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Artigo técnico Um modelo de precificAção relAtivA pArA o mercAdo de tAxAs reAis no BrAsil EDUARDO ALONSO MARZA DOS SANTOS instrUmentos finAnceiros “híBridos de cApitAl E DíviDA”: EvOLUçõES E DESAfiOS EDUARDO fLORES | ELiSEU MARTiNS smArt BetA no mercAdo de Ações BrAsileiro GAbRiEL WADih DE OLivEiRA fERREiRA | GUiLhERME RibEiRODE MAcêDO fUtUro de cUpom de ipcA: UmA novA ferrAmentA no mercAdo de derivAtivos de JUros no BrAsil NATALiA bERTiNAT Análise do impActo do ifrs em indicAdores finAnceiros em empresAs BrAsileirAs MARcOS fERREiRA | EDUARDO fLORES | cLARicE MARTiNS | JOELSON SAMpAiO entrevista AnA pAUlA vescovi SEcRETáRiA DO TESOURO NAciONAL RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA resenhadabolsa.com.br edição 4 | nov/2016 A Resenha da Bolsa, publicação lançada para incentivar a troca de conhecimento e informação de alta qualidade entre toda a comunidade � nanceira brasileira, convida você a participar do “Prêmio Melhor Artigo Resenha da Bolsa”. A cada dois anos, será escolhido, pelo conselho editorial da revista, o melhor artigo publicado. Con� ra a premiação: Um prêmio à inspiração e ao conhecimento técnico R$20.000,00 (vinte mil reais) almoço com o conselho editorial da revista convite com direito a acompanhante, transporte e estadia para participar do Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais, realizado pela Bolsa Envie seu artigo para avaliação dos editores responsáveis. Acesse resenhadabolsa.com.br e saiba como enviá-lo. RESENHA DA BOLSA PRÊMIO MELHOR ARTIGO 1ª EDIÇÃO RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA Conselho Editorial Cláudio Haddad, Gustavo Franco, José Roberto Mendonça de Barros, Márcio Gomes Pinto Garcia, Marcos Eugênio da Silva e Samuel Pessoa Editores Executivos Edemir Pinto, Cícero Augusto Vieira Neto, André d’Almeida Monteiro e Fabio Dutra Coordenação Editorial FSB Comunicação Equipe Comunicação Sonia Aparecida Consiglio Favaretto, Ana Lúcia Matos Branco, Daniel Pfannemuller, Marcelo Ramos Costa Carvalho, Regio Soares Ferreira Martins, Álisson Sávio Silva Siqueira, Fernanda Kiyoko Nakao, Flavia Mangini, Jenifer Correa e Rogério Guerra Artigo técnico UM MODELO DE PRECIFICAÇÃO RELATIVA PARA O MERCADO DE TAXAS REAIS NO BRASIL EDUARDO ALONSO MARZA DOS SANTOS INSTRUMENTOS FINANCEIROS “HÍBRIDOS DE CAPITAL E DÍVIDA”: EVOLUÇÕES E DESAFIOS EDUARDO FLORES | ELISEU MARTINS SMART BETA NO MERCADO DE AÇÕES BRASILEIRO GABRIEL WADIH DE OLIVEIRA FERREIRA | GUILHERME RIBEIRODE MACÊDO FUTURO DE CUPOM DE IPCA: UMA NOVA FERRAMENTA NO MERCADO DE DERIVATIVOS DE JUROS NO BRASIL NATALIA BERTINAT ANÁLISE DO IMPACTO DO IFRS EM INDICADORES FINANCEIROS EM EMPRESAS BRASILEIRAS MARCOS FERREIRA | EDUARDO FLORES | CLARICE MARTINS | JOELSON SAMPAIO Entrevista ANA PAULA VESCOVI SECRETÁRIA DO TESOURO NACIONAL RESENHA UMA PUBLICAÇÃO TÉCNICA DA BM&FBOVESPA DA BOLSA resenhadabolsa.com.br EDIÇÃO 4 | NOV/2016 A Resenha da Bolsa é uma publicação gratuita com o objetivo de promover o conhecimento e o debate técnico sobre os mercados administrados pela BM&FBOVESPA, difundindo as melhores práticas de gestão de risco e de trading. O conteúdo desta publicação não representa a opinião da Bolsa, nem deve ser interpretado como recomendação de compra ou de venda de ativos. Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores. É proibida a reprodução parcial ou integral de textos contidos nesta publicação. ISSN 2525-3069 A nova edição da Resenha tem como entrevistada a economista Ana Paula Vitali Janes Vescovi, secretária do Tesouro Nacional. Vescovi foi, por dez anos, se- cretária-adjunta de Macroeconomia na Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda. Na SPE, atuou na formulação de políticas públicas, na agenda de reformas microeconômicas e no monitoramento do crescimento da economia brasileira, além de prestar assessoria em contas nacionais e projeções de parâmetros macroeconômicos para os Orçamentos da União. Ocupou também o cargo de secretária da Fazenda do Estado do Espírito Santo. Na entrevista, Ana Paula Vescovi fala dos desafios de implementar o ajuste fiscal no Brasil. A Resenha traz cinco artigos nesta edição. No primeiro, é apresentado um mo- delo de precificação relativa para aprimorar o desempenho de portfólios de renda fixa soberana brasileira. No segundo artigo, “Instrumentos Financeiros ‘Híbridos de Capital e Dívida’: Evoluções e Desafios”, a Resenha da Bolsa conta com a partici- pação de Eduardo Flores e Eliseu Martins, uma das maiores personalidades da área contábil no País. Professor Emérito da FEA-USP, onde foi diretor, Eliseu é autor de vários livros, consultor, palestrante e parecerista da área contábil. O artigo seguinte avalia como as estratégias Smart Beta funcionam para o mer- cado de ações brasileiro. O quarto artigo publicado pela Resenha analisa o futuro de cupom de IPCA. Lançado em maio de 2016, o contrato “desponta com potencial de se tornar um dos derivativos com maior liquidez no mercado brasileiro”, diz o artigo. “As estatísticas dos primeiros meses de negociação do contrato são encorajadoras. São mais de 40 contrapartes diferentes atuando no contrato, totalizando aproximada- mente 185 mil contratos negociados em 12 dos 15 vencimentos autorizados, tendo ultrapassado os 100 mil contratos em aberto no início de agosto de 2016”. O quinto e último artigo traz uma análise do impacto do International Finan- cial Reporting Standards (IFRS), as normas contábeis internacionais, em indica- dores financeiros de empresas brasileiras. Na seção Memória do Mercado, a história do Clube de Atletismo BM&FBOVESPA, que se transformou em uma referência mundial nesse espor- te. O Clube revelou grandes estrelas do atletismo brasileiro, como Fabiana Murer, Marílson dos Santos e Vanderlei Cordeiro, entre tantos outros. Boa leitura! Novembro 2016 Edição 4 carta ao leitor Nov/2016 Nov/2016 06 AnA PAulA VescoVi secretáriA do tesouro nAcionAl 13 um modelo de PrecificAção relAtiVA PArA o mercAdo de tAxAs reAis no BrAsil 40 smArt BetA no mercAdo de Ações BrAsileiro 78 Análise do imPActo do ifrs em indicAdores finAnceiros em emPresAs BrAsileirAs instrumentos finAnceiros “híBridos de cAPitAl e díVidA” : eVoluções e desAfios 29 futuro de cuPom de iPcA: umA noVA ferrAmentA no mercAdo de deriVAtiVos de Juros no BrAsil 54 entrevista Artigo técnico notícias índice Nov/2016 Nov/2016 94 99 102 ouro e Atletismo 108 conheçA o “PAi dos índices” dA BolsA notícias Agenda memória do mercado especial Nov/2016 Nov/2016 Mudar a mentalidade A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, tem diante de si uma tarefa históri- ca: interromper uma sequência de 25 anos de crescimento nos gastos públicos. Desde 2011, com a queda nas receitas, as contas do gover- no se deterioraram rapidamente, o que levou ao crescimento da dívida pública e trouxe dúvidas quanto à sua sustentabilidade. Com a perda de confiança, o Brasil entrou em recessão. “É preciso trabalhar em várias frentes para o enfrentamen- to dessa questão”, diz a secretária, em entrevista à RESENHA. O primeiro passo foi estabelecer um limite para os gastos por meio de uma emenda constitucional. Em seguida, afirma a secretária, virão “as reformas estruturais necessárias para conter o crescimento das despesas obrigatórias e para ampliar espaço para as áreas finalísticas do Estado, como saúde e educação”. Nessa agen- da, estão previstos inclusive aperfeiçoamentos na Lei de Responsabilidade Fiscal, como ela con- ta na entrevista. Ana Paula Vitali Janes Vescovi assumiu a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em ju- nho. Ela é economista, mestre em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP-DF) e mestre em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas (EBAP-RJ). Servidora do Ministério do Planejamento, atuou por dez anosna Secretaria entrevista 6 Nov/2016 Nov/2016 AnA PAulA VescoVi secretária do Tesouro nacional de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, onde foi secretária-adjunta de Macroeconomia entre 1997 e 2007. Na SPE, atuou na formulação de políticas públicas, na agenda de reformas microeconômicas e no monitoramento do crescimento da economia brasileira e seus determinantes, além de pres- tar assessoria em contas nacionais e proje- ções de parâmetros macroeconômicos para os Orçamentos da União. Ainda na Secretaria, tra- balhou na formulação e avaliação de políticas de Desenvolvimento Regional, implementa- ção de ajustes fiscais (1999 e 2003) e avaliação de subsídios creditícios e financeiros da União (2000 e 2004). Também foi secretária da Fazenda do Estado do Espírito Santo, onde implementou um rigoroso ajuste fiscal. A seguir, veja sua entrevista: RESENHA – As despesas públicas vêm crescen- do há praticamente 25 anos. Como reverter essa situação? ANA PAULA VESCOVI – O crescimento persisten- te das despesas públicas implica uma pressão perma- nente por aumento de impostos. Acontece que, desde 2011, com a queda da receita tributária administrada e o avanço acelerado de novos programas baseados em subsídios e subvenções, o resultado primário do go- verno central se deteriorou rapidamente, com deficits primários crescentes a partir de 2014. Isso levou a tra- jetória da dívida pública a um crescimento acelerado, trazendo dúvidas quanto à sua sustentabilidade. Com a perda de confiança, o país entrou numa recessão pro- funda, com a perda de milhões de empregos, a paralisa- ção de investimentos e a queda dramática na produção. Está claro, contudo, que a sociedade não está mais disposta a ampliar o seu financiamento direto a esses gastos crescentes com aumento de carga tributária. Além disso, a carga tributária brasileira já é muito ele- vada comparativamente ao padrão dos demais países emergentes. Outra face dessa questão é a percepção social de que os impostos têm um retorno baixo tanto na promoção da equidade quanto nos resultados obti- dos. Enfim, os gastos são crescentes, mas existem pou- cos incentivos para que os recursos sejam aplicados de um modo eficiente e efetivo. É preciso trabalhar em várias frentes para o enfren- tamento dessa questão. O primeiro passo foi subme- ter a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto das despesas públicas para trazer uma limitação ao crescimento das despesas públicas, no longo pra- zo. Na medida em que deixa evidente qual a restrição orçamentária, a PEC promoverá uma discussão mais clara sobre prioridades, o que permitirá qualificar a aplicação dos recursos provenientes dos impostos retirados da sociedade. Outra agenda importante, decorrente da limitação dos gastos, são as reformas estruturais necessárias para conter o crescimento das despesas obrigatórias e para ampliar espaço para as áreas finalísticas do Estado, como saúde e educação, além dos investimentos públicos. RESENHA – Como lidar com as vinculações or- çamentárias que foram sendo criadas ao longo dos anos? ANA PAULA VESCOVI – As vinculações orça- mentárias trazem rigidez alocativa ao setor público 7Nov/2016 Nov/2016 o fato concreto é que há estados que, segundo alguns critérios, cumprem a lei de Responsabilidade Fiscal nos limites definidos, mas não conseguem arcar com o pagamento das suas folhas. isso não é razoável. sem conhecimento da realidade e transparência com os números, não chegamos a um diagnóstico correto, e é isto que tem ocorrido com a lei de Responsabilidade Fiscal nos últimos anos: ela tem perdido seu papel como instrumento gerencial. e impactam os entes federados de forma heterogênea. No caso da União, temos utilizado, por pelo menos 20 anos, o instrumento das Desvinculações das Receitas da União (DRU). A DRU é im- prescindível para a alocação mí- nima em determinadas áreas que não são objetos de vinculação. Agora, à medida que as despe- sas obrigatórias crescem, o me- canismo da DRU se enfraquece, pois a maior parte das receitas desvinculadas continua sendo utilizada para o pagamento de despesas obrigatórias, como as da Previdência. Ou seja, não basta desvincular, é preciso revisitar os programas com o objetivo de me- lhorar a eficiência e a efetividade do recurso público. A vinculação de receitas, ao fim, enfraquece a discussão alocativa no orçamento. RESENHA – A despesa com pessoal é um desafio muito importante para a União, esta- dos e municípios. Como redu- zir esses gastos? ANA PAULA VESCOVI – Um primeiro desafio é uniformizar a apuração desses gastos, segun- do critérios definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Atualmente, esses critérios não são uniformes e dependem do en- tendimento de diversos Tribunais de Contas e instâncias judiciais. Na apuração contábil do Tesouro, há divergências com os valores declarados pelos estados. O fato concreto é que há estados que, segundo alguns critérios, cum- prem a Lei de Responsabilidade Fiscal nos limites definidos, mas não conseguem arcar com o pa- gamento das suas folhas. Isso não é razoável. Sem conhecimento da realidade e transparência com os números, não chegamos a um diagnóstico correto, e é isto que tem ocorrido com a Lei de Res- ponsabilidade Fiscal nos últimos anos: ela tem perdido seu papel como instrumento gerencial. De- pois disso, há uma discussão sobre como promover o ajuste necessá- rio em despesas que são obrigató- rias. Parte dos instrumentos está prevista em lei e na Constituição. Outra parte foi judicializada e de- pende de julgamento do STF. RESENHA – A reforma da Pre- vidência é uma agenda para garantir os benefícios futuros dos trabalhadores. Mas as re- sistências certamente serão relevantes. Como lidar com essa questão e tornar o gasto previdenciário sustentável? entrevista 8 Nov/2016 Nov/2016 As despesas previdenciárias estão consumindo cada vez fração maior das despesas totais, ao custo da necessidade de redução das demais políticas públicas. É preciso enfrentar o problema de forma pragmática, observando as regras que estão sendo utilizadas no resto do mundo. em 40 anos, a idade média da população brasileira será a mesma da europeia. são dados do iBGe. o rápido envelhecimento da população exige mudanças significativas em nosso sistema. ANA PAULA VESCOVI – No caso da Previdência, a omissão do governo por anos em enfrentar o problema ocasionou essa trajetó- ria insustentável. A maioria dos países enfrentou essa questão há dez anos ou mais. As despesas previdenciárias estão consumindo cada vez fração maior das despe- sas totais, ao custo da necessidade de redução das demais políticas públicas. É preciso enfrentar o problema de forma pragmática, observando as regras que estão sendo utilizadas no resto do mun- do. Em 40 anos, a idade média da população brasileira será a mesma da europeia. São dados do IBGE. O rápido envelhecimento da po- pulação exige mudanças significa- tivas em nosso sistema. Ou seja, a reforma que está sendo estudada pelo governo buscará reequilibrar o sistema e será tratada com a má- xima isonomia entre os diversos grupos da população. Se não en- frentarmos o problema com ur- gência, não teremos como garan- tir o pagamento desses benefícios no futuro. Todos iremos perder se ficarmos inertes. RESENHA – O Brasil concedeu inúmeros incentivos e benefí- cios fiscais nos últimos anos. Como reverter esse quadro? O que deve ser mantido, o que deve ser eliminado? ANA PAULA VESCOVI – A cri- se fiscal pela qual passamos não foi apenas ocasionada pelo au- mento das despesas, mas também pelo que chamamos de “gastos tri- butários”, que são as diversas de- sonerações setoriais concedidas nos anos anteriores. Da mesma forma que estamos avaliando os diversos programas de despesas, está em nossa agenda ampliarmos essa avaliação para os gastos tri- butários. O objetivo é mensurar se, de fato, essesincentivos estão surtindo os efeitos esperados em termos de expansão da atividade econômica e de aumento do em- prego, além da avaliação do seu custo-benefício. RESENHA – A situação fiscal de alguns estados é gravíssi- ma. A STN já realizou grandes renegociações com os esta- dos no passado, mas, mesmo assim, houve nova deteriora- ção. Como equacionar a situ- ação dos estados de maneira permanente? ANA PAULA VESCOVI – Sem sombra de dúvidas, a solução pas- sa por medidas estruturais tanto 9Nov/2016 Nov/2016 para tornar o sistema tributário minimamente eficiente quanto para controlar os gastos públicos. Em relação ao sistema tributário, é preciso acabar com a incerteza jurídica dos benefícios tributá- rios e, adicionalmente, fazer uma reforma para simplificar esse sis- tema. Observa-se uma forte ero- são da base tributária dos estados. Do ponto de vista das despesas, é preciso controlar o crescimento das obrigatórias por meio de re- formas estruturais, como no sis- tema de previdência público. A situação fiscal de todo o setor pú- blico brasileiro é grave, e precisa- mos, mais do que nunca, acelerar as discussões e encaminhar essas reformas. RESENHA – A Constituição de 1988 fixou um “contrato so- cial” que, a esta altura, parece impagável pelo que se vê nos gastos previdenciários e de Saúde, para citar apenas dois exemplos. Como é possível alterar esse estado de coisas e adequar o tamanho das res- ponsabilidades do Estado à capacidade da sociedade de recolher impostos? ANA PAULA VESCOVI – A Constituição Federal é um ins- trumento importantíssimo para a garantia de princípios de justiça e igualdade em nosso país. No en- tanto, há alguns dispositivos que poderiam estar mais bem regula- mentados por leis complemen- tares e serem atualizados perio- dicamente, na medida em que as demandas sociais mudassem. Vi- mos, nos últimos anos, que as des- pesas de educação e saúde cresce- ram significativamente, mas sem qualquer conexão com os ganhos de qualidade nos serviços. É pre- ciso mudar a mentalidade de que para melhorar os serviços é pre- ciso gastar mais. Não. É preciso gastar melhor. As realidades são muito distintas entre os vários entes públicos no país, seja por questões regionais, demográficas ou culturais. Acredito, sim, que algumas regras possam ser revis- tas para melhorar a eficiência do Estado em entregar aquilo que a sociedade precisa ou deseja. Para conter o crescimento da carga tri- butária, é preciso equacionar o crescimento das despesas. RESENHA – A privatização e novas concessões ao setor pri- vado voltaram à agenda do governo. Até onde o gover- no pretende ir? Quais são os planos? É preciso mudar a mentalidade de que para melhorar os serviços é preciso gastar mais. não. É preciso gastar melhor. As realidades são muito distintas entre os vários entes públicos no país, seja por questões regionais, demográficas e ou culturais. Acredito, sim, que algumas regras possam ser revistas para melhorar a eficiência do estado em entregar aquilo que a sociedade precisa ou deseja. entrevista 10 Nov/2016 Nov/2016 ANA PAULA VESCOVI – O go- verno está ciente de que é preciso aproveitar o conhecimento do se- tor privado para a gestão da infra- estrutura sempre que for possível, ou seja, em projetos que tenham viabilidade financeira. Isso é uma lógica que está sendo aplicada pela maioria dos países. Na minha vi- são, o Estado deve concentrar es- forços em suas atividades típicas, como no desenvolvimento de po- líticas nas áreas de educação e de saúde, entre outras áreas sociais. É claro que, para lançar editais de concessões, é preciso realizar estu- dos detalhados sobre os projetos envolvidos, bem como avaliar as- pectos regulatórios. Isso leva tem- po. O Tesouro Nacional tem dado todo o apoio aos demais órgãos do governo para realizar esses estu- dos e viabilizar o lançamento dos editais. Além disso, o governo tem clareza de que é preciso aperfeiço- ar os marcos regulatórios e forta- lecer a atuação técnica e indepen- dente das agências reguladoras. RESENHA – Que novidades o mercado financeiro pode es- perar no que se refere à gestão da dívida pública? ANA PAULA VESCOVI – O Te- souro Nacional continuará bus- cando diversificar e ampliar a base de investidores da dívida pública, contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais e elevar a liquidez do mercado secundário de títulos públicos. Nesse aspec- to, destacam-se o iminente lança- mento do processo seletivo para gestor do ID ETF (Issuer-Driven Exchange Traded Fund) e os apri- moramentos previstos no Progra- ma Tesouro Direto. RESENHA – A BM&FBOVESPA e a STN trabalharam muito para viabilizar o ETF de Renda Fixa, um novo produto que prome- te juntar os mundos de balcão (renda fixa) e bolsa (ETF). Há alguma novidade sobre o pro- cesso de seleção do gestor do ETF patrocinado pela STN? ANA PAULA VESCOVI – Des- de 2013, a Secretaria do Tesouro Nacional e o Banco Mundial vêm trabalhando juntos no programa de desenvolvimento de um novo fundo de índice apoiado pelo emissor (Issuer-Driven Exchange Traded Fund Program ou ID ETF, na sigla em inglês), que visa de- mocratizar o acesso a produtos de poupança eficientes e aumen- tar a competitividade em rela- ção a serviços financeiros. Esse programa é uma iniciativa glo- bal do Banco Mundial destinada a apoiar o desenvolvimento de mercados de títulos domésticos e ampliar a estabilidade financei- ra das economias de mercados emergentes (EMEs). O ID ETF está sendo estruturado, desen- volvido e lançado de forma pio- neira no Brasil, e a experiência brasileira poderá servir como re- ferência para replicação do pro- grama em nível global. RESENHA – O Tesouro Direto tem sido um sucesso nos últi- mos anos. Como ampliar sua adesão pelos investidores indi- viduais? Que novidades a STN está planejando? ANA PAULA VESCOVI – Des- de o lançamento das melhorias, o programa vem batendo recordes históricos em diversos indicado- res, como quantidade de novos investidores com posição e cadas- trados, volume de vendas brutas e líquidas e número de operações de venda. Nessa linha de aperfeiçoamento, continuamos aprimorando a co- municação com o investidor por meio de vídeos educacionais e textos educativos no site do Te- 11Nov/2016 Nov/2016 souro Direto. Também estamos desenvolvendo novos produtos que devem ser lançados no final de 2016 e que facilitarão ainda mais o processo de investimento. Nosso objetivo final será sempre facilitar o entendimento do nos- so produto pelo investidor, ga- rantindo com isso a melhora da educação financeira do cidadão brasileiro, sobretudo no tocante à escolha do investimento entre as opções de mercado. Quem co- nhece o programa sabe investir melhor o seu dinheiro, seja esco- lhendo investir no Tesouro Direto ou não. Nossos produtos servem como parâmetros para as escolhas dos investidores no mercado. RESENHA – A Lei de Responsa- bilidade Fiscal precisa de aper- feiçoamentos? Quais? ANA PAULA VESCOVI – Está na nossa agenda promover dis- cussões em torno da revitalização da LRF. Uma proposta de Projeto de Lei precisa ser construída co- letivamente pelos diversos atores intervenientes nesse processo. Está claro que a atual crise que o setor público brasileiro passa só ocorreu por meio de diferentes interpretações sobre a aplicação da lei. O principal problema diag- nosticado se refere ao conceito de pessoal e à apuração da despesa com inativos, como já citamos. Outro problema diagnosticado está nas regras de compensações para a ampliação das despesas de caráter continuado e renúncia de receitas. Foi observado que vários entes desrespeitaram a essência dessa regra, que, talvez, precise ser mais bem explicitada. Há também dúvidas que pairam sobre a aplica- ção do dispositivo que estabelece limites aos compromissos firma- dos no final do período de gestão e que tendem a repercutir no futu- ro. Por fim, precisamos ajustarba- ses comuns para as limitações de empenho entre todos os poderes, de modo a dividir de forma mais igualitária os ajustes orçamentá- rios que ocorrem mediante frus- tração de receitas. RESENHA – O que será feito do Fundo Soberano? ANA PAULA VESCOVI – O pre- sidente da República, em seu pri- meiro dia de governo, orientou a equipe econômica para tomar as providências com vistas à extin- ção do Fundo. Estamos buscando a alternativa mais prudente, trans- parente e responsável para condu- zir esse processo. está na nossa agenda promover discussões em torno da revitalização da lRF. uma proposta de Projeto de lei precisa ser construída coletivamente pelos diversos atores intervenientes nesse processo. está claro que a atual crise que o setor público brasileiro passa só ocorreu por meio de diferentes interpretações sobre a aplicação da lei. o principal problema diagnosticado se refere ao conceito de pessoal e à apuração da despesa com inativos. entrevista 12 Nov/2016 Nov/2016 EDUARDO ALONSO MARZA DOS SANTOS Economista Sr. Bacharel (FEA-USP) e mestre (EESP- FGV) em Teoria Econômica Um Modelo de Precificação Relativa para o Mercado de Taxas Reais no Brasil 1.INTRODUÇÃO A metodologia Rich/Cheap de valor relativo visa detectar desvios entre o preço ob- servado dos títulos e o preço do modelo. O objetivo é comparar o preço de risco de du- ration dos títulos no universo do mercado de renda fixa brasileiro, a fim de identificar potenciais excessos. Trata-se de um modelo de precificação relativa de títulos, dado que compara as taxas ao longo da curva visando descobrir quais vértices estão sobreprecifica- dos/subprecificados. No exterior, tal classe de modelos é amplamente utilizada pela indústria, embora, na maioria dos casos, não seja acompanhada da devida validação estatística. Neste artigo, nós desenvolvemos e testamos o modelo Rich/Cheap para títulos indexados à inflação, que, a despeito de seu tamanho e importância, receberam relativamente pouco espaço na litera- tura. Não obstante as restrições de venda a descoberto no mercado de taxas locais, nossos resultados mostram que o modelo tem poder para detectar distorções que aparecem com frequência na estrutura a termo de taxas reais. Vamos além da análise padrão da literatura de finanças e testamos a robustez dos nossos resultados com técnicas de fronteira. Em suma, a inovação do trabalho consiste na análise sistemática de estratégias de precificação relativa com dados brasileiros, bem como na verificação de sua validade fora da amostra. Este texto para discussão está estruturado da seguinte maneira. Na próxima seção, fazemos uma breve revisão da literatura relevante. Na seção 3, descrevemos a metodologia para estimação da estrutura a termo e a estratégia dela derivada. Na seção 4, descrevemos a base de dados utilizada em nossas simulações, e, na seção seguinte, apresentamos os 13 artigo técnico Nov/2016 Nov/2016 resultados da estratégia Rich/Cheap sob diferentes medidas de desempenho. A seção 6 testa a ro- bustez dos resultados com foco no desempenho fora da amostra do portfólio Rich/Cheap. A última seção resume nossos resultados e conclui. 2. REVISÃO DA LITERATURA O artigo seminal sobre técnicas de precificação relativa para títulos é Sercu e Wu (1997). Eles estimam modelos diários da classe afim (Vasicek, 1977; Cox, Ingerson e Ross, 1985) de ativos do governo belga entre 1991 e 1992. Seus testes de regressão revelam que parte dos desvios entre o preço observado e o preço do modelo era revertida nos dias seguintes, sugerindo que os resíduos contêm informação sobre erros de precificação genuínos. Eles testam, então, uma estratégia de compra de títulos subprecificados e venda de títulos sobreprecificados, concluindo que tal estra- tégia é lucrativa. O excesso de retorno médio sobre posição aplicada nos títulos é de 3-9%, em um período de 18 meses. Nossas simulações são baseadas em seu trabalho, porém modificamos a estratégia para melhor adaptá-la ao mercado brasileiro. Desde seu trabalho, poucos artigos testaram empiricamente o poder preditivo de modelos de estrutura a termo. Um exemplo é Ioannides (2001). O autor compara diferentes métodos de estimação da curva de juros britânica utilizando dados diários de janeiro de 1995 até o mesmo mês de 1999. Além das estatísticas de teste usuais, ele simula estratégias de negociação cujos sinais são extraídos dos resíduos de cada modelo. A análise de seus retornos revela que representações parcimoniosas da estrutura a termo apresentam performance superior àquelas baseadas em mode- los de splines. Nossa escolha de representação exponencial da estrutura a termo se baseia em seus resultados. A partir da curva estimada, extraímos os sinais utilizados pelos algoritmos testados. No Brasil, autores como Almeida et al. (2008) aplicaram o modelo de Nelson e Siegel para prever a estrutura a termo brasileira. A maioria dos artigos foca na curva nominal (futuros de DI), e, até onde sabemos, nenhum artigo analisou o desempenho de estratégias de precificação relativa no mercado de taxas reais brasileiro. 3. METODOLOGIA De maneira geral, a metodologia pode ser considerada um procedimento em dois estágios: (1) estimação do modelo de estrutura a termo no corte transversal para cada dia; e (2) extração de sinal dos resíduos obtidos no primeiro estágio. Dentro da família de modelos paramétricos, Nelson e Siegel (1987) propuseram uma forma exponencial para a estrutura a termo. A curva teórica é suficientemente flexível para acomodar os diversos formatos assumidos pela curva, incluindo períodos nos quais a estrutura a termo é não- monotônica, apresenta um pico ou está invertida. Eles postulam a forma funcional abaixo para a taxa a termo r(m) no período m: exp expr m m m m0 1 2b b m b m m= + - + -^ ` _ `h j i j Os parâmetros a serem estimados compreendem tanto os betas quanto o lambda. Essa espe- cificação vem de uma função de Laguerre que consiste de polinômios multiplicados por um termo de decaimento exponencial governado pelo parâmetro λ. Integrando em relação à m, chegamos à curva à vista: artigo técnico 14 Nov/2016 Nov/2016 exp exp expy m m m m m m 1 1 0 1 2b b m m b m m m= + - - + - - - -^ _ ` _ ` `h i j i j j> >H H O modelo é uma explicação intuitiva sobre os parâmetros. Beta0 é o fator associado com o nível da estrutura a termo. Ele captura deslocamentos paralelos da curva. Beta1 é o fator associado com a inclinação e, portanto, determina movimentos de aumento/redução da inclinação (steepe- ning/flattening). Beta3 é o fator de curvatura, responsável por mudanças na concavidade da curva. Mais tarde, Svensson (1994) estende o modelo original de Nelson e Siegel, com o intuito de au- mentar sua flexibilidade, adicionando dois parâmetros extras: y m m exp m m exp m exp m m exp m exp m 1 1 1 0 1 1 1 2 1 1 1 3 2 2 2b b m m b m m m b m m m= + - - + - - - - + - - - -^ _ ` _ ` ` _ ` `h i j i j j i j j> > >H H HD e m o Esse modelo é largamente utilizado entre participantes do mercado e bancos centrais (por exemplo, o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra e o Banco do Canadá). Doravante, nos referimos a tal modelo como modelo NSS. A vantagem principal de tal modelo é a habilidade de sintetizar em poucos parâmetros os efeitos de mudanças no ambiente macroeconômico sobre o comportamento da curva de juros. Há uma extensa literatura sobre a análise fatorial da dinâmi- ca das curvas de juros na literatura financeira. Artigos seminais incluem o modelo de três fatores de Litterman e Scheinkman (1991) e também o procedimento de dois estágios de Diebold e Li (2006). Em suma, um modelo bem estimado captura os efeitos de mudanças nos fundamentos econômicos sobre a estrutura a termo, o que implica que divergências entre as taxas estimadas pelo modelo e as efetivamente realizadas refletem distorções de mercado que reverterão no curto prazo. Todavia, parte dessa divergência pode ser causadapor uma especificação incorreta do mo- delo, o que torna imperativo o uso de inferência estatística para separar as duas fontes de ruído; esta contém informação valiosa para gestão de ativos de renda fixa, enquanto aquela pode gerar sinais errôneos. Para cada dia útil, a curva NSS é estimada utilizando preços de fechamento. Utilizamos a fór- mula usual de fluxo de caixa descontado para determinar o preço do título i no dia t: P CF d m , , , , ,i t j K i j t t i j i t 1 e= + = ^ h/ , Pi,t é o preço, Ci,j,t é o fluxo de caixa pago na data t, Єi,t é o erro de precificação, mi,j é o período no qual o pagamento é feito ao detentor do título (base de 252 dias úteis), e dt (mi,j) é a curva de desconto: d m r m1 1 , , t i j i j m ,i j= +^ ^ ^h hh A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) uti- liza uma função de perda quadrática para estimar os parâmetros do modelo NSS (Anbima, 2010). Os estimadores resolvem o seguinte problema de otimização: min W P CF d m , , , , ,i t j K i t j K i j t t i j 1 1 2 - i = = d ^ hn/ / 15Nov/2016 Nov/2016 Como argumentam Bolder e Stréliski (1999), o alto nível de não-linearidade da função ob- jetivo torna as estimativas dos parâmetros dependentes das condições iniciais do algoritmo de minimização. Portanto, é necessário um método de otimização robusto, que evite falsa conver- gência, isto é, a situação na qual o método fica preso em um mínimo local, em vez do global. Gi- meno & Nave (2006) propõem utilizar algoritmos genéticos (Holland, 1975) para aprimorar a estabilidade das estimativas, em vez de métodos mais tradicionais (ex: mínimos quadrados não lineares). De acordo com os autores, heurísticas genéticas possuem a vantagem de ser menos sensíveis às condições iniciais utilizadas, reduzindo, portanto, os riscos de falsa convergência. As estimativas mostraram maior estabilidade dos parâmetros ao longo do tempo, aumentando a confiabilidade da curva de desconto estimada e dos resíduos utilizados por nossa estratégia. O gráfico 1 apresenta a curva estimada em março de 2016. Gráfico 1 5,0 5,5 6,0 6,5 7,0 7,5 8,0 ag o -1 6 m ai -1 7 ag o -1 8 m ai -1 9 ag o -2 0 ag o -2 2 m ai -2 3 ag o -2 4 m ai -3 5 ag o -4 0 m ai -4 5 ag o -5 0 m ai -5 5 Índice de preços: curva estimada Fonte: Anbima, Bloomberg, Itaú Taxas observadas (NTN-B) Curva estimada % , 16 de março Após essa visão geral da metodologia NSS, apresentamos, agora, nosso método para processar a informação contida na curva estimada e gerar oportunidades de trading. De ma- neira geral, nosso objetivo é identificar potenciais excessos que surgem no mercado e se posicionar para explorá-los. Para tanto, computamos, para cada vértice da curva, os desvios das cotações de seus correspondentes valores teóricos (isto é, os valores calculados a partir da curva estimada para aquele dia) para cada dia disponível em nossa amostra. Semelhante à abordagem de Sercu e Wu (1997), utilizamos esses desvios para testar a performance de uma estratégia contrária, que consiste em vender os títulos sobreprecificados e manter posição aplicada nos demais. Dado que utilizamos preços de fechamento, existe uma defasagem entre o dia de construção da curva e a efetiva implementação da estratégia. artigo técnico 16 Nov/2016 Nov/2016 Chamamos o portfólio construído de tal maneira de “portfólio Rich/Cheap”. Ademais, ana- lisamos também um portfólio alternativo, no qual as posições aplicadas/tomadas em cada título são ponderadas de acordo com a magnitude do respectivo resíduo. Assumindo-se que a curva esteja bem estimada, os resíduos formam um processo estacionário. Quanto maior o desvio computado em determinado dia, mais provável é a reversão a zero (a média do processo). Por esse motivo, é razoável aumentar a exposição naquelas maturidades que apre- sentam os maiores desvios. Chamamos esse portfólio ponderado de “portfólio Rich/Cheap modificado”. A construção acima mencionada tem por objetivo lucrar com distorções nos preços surgidas de excessos no mercado. Se o desvio estimado é devido a erro de especificação do modelo da estrutura a termo, não esperamos que ele seja informativo e nem que tenha valor estratégico. Por outro lado, se o desvio corresponde a um excesso genuíno nos preços, espe- ramos que as forças do mercado ajam no sentido de corrigi-lo ao longo do tempo. Portanto, uma estratégia contrária bem calibrada pode lucrar com essas oportunidades. Além disso, há a necessidade de fazer um teste de significância estatística dos desvios de cada vértice, a fim de filtrar os sinais espúrios. Em outras palavras, nossa estratégia deve incorporar um critério estatístico para selecionar as “verdadeiras” oportunidades que surgem da interação entre os agentes do mercado e que provavelmente irão reverter. Alguns títulos apresentam desvios persistentes da curva estimada pelo modelo, que po- dem ser causados por fatores técnicos, como liquidez. Dado que tais fatores não são con- trolados na metodologia NSS, utilizamos testes de hipótese para averiguar se determinado desvio é idiossincrático (persistente) ou não. Mais precisamente, para cada dia, calculamos a média e o desvio-padrão utilizando os 55 dias úteis imediatamente anteriores. É importante excluir a última informação disponível para garantir um teste fora da amostra. Com essa in- formação, computamos uma estatística t doravante chamada de Z score. O gráfico 2 apresenta os Z scores estimados junto de um valor crítico de 1,3. Normalizar pelo desvio padrão ajusta a estatística de teste de tal forma que todos os vértices podem ser comparados na mesma escala, em termos de volatilidade. Para melhor verificar em que medida os desvios são significantes, o gráfico 3 apresenta a mesma informação, em termos de taxas e intervalos de confiança. Essa representação é mais intuitiva, dado que utiliza taxas cotadas, em vez de um Z score adimensional, facilitando a visualização dos sinais gerados pelo modelo. A escolha do valor crítico baseou-se nos resultados de nossas simulações (ba- cktesting). Para o teste de robustez de nosso procedimento, ver a seção 6. Virtualmente, quase todas as taxas apresentam algum desvio da curva estimada, o que é natural, dado que o modelo NSS é uma aproximação para a verdadeira curva de desconto. De forma geral, sempre existirá algum erro de precificação, dado que o modelo não controla para todos os fatores que afetam o preço de determinado título (ex.: liquidez, taxação). Não obstante, quando se utilizam os resíduos do modelo NSS para alimentar um algoritmo de trading, é necessário separar sinal de ruído. Como exemplificado pelo gráfico 3, somente um subconjunto dos desvios é informativo, ao passo que os demais são espúrios, dado que se situam dentro do intervalo de confiança. A análise econométrica desses desvios ao longo do tempo produz valiosa informação sobre se os títulos estão sobreprecificados, subprecifica- dos ou nenhum dos dois, vis-à-vis a curva de desconto subjacente. 17Nov/2016 Nov/2016 Gráfico 2 Fonte: Bloomberg, Itaú -1,5 -1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 ag o- 16 m ai -1 7 ag o- 18 m ai -1 9 ag o- 20 ag o- 22 m ai -2 3 ag o- 24 m ai -3 5 ag o- 40 m ai -4 5 ag o- 50 m ai -5 5 Índice de preços (NTN-B): Z Scores (-) caro (+)barato valor crítico Z Score Gráfico 3 -0,3 -0,2 -0,1 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 ag o- 16 m ai -1 7 ag o- 18 m ai -1 9 ag o- 20 ag o- 22 m ai -2 3 ag o- 24 m ai -3 5 ag o- 40 m ai -4 5 ag o- 50 m ai -5 5 NTN-B: análise de valor relativo Fonte: Bloomberg, Itaú Intervalo de con�ança Desvio (YTM) p.b. Barato (cheap) Caro (rich) artigo técnico 18 Nov/2016 Nov/2016 4. DADOS Nossa análise estende-se sobre o período que começa em novembro de 2010 e vai até feverei- ro de 2016, contendo 1.328 dias de negociação. Os dados de preços foram obtidos da Bloomberg, e os coeficientes da curva NSS foram estimadospela Anbima. As tabelas abaixo apresentam as estatísticas descritivas dos retornos diários em valores percentuais (utilizando preços limpos) para algumas maturidades. A NTN-B 2019 e a 2023 foram emitidas em janeiro de 2014 e, portanto, têm um histórico menor que as demais. A média dos retornos diários é aproximadamente igual para todas as maturidades consideradas (1-3 p.b.), mas a volatilidade varia substancialmente – bem como os momentos de ordem maior. mai/17 ago/18 mai/19 ago/20 ago/22 mai/23 Média 0,03 0,03 0,04 0,03 0,02 0,03 Mediana 0,03 0,04 0,05 0,04 0,05 0,04 Desvio padrão 0,26 0,34 0,33 0,43 0,53 0,49 Variância 0,07 0,11 0,11 0,18 0,28 0,24 Curtose 8,81 5,68 2,74 6,21 5,23 2,90 Assimetria -0,36 -0,56 -0,42 -0,43 -0,42 0,03 Max-Min 3,65 3,59 2,91 4,84 5,97 4,32 Min -1,79 -1,97 -1,66 -2,47 -3,45 -1,78 Max 1,86 1,62 1,25 2,37 2,52 2,53 Obs 1327 1089 523 1327 1086 523 ago/24 ago/30 mai/35 ago/40 mai/45 ago/50 Média 0,02 0,02 0,01 0,01 0,01 0,01 Mediana 0,02 0,03 0,03 0,03 0,02 0,02 Desvio padrão 1,02 1,50 0,73 0,75 0,84 0,92 Variância 1,05 2,25 0,54 0,56 0,71 0,84 Curtose 69,35 421 6,40 6,28 6,58 11,07 Assimetria 0,65 0,43 0,00 -0,09 -0,39 0,37 Max-Min 28,12 69,01 8,85 9,97 11,00 14,01 Min -13,50 -34,21 -3,91 -4,97 -6,35 -5,38 Max 14,62 34,80 4,93 5,00 4,65 8,62 Obs 1327 1327 1327 1327 1327 1327 Nossa amostra contém um período particularmente volátil para as taxas locais (tanto nominais quanto reais). Os gráficos 4 e 5 apresentam o histograma de retornos diários de um vértice curto (agosto 2022) e um benchmark para a ponta longa (agosto 2050). As diferentes características das distribuições de retornos de cada vértice fazem imperativo o uso de uma estratégia flexível o bastante para incorporar as diferentes razões ruído-sinal ao longo da curva. De fato, a distribuição de retornos da NTN-B longa apresenta maior volatilidade e também maior número de observações extremas. 19Nov/2016 Nov/2016 Gráfico 4 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 -2 ,0 -1 ,7 -1 ,4 -1 ,1 -0 ,8 -0 ,5 -0 ,2 0, 1 0, 4 0, 7 1, 0 1, 3 1, 6 1, 9 fr eq uê nc ia re la tiv a (% ) retornos diários NTN-B 2020: Histograma dos retornos diários Fonte: Bloomberg, Itaú Distribuição empírica de retornos diários (preços "limpos") Gráfico 5 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 -4 ,0 -3 ,4 -2 ,8 -2 ,2 -1 ,6 -1 ,0 -0 ,4 0, 2 0, 8 1, 4 2, 0 2, 6 3, 2 3, 8 fr eq uê nc ia re la tiv a (% ) retornos diários (%) NTN-B 2050: Retornos diários Fonte: Bloomberg, Itaú Distribuição empírica de retornos diários (preços "limpos") artigo técnico 20 Nov/2016 Nov/2016 5. DESEMPENHO DA ESTRATÉGIA No Brasil, diferentemente de outros mercados latino-americanos, a prática é cotar pre- ços “sujos”, isto é, incluindo os juros dos pagamentos de cupom. Neste texto para discussão, optamos por utilizar preços limpos, removendo os juros relativos ao cupom dos preços antes de computar retornos. Seguimos a convenção de acumulação linear da taxa de cupom ao lon- go do semestre. Na análise que segue, comparamos o desempenho acumulado de posições aplicadas em cada vértice, com a estratégia que vende a descoberto o título nos dias em que o modelo sinaliza que ele está sobreprecificado, ou seja, quando o modelo sinaliza que o título está “rich”. Os gráficos 6 e 7 apresentam o retorno acumulado da estratégia Rich/Cheap e de uma posição aplicada simples ao longo do período que vai de maio de 2015 até fevereiro de 2016. Reportamos os resultados para um vértice curto (NTN-B 2022) e um longo (NTN-B 2050). Os retornos são computados a partir dos preços de fechamento e não consideram custos de transação, tais como taxas de corretagem e impostos. Os resultados sugerem que nossa me- todologia apresenta desempenho superior do que posições aplicadas puras tanto para o seg- mento intermediário quanto para a ponta longa da curva. Isso é especialmente verdade para a NTN-B 2050, uma maturidade cuja volatilidade aumentou sensivelmente no período entre o fim de julho de 2015 (após a primeira revisão da meta de superávit primário) e meados de agosto do mesmo ano (acompanhando as incertezas surgidas da mudança de política cambial chinesa). Embora não seja possível evitar completamente sinais errôneos, essa análise pre- liminar sugere que a metodologia Rich/Cheap tem potencial para entregar bons resultados. Gráfico 6 0,8 0,9 1,0 1,1 1,2 1,3 1,4 fe v- 15 ab r- 15 ju n- 15 ag o- 15 ou t- 15 de z- 15 fe v- 16 NTN-B 2020: Retorno acumulado retornos brutos desde maio 2015 Alocação dinâmica Rich/Cheap Posição aplicada estática Fonte: Bloomberg, Itaú 21Nov/2016 Nov/2016 Gráfico 7 0,8 0,9 1,0 1,1 1,2 1,3 1,4 1,5 fe v- 15 ab r-1 5 ju n- 15 ag o- 15 ou t-1 5 de z- 15 fe v- 16 NTN-B 2050: Retorno acumulado retornos brutos desde maio 2015 Alocação dinâmica Rich/Cheap Posição aplicada estática Fonte: Bloomberg, Itaú Esse ponto fica mais evidente ao se observar os índices de Sharpe de cada título testado. Para computá-los, utilizamos a taxa CDI média de 2015 como aproximação para a taxa livre de risco. O gráfico 8 mostra que a nossa metodologia gerou retornos ajustados ao risco (exceto a NTN-B 2017), ao passo que posições aplicadas em todos os vértices sofreram perdas durante o período. Alguns títu- los apresentaram desempenho relativamente superior, como a NTN-B 2045, cujo índice de Sharpe anualizado é maior do que 4 – um valor excepcionalmente elevado. Gráfico 8 -2,0 -1,0 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 ag o- 18 m ai -1 9 ag o- 20 ag o- 22 m ai -2 3 ag o- 24 ag o- 30 m ai -3 5 m ai -4 0 m ai -4 5 m ai -5 0 Rich/Cheap * Taxa livre de risco: CDI (média em 2015) Posição aplicada estática NTN-B: Índice de sharpe anualizado* Fonte: Bloomberg, Itaú artigo técnico 22 Nov/2016 Nov/2016 Não obstante tais resultados, a estratégia Rich/Cheap obtém melhor desempenho quando é utilizada para construir os portfólios descritos na seção 3. Pode-se aumentar os retornos ao se ex- plorar os eventuais sinais de sobreprecificação que surgem ao longo da curva a cada dia. O gráfico 9 compara os retornos acumulados de um portfólio igualmente balanceado, do portfólio Rich/ Cheap e de sua versão modificada. Vê-se que ambas as versões do portfólio Rich/Cheap apresenta- ram retorno superior ao longo do período, e o portfólio modificado teve desempenho ainda maior após meados de outubro. O gráfico 10 compara os três portfólios no plano risco-retorno. Nessa métrica, novamente ambas as versões de nossa estratégia apresentam desempenho inequivocamente superior ao por- tfólio igualmente balanceado, porém a comparação entre uma e outra não é imediata. De fato, ao se rebalancear a posição em cada vértice pela magnitude do desvio, a estratégia Rich/Cheap modifica- da entregou retorno médio anualizado de 36,2%, superior ao da outra versão da estratégia (30%). Por outro lado, tal ajuste dinâmico das posições ao longo da curva também aumenta o impacto de sinais errôneos sobre o retorno diário do portfólio, o que se reflete na maior volatilidade anualiza- da da versão modificada vis-à-vis o portfólio Rich/Cheap básico (6,1% e 5,3%, respectivamente). O gráfico apresenta também três linhas retas correspondendo a índices de Sharpe iguais a dois e três, utilizando a CDI como aproximação para a taxa livre de risco da economia. O portfólio estático obteve índice menor do que um, ao passo que as estratégias dinâmicas baseadas em nosso modelo entregaram índices superiores a três. Gráfico 9 0,90 0,95 1,00 1,05 1,10 1,15 1,20 1,25 1,30 mar-15 jun-15 set-15 dez-15 Portfólios: Retorno acumulado Rich/Cheap modi�cado Rich/Cheap Posição aplicada Fonte: Bloomberg, Itaú 23Nov/2016 Nov/2016 Gráfico 10 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 0% 2% 4% 6% 8% Re to rn o m éd io a nu al iz ad o Desvio padrão anualizado Per�l de risco-retorno Rich/Cheap modi�cado Rich/Cheap Posição aplicada * Índice de Sharpe(IS) Fonte: Bloomberg, Itaú Para aprofundar a análise dos resultados, apresentamos os gráficos do tipo boxplot para as três estratégias (gráfico 11). O retorno diário mediano das estratégias Rich/Cheap é muito próxi- mo, sugerindo que o maior retorno médio da versão modificada se deve a valores extremos. Uma parte desses retornos atípicos se concentra entre julho e agosto de 2015 – um período de elevado estresse nos mercados locais. Por outro lado, nossas estratégias apresentam um número substan- cialmente menor de retornos negativos extremos. Adicionalmente, o intervalo interquartil (distân- cia entre o terceiro e o primeiro quartil) de ambos os portfólios Rich/Cheap é substancialmente menor do que o da carteira balanceada. Isso sugere que a estratégia proposta foi capaz de antecipar, pelo menos parcialmente, alguns dos movimentos diários mais drásticos nas taxas locais em 2015. Temos, assim, outra medida do desempenho ajustado ao risco superior da metodologia, o que é consistente com os resultados anteriores. Do ponto de vista de um gestor, também é importante ter uma medida de estabilidade do fluxo de retornos. O gráfico 12 apresenta retornos móveis de 90 dias para cada um dos portfólios. Durante o período, o portfólio Rich/Cheap teve melhor desempenho do que a carteira balanceada em quase todos os meses. A divergência fica mais marcante a partir do segundo semestre de 2015, quando as incertezas fiscais e políticas no Brasil impactaram fortemente os mercados de juros locais. Em suma, os resultados de nossas simulações sugerem que a estratégia Rich/Cheap tem poten- cial para gerar performance. Não obstante as restrições de venda a descoberto no mercado de renda fixa brasileiro, o modelo pode ser utilizado para aumentar o desempenho de portfólios de renda fixa com exposição a taxas reais. Como exemplo de aplicação prática, um investidor posicionado em um título que nosso modelo estima estar sobreprecificado pode trocar a posição para um vérti- ce próximo que esteja subprecificado. Assim, a metodologia possibilita ampliar o desempenho do portfólio controlando para o risco de duration desejado pelo investidor. Em outras palavras, nossos exercícios econométricos mostram que o modelo de apreçamento relativo discutido neste texto artigo técnico 24 Nov/2016 Nov/2016 é uma valiosa ferramenta para a gestão ativa de portfólios estruturais. As indicações geradas pelo modelo aprimoram a alocação tática de gestores de renda fixa, possibilitando que eles agreguem mais valor a partir de distorções surgidas no mercado. Entretanto, é crucial checar a robustez de nossos resultados para verificar se o Rich/Cheap de fato tem potencial lucrativo fora da amostra. Gráfico 11 -200 -150 -100 -50 0 50 100 150 200 250 300 Rich/Cheap modi�cado Rich/Cheap Posição aplicada Comparação dos retornos diários p.b. (preços limpos) Média Fonte: Bloomberg, Itaú Gráfico 12 -10 -5 0 5 10 15 20 ja n- 14 ab r- 14 ju l-1 4 ou t- 14 ja n- 15 ab r- 15 ju l-1 5 ou t- 15 ja n- 16 Consistência do �uxo de retornos Rich/Cheap modi�cado Rich/Cheap Igualmente balanceado Janela de 90 dias% Fonte: Bloomberg, Itaú 25Nov/2016 Nov/2016 6. TESTE DE ROBUSTEZ O uso de simulações (em inglês, backtesting) é comum tanto no meio acadêmico quanto no mercado. O objetivo é computar a série de ganhos/perdas que uma estratégia de investimento iria gerar caso fosse implementada ao longo de determinado período de tempo. Em geral, a compa- ração entre estratégias alternativas se dá via comparação de estatísticas de desempenho, como o índice de Sharpe. Nese contexto, é importante traçar uma distinção entre desempenho dentro da amostra (simulado na amostra usada no desenvolvimento da estratégia) e fora da amostra. Quan- do um investidor recebe uma simulação promissora de um estrategista/analista, ele espera que o desempenho fora da amostra seja tão bom quanto o dentro da amostra. No entanto, quando se simula o desempenho histórico de uma estratégia, é preciso cautela com o problema de overfitting. É pouco usual um estrategista reportar o número de tentativas por trás da descoberta de uma estratégia “vencedora”. Com os recursos computacionais da atualidade, é relativamente fácil testar milhões, ou mesmo bilhões, de variantes de uma estratégia, descartar as que têm desempenho inferior e reportar somente um subconjunto de estratégias otimizadas (dentro da amostra). Harvey et al. (2014) listam diversos exemplos, na literatura, de fatores de risco nos quais múltiplos testes sobre uma mesma amostra são conduzidos sem se controlar pelo número de tentativas. Bailey et al. (2014) argumentam que o problema de overfitting pode ser a razão pela qual muitos fundos sistemáticos (que utilizam estratégias selecionadas via simulação histórica) frequentemente apresentam desempenho insatisfatório. Para testar a robustez de nossas simulações de retorno, utilizamos a metodologia de Bailey et al. (2015). Os autores propõem uma técnica de aproximação para a Probabilidade de Overfitting (PO) definida abaixo. Intuitivamente, a PO mede a chance de calibrar a estratégia para lucrar com o ruído passado, em vez do sinal futuro. Estratégias bem-sucedidas geram retorno ao identificar um fenômeno com baixa razão ruído/sinal. Isso acontece porque a competição entre investidores para obter o maior retorno ajustado ao risco possível reduz a dita razão e torna mais desafiador distinguir um padrão robusto de mero ruído amostral. É comum no mercado usar o poder com- putacional barato disponível para calibrar os parâmetros de uma estratégia de investimento com o objetivo de maximizar a performance. Todavia, essa prática pode gerar resultados espúrios. Como Miller (1981) observa, a probabilidade de encontrar falsos positivos aumenta com o número de testes conduzidos na mesma base de dados. Escolhemos utilizar tal metodologia, em vez da prática mais comum de reservar uma parte da amostra (conhecida como “hold-out sample” na literatura especializada) para testar o modelo estimado no restante da amostra, por diversas razões. Primeiramente, dado que não existe um padrão aceito para se determinar o tamanho da subamostra de teste, há sempre o risco de que o analista use (de maneira consciente ou não) o comportamento das variáveis financeiras nesse perí- odo de teste para desenvolver a estratégia. Em segundo lugar, o método não é apropriado quando a amostra é pequena, como no caso das séries de títulos brasileiros. Em terceiro, mesmo em amos- tras grandes, a escolha do tamanho adequado da subamostra não é imediata: uma amostra muito pequena fará com que o teste seja inconclusivo; uma amostra excessivamente grande consumirá muita informação, o que prejudica o desenvolvimento da estratégia. Além disso, os resultados de qualquer backtest são sensíveis ao intervalo de tempo escolhido: se a amostra de teste for composta das observações no final da série temporal, perdemos as observações mais recentes; se utilizar as observações do início da série, o teste será feito, provavelmente, na parte da amostra menos repre- artigo técnico 26 Nov/2016 Nov/2016 sentativa. Finalmente, o método não leva em conta o número de estratégias testadas na simulação e, portanto, não pode verificar o quão informativa sobre o desempenho fora da amostra ela é. No presente contexto, overfitting é definido como a probabilidade de que uma estratégia ótima dentro da amostra tenha um desempenho inferior à mediana das demais configurações testadas. É importante notar que tal definição explicitamente leva em conta a multiplicidade de tentativas (isto é, as diferentes configurações da estratégia testada) feitas pelo estrategista. Ademais, a meto- dologia é não paramétrica, dado que o conceito de overffiting definido diz respeito ao processo de seleção de estratégias, não ao modelo estatístico subjacente (no nosso caso, o modelo dinâmico de Svensson). A ideia central consiste em dividir a amostra em conjuntos de “treino”e de teste para estimar o desempenho fora da amostra de uma estratégia selecionada no primeiro conjunto. Os autores definem a estatística logit, que mede a consistência entre o desempenho dentro e fora da amostra. Valores mais altos do logit indicam um baixo nível de overfitting, aumentando a confiabilidade do procedimento de seleção da estratégia. Gráfico 13 Fonte: Bloomberg, Itaú 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% -4,0 -2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 Probabilidade de Over�tting (PO) Distribuição empírica dos logits Menor evidência de overt PO < 6% Maior evidência de overt Para testar a estratégia Rich/Cheap, utilizamos um procedimento de reamostragem (boots- trap) para simular a distribuição da estatística logit. A probabilidade empírica de a estatística as- sumir valores negativos constitui um estimador da PO. Aplicamos o método para verificar o quão realística é nossa simulação de retornos. Em outras palavras, buscamos determinar o quão confian- tes estamos de que a estratégia é capaz de entregar performance. Testamos 100 configurações do Rich/Cheap, variando o nível crítico do filtro de 1 até 3. O gráfico 13 mostra que a PO estimada (área da distribuição de logits à esquerda do zero) é de menos de 6%, indicando que a performance da estratégia Rich/Cheap apresentada na seção 5 não é produto de ruído amostral. 27Nov/2016 Nov/2016 7. CONCLUSÃO Neste texto para discussão, apresentamos um modelo de precificação relativa para aprimorar o desempenho de portfólios de renda fixa soberana brasileira. Nosso foco foi em títulos indexados ao índice de preço, mas a metodologia também pode ser aplicada para taxas nominais. O Rich/ Cheap pode ser usado para identificar títulos sobrevalorizados e subvalorizados, bem como possi- bilita lucrar com as distorções que surgem no mercado quase diariamente. Nossas simulações mos- tram que o modelo tem potencial de gerar retornos em excesso sobre posições aplicadas passivas para quase todos os vértices da curva. Ademais, uma estratégia contrária baseada em nosso modelo tem melhor desempenho que um portfólio balanceado. Testamos, ainda, a robustez de nosso ba- cktest e apresentamos evidências de que os resultados obtidos não são fruto de ruído amostral. REFERÊNCIAS Almeida C., Romeu G., Leite A., Vicente J. “Movimentos da estrutura a termo e critérios de minimização do erro de previsão em um modelo paramétrico exponencial.” Revista Brasileira de Economia, 62, n. 4 (2008): 497-510. Bailey, D., J. Borwein, M. Lopez de Prado, J. Zhu. “Pseudo-mathematics and financial charlatanism: The effects of backtest over fitting on out-of-sample performance.” Notices of the AMS, 61 May (2014), 458-471. Bailey, D., Jonathan M. Borwein, Marcos Lopez de Prado, Qiji Jim Zhu. “The probability of backtest overfitting.” Journal of Computational Finance (Risk Journals) (2015). Cox, John C., Jonathan E. Ingersoll Jr., Stephen A. Ross. “A theory of the term structure of interest rates.” Econo- metrica: Journal of the Econometric Society (1985): 385-407. 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Se, por um lado, existe a corrente dos entusiastas da possibilidade de reconhecer em linhas patrimoniais títulos diferentes dos tradicionais modelos de ações e quotas (BOTOSAN et al., 2005), por outro, há pesquisadores que, categoricamente, afirmam que tais instrumentos são a “porta dos fundos” para participação no PL de uma organização (STEIN, 1992). 1 Não são, normalmente, genuínos “híbridos” porque nem sempre contêm derivativo embutido, nem são “compostos” porque nem sempre contêm parte de dívida e parte de patrimônio líquido, mas o mercado os denominou “híbridos”. Para efeito deste artigo, vamos denominá-los “híbridos de capital e dívida”. 2 A primeira tentativa formal de discutir o assunto provém da emissão da Accounting Principles Board Orientation 14, em 1969, nos EUA, a qual foi rigorosamente criticada por não capturar a essência econômica das transações. Eduardo FlorEs Doutor em Contabilidade FEA/USP. Membro do Comitê de Pronunciamentos Contábeis representando a Confederação Nacional da Indústria ElIsEu MartIns Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo 29 artigo técnico Nov/2016 Nov/2016 A dicotomia de entendimentos relacionada ao reco- nhecimento contábil dos “híbridos de capital e dívida”, em expressiva parte, pode ser atribuída aos fatores que determi- nam sua emissão e à maneira com que as cláusulas contratu- ais desses fatores são estabelecidas. Lee e Figlewicz (1999) expressam que as companhias se sentem estimuladas à emis- são desses papéis visando obter as seguintes vantagens: (i) custo de captação reduzido comparativamente a outros ins- trumentos; e (ii) redução na alavancagem financeira. Barsch (2012) acrescenta um terceiro fator: (iii) a possibilidade de reduzir tributos, em algumas jurisdições, por meio dos juros pagos por esses títulos. No Brasil, a discussão tomou expressivos contornos com casos de companhias abertas que tiveram de republicar suas demonstrações contábeis em função de determinações específicas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acerca do registro contábil desses títulos (por exemplo, Energisa). De acordo com o entendimento do regulador, em tal situação a empresa emitiu títulos equiparáveis, pela ótica da essência econômica, a instrumentos de dívida; no entanto, os registrou contabilmente pela perspectiva de itens patrimoniais. Sendo assim, a autarquia determinou que a organização reapresentasse suas demonstrações, inse- rindo os montantes como passivos financeiros. Embora tenha prevalecido o argumento tecnicamente justificado pela CVM no Brasil, verifica-se, com recorrência, a emissão de títulos “híbridos de capital e dívida” similares ao acima mencionados e mantidos no patrimônio líquido de empresas no exterior. Por exemplo: Deustche Anning- ton, na Alemanha; Telekom, na Áustria; Telefonica, na Es- panha; EDF, na França; e SSE, no Reino Unido. Em território nacional, o Banco do Brasil (BB) e a Cai- xa Econômica Federal (CEF) lançaram um novo prisma so- bre esse assunto. Por intermédio do Art. 6º da lei 12.793 de 2013, o BB e a CEF receberam créditos nos montantes de R$8,1 bilhões e R$13 bilhões, respectivamente, os quais são enquadrados pelo texto legal como instrumentos “híbridos de capital e dívida”. Emambos os casos, os títulos foram con- siderados como elegíveis ao patrimônio de referência sob os imperativos do BACEN, bem como, títulos patrimoniais nas demonstrações financeiras consolidadas em IFRS/CPC. Nesse contexto, o presente artigo visa discutir o seguin- te questionamento: quais as distinções mencionadas nas notas explicativas entre os instrumentos “híbridos de capital e dívida” detidos pelo BB e CEF, comparativamente ao título emitido pela Energisa, que lhes permitem o registro como patrimônio líquido nas demonstrações financeiras consolidadas? Visando alcançar uma resposta adequada a essa indaga- ção, foram utilizadas as demonstrações financeiras das com- panhias mencionadas, mais especificamente as notas expli- cativas. Foram incluídos nessa análise, de forma adicional, os documentos contábeis do BNDES, que também alegou possuir instrumentos dessa natureza, porém teve de transfe- rir seus títulos para o passivo por determinação do BACEN. As demais seções deste material se sucedem com a apresentação dos fatores que motivam a emissão dos ins- trumentos aqui avaliados, seguida por um breve panora- ma internacional do assunto. Isso posto, são apresentados os principais aprendizados extraídos do caso Energisa, e, posteriormente, há um cotejo das principais características dos instrumentos das companhias mencionadas. Isso visa permitir uma compreensão ampla das evoluções e dos desa- fios para a formação de títulos “híbridos de capital e dívida” compatíveis com as necessidades corporativas, mas que pos- suam características econômicas legítimas de instrumentos patrimoniais, quais sejam: participação nos ativos residuais de uma entidade, remuneração provinda de lucros e susce- tibilidade aos riscos e benefícios da atividade operacional. Imperativos para emissão dos instrumentos “híbridos de capital e dívida” A composição da estrutura de capital é um desafio ine- rente ao arcabouço de conhecimentos denominado finan- ças corporativas. Equilibrar as necessidades de captações de recursos para o desenvolvimento operacional das ativida- des, todavia, com níveis ótimos de endividamento, é uma das tarefas mais complexas da rotina dos financistas (CO- PELAND, WESTON & SHASTRI 2003). Nesse contexto, teorias como a hierarquização de fontes (MYERS & MAJLUF, 1984) e a trade-off-theory (KRAUS & LITZENBERG, 1973) visam, por intermédio de um racional lógico-dedutivo, prestar auxílio ao desempe- nho dessa atividade. Entretanto, cada qual o faz a seu modo, isto é, tomando por base um conjunto de premissas parti- culares que, notavelmente, conduzem a resultados distintos. Todavia, dispensadas as idiossincrasias dos regimen- tos teóricos mencionados, mas se considerando exclusiva- artigo técnico 30 Nov/2016 Nov/2016 mente as premissas que foram levadas em conceito quando do desenvolvimento dessas abordagens, é possível verificar que a captação de recursos para destinação empresarial leva em conta os seguintes fatores: manutenção de indica- dores econômico-financeiros em condições adequadas ao restante do setor; estabelecimento de custos de captação inferiores às taxas de retorno; e consideração de eventuais benefícios tributários decorrentes das remunerações vin- culadas aos títulos emitidos (LEE & FIGLEWICZ, 1999; BARSCH, 2012). Nesse sentido, é paradoxal alcançar os fatores listados por meio do uso exclusivo de títulos puramente de dívida ou de patrimônio. Por exemplo, títulos de dívida, segun- do os pressupostos empíricos gerais da literatura (vide MYERS & MAJLUF, 1984), possuem custos de captação inferiores a títulos patrimoniais. Todavia, seu registro con- tábil, inexoravelmente, implicará o aumento da alavanca- gem financeira e a piora de outros indicadores de solvência e liquidez, o que pode expor o emissor ao descumprimen- to de determinadas covenants contratuais (BALL, LI e SHIVAKUMA, 2015). Com base nesse contexto, Johannesen (2014) ressalta que os instrumentos financeiros “híbridos de capital e dívi- da” podem combinar características de dívida e patrimônio de diferentes maneiras. Essa possibilidade, de acordo com Magennis, Watts e Wright (1998), auxilia no encontro de uma composição entre passivo e patrimônio, melhorando, consequentemente, determinados indicadores e reduzindo, por vezes, as taxas de retorno. Em linhas gerais, os instrumentos “híbridos de capital e dívida” são formados por meio de um arranjo entre direi- tos concedidos pelos emissores e riscos tomados pelos ad- quirentes, que culminam na redução das exposições ao de- sempenho do negócio, mas que não necessariamente geram obrigações financeiras para as empresas que se valem dessa modalidade de contratos. Assim, por intermédio dessa composição mista de características contratuais, esses títulos podem conciliar a atribuição de taxas de retornos inferiores às demais mo- dalidades de instrumentos financeiros vinculados ao levan- tamento de fundos e, contudo, serem registrados no patri- mônio líquido, o que acabaria por melhorar os indicadores econômicos mencionados. No tocante aos benefícios tributários advindos dessa tipologia de contratos, Johannesen (2014) destaca que al- gumas jurisdições permitem que as remunerações efetuadas como parte da compensação dos títulos emitidos sejam de- dutíveis para fins da tributação sobre o lucro em seus domi- cílios. Carvalho e Flores (2014) verificaram que a Telekom Austria menciona, em suas notas explicativas, tal prática; isto é, registra os pagamentos de juros remuneratórios so- bre esses títulos no balanço consolidado em IFRS como dividendos distribuídos, dado que estão reconhecidos no patrimônio líquido, mas, para fins das demonstrações indi- viduais, as que estão sujeitas às regras locais para formação do lucro tributável, trata tais quantias como despesas finan- ceiras, o que implica a redução da carga tributária efetiva da organização. No Brasil, há obrigatoriedade da adoção das normas internacionais também para os balanços individuais, e não pode haver, no nosso entender, discrepância na classifica- ção desses títulos entre os balanços individuais e conso- lidados. Mas essa regra, é importante dizer, não se aplica às instituições subordinadas ao Banco Central, já que este ainda não aplica as IFRS aos balanços individuais de tais entidades. É necessário que tais imperativos sejam avaliados de forma criteriosa e com parcimônia, sobretudo porque a in- serção de instrumentos no patrimônio líquido que não pos- suam de fato características de títulos elegíveis a esse grupo contábil pode criar distorções relevantes na mensuração e apresentação da posição econômica das entidades. Sunders (2014) adverte que as informações contábeis, pela perspec- tiva da teoria contratual da firma, são utilizadas para aferi- ção e manutenção das relações entre as organizações e seus intervenientes; assim, não é atípica a verificação de incen- tivos particulares às empresas para alterarem tais indicado- res. Dutordoir e Gucht (2007) advertem que a emissão de instrumentos “híbridos de capital e dívida” pode se dar com a pretensão única e exclusiva de gerenciar artificialmente a estrutura de capital dos emitentes. Com relação ao escopo tributário, vale destacar que, em 2012, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) manifestou preocupação quanto à for- ma pela qual os estados membros da União Europeia tratam tributariamente esses instrumentos: “Os estados membros não necessariamente qualificam esses instrumentos da mes- ma forma (isto é, como dívida em uma jurisdição e investi- 31Nov/2016 Nov/2016 mento em outra), e a dupla não tributação pode ocorrer” (OCDE, 2012, p. 6)3. O que se conclui, a priori, é que os “híbridos de capital e dívida” se encontram na intersecção das categorias de títu- los de dívida e títulos de patrimônio, o que torna impraticá- vel a criação de uma sintaxe ou regramento que permita, sob os fundamentos de uma análise superficial, determinar qual agrupamento deverá recepcionarum instrumento financeiro dessa natureza. Assim, a classificação como dívida ou patri- mônio deverá ser feita levando-se em consideração pormeno- res que sejam, em linhas gerais: a) forma de remuneração; b) prazo de maturidade; c) subordinação a outros instrumentos de dívida e patrimônio; e d) direitos de recompra. É natural que a diversificação do processo taxonômico desses títulos seja uma derivação da sofisticação dos instru- mentos financeiros presentes nos mercados de crédito e de capitais. Igualmente, a modelagem financeira dos contem- porâneos empreendimentos corporativos requer respostas condizentes aos problemas vinculados à captação de recur- sos na atualidade. É minimamente anacrônico estabelecer a condenação de novos instrumentos para obtenção de valores baseando-se no julgamento de valores atinentes à legislação, os quais, por vezes, referenciam uma realidade ultrapassada. O estabelecimento de um mercado de capitais robus- to deve levar em consideração a possibilidade de inovação por parte dos agentes que nele atuam. Do mesmo modo, é esperado que os investidores busquem novas alternativas para alocação dos recursos, visando o equilíbrio entre riscos e retornos. Adicionalmente, conjectura-se que a inserção de travas pouco claras para o desenvolvimento desses instru- mentos pode acarretar limitações no desenvolvimento de setores econômicos fundamentais. A esse respeito, foi publicado em 2015, também pela OCDE, um documento denominado Infrastructure Fi- nancing Instruments and Incentives. Nessa publicação, a Organização constata que os “híbridos” são relevantes ferramentas para obtenção de valores ligados a atividades de infraestrutura, permitindo o desenvolvimento de pro- jetos ligados a esse setor com a atribuição de taxas mais atrativas aos investidores, assim como limitadas obriga- ções aos emissores. Em síntese, pode-se concluir que os imperativos que estimulam a emissão de instrumentos “híbridos de capital e dívida” podem ser observados por perspectivas ambíguas. Dessa forma, as disparidades correlatas ao tratamento con- tábil desses títulos são um desdobrar dessa diversidade de interpretações. Por essa razão, a criação de uma agenda de propostas entre os diferentes interlocutores presentes nessa discussão para o estabelecimento de modalidades contra- tuais alternativas aos tradicionais títulos de dívida e instru- mentos de patrimônio mostra-se relevante, sobretudo por- que facilitaria a obtenção de recursos a serem empregados em distintos setores da economia real. Panorama internacional dos instrumentos “híbridos de capital e dívida” A utilização de instrumentos “híbridos de capital e dívida” tem sido verificada com recorrência em outras jurisdições. Na França, por exemplo, desde 1994, existe a exposição de motivos de número 28 da Commission des études comptables, a qual permite que determinados títulos sejam reconhecidos no patrimônio em função de suas características. Interessante notar que, mesmo após a adoção das IFRS como ordenamento contábil válido para produção das de- monstrações financeiras consolidadas na União Europeia, há companhias francesas que continuam fazendo menção a esse documento, conforme se pode verificar nos relatórios contábeis da companhia de eletricidade Francesa – Électri- cité de France (EDF) – do ano de 2014. Em levantamento realizado por meio do uso das bases de dados CBonds Financial Information® e Thomson Reu- ters®, foram encontradas ao menos 39 empresas listadas em mercados de capitais estrangeiros que emitiram instrumen- tos “híbridos de capital e dívida” e os registraram no PL, durante o período de 2005 a 2010, sem possuírem men- ções de seus auditores ou determinações de republicação de seus reguladores. A Tabela 1 apresenta os montantes encontrados, devidamente convertidos para dólares norte-americanos de acordo com a data de emissão dos instrumentos “híbridos”. 3 “Member states will not necessarily qualify these hybrid instruments in the same way. If there is a mismatch in the qualifications of such financial instruments between member states (i.e. as debt in one jurisdiction and as equity in the other), double non-taxation might occur”. artigo técnico 32 Nov/2016 Nov/2016 Foram consideradas na busca somente jurisdições que optaram pela adoção das normas internacionais de rela- tórios financeiros (IFRS) ou que possuem a utilização de regramentos contábeis virtualmente convergentes a esse ordenamento (PACTER, 2015). Esse critério visou trazer maior comparabilidade ao tratamento contábil empregado pelas organizações. Cumpre mencionar que os critérios para seleção dos títulos expostos em montantes absolutos na Tabela 1 foram os mesmos estabelecidos pela Energisa quando da emissão de seus papéis no Brasil, quais sejam: (i) estabelecimento de uma cláusula de perpetuidade; (ii) postergação dos paga- mentos a critério dos emissores, desde que não fossem dis- tribuídos dividendos; e (iii) recompra dos títulos facultada aos emissores em datas específicas. Com base na leitura e análise das demonstrações finan- ceiras das empresas encontradas, foi possível constatar que todas as 39 registram os instrumentos híbridos no patrimô- nio líquido, embora o tenham feito em uma unidade de con- ta à parte do capital próprio e das reservas. De igual modo, não foram verificadas menções de contrariedade por parte de seus auditores ou determinações de refazimento por par- te dos reguladores locais. Vale ressaltar que os valores apresentados na Tabela 1 estão convertidos para bilhões de dólares norte-america- nos; optou-se por esse procedimento porque as emissões foram realizadas em diferentes moedas (por exemplo, Euros e Libras). Chama a atenção a magnitude dos valores, quan- do considerados em captações per capita. Na Alemanha, por exemplo, embora tenham sido detectadas somente três emissões desses “híbridos”, cada qual possuiu um valor mé- dio de captação de USD 1.150 bilhão. É possível visualizar na Tabela 1 que a jurisdição com o maior número de emissões foi a França, com nove empre- sas que, na atualidade, possuem títulos híbridos registrados em seu PL, perfazendo um total de aproximados 25 bilhões de dólares. Pode-se atribuir a prevalência desse resultado à menção anteriormente realizada de que, nessa localidade, desde 1994, os “híbridos de capital e dívida” já vêm sendo regulamentados e aceitos, em determinadas ocasiões, como elementos componentes do patrimônio líquido das empre- sas. Essa busca pela criação de uma solução local, provavel- mente, criou um ambiente de maior previsibilidade acerca do tratamento contábil desses papéis, permitindo maior es- tabilidade tanto a emissores quanto a adquirentes. Um resultado interessante acerca dessas colocações pro- vém do setor econômico em que atuam as organizações que se valeram dessa modalidade de contratos. Valendo-se da classi- ficação setorial da base de dados Thomson Reuters, denomi- nada Thomson Reuters Business Classification, foi elaborado o Gráfico 1, o qual demonstra a segmentação das 39 empresas que buscaram recursos por meio de instrumentos híbridos. Tabela 1 – Emissão de instrumentos “híbridos de capital e dívida” País Quantidade de Emissores Montantes em usd* Participação Valor Médio de Emissão* Valor Máximo* Valor Mínimo*por país alemanha 3 USD 4.598 9,55% USD 1.150 USD 1.967 USD 355 Áustria 3 USD 1.117 2,32% USD 317 USD 674 USD 169 Espanha 2 USD 2.897 6,02% USD 761 USD 1.264 USD 124 França 9 USD 24.780 51,48% USD 1.126 USD 3.000 USD 112 Holanda 1 USD 1.428 2,97% USD 1.428 USD 1.428 USD 1.428 Hong Kong 8 USD 7.650 15,89% USD 695 USD 2.000 USD 300 luxemburgo 1 USD 650 1,35% USD 650 USD 650 USD 650 reino unido 2 USD 1.150 2,39% USD 575 USD 700 USD 450 singapura 7 USD 1.872 3,89% USD 170 USD 355 USD 71 suíça 3 USD 1.994 4,14% USD 399 USD 671 USD 196 total 39 usd 48.286 100,00% usd 745 usd 3.000 usd 71 *Valores em bilhões de dólares. Autores (2016). 33Nov/2016 Nov/2016 Aproximadamente um
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