Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Notas sobre “Identidade” Psicologia Social (texto apoio) José Azevedo “Quando nascemos, não sabemos quem somos nem que lugar ocupamos na sociedade. Aprendemos a ser rapazes ou raparigas, filhos, irmãos, alunos, portugueses ou chineses, Pedro, António, Rita ou Maria” (Robbins, 1997). Descobrimos se somos tímidos ou sociáveis, se gostamos de morango ou de chocolate, de caminhar ou de ler, de música pop, eletrónica ou hip-hop. Assim, o nosso conceito de nós próprios, o nosso “eu”, é construído ao longo da vida nas nossas interações com o mundo e com os outros. É composto por fatores individuais mas também por fatores sociais, aquilo que temos em comum com um grupo de pessoas e que nos distingue dos outros grupos. O conceito de identidade foi muito trabalhado por Erik Erikson, psicólogo que trabalhou com militares da segunda guerra mundial que haviam sido reformados por problemas psicológicos severos associados a traumas de guerra. Observou que “estes homens já não sabiam quem eram, havia uma perda muito nítida da identidade do eu. O sentimento da permanência e da continuidade do eu tinham desaparecido, assim como a fé no valor do papel social” (Erikson, 1972). Assim, conforme a define Erikson (1968), a identidade é aquilo que nos dá continuidade, que nos faz sentir que somos a mesma pessoa em casa ou na escola, na adolescência ou na idade adulta: “sentimento subjetivo e tónico de uma unidade pessoal e de uma continuidade temporal” (Erikson, 1968) A tradição científica e psicológica têm vindo a separar a identidade pessoal da social. No entanto, na perspetiva da psicologia social a identidade individual e a identidade social não se podem separar, já que se constituem mutuamente. O self ou a identidade não é algo fixo e imutável, independente dos contexto históricos e culturais onde se insere. Como aprendemos quem somos? Alguns fatores determinantes da nossa identidade são-nos atribuídos a priori, sem que possamos escolhê-los: é o caso do género. Desde que nascemos (atualmente até alguns meses mais cedo) somos categorizados pelos outros como meninos ou meninas, futuramente homens ou mulheres. Esta dimensão é constituída por dois aspetos fundamentais: o lado biológico (habitualmente designado sexo) e o social (género). Assim, meninos e meninas apresentam características físicas diferentes, que se tornarão mais marcadas ao longo do seu crescimento. Em função disso, as crianças são vestidas de forma diferente, recebem brinquedos diferentes e são alvo de expectativas diferentes. Também a nossa nacionalidade, origem étnica e meio familiar e social são-nos dados à nascença, e influenciam a forma como aprendemos a ver-nos e como seremos vistos pelos outros à medida que nos relacionamos com eles. A formação da identidade pode compreender-se através da teoria da auto-categorização (Turner et al., 1987). Segundo estes autores, uma sociedade oferece-nos uma série de categorias para a classificação das pessoas (nós e os outros). Ao tomar conhecimento das diferentes categorias sociais, identificamo-nos com algumas delas, considerando que pertencemos a essa categoria. Por exemplo, perante diferentes categorias ocupacionais, Sofia pode considerar que aquela com que mais se parece é estudante. Esta categoria distingue-se de outras, como por exemplo trabalhador, desempregado e reformado. Os géneros, por exemplo, são categorias atribuídas à nascença e que se mantêm mais ou menos estáveis ao longo da vida. No entanto, por vezes as pessoas mudam de sexo ou nascem com o sexo biologicamente indefinido. Por outro lado, as categorias homem e mulher têm significados diferentes conforme o tempo histórico e a cultura em que se inserem. Ser mulher numa sociedade ocidental no século XXI não é de todo o mesmo que era no século XIX. Assim, as categorias de género não se podem considerar essencialistas. Uma categoria essencialista funciona em regime de tudo ou nada. Se estamos inseridos em uma categoria cumprimos todas as características da mesma. Em categorias não essencialistas um elemento pode ser mais ou menos típico. Um elemento muito típico corresponderia ao estereótipo da categoria. Segundo Turner, mantemos estereótipos positivos relativamente aos grupos a que pertencemos (ingroup), e negativos face aos outros grupos (outgroup). Identidade social, categorização social e competição social Como vimos no capítulo anterior (Cognição Social), os estudos de Tajfel e da sua equipa acerca da categorização social demonstraram que bastava a introdução nos sujeitos de uma experiência em um contexto com um grupo interno e outro externo para que se observassem comportamentos discriminatórios a favor do grupo interno. Tajfel (1972) relaciona estes resultados com a noção de identidade social, ou seja, o conhecimento que um indivíduo tem da sua pertença a certos grupos e o significado (positivo ou negativo) dessa pertença. A categorização social “serve para sistematizar e organizar o ambiente social… cria e define o lugar particular de um indivíduo na sociedade”. Assim, cada pessoa define-se a si e aos outros em função dos lugares ocupados no mesmo sistema de categorias sociais, em função da pertença a grupos sociais específicos. De acordo com Tajfel, Turner (1975) defende que a identidade social positiva depende de uma comparação entre grupos, na qual cada grupo tenta sair vencedor, ou seja, ser melhor que o outro na dimensão em questão – uma competição social. Segundo Tajfel e Turner (1977) os indivíduos tendem a manter ou aumentar a sua auto-estima; os grupos sociais têm conotações positivas ou negativas, gerando uma identidade social positiva ou negativa para os indivíduos que pertencem a esses grupos. Os indivíduos tentam manter ou adquirir uma identidade social positiva. Essa identidade social positiva baseia-se em grande medida em comparações favoráveis que se possam fazer entre o grupo de pertença e outros grupos relevantes, nas quais o grupo de pertença deve ser percebido como melhor. Quando a identidade social é insatisfatória, os indivíduos tentarão sair do grupo e juntar-se a um grupo mais positivo, ou tornar o seu grupo mais positivo. A nossa identidade é também construída em grande parte pelo comportamento dos outros para connosco, que nos confirma ou não que ocupamos o lugar social que pensamos ocupar. Neste sentido, diferentes autores afirmam que apenas somos alguém na relação com os outros A nossa identidade pessoal depende dos outros e do seu reconhecimento: “só sei quem sou através do olhar do outro”. Por outro lado, nunca posso ter a certeza do que o outro pensa de mim; apenas tenho acesso àquilo que ele me comunica, direta ou indiretamente. A identidade inclui quem nós somos, que tipo de pessoa somos, e a nossa relação com os outros. À medida que aprendemos quem somos, aprendemos também qual a nossa posição em relação aos outros. Sempre que nos relacionamos com outra pessoa baseamo-nos numa ideia de quem essa pessoa é: amigo, desconhecido, familiar, professor. Por seu lado, o outro também deve ter uma conceção de quem nós somos e da relação que existe entre nós. Quando duas pessoas se conhecem tendem a procurar informação sobre o outro que lhes permita classifica-lo em algum ponto da “paisagem social”. Para podermos compreender os outros e saber como comportar-nos com eles, categorizamo-los de acordo com as características que identificamos neles e que são partilhadas com outras pessoas. Assim, os dois lados da identidade, identidade para si e identidade para o outro, são inseparáveis. Desenvolvimento da identidade “A identidade nunca está acabada, já que aquilo que envolve o eu é instável” (Erikson, 1968). As categorias de identidade das crianças são inicialmente muito simplistas, mas vão sendo refinadas e tornando-se mais úteis para a sua vida social. Como já mencionámos, uma dasprimeiras categorias a integrar a nossa identidade é o género. Entre os 2 e os 3 anos as crianças aprendem a que categoria de género pertencem: menino ou menina. Vários comportamentos apropriados ao género, como a preferência por pares do mesmo género, surgem na sequência desta categorização. A preferência por brinquedos apropriados ao género ocorre mesmo antes dessa categorização. As categorias de género das crianças pequenas são altamente estereotipadas. Numa busca de certezas, as crianças constroem categorias de género rígidas e essencialistas, com uma distinção simples os dois grupos. Estas categorias baseiam-se mais em aspetos sociais e culturais do que em aspetos biológicos, uma vez que as crianças ainda não têm conhecimentos acercas destes. Assim, podem imaginar-se num género diferente enquanto adultos ou atribuir a uma pessoa um género errado com base em algum comportamento que não corresponde ao estereótipo de género. Por volta dos 5 anos as crianças aprendem que o género é em geral estável e as suas categorias tornam-se mais flexíveis e não essencialistas. As crianças aprendem que há múltiplas identidades de género, e não apenas a visão estereotipada de cada género. Isto acontece porque a construção do género é uma parte da nossa identidade, mas não a única. Outras construções contribuem para a nossa identidade e interagem com as construções de género, reforçando-as ou desafiando-as. A identidade de uma pessoa não é estática; muda ao longo da vida. A partir da sua experiência clínica como psicanalista, da investigação longitudinal com crianças e dos seus conhecimentos de antropologia, Erikson elaborou uma teoria do desenvolvimento humano ao longo de toda a vida, composta por 8 estádios, cada um dos quais marcado por tarefas e riscos específicos. A definição da identidade é a tarefa central da adolescência, e o seu fracasso daria origem a uma confusão da identidade. Esta tarefa conjuga a construção feita até ao momento, ao longo da infância, com a projeção do adolescente no futuro, antecipando a vida adulta. Assim, a identidade surgirá na relação entre “o que eu era como criança” e “o que eu serei como adulto” (Erikson, 1959, p.111). As mudanças de uma identidade para outra são tradicionalmente assinaladas socialmente através de rituais: os ritos de passagem. Exemplo de ritos de passagem são por exemplo casamentos, funerais, festas de formatura ou de 18 anos, entre outras celebrações. Na maior parte das sociedades a transição para a idade adulta dos elementos de sexo masculino é marcada por ritos de passagem frequentemente compostos por uma prova de coragem. Com esses rituais assinala-se a separação do rapaz da mãe e a entrada no mundo dos homens. Por exemplo, no povo Maasai, em África, o ritual de entrada na idade adulta passa pela circuncisão dos homens, sem anestesia; nas sociedades ocidentais, a afirmação da entrada dos rapazes na idade adulta relaciona-se com o início da atividade sexual. Há algumas gerações atrás era frequente o pai levar o filho a uma prostitua para iniciar a idade adulta; Atualmente, o ritual passa muitas vezes por saídas è noite, consumos alcoólicos e tentativas de sedução de mulheres. Até que ponto podemos moldar a nossa identidade? A identidade não é só algo que construímos, nem só algo que nos atribuem. É um misto de ambos. Envolve sempre uma interrelação entre o pessoal e o social, uma tensão entre estrutura e agência: Cada um é identificado pelos outros, mas pode recusar essa identificação e definir-se de outra forma. Indivíduos e grupos podem desafiar as expectativas sociais afirmando uma identidade diferente da esperada. Por exemplo, nos anos 1960 surgiram vários movimnetos sociais que procuravam formar e dar voz a novas identidades. É o caso do movimento feminista, do movimento dos direitos da população negra nos EUA ou dos movimentos dos direitos LGBT. Estes movimentos desafiaram as limitações tradicionais e a opressão, ao mesmo tempo que afirmaram as características positivas dos grupos em questão, afirmarando identidades coletivas. A forma como nos apresentamos fisicamente também é uma expressão da nossa identidade. A forma como nos vestimos, como falamos e como nos comportamos veiculam a nossa identidade. A modificação do corpo é um exemplo atual de uma forma de construção e afirmação da identidade pessoal. Muitas pessoas recorrem ao exercício físico, piercing, tatuagens ou mesmo cirurgia plástica para alterarem a sua imagem corporal de acordo com a sua identidade. A multi-etnicidade e diversidade cultural atualmente presentes nas sociedades ocidentais levantam uma série de questões sobre as possibilidades que as pessoas têm ou não de construírem a sua própria identidade: ideias e práticas racistas podem colocar limites à construção pessoal da identidade. Como é que as sociedades distinguem entre os indivíduos? Género, idade, família de origem são fatores usados universalmente para categorizar os indivíduos. Outros elementos são significativos em apenas algumas culturas, sendo menos relevantes noutras: origem étnica, cor da pele, nível socio-económico, prática desportiva, habilitações académicas… Por exemplo, a língua materna é frequentemente um fator importante para a identidade social, como podemos ver por exemplo com a afirmação da língua catalã ou basca nas regiões espanholas. Noutros casos vemos a relevância da religião como diferenciadora de grupos sociais, como por exemplo na Irlanda do Norte onde a divisão entre católicos e protestantes é marcada. O próprio género, embora seja uma característica biológica, é vivido de acordo com as normas da sociedade. Assim, as crianças aprendem desde muito cedo a desempenhar os papéis associados ao seu género: por exemplo, nas sociedades ocidentais as meninas recebem bonecas para cuidar enquanto os meninos recebem bolas para chutar e carrinhos para fazer corridas, encorajando-se assim comportamentos dóceis por parte das meninas e mais físicos e competitivos por parte dos rapazes. No entanto, em algumas sociedades tradicionais os papéis esperados dos dois géneros não são esses, e verifica-se que o comportamento de homens e mulheres nessas sociedades não apresenta as diferenças encontradas nas sociedades ocidentais. Como é que o conceito de pessoa varia de sociedade para sociedade? O nosso nome está fortemente relacionado com a nossa identidade. Diferenças culturais na atribuição e uso dos nomes traduzem diferenças na forma como as culturas veem as pessoas e a sua relação com os grupos a que pertencem. Nas sociedades desenvolvidas ocidentais as pessoas têm um nome próprio atribuído à nascença e que em geral as acompanha ao longo de toda a vida. Ao apresentarem-se, estudantes universitários portugueses trocam os primeiros nomes, que são por si só suficientes. Já em relações profissionais os executivos apresentam- se usando nome e apelido, aos quais são frequentemente adicionados títulos académicos. Noutras sociedades as pessoas juntam aos nomes as cidades de origem ou descritivos da sua situação social. Nas sociedades ocidentais, mais individualistas, as pessoas são vistas como mais ou menos estáveis ao longo dos diferentes momentos de vida ou situações sociais. Em outras sociedades, no entanto, as pessoas são vistas como parte indissociável de um grupo, de um papel social, numa visão mais holística das pessoas na sua comunidade. Estas duas perspetivas são também denominadas visão egocêntrica e sociocêntrica. Nas sociedades ocidentais domina a visão egocêntrica, em que o indivíduo é considerado independente dos outros, autor das suas próprias motivações e centro da sua consciência. São-lhes atribuídas características intrínsecas como generosidade, integridade ou beleza. As relações sociais são vistas como contratos entre indivíduos livres e responsáveis, que negociam o seu lugar na sociedade.A visão sociocêntrica da pessoa, pelo contrário, é dependente do contexto. A identidade da pessoa inclui os grupos a que pertence e a interdependência é a regra, em lugar da independência. O self é definido pelas suas relações e processos sociais e está sujeito a mudança e redefinição.
Compartilhar