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1 PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA (PUC-SP) Professora: Evani Zambon Marques da Silva Disciplina: Psicologia Judiciária II - 2º semestre – 2020 Seminário 2º bimestre Grupo: Alberto Sormani Zanoni - RA00180069 Alícia Cristovão Pessetti – RA00180334 Bárbara Ricardo Cardassi – RA00185813 Beatriz Cavicchioli de Marino – RA00181196 Bruna Mendes Brossa – RA00181357 Camila Salles Abramovitz – RA00187341 Carolina Lazzaro Barbosa – RA00168285 Eduarda Dourado Viana da Silva - RA00188035 Edson Luiz Vettore - RA00188033 2 QUESTÕES 1. Partindo do transtorno apresentado, há maior frequência/ocorrência de qual tipo de crime? 2. Como a justiça tem lidado com o portador? 3. Como a área da saúde mental tem lidado com o doente? 4. Há algum filme/série ou caso prático que pode ser trazido para exemplificação? RESPOSTAS A Psicopatia – Introdução: A psicopatia está ligada ao comportamento antissocial, mas com este não se confunde. O transtorno antissocial é aquele em que “prevalece a indiferença pelos sentimentos alheios, podendo adotar comportamento cruel; desprezo por normas e obrigações; baixa tolerância a frustração e baixo limiar para descarga de atos violentos.”1 No caso das psicopatias, há maior evidência no dinamismo anômalo, envolvendo amplamente a vida psíquica da pessoa. Trata-se de condição muito relevante para a psiquiatria forense por conta de apresentar a insensibilidade afetiva. Isso, por si só, já dificulta a possibilidade de reabilitação da pessoa infratora. Os psicopatas diferem de outros criminosos, segundo a escala PCL-R (Psychopathy Checklist-Revised). Essa escala é um checklist de 20 itens, cuja pontuação pode ir de zero a dois para cada item (resultado acima de 30 pontos seria uma pessoa considerada psicopata), conforme mencionado abaixo: Os 20 elementos que compõem a escala são os seguintes: 1) loquacidade/charme superficial; 2) auto-estima inflada; 3) necessidade de estimulação/tendência ao tédio; 4) mentira patológica; 5) controle/manipulação; 6) falta de remorso ou culpa; 1 MORANA, Hilda C P; STONE, Michael H; ABDALLA-FILHO, Elias. Transtornos de personalidade, psicopatia e serial killers. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo , v. 28, supl. 2, p. s74-s79, Oct. 2006. 3 7) afeto superficial; 8) insensibilidade/falta de empatia; 9) estilo de vida parasitário; 10) frágil controle comportamental; 11) comportamento sexual promíscuo; 12) problemas comportamentais precoces; 13) falta de metas realísticas em longo prazo; 14) impulsividade; 15) irresponsabilidade; 16) falha em assumir responsabilidade; 17) muitos relacionamentos conjugais de curta duração; 18) delinqüência juvenil; 19) revogação de liberdade condicional; 20) versatilidade criminal.2 (...) Questão 1) Considerando a insensibilidade afetiva e falta de remorso, há uma gama muito ampla de crimes cometidos pelos psicopatas. A princípio, destacam-se os crimes mais graves e cruéis, como homicídio, tortura e estupro; em grande parcela das vezes, os homicidas seriais (serial killers) são diagnosticados com o transtorno de personalidade psicopática, vez que tais indivíduos não são capazes de sentir empatia pelas suas vítimas. Fiorelli e Mangini, entretanto, destacam que os psicopatas não necessariamente desenvolvem atividades criminosas cruéis, mas também podem cometer com frequência crimes de furto, dano, lesão corporal, violência doméstica, estelionato, sequestros, organização criminosa e organização criminosa para o tráfico. Essa diversidade de delitos praticados pelos psicopatas muito se relaciona à facilidade em manipular os outros, à impulsividade, à busca incessante pelo prazer e à falha em assumir os próprios erros. “A conduta reiterada, a habitualidade e outros 2 ABDALLA-FILHO, E. Avaliação de risco de violência em psiquiatria forense. Rev Psiquiatr. Clin. 2004;31(6):279-83. 4 aspectos de personalidade é que indicam a presença do transtorno, e não a violência do crime”3. Nesse sentido: Estupro de vulnerável (art. 217-A do Cód. Penal). Crime caracterizado, integralmente. Provas de materialidade e de autoria. Palavras da vítima e confissão judicial. Caracterização do crime em continuidade delitiva. Condenação imperiosa. Apenamento. Majoração da base adequada e bem fundamentada. Reincidência reconhecida, sem risco de 'bis in idem'. Benevolente redução pela confissão. Prevalência da reincidência sobre a confissão não observada, 'data venia' do entendimento da origem. Agravante atinente à personalidade do agente. Entendimento esposado pelo E. Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade de compensação. Majoração pela continuidade delitiva bem aplicada. Reiteradas condutas praticadas, ao longo de um ano. Redução mínima pela semi- imputabilidade. Quadro de psicopatia caracterizado. Acusado que compreende o caráter ilícito da conduta. Critérios da origem respeitados. Regime fechado único possível. Apelo improvido. (TJSP; Apelação Criminal 0002921-06.2018.8.26.0032; Relator (a): Luis Soares de Mello; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Araçatuba - 3ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 02/04/2020; Data de Registro: 02/04/2020) Apelação Criminal Atentado violento ao pudor praticado por pai contra filha criança Parecer psicológico classificando o recorrente como psicopaía Psicopatia que é considerado distúrbio mental grave - Necessidade de realização de prova técnica - Preliminar de nulidade acolhida Sentença anulada. " (TJSP; Apelação Sem Revisão 9146137- 61.2001.8.26.0000; Relator (a): Luiz Antonio de Salles Abreu; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Férias Janeiro; Foro Central Criminal Barra Funda - 23ª Vara Criminal; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro: 02/12/2004) HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO - LIBERDADE PROVISÓRIA - Paciente que sofre de grave psicopatia, esquizofrenia. - Os direitos à liberdade e à proteção preventiva do Estado devem ser compatibilizados para alcançar a Justiça - Concedida a ordem para determinar que o paciente seja custodiado em cela própria, separado dos demais presos, e sob supervisão médica, facultado o acesso de seus familiares e médicos para acompanhar e ministrar o necessário ao seu tratamento psíquico, até a solução do incidente de msalubndade e da ação instaurada "in judicio" - ORDEM DE "HABEAS CORPUS" CONCEDIDA, COM DETERMINAÇÃO. (TJSP; Habeas Corpus Criminal 0004456- 81.2009.8.26.0000; Relator (a): Amado de Faria; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Diadema - Vara do Júri/Exec./Inf. Juv.; Data do Julgamento: 16/06/2009; Data de Registro: 28/07/2009) 3 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2020. P. 82 5 Assim, através dos exemplos trazidos acima, é possível notar alguns delitos praticados por réus que sofrem de psicopatia, e a posição do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao reconhecer tal doença. Questão 2) Havendo dúvidas sobre a sanidade mental do acusado, o juiz determina a realização de perícia. O responsável por constatar a insanidade mental do acusado é o perito (médico-legal), que realiza o exame e constata se o acusado é portador de alguma doença mental, conforme previsto nos artigos 149 e 159 do Código de Processo Penal. Constatada a insanidade mental e que esta efetivamente interferiu na prática do crime, em se tratando de como a Justiça Criminal lida com o portador da psicopatia que pratica um fato típico e antijurídico, verifica-se que o art. 26 do Código Penal disciplina o seguinte: “Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esseentendimento. Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Assim, percebe-se que o CP prevê que, inicialmente, no art. 26, “caput” se tratando de indivíduo inimputável, que é aquele completamente incapaz de entender a ilicitude da sua conduta e que não entende o que está fazendo, a proposta de pena para este indivíduo é que o juiz profira uma sentença de absolvição imprópria, na qual absolverá o agente e o isentará de pena, mas, em contrapartida, imporá a ele o cumprimento de uma medida de segurança. Já o art. 26, parágrafo único, do CP, se ocupa de disciplinar a conduta dos chamados semi-imputáveis, que são aqueles que não são inteiramente capazes de entender a ilicitude da conduta e de controlar seu comportamento. Nesse caso, a solução penal é diferente: a sentença é condenatória, mas o juiz aplica uma diminuição de um a dois terços 6 da pena. Se o juiz entender que ao semi-imputável é melhor poderá substituir a pena e aplicar a medida de segurança, conforme autoriza o art. 98 do CP. Uma vez condenado e sendo inimputável ou semi-imputável, cuja pena o juiz substituiu, o indivíduo será submetido a uma medida de segurança. O art. 96 do Código penal prevê: “Art. 96. As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial”. Se observa, portanto, que na medida de segurança, há dois tratamentos possíveis: a internação em hospital psiquiátrico ou o tratamento ambulatorial. O art. 97 do CP determina que se o sujeito for inimputável, será submetido à internação. Já se o sujeito for semi-imputável, será aplicado a ele o tratamento ambulatorial. Em ambos os casos, por prazo mínimo de um ano e prazo máximo de três anos. Sobre a aplicação da internação e da medida de segurança, explica Daniel Martins de Barros: “Os hospitais de custódia e tratamento, antigamente denominados manicômios judiciários, são instalações que, no Brasil, ficam sob a gestão das Secretarias de Administração Penitenciária, e mesclam características hospitalares com prisionais, por receberem doentes que cometeram crimes. (...) Caso o laudo indique e o juiz concorde que a pessoa já não representa perigo iminente para si ou para os outros, mas ainda assim necessita de tratamento, pode determinar que ela submeta- se a tratamento ambulatorial. Nos dois casos, a responsabilidade da Justiça persiste enquanto durar o que ela entender por “periculosidade”, ou seja, o risco aumentado de, em função da doença, a pessoa vir a delinquir”4. O psicopata é um agente que sofre de transtorno psicológico, mas, que consegue entender parcialmente o caráter ilícito da sua conduta e, por isso, no direito penal brasileiro, ele é considerado como semi-imputável. Exemplo disso é o julgado trazido na questão 1 (Apelação Criminal 0002921-06.2018.8.26.0032), na qual o Tribunal de Justiça reconheceu a capacidade do psicopata de entender parcialmente o caráter ilícito da conduta, configurando-se a semi-imputabilidade e, por isso, lhe foi imposto o cumprimento de pena, com aplicação de redução de pena (art. 26, parágrafo único do CP). 4 Barros, Daniel Martins de. Introdução à psiquiatria forense [recurso eletrônico] /Daniel Martins de Barros. – Porto Alegre : Artmed, 2019, p. 71. 7 Dessa forma, se percebe que o Código Penal considera o portador da psicopatia parcialmente capaz de entender a ilicitude do fato e portar-se de acordo com esse entendimento, considerando, assim, que o psicopata sofre de um distúrbio mental que influencia seu comportamento quando comete o ato ilícito. Parece acertada a classificação do psicopata como semi-imputável à medida em que este consegue perceber de certa forma a ilicitude da sua conduta, até porque uma das características do psicopata é a inteligência, capacidade de controlar e manipular a situação para atingir seu objetivo. Mas, observadas as características da psicopatia, como o fato de que ele não tem remorso de suas atitudes e não consegue assumir responsabilidade por suas doenças, é que o torna apenas parcialmente capaz de entender a ilicitude e não completamente capaz de fazê-lo. Como o psicopata é considerado semi-imputável na Justiça Brasileira, a ele se aplica o art. 26, parágrafo único, do CP, ou seja, a ele, em regra, aplica-se pena, com diminuição, e, apenas se o juiz considerar melhor, a pena pode ser substituída por medida de segurança. Neste ponto, é imprescindível fazer uma análise crítica da sanção penal aplicada ao psicopata. Ora, se ele sofre de uma perturbação mental e é apenas parcialmente capaz de se comportar e entender a ilicitude das suas condutas, não parece correto aplicar a mesma pena que é aplicada aos condenados que tem plena sanidade mental. Isso porque, encarcerar o psicopata como os demais presidiários e não fornecer a ele um tratamento de qualidade, com profissionais adequados, não mudará em nada a sua tendência à prática de crimes. A pena imposta não cumprirá, por si só, a finalidade de ressocializá-lo, porque, sozinho no cárcere, ele não conseguirá enxergar como se comportar de maneira adequada. O ideal seria a realização de um estudo, com profissionais da área psiquiátrica e forense, a fim de unir essas duas áreas para que se criasse uma sanção penal que forneça um tratamento adequado para o psicopata, a fim de que ele pare de cometer ilícitos. Se isso não for feito, uma vez cumprida a pena, há muitas chances de reincidência por parte do indivíduo, porque ele não foi corretamente tratado e, portanto, finda o cumprimento da pena sem entender o que deve ou não fazer. Assim, o fato de o art. 26, parágrafo único, colocar como sanção penal para o semi-imputável o cumprimento de uma pena, não 8 parece adequado, pois acaba por tratar um portador de psicopatia no mesmo patamar de um indivíduo completamente são. Contudo, como o Poder Legislativo não parece se mobilizar para promover uma pena adequada ao psicopata, o mais correto seria que a ele sempre fosse aplicada a medida de segurança, que promove a internação ou tratamento ambulatorial e, portanto, um tratamento adequado. Dessa forma, a lei não parece acertada ao impor a pena e deixar a cargo do juiz (não perito em medicina) a decisão de substituí-la por medida de segurança ou não. A própria lei já deveria, desde o começo, impor ao semi-imputável a medida de segurança, que lhe fornece um tratamento. Nesse sentido, explica Daniel Martins de Barros: "Os estudos ao redor do mundo variam quanto aos resultados, dependendo da metodologia utilizada, mas pode-se dizer que entre um e dois terços das pessoas em presídios apresentam uma ou mais doenças mentais. As prevalências mais altas são encontradas nos estudos que levam em conta todos os transtornos, inclusive dependências químicas, alcoolismo e transtornos de personalidade (...) Com esses dois exemplos – agressividade patológica e populações encarceradas – conseguimos entender que a Psiquiatria Forense vai, e deve ir, além de seus limites normativos – os conhecimentos médicos auxiliando a Justiça no estabelecimento e no cumprimento de normas e leis. É também seu papel auxiliar no estabelecimento de condutas médicas arvoradas no conhecimento das leis e das normas, visando o objetivo último da Medicina, resumido no antigo aforismo: “Curar algumas vezes, aliviar muitas vezes e consolar sempre”5. Para exemplificar a problemática da pena imposta ao psicopata, cabe citar o famoso caso do “Maníaco do Parque”. Por volta de 1988 vários corpos demulheres foram encontrados em um parque situado na cidade de São Paulo, sendo que alguns deles estavam com sinais de violência sexual. Na época, o Departamento de Homicídios investigou o caso e constatou-se que se tratava de um assassino em série, que passou a ser denominado pela imprensa como Maníaco do Parque. Depois de várias buscas e alguns retratos falados de vítimas que sobreviveram, o motoboy Francisco de Assis Pereira, conhecido como Chico Estrela, foi identificado como o autor dos crimes. A sua forma de operar ou “modus operandi” era a seguinte: seduzia as vítimas, com falsas promessas de emprego em uma agência de modelos. Distribuía elogios e convencia as vítimas que uma equipe publicitária as aguardava no 5 Barros, Daniel Martins de. Introdução à psiquiatria forense [recurso eletrônico] /Daniel Martins de Barros. – Porto Alegre : Artmed, 2019, p. 80. 9 referido parque. Atraídas pela possibilidade de seguir uma carreira artística, as mulheres o acompanhavam até o parque. Quando chegavam lá, Chico Estrela torturava fisicamente e psicologicamente as vítimas, por meio de ofensas e agressões e mostrava a elas cadáveres anteriores. Ao final, matava as mulheres asfixiadas, com o uso de cintos ou cadarços das próprias vítimas. Tem-se aqui um clássico e famoso caso de um psicopata, que torturava e matava suas vítimas sem qualquer sinal de remorso. Na época, Francisco de Assis Pereira foi condenado a 285, 11 meses e dez dias de reclusão pelos crimes cometidos. Essa foi a pena imposta, a princípio, sendo que o Código Penal permite apenas o cumprimento de 40 anos de pena efetivamente. Apesar de ter sido considerado semi-imputável, ele não teve sua pena diminuída e também não lhe fora aplicada uma medida de segurança. A pena determinada para ele está sendo cumprida em uma prisão normal, no regime fechado de cumprimento de pena. Dessa forma, vê-se que dificilmente o papel de ressocialização da pena será cumprido e a sua psicopatia não será nem minimamente tratada no cárcere. Apesar de ele ser um criminoso reincidente, como ele sofre de um transtorno de psicopatia, o ideal seria que lhe fosse aplicada uma medida de segurança adequada, justamente para que não haja mais vítimas, em virtude de tal “desvio de conduta” ou personalidade. Encarcerar o indivíduo portador da psicopatia é uma resposta da justiça que apenas visa afastá-lo da sociedade, mas que não se importa nem um pouco em tratar do transtorno mental que sofre. Questão 3) A tratabilidade da psicopatia e a reabilitação do doente são temas que não possuem entendimento pacificado entre os especialistas da área da saúde mental. Em que pese grande parte dos especialistas defendam que a psicopatia é um distúrbio mental que não possui cura ou tratamento eficaz, há quem defenda a eficácia do tratamento com terapias especializadas e remédios, seguido de acompanhamento da evolução do paciente. De forma geral, as opiniões dos especialistas se resumem a três possibilidades: (a) o tratamento da psicopatia não terá nenhum efeito na condição do doente; (b) o tratamento irá piorar a condição; ou (c) o tratamento potencialmente irá melhorar a condição do psicopata. 10 A psicoterapia é um dos principais tratamentos para pessoas com esse distúrbio mental. O acompanhamento psicoterapêutico pode ser eficaz para aliviar alguns sintomas, embora não se espere que o paciente seja curado. Assim, o tratamento com psicoterapia pode ser realizado individualmente entre um psicólogo e o paciente, em grupo ou até mesmo para familiares afetados. Contudo, pesquisas com especialistas ao redor do mundo mostram que os tratamentos tiveram resultados moderadamente baixos, e por vezes com piora do quadro. Isso porque o examinado tende a abandonar o tratamento e descumprir os programas disciplinares. É preciso lembrar que os pacientes que sofrem deste distúrbio são egocêntricos, acreditam que não precisam de ajuda, e, por isso, não se adaptam ao uso de medicamentos e relutam em frequentar terapias comportamentais. A minoria dos estudos mostra melhora, com evidências de resultados positivos, principalmente quando o tratamento é realizado em jovens e crianças. Outro tratamento muito utilizado é o farmacológico, isto é, o tratamento sintomático. Aqui, busca-se aliviar os sintomas, principalmente os transtornos comórbidos de eixo 1 (depressão, ansiedade, TDAH, etc.), e o tratamento da agressividade explosiva / irritabilidade / impulsividade, através de estabilizadores de humor, antipsicóticos atípicos e antipsicóticos de depósito. Além disso, é feito um tratamento hormonal para a questão da hipersexualidade do paciente. Por fim, não há tratamento com medicamento para os demais sintomas da doença, tais como: insensibilidade / falta de empatia; agressividade instrumental / planejada, dificuldade em aprender com erros; egocentrismo / narcisismo; perversidade; mentira patológica e comportamentos manipulativos. Questão 4) O Tema da psicopatia, de maneira entrelaçada com os serial killers, sempre foi solo fértil para a produção cinematográfica, de modo que existem diversos filmes e séries que podem ser trazidos para tratar do transtorno de psicopatia. No entanto, a ficção e a produção audiovisual costumeiramente sensacionalizam a temática, sendo mais interessante, para uma abordagem mais ligada à realidade, a análise dos casos práticos. 11 A História é, também, cheia de serial killers famosos, como Tedy Bundy, John Wayne Gacy, Jeffrey Dahmer, Pedrinho Matador, o Vampiro de Niterói, o Bandido da Luz Vermelha, O Maníaco do Parque, e etc. Assim, o grupo traz como objeto de análise o caso do brasileiro Tiago Henrique Gomes da Rocha, que ficou conhecido pela mídia como o Serial Killer de Goiânia/Maníaco de Goiânia. Thiago, que era vigilante, ao ser preso confessou ter assassinado 39 pessoas entre os anos de 2011 e 2014 na cidade de Goiânia/GO. Dos 33 juris populares que enfrentou, foi condenado em 30 por homicídios. Atualmente, a soma de suas penas ultrapassa os 600 anos de cárcere. Os homicídios eram realizados friamente, por meios que impossibilitam a defesa da vítima. Seu modus operandi, ou seja, seu modo de operação, consistia em subir em uma motocicleta e alvejar vítimas aleatórias na rua. A extrema frieza e impessoalidade do confesso assassino são marcas fortes. Em depoimentos prestados à força-tarefa policial criada para investigar o assassinato de suas vítimas, Thiago revelou que na infância e adolescência teria crescido sem uma figura paterna. Foi criado pela mãe e avó, e teria sido abusado sexualmente por seu vizinho quando tinha 11 anos de idade, o que o traumatizou. Alguns delegados que participaram das investigações, entretanto, afirmaram que Thiago ressaltava essa informação, mas não oferecia maiores detalhes, parecia não dar importância ao ocorrido. No início da adolescência e vida adulta, Thiago relatou aos policiais que sofreu bullying na escola e foi traído diversas vezes em relacionamentos amorosos, em uma série de desilusões. Tudo isso, o trauma do abuso sexual, o bullying e as traições, nas palavras do próprio Thiago, teriam gerado nele “raiva da sociedade”. Foi para extravasar essa raiva que Thiago começou a matar. Nas palavras do delegado Mauricio Massanobo Kai, em entrevista ao G1: “Ele ficava angustiado, procurando uma forma de resolver o problema e descobriu que matando ele se sentia melhor”. Thiago teria começado matando moradores de rua, mas depois passou a matar quase exclusivamente mulheres. Na visão dos delegados, seria para descontar a raiva do abandono e traições. 12 Depois dos assassinatos, como relatou à Polícia, Thiago fazia questões de assistir aos noticiários para certificar-se da morte e saber o nome da vítima. Além disso, em uma reação típica a diversos seria killers, Thiago revelou ter certo medoe ojeriza de mulheres: “Ele trava quando tem uma mulher na sala. É preciso que um agente homem converse com ele para que ele colabore e continue dando as informações”, afirmou a delegada Silvana Nunes. Durante um dos depoimentos, a escrivã teve que sair da sala para que Thiago continuasse sua fala: “ele simplesmente parou de falar, olhou para ela e disse ‘tem gente demais aqui’”, afirmou um dos delegados. “Ele disse que tem raiva da figura feminina, mas sente uma atração. Não tem um padrão, por exemplo, loira ou morena. É uma pessoa muito inteligente, lúcida e perspicaz”, disse a delegada. Os delegados sempre apontavam que os depoimentos eram calmos, e que Thiago não alterava seu tom de voz, demonstrando tranquilidade e ausência de expressões faciais intensas. Também essa é uma característica associada ao transtorno de psicopatia. O psiquiatra forense que realizou um dos juris de Tiago afirma que ele tinha pleno entendimento de seus atos, que ele é psicopata e que se trata de um transtorno de personalidade. O próprio perito psiquiatra forense Diego Franco de Lima explica: “Como apontam os laudos, Tiago Henrique é psicopata, o que caracteriza um transtorno de personalidade e não uma doença mental, com as características de frieza emocional, tendência a manipulação e agressividade. Porém, a falha na estruturação do caráter, ou personalidade, como é mais utilizado em termos médicos, não tem relação alguma com o entendimento de atos lícitos ou ilícitos (...) A psicopatia é uma condição intratável e o nosso laudo é de que ele tem pleno entendimento e autodeterminação nos atos praticados”6 Thiago confessou o assassinato de mulheres, homens homossexuais e moradores de rua. Durante o período de oito horas que passou na Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc), afirmou que estava com vontade de matar. Já preso no Núcleo de Custódia do Complexo Prisional, o ex-vigilante ameaçou de morte outros detentos. Dois dias depois de preso, Thiago tentou se suicidar na cela, mas foi atendido por bombeiros e sobreviveu. 6 https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/psiquiatra-reforca-psicopatia-de-tiago-henrique-tinha- pleno-entendimento-de-seus-atos-72551/ 13 Em um especial produzido pela Câmara Record, programa da TV Record, Thiago cita um suposto arrependimento por suas ações e diz que o que espera de sua vida “deixa nas mãos de Deus”. Através de seu depoimento, é possível ver que o indivíduo não sente remorso pelas vítimas. Por todo o apurado, fica claro que Thiago possui manifestamente vários dos 20 quesitos indicadores de psicopatia apontados no trabalho. 14 Referências bibliográficas ABDALLA-FILHO, E. Avaliação de risco de violência em psiquiatria forense. Rev Psiquiatr. Clin. 2004;31(6):279-83. BARROS, Daniel Martins de. Introdução à psiquiatria forense [recurso eletrônico] /Daniel Martins de Barros. – Porto Alegre : Artmed, 2019, p. 71. MORANA, Hilda C P; STONE, Michael H; ABDALLA-FILHO, Elias. Transtornos de personalidade, psicopatia e serial killers. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo , v. 28, supl. 2, p. s74-s79, Oct. 2006. Organização Mundial de Saúde. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993. FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2020. RIBEIRO, Dr. Rafael Bernardon. Tratabilidade dos transtornos de personalidade antissocial e psicopatia – evidências. Disponível em: <https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUK EwiC1eK6lfzsAhWyEbkGHYmdCS4QFjAAegQIAxAC&url=http%3A%2F%2Fwww. cremesp.org.br%2Fpdfs%2Feventos%2FTratabilidade%2520do%2520Transtorno%252 0de%2520Personalidade.pdf&usg=AOvVaw3PU26IegpNwG1GeeZr7IAV>. Acesso em: 11/11/2020.
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