territorial (construção de vias de circulação de pessoas, mer- cadorias e informações) e para a transferência setorial da renda, tudo isso sob forte égide do Estado, que financiou, via política pública, os latifundiários em detrimento da população do campo. Para Graziano da Silva, a modernização da agricultura foi conservadora e dolorosa. Con- servadora porque beneficiou um grupo de produtores (latifundiários) e certas áreas do país, e dolorosa devido às contradições sociais geradas pela expansão do capital. O resultado foi o aumento da concentração de terras e renda e a desterritorialização da população do campo, que passa a ser mão de obra para a indústria e a engrossar a massa dos movimentos socio- territoriais. A produção do espaço brasileiro, nesses moldes, vai trazer algumas mudanças para o território. Primeiramente, as regiões que se modificaram mais intensamente são as regiões Sul e Sudeste e, em seguida, a região Centro Oeste, a qual presencia uma recente reconfigu- ração em seu território, com o surgimento dos belts modernos, como também o surgimento de um novo front. Nesse sentido, o processo de moder- nização da agricultu- ra vai reconfigurar a produção do espaço brasileiro e unir o que o capitalismo, em seus primórdios, separou: a indústria e a agricultura. Para Oliveira (1985), a industriali- zação da agricultura GloSSáRIo Belts: São grandes propriedades agrícolas que possuem as carac- terísticas do processo de modernização da agricultura. Fronts: Frente pioneira do processo de ocupa- ção do espaço através da agricultura no país. A abertura dessa nova fronteira agrícola vai ser executada pela grande empresa como apoio do Estado. Figura 5: Utilização de máquina e insumos agrícolas Fonte: Disponível em <http://www.brasilescola.com>. Acesso em 26 set. 2014. ► 23 Geografia - Geografia Rural (CAIs – Graziano da Silva e Kageyama) acarretou profundas transformações acerca da estrutura agrária nacional. Uma delas está no âmbito da “escolha” dos produtos a serem cultivados, com- modities como a soja (principalmente em áreas de Cerrado), milho, algodão e arroz. Logo depois, a cana-de-açúcar, que também terá expansão no seu cultivo devido aos incentivos do Proálcool. Tendo como premissas dar um “ar” de modernidade às velhas formas de exploração do es- paço agrário, começou a ser usado no Brasil, nas duas últimas décadas, o termo “agronegócio”. A concepção deste termo difundida por vários países veio a ser incorporada ao discurso e às análi- ses de alguns estudiosos, a partir da década de 1980 e associada ao termo Complexo Agroindus- trial. Desde então, propagou-se o termo agronegócio no território brasileiro, para caracterizar a racionalidade do processo produtivo capitalista no campo. Alguns autores argumentam que, após a década de 1990, a dinâmica do espaço agrário aponta para a leitura e interpretação dos complexos agrobioindustriais, tamanha a relevância da biotecnologia, no tocante ao registro de patentes que têm aprofundado as disparidades regio- nais e diferenças entre segmentos e produtores. Há, ainda, aqueles que chamam esse novo pe- ríodo (década de 1990 e 2000) da agricultura científica, onde os avanços técnicos da biogenética (biotecnologia) comandam um novo momento do processo modernizante. Fato é que o agronegócio é uma versão contemporânea do capitalismo no campo, corres- pondendo a um modelo no qual a produção é organizada a partir de aparatos técnico-científi- cos, grandes extensões de terras, pouca mão de obra, predomínio da monocultura, dependência do mercado no quanto e como produzir, enfim, as empresas rurais. Para o Estado esse é o mo- delo que fez prosperar e desenvolver o campo brasileiro, porque contribui com o PIB (Produto Interno Bruto), responsável pelo crescimento da economia, empregos e produção de alimentos. O discurso dos “ganhos” com a produtividade da produção agrícola (do agronegócio) des- viam os “olhares” dos impactos ocasionados pelo sistema moderno nos biomas, para os trabalha- dores e a sociedade de um modo geral. 2.3 A Revolução Verde e o Cerrado no Contexto do Desenvolvimento Agrário Brasileiro No tocante ao Cerrado, ao longo das últimas cinco décadas, esse foi o bioma mais afetado com a modernização agrícola. Em contrapartida, esse bioma é um conjunto de inestimável rique- za biológica, composto por várias fisionomias. É o maior bioma brasileiro após a floresta Amazônica, ocupando uma área de aproximada- mente 2.000 km², correspondendo a 24% do território nacional. A área de abrangência deste domínio engloba desde o Amapá e Roraima, em latitudes ao norte do Equador, até o Paraná, abaixo do trópico de Capricórnio. No sentido longitudinal, ele aparece desde Pernambuco, Alagoas, Sergipe, até o estado do Pará e Amazonas, com enclaves dentro da floresta Amazônica (Embrapa, 2003). O cerrado ocupa uma posição de destaque não só pela extensa área, mas também por sua biodiversidade, em grande parte ainda desconhecida. Sendo caracterizada como uma vegetação de solos pobres, com predominância de latossolos e areias quartzozas. De acordo com Chagas (2003), o Cerrado é reconhecido nacionalmente como sendo o pai das águas do Brasil, pois é nele que se encontra o nascedouro das principais bacias hidrográficas do continente sul-americano - a amazônica, a platina, a San-Franciscana, e das oito bacias hídri- cas brasileiras somente as bacias do Uruguai e do Atlântico sudeste não derivam desse bioma. No Mapa 1, apresentamos a localização do cerrado no cenário nacional, evidenciando sua abrangência e interfaces com outros tipos de vegetação encontrados no Brasil. Pode-se inferir, a partir do mapa, que o Cerrado ocupa grande parte do território brasileiro, constituindo um complexo mosaico de ecossistemas, detentor de grande heterogeneidade, bem como o Cerrado stricto sensu, o cerradão com os campos de altitude, campo limpo e campo sujo, as matas de galeria e veredas. dICA entenda mais sobre Agronegócio A noção de agribusiness foi desenvolvida, ini- cialmente, nos eUA e definida como sendo: “A soma de todas as operações envolvidas no processamento e distribuição de insumos agropecuários, as ope- rações de produção na fazenda, e o armazena- mento, processamento e a distribuição dos produtos agrícolas derivados” (DAVID e GONDELBERB, 1957, p. 3). Esta definição gene- ralizou a utilização do termo agribusiness para explicar a crescente in- ter-relação setorial entre a agricultura e a indús- tria. Para esses autores, o termo contemplaria as funções que eram dadas à agricultura há 150 anos (MARAFON, 2011, p.49). dICA Quando falamos em “Cerrado stricto sensu” estamos nos referindo apenas às formações savânicas, já o termo “Cerrado lato sensu, tra- ta-se de todo o bioma cerrado. 24 UAB/Unimontes - 5º Período O Cerrado é realmente um bioma inigualável em todas as dimensões. Estimativas apontam que há cerca de seis mil espécies de árvores, muitas utilizadas na produção de artesanato, uso medicinal e alimentício, além de outros usos; oitocentas espécies de aves e trezentas espécies de peixes. Calcula-se que mais de 405 das espécies lenhosas e metade de abelhas deste bioma são endêmicas. De gramíneas, existem cerca de cinco centenas, sendo a grande maioria endêmica da região. No que concerne a invertebrados, estima-se que o Cerrado abranja 14.422 espécies, repre- sentando 47% da fauna do Brasil, 195 espécies de mamíferos, sendo 18 endêmicas (SILVA, 2000). Dadas estas características, estima-se que o Cerrado seja responsável por 5% da biodiversidade mundial. Ainda é ressaltado que a espacialização do bioma Cerrado reside no fato de ele ter “pas- sado por vários climas, solos, adaptando-se a múltiplos ambientes; tal fato se apoia na explicação de que o Cerrado, no último período glacial, teria avançado sobre as florestas e, que nesse perío- do interglacial, ele teria se consolidado no domínio fitogeográfico e morfoclimático numa área contínua da região central do território brasileiro”. É inegável que os valores econômicos propiciados pela ocupação do Cerrado tenham torna- do o país mais competitivo interna e externamente, levando o Brasil a produzir safras recordes de grãos anualmente. Mas também é necessário que se faça uma análise da conjuntura ambiental a que foi submetido esse bioma, ao longo das cinco últimas décadas. A ocupação “racional”, paulatina e indiscriminada das áreas de Cerrado, foi viabilizada pelo desenvolvimento do capital internacional e financeiro, no qual a estrutura produtiva do país se estabeleceu segundo padrões do capital mundializado, a partir da década de 1970, reforçando o poder político-econômico das empresas agroindustriais. Através do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR, 1965), efetivou-se a adoção de políticas públicas que viabilizaram a modernização agrícola. O SNCR se apresentou como potencial instrumento de política agrícola do país, sendo o período de 1970 a 1980, marcado por grandes financiamentos, investimentos e comercialização, objetivando operacionalizar a ocupação das áreas cerradeiras. Dessa forma, o processo de expropriação e apropriação do Cerrado, inserido no contexto agrá- rio, evidencia uma estrutura fundiária agroindustrial em expansão. Martin (1985) esclarece que dICA Aprofunde os estudos, assistindo ao vídeo: “Cerrado das mil ma- ravilhas”, disponível na sala de Geografia Rural. GloSSáRIo SnCR: Política rural adotada no período da ditadura militar brasileira. Figura 6: Mapa 1 - Tipos de vegetação do Brasil Fonte: Disponível em <http://www.guianet.com. br/brasil/mapavegetacao. htm>. Acesso em 21 out. 2010. ► 25 Geografia - Geografia Rural A chamada modernização da agricultura brasileira modificou a fisionomia, a cul- tura e a vida danação. Criou o país de miséria no meio da riqueza e da fartura, agravou-se a fome. É um país em que as estatísticas retratam, mas não revelam (MARTIN, 1985, p.23). Além de uma velada desi- gualdade social, o desrespeito à natureza foi o fator que mais chamou a atenção devido ao seu rápido crescimento, não respeitando a biodiversidade do Cerrado. Como podemos observar, o Mapa 2 retrata a área original do Cerrado exis- tente na década de 1960, en- quanto o Mapa 3, a evolução atual do desmatamento, o Cer- rado resistiu a cinco séculos de convivência entre o homem e a natureza, mas não resistiu a cin- co décadas de “desenvolvimen- to” intenso do capital no campo. Ao longo das últimas dé- cadas, pequenos produtores rurais, remanescentes de qui- lombos, índios, populações tra- dicionais que se conjugam no que chamamos aqui de agricul- tura familiar foram e vêm sendo expropriados de suas terras em função da necessidade de apro- priação de novas terras pelo capital hegemônico industrial. Para Martin (1985), “o mito da ‘modernização’ e as novas teias internacionais que são urdidas irracionalmente, evidencia-se em tal amplitude na louca aven- tura de ocupação dos Cerrados brasileiros”. Esta ocupação foi gestada no período da ditadura militar brasileira, quando, na visão geopo- lítica dos militares da época, a Amazônia e o Cerrado eram considerados “Vazios” – Vazios econô- micos e Vazios de gente. De acordo com Dayrell (2000), os solos dos Cerrados foram considerados estéreis, mas com uma topografia excelente para a mecanização, investindo-se nacionalmente em ciência e tecno- logia para tornar esses solos produtivos, visando à produção de grãos, café e cana; produtos con- siderados nobres por fazerem parte da pauta da exportação brasileira. A terra é, então, transformada em mercadoria, assumindo um caráter de renda capitalizada, modificando a base produtiva de milhares de camponeses, alterando o seu modo de vida e suas especificidades socioculturais (como discutido anteriormente). Segundo Martin (1985), o Cerrado foi considerado propício ao modelo capitalista da agricul- tura suicida. Através do polo centro de projetos, o governo Federal permitiu que fazendas e mais fazen- das fossem abertas, despertando, desse modo, a atenção de milhares de desempregados de to- das as regiões agrícolas do país, desempregados esses que eram os próprios expropriados pelo processo de industrialização da agricultura. A partir de então, o Cerrado se modernizou. Chegaram as usinas siderúrgicas, que têm o car- vão como base energética, dizimando a vegetação numa extensão e agilidade nunca vistas em qualquer bioma brasileiro. Pessoa (2006) acrescenta que ATIvIdAde Faça uma análise crítica e descritiva entre os ma- pas 2 e 3. Depois deixe suas análises no fórum de discussão. GloSSáRIo Populações tradi- cionais: Agricultores, camponeses, coletores extrativistas, pesca- dores e garimpeiros artesanais, os quais são detentores de um conhecimento construí- do secularmente, que é repassado de geração em geração. ◄ Figura 8: Mapa 3 - Área de Cerrado desmatado Fonte: Disponível em <www.conservation. org.br>. Acesso em 07 ago.2014. ◄ Figura 7: Mapa 2 - Área de Cerrado original. Fonte: Disponível em <www.conservation.org. br>. Acesso em 7 mar. 2014. 26 UAB/Unimontes - 5º Período (...) no decorrer das décadas de 1970 e 1980, a economia brasileira caracterizava- se por inflação alta e grandes investimentos, em especial no mercado de terras, de tal forma que o Cerrado mineiro tornou-se ’locus’ dessa valorização de terras, que beneficiou, sobretudo, os grandes proprietários, que procuravam essa área para nela estabelecerem novos investimentos (PESSOA, 2006, p. 136). Considerando-se o dinamismo econômico do país, há que se somar a política de compra e venda de terras. Segundo Brito (2006), a política que originou a monocultura nasceu na ditadura militar-empresarial, inserida na esfera da internacionalização da economia brasileira. Em Minas Gerais, este processo foi explicitado na década de 1970 com o modelo mineiro descrito por Brito apud Dulci (2006). Com a internacionalização da economia brasileira fomentada desde Kubitcheck pela atração de companhias estrangeiras e sua associação com parceiros domés- ticos, a referência econômica e política dos setores empresariais mineiros que se inseriram no processo deixaria de ser basicamente regional: seria nacional com interfaces internacionais. Isso não surpreende em vista do modelo de industria- lização adotado, cujos pilares básicos eram o Estado e o capital externo. A pers- pectiva regional não desapareceu, sem dúvida, mas se tornou adjetiva para os ramos oligopolistas produtores de bens intermediários (aço, cimento, minérios, etc.) e provedores de serviço de infra-estrutura (energia, construção pesada) que se colocam em posição dominante com o avanço da estratégia de especialização industrial de Minas (BRITO apud DULCI, 2006, p.230). Portanto, além da concentração fundiária já existente, geralmente explicada tanto pela origem histórica brasileira, como pelo impedimento do acesso à terra de forma igualitária. Nesta perspectiva, a população local é impedida de continuar a usar a terra como estava habituada a fazê-lo; há, assim, rupturas entre o seu universo sociocultural em função da racionalidade modernizadora operante. Os reflorestamentos, juntamente com a expansão da pecuária extensiva, podem ser considerados gran- des pivôs da eliminação da pequena propriedade, em vista da utilização das terras antes destinadas à agricultura de sustentação e às chamadas terras livres para reflorestamento e pastagem. Esse processo de modernização foi responsável pela formação de mercados locais de insu- mos para sustentar a agricultura moderna e para o desenvolvimento e adaptação tecnológica do material genético. Dessa forma, a relação entre a indústria e a agricultura brasileira passou por diversas transformações significativas, com impactos na produção agrícola, no seu modo de pro- duzir, organizar e comercializar, acelerando a passagem da forma predominantemente “atrasada” de produção, como foi denominada a agricultura de base camponesa, para outra que, cada vez mais, consome insumos industriais - a de matriz agroindustrial, tornando irreversível o processo modernizador da industrialização agrícola. Com isso, as ralações de trabalho/capital no campo tiveram que mudar para se “adaptarem” à nova realidade econômica do país. Os camponeses que, de alguma maneira, não se inseriram no novo cenário agrícola migraram para as cidades em busca de melhores condições de vida. No entanto, o mercado de trabalho na área urbana era bastante exigente, e estes, por sua vez, passa- ram a ocupar as áreas marginais das cidades, sob péssimas condições de sobrevivência. O desempenho da modernização agrícola, a saber, está associado ao papel do Estado. Oli- veira (1996) pontua que: (...) estimular a expansão das indústrias por meio de vários incentivos como o crédito agrícola; fundo de apoio ao desenvolvimento da agroindústria; apoio jurídico e financeiro a empresarialização das cooperativas através da legislação especial de linhas de crédito cooperativo; seguros agrícolas; preços mínimos; as- sistência técnica e apoio à pesquisa; assegura-lhes mercados por meio da políti- ca de financiamento rural (OLIVEIRA, 1996, p. 32). O tripé indústria-agricultura-terra sofreu profundas modificações, consequência da opera- cionalização agrícola apoiada no uso intensivo da mecanização (tratores, colheitadeiras e outros implementos), adubação química, uso de corretivos dos solos, defensivos agrícolas e pesquisas biogenéticas. Além disso, há ainda a introdução de métodos de gerenciamento industrial e cria- ção de infraestrutura de comercialização (selos, armazéns, frigoríficos, transportes). Nesse sentido, a agroindustrialização, apesar de dinamizar o fluxo de relações nacionais e internacionais, provocou alterações na distribuição setorialda população ativa, agravando o problema do desemprego, aumentando a concentração fundiária, flexibilizando o trabalho e intensificando os problemas ambientais e sociais no meio rural. dICA O autor afirma que a lógica agrícola segue estratégias de manu- tenção do equilíbrio de poder e dos lucros do sistema capitalista. O ponto central dessas estratégias previa a implantação de mo- delos monocultores e dependentes nos países produtores periféricos, enquanto o controle da tecnologia e comerciali- zação ficava a cargo dos países centrais. 27 Geografia - Geografia Rural Esse modelo de modernização, implantado na agricultura pelo governo federal por volta da década de 1960 e as que se seguiram, configurou uma série de mudanças na base técnica de produção agrícola, representando a passagem do chamado complexo rural para a dinâmica do complexo agroindustrial. Segundo Dayrell (2000), A ocupação recente dos Cerrados, provocada pela expansão das relações capita- listas no campo, visto como a última fronteira agrícola pelas elites brasileiras vem colocando em xeque a sustentabilidade deste bioma e provocando um processo de miserabilização de suas populações, acentuando os desníveis sócioeconômi- cos, a concentração de terras, associados com a degradação dos seus recursos naturais: solo, água, flora e fauna (DAYRELL, 2000, p.191). Nesse contexto, o Cerrado representou o cenário propício ao desenvolvimento almejado pela política econômica em meados da década de 1970. Grandes empreendimentos agro-indus- triais foram implantados, a fim de sustentar o novo modelo econômico que passou a direcionar o rumo da agricultura brasileira. A partir dessas inovações na agricultura, segundo Oliveira (1996), não se pode mais consi- derar a agricultura como “grande setor” na economia, uma vez que grande parte das atividades agrícolas está sendo agora integrada à matriz de relações interindustriais, sendo seu funciona- mento determinado de forma conjunta. Pode-se dizer que hoje não existe apenas uma agricultu- ra, mas vários complexos agroindustriais. Inicialmente, houve um aumento da produção, expandindo diversas empresas agroindus- triais. Não muito depois, as consequências começaram a ser visíveis: as espécies novas de trigo e milho tinham menor valor nutritivo e eram mais sujeitas às pragas; os latifundiários, ao con- trário dos camponeses, foram beneficiados com os investimentos de organismos internacionais colocando em concorrência os produtos biotecnológicos com os de base agroecológica, retiran- do-lhes seus mercados, colocando-os à margem da produção, conferindo-lhes um alto índice de miséria e quase nenhuma solução para suas lutas e dificuldades. Martin (1985) descreve esse quadro que passou a caracterizar os camponeses ‘excluídos’ pelo capital: A Revolução Verde chegou ao estranho paradoxo de produzir simultaneamente mais comida e deixou mais gente com fome. Com as novas variedades mágicas de sementes selecionadas, a produção subiu vertiginosamente. Subiu na terra dos agricultores maiores e mais abastados, dos que tinham acesso a crédito e, portanto, melhores sementes pesticidas, sistemas de irrigação e mecanização. Na medida em que a produção aumentava, os preços baixavam e o mesmo acontecia com a renda dos lavradores pequenos e marginais. Sufocados pela carga de dívidas, milhares de pequenos fazendeiros venderam ou simplesmente perderam suas propriedades, juntando-se às fileiras cada vez mais numerosas dos pobres rurais sem-terras. As estatísticas mostravam crescimento econômico, mostravam até aumento da produção agrícola. O que não mostravam era o sub- desenvolvimento sócio-econômico ativo (MARTIN, 1985, p. 18). Frente a essa abertura agrícola fundiária e industrial, o Cerrado, de um modo geral e com destaque para o norte-mineiro, integra-se à produção agroindustrial, ao passo que as apropria- ções de suas áreas, intensificadas na década de 1970 e 1980, foram destinadas a grandes proje- tos de irrigação, como o Projeto de Colonização do Jaíba, plantio de eucalipto e diversas outras monoculturas como o algodão, expressivo nos municípios de Porteirinha, Mato Verde, Monte Azul e Espinosa, e a pecuária extensiva. Segundo Feitosa e Barbosa (2006), a partir do final dos anos 1990 e início do século XXI, observou-se na região norte-mineira a penetração de novas for- mas de luta pela posse e uso da terra. Portanto, o universo agrário brasileiro passou e vem passando por profundas transforma- ções de ordem política e socioeconômica, levando à exclusão da posse de terra milhares de camponeses, aumentando o êxodo rural e os conflitos rurais. Dayrell (2000) apresenta de for- ma clara e objetiva a realidade agrária do camponês, desde o início da agroindustrialização até os dias atuais: (...) o geraizeiro se vê obrigado a enfrentar a expropriação da terra e a degrada- ção dos recursos naturais, fundamentais nas suas estratégias de reprodução so- cial. Com a chegada das firmas, a população que passa a trabalhar como assala- riada diminui as compras nas feiras livres e passa a comprar mais nos armazéns e supermercados dos produtos com o novo padrão: empacotados ou processados industrialmente. O geraizeiro reorienta suas estratégias produtivas, diminuindo dICA A agroecologia é um sistema de produção agrícola alternativo que busca a sustenta- bilidade da agricultura familiar, resgatando prá- ticas que permitam ao agricultor produzir, sem depender de insumos industriais como agro- tóxicos, por exemplo. Vai além das técnicas orgânicas de cultivo, pois inclui elementos ambientais e humanos e é, praticamente, um modo de vida que bus- ca resgatar e valorizar o conhecimento tradicio- nal da agricultura de base familiar. ATIvIdAde Faça uma análise crítica entre a agroecologia e a revolução verde, levando em conta as questões econômica e ambiental. Poste suas observações no fórum de discussão. 28 UAB/Unimontes - 5º Período o volume da produção de produtos comerciáveis e aumentando a diversidade de produtos. Concilia a diversidade da produção agropecuária com a coleta ex- trativista, agora mais dirigida ao mercado e, principalmente, passa a buscar ou- tras fontes de renda trabalhando fora como assalariado ou trabalho temporário. A falta de alternativas obrigou a que muitos agricultores abandonassem suas terras ou então que passassem a trabalhar como bóias-frias em outras regiões. O empobrecimento foi visível (DAYRELL, 2000, p.263). As racionalidades capitalistas incentivadas pelas políticas governamentais acirraram ainda mais a questão agrária brasileira e a exploração do Cerrado, com a implantação de empresas de reflorestamentos, nas quais essa forma de apropriação da natureza tem determinado um flores- cimento das áreas desmatadas ecologicamente insustentável. As chapadas foram os terrenos es- colhidos para a implantação dos projetos “florestais”. Dayrell (2000) diz ainda que o desmatamen- to destas áreas para o plantio de monocultura de eucalipto serviu como estímulo, num segundo momento, à generalização do desmatamento em todas as áreas cerradeiras. A implantação dos projetos de reflorestamentos foi viabilizada pelo Programa dos Distritos Florestais. A expansão dos reflorestamentos ocorreu também através da compra dos direitos de pos- se de um e de outro posseiro. Dessa forma, havia e ainda há muitos conflitos uma vez que as empresas cercam extensas áreas além de seus limites, nas quais moram inúmeras famílias que têm sua racionalidade produtiva confrontada pelos eucaliptais e demais monoculturas, como a comunidade Vereda Funda, descrita anteriormente. Dessa forma, pode-se constatar que a ocupação indiscriminada das áreas de Cerrado tem sido responsável não só pela degradação física do bioma, como também pela degradação do universo sociocultural, presente secularmente nas populações tradicionais, sobretudo na sua in- ter-relação com a natureza, provocando, sobretudo, inúmeros conflitos rurais que se manifestam pela luta incansável
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