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Fim da Guerra Fria II a União soviética de 1964 a 1991 Com a queda de Nikita Kruschev, ascendeu ao poder Leonid Brejnev (1964-1982), cujo governo retomou internamente o centralismo político-administrativo, reprimindo as dissidências. Exter- namente, fez uso da força para impor o monolitismo do bloco comunista. A retomada do centralismo reforçou a máquina burocrática e afetou profundamente a produ- tividade soviética. A União Soviética e seus aliados perderam competitividade tecnológica em relação ao Ocidente, muito mais acentuada nos setores civis do que na indústria bélica. Às dis- sidências respondia-se com velhos métodos stalinistas, como medidas de força, prisões e tra- balhos forçados. Brejnev enfrentou a deterioração das relações com a China e sufocou a liberal- ização do regime socialista da Tchecoslováquia, invadindo-a em 1968 com as forças do Pacto de Varsóvia. a Primavera de Praga (1968) A Tchecoslováquia era governada por Alexander Dubcek, que imprimiu ao país reformas volta- das para um “socialismo humanizado”, estimulando a criatividade artística e científica. Esse mov- imento ficou conhecido como Primavera de Praga. As lideranças stalinistas foram afastadas e procedeu-se à descentralização e à liberalização do sistema, com amplo apoio de operários, in- telectuais e estudantes. O reformismo tcheco, calcado na autonomia, esbarrava, entretanto, na conjuntura soviética e internacional do final da década de 1960. Brejnev revertia a desestalinização de Kruschev e, no plano externo, experimentava o endurecimento da relação com os Estados Unidos, restabelecen- do a política de blocos, num retorno à confrontação da Guerra Fria. Em 20 de agosto de 1968, as tropas do Pacto de Varsóvia, sob orientação de Moscou, cruzaram a fronteira da Tchecoslováquia, invadindo-a. Os dirigentes do movimento, tendo à frente Dubcek, foram presos e enviados a Moscou e, mais tarde, expulsos do partido. Em 1969, Gustav Husák substituiu Alexander Dub- cek como primeiro-secretário do Partido Comunista tcheco. A União Soviética conseguiu, assim, manter a integridade do bloco dos países socialistas. O final do governo brejnev As medidas de força, como a repressão à Primavera de Praga, não eliminaram as crescentes críticas ao centralismo soviético. Pelo contrário, em 1976, os partidos comunistas da Europa Oci- dental manifestaram sua oposição ao dirigismo e à tutela ideológica dos soviéticos. Divulgaram um docu- mento por meio do qual defendiam a passagem do capitalismo para o socialismo de maneira autônoma e independente do Partido Comunista da União Soviética. Era a oficialização do eurocomunismo. Na Polônia, já na década de 1980, as pressões pela participação do operariado no governo lideradas pelo Sindicato Solidariedade, dirigido por Lech Walesa, reativaram a questão do socialismo democrático. Gan- hando cada vez mais prestígio nacional e internacional, a atividade de Walesa e do Solidariedade acirrou as dificuldades nas relações Leste-Oeste. Comparativamente às décadas de 1950 e 1960, a perda do ritmo produtivo soviético – com diminuição das taxas de crescimento industrial e agrícola e de produtividade do trabalho, na renda per capita e no PNB – foi agravada pela não participação da União Soviética no comér- cio mundial. O país deixou de exportar principalmente maquinaria, meios de transporte e equipamentos, como fazia nos anos 1960, para se concentrar cada vez mais na exportação de petróleo e gás (matérias-pri- mas, portanto), os quais representavam, em 1985, perto de 53% das exportações soviéticas. Na mesma época, 60% de suas importações eram basicamente de máquinas e produtos industrializados. O país procurava com isso satisfazer suas necessidades mais prementes, segundo as determinações da nomenklatura (a alta burocracia soviética). Resolvia problemas localizados e obtinha produtos importa- dos e receitas imediatas, sem atacar com profundidade os impasses produtivos, o que tornava cada vez mais urgente uma alteração de rumos. Com a morte de Brejnev, em 1982, aumentaram as dificuldades econômicas soviéticas, os entraves burocráticos ao desenvolvimento tecnológico e as dissidências inter- nas, enquanto a ofensiva anticomunista do governo Reagan ganhava fôlego. Um exemplo foi a invasão do Afeganistão (1979), conforme já vimos, que deixou em aberto a questão da ocupação desse país após a morte de Brejnev. Ao condenar internacionalmente a invasão, o governo Cart- er promoveu uma grande ofensiva norte-americana, financiando e fornecendo armamentos aos guerril- heiros muçulmanos das montanhas afegãs. Durante a administração Reagan, dizia-se que estava criado o “Vietnã” da União Soviética, pois o exército soviético vencia nas grandes cidades afegãs, mas era derrotado nas regiões interioranas, caminhando para a derrota definitiva. Brejnev foi sucedido por curtos governos da velha-guarda soviética: Iúri Andropov (1982-1984) e Kon- stantin Tchernenko (1984-1985), que mantiveram a deterioração política interna e externa e os elevados custos na manutenção da guerra do Afeganistão. Com a morte de Tchernenko, ascendeu ao governo Mikhail Gorbatchev, que seria responsável por profundas alterações na política da União Soviética. O governo de Gorbatchev (1985-1991) O novo governo lançou, ainda em 1985, um amplo projeto de transformações, sintetizado na política da perestroika (“reestruturação” econômica) e da glasnost (“transparência” política). O plano previa mu- danças na economia, na sociedade e até mesmo no socialismo, por meio da dinamização da produção e da democratização das estruturas sociopolíticas. No âmbito externo, Gorbatchev propôs a gradual de- sativação das armas nucleares até o ano 2000. Após conversações de resultado quase nulo com Ronald Reagan na Islândia (1986), então no auge do projeto denominado de “Guerra nas Estrelas”, Gorbatchev assinaria, no ano seguinte, um acordo de eliminação dos mísseis de médio e curto alcance, localizados na Europa e na Ásia. Estabeleceram-se também entendimentos sobre questões que abrangiam desde direi- tos humanos até problemas regionais das superpotências. Em 1988, a União Soviética iniciou sua retirada do Afeganistão, finalizada no ano seguinte, depois de oito anos de árduo e desastroso enfrentamento contra a guerrilha apoiada por Estados vizinhos e financiada pelos Estados Unidos. Começava uma fase de distensão profunda, a mais ampla desde o advento da Guerra Fria, o que indicava uma política de desar- mamento geral, pelo menos no bloco do Leste. A partir de 1990, no processo de distensão, reformulou-se o papel de organismos militares criados du- rante a Guerra Fria, cujos entendimentos e decisões culminaram no fim das forças militares do Pacto de Varsóvia, em 1991. A profundidade dos acordos de desarmamento, as transformações ocorridas nos países europeus orientais, o fim do monolitismo socialista e a democratização desfechada pela glasnost mu- daram as relações de poder internacional, lançando por terra o clima de confrontação Leste-Oeste e as alianças geopolíticas bipolares. No plano interno, Mikhail Gorbatchev deu início, com sua política de abertura, à mais ampla reforma econômica e política da União Soviética, que se irradiou para os demais países que compunham o bloco comunista. O ponto alto na política interna foi o fim do monopólio do poder do Partido Comunista soviético, o que possibilitou o multipartidarismo e a definição de eleições diretas em todos os níveis para 1994. Entretan- to, nas 15 repúblicas que formavam a União Soviética, tais mudanças políticas estimularam movimentos nacionalistas, que lutavam pelas respectivas independências, colocando em risco a própria existência da unidade socialista construída depois de 1945. No plano econômico, ainda em 1990, a perestroika era implantada para dinamizar a produção e o desen- volvimento. Nesse sentido, foram legalizadas as funções de artesãos e comerciantes e restabeleceu-se a propriedade privada no campo, embora com limites. Também se efetivoua abertura do país às empresas estrangeiras, facilitando a concessão de licenças. Alvo de críticas e resistência dos burocratas, detentores tradicionais do poder na União Soviética, Gorbatchev justificava sua política reformista como a preparação para o futuro, libertando-se das amarras externas e internas dos governos anteriores. as mudanças do leste Europeu Nos demais países do bloco socialista, as mudanças iniciadas pela União Soviética foram rapidamente assimiladas, ganhando dinamismo próprio e mudando a face do Leste Europeu. A Hungria já em 1989 adotou o multipartidarismo, e o Partido Comunista mudou de orientação política, transformando-se em Partido Socialista. Em seguida, o país procedeu a uma ampla privatização da econo- mia, permitindo também a entrada de capital estrangeiro, que, embora em pequeno volume, ajudou a Hungria a se aproximar rapidamente das potências capitalistas ocidentais. Na Polônia, em abril de 1989, foi legalizado o Solidariedade, sindicato independente, e em junho o país passou a ser o primeiro do Leste Europeu a ter um governo de maioria não comunista. No ano seguinte, as reformas econômicas e democráticas avançaram e, em dezembro, o líder sindical Lech Walesa obteve a vitória nas eleições presidenciais. Na Bulgária, o dirigente comunista Todor Jivkov renunciou após 35 anos no poder, sendo sucedido por líderes reformistas. Nas eleições de novembro de 1991, a União das Forças Democráticas foi vitoriosa e estabeleceu o primeiro governo não comunista búlgaro desde 1944. Na Tchecoslováquia, as manifestações pela democracia levaram à renúncia do dirigente Milos Jakes, acompanhada da abertura das fronteiras, do pluripartidarismo e de eleições livres, passando o governo a Alexander Dubcek e Vaclav Havel. Era a denominada Revolução de Veludo, assim chamada devido à forma pacífica das transformações. Em 1991, teve início a privatização da economia e, em janeiro de 1993, o país foi desmembrado em duas repúblicas, a República Tcheca e a Eslováquia. Na Romênia, as manifestações populares na cidade de Timisoara, que exigiam mudanças políticas e econômicas, acabaram reprimidas a tiros, causando milhares de mortes e dando início a uma revolta incontrolável. Em dezembro de 1989, o ditador Nicolae Ceausescu e sua mulher foram presos e executado sumariamente. No ano seguinte, re- alizaram-se eleições livres e gerais, seguidas de reformas econômicas. Na Alemanha Oriental (República Democrática Alemã), Erich Honecker foi destituído em outubro de 1989, e em novembro caía o Muro de Berlim, tendo início a união com a Alemanha Ocidental, concluída em outubro de 1990. Em 1991, a capital da Alemanha reunificada foi transferida de Bonn para Berlim (até então capital alemã-oriental). A ruína do socialismo real no Leste Europeu desmontou as tradicionais estruturas socioeconômicas da região, aumentando o desemprego, a inflação, as desigualdades sociais e os conflitos étnicos e políticos. A maior parte das novas posições empresariais, nos moldes ocidentais de um comando burguês, coube aos membros da tradicional burocracia e seus parentes, em íntima associação com os empresários internacio- nais. A situação de crise da região representou incertezas quanto à solidez da ordem internacional que se estabelecia em substituição à Guerra Fria. O fim da União soviética O governo de Gorbatchev, que produziu num curto espaço de tempo uma verdadeira revolução no bloco socialista, afetando e alterando por completo as relações políticas e econômicas nos âmbitos nacional e internacional, teve de enfrentar, dentro da União Soviética, a passividade e a inércia burocráticas. Esse en- trave desorganizou a já limitada produção econômica e as pressões dos grupos que desejavam reformas mais rápidas e profundas. Ainda no plano interno, sua administração enfrentava grande impopularidade em virtude basicamente de dois fatores: primeiro, a explosiva questão do separatismo nacionalista no in- terior das fronteiras do país; segundo, e mais grave, a questão do desabastecimento interno, provocando filas e manifestações, ampliado pelas elites burocráticas que dirigiam a economia soviética e eram con- trárias às reformas. Em agosto de 1991, membros dessa burocracia conservadora afastaram Gorbatchev do poder, num golpe que visava reverter o quadro político-econômico da União Soviética, à beira do des- controle. Bóris Yeltsin, presidente da principal república soviética, a Rússia, e líder dos radicais reformistas, convocou uma greve geral e obteve o apoio de milhares de civis e militares, que, mobilizados em frente ao Parlamento russo, derrotaram os golpistas. Yeltsin transformou-se no principal líder político soviético, sobrepondo-se ao próprio Gorbatchev, que se viu obrigado a renunciar ao cargo de secretário-geral do PCUS e dissolver o partido, então acusado de ligações com os golpistas, ficando apenas com o enfraquecido cargo de presidente da União Soviética. Em setembro de 1991, declarações unilaterais de independência das repúblicas bálticas (Estônia, Letônia e Lituânia), acompanhadas de distúrbios e conflitos com tropas soviéticas, levaram Gorbatchev a recon- hecer oficialmente a soberania dos três Estados, que, em seguida, foram admitidos na ONU. Era o primeiro golpe mortal na debilitada União Soviética. O golpe final contra Gorbatchev deu-se em dezembro de 1991, quando Rússia, Ucrânia e Belarus assinaram o Acordo de Minsk (capital de Belarus), proclamando o fim da União Soviética e a criação da Comunidade de Estados Independentes (CEI), que, pouco depois, obteve a adesão de outras ex-repúblicas da União Soviética. Em 25 de dezembro do mesmo ano, Gorbatchev renun- ciava ao cargo de presidente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, país que, naquele momento, já não existia. Os ex-países socialistas na globalização capitalista Após a derrocada do socialismo real no Leste Europeu e o fim da União Soviética, os ex-países socialistas viveram graves crises econômicas e políticas. A abertura de seus mercados ao capitalismo internacional e a desmontagem da ordem socialista favoreceram a emergência de uma nova elite econômica, uma nova “burguesia”, em grande parte descendente das criticadas elites burocráticas que ocupavam os altos cargos administrativos do período anterior. À crise socioeconômica que tomou a ex-União Soviética e os países do Leste Europeu, com inflação galo- pante e queda da produção nacional, somou-se, em algumas regiões, a confrontação étnico-política, dest- acando-se a da Bósnia-Herzegovina; da Croácia e de Kosovo, na ex-Iugoslávia; e da Chechênia, na Rússia. Após a Primeira Guerra Mundial, os povos eslavos do sul da Europa constituíram um reino – a Iugoslávia – que incluiu principalmente sérvios, croatas e eslovenos, tendo por capital Belgrado. Nessa época, eram os sérvios que detinham a maior influência e o poder regional, cabendo aos bósnios de religião muçulmana – herdeiros das influências do Império Turco Otomano, que dominara a região por vários séculos – uma posição de sujeição. Durante a Segunda Guerra Mundial, alemães e italianos chegaram a ocupar a Iugoslávia e criar um novo Estado na Croácia, o qual, sob tutela nazifascista, realizou diversos massacres de etnias, especialmente a sérvia. Entretanto, foi também nesse período que emergiu a liderança do croata Tito, comandante do Par- tido Comunista regional. Com seus seguidores, ele derrotou os nazistas e edificou a Iugoslávia da época da Guerra Fria, formada por uma federação estável de seis repúblicas autônomas (Eslovênia, Croácia, Bósnia- Herzegovina, Sérvia, Macedônia e Montenegro). A abertura política da década de 1990, provocada pela queda do socialismo real, desembocou em eleições nas quais os comunistas foram derrotados em várias repúblicas, mas venceram em Montenegro e na Sérvia. As repúblicas da Croácia e da Eslovênia decidiram abandonar a união (1991), dando início à guerra civil. Depois da declaração de independência da Croácia e da Eslovênia,em meio à confrontação, o Parlamento de Belgrado, na Sérvia, decidiu criar em 1992 a nova Iugoslávia, formada apenas pela Sérvia e por Montenegro. Em seguida, a Assembleia da ONU admitiu os vários novos países da ex-república iugo- slava e determinou embargo comercial total contra a Sérvia, em razão do apoio de Belgrado aos sérvios da região bósnia, que haviam criado uma república rebelde e se opunham à independência da Bósnia muçulmana e croata. Nem as negociações nem a presença de tropas da ONU ou sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia à nova Iugoslávia conseguiram a pacifi cação da região. Em resposta aos bombardeios das tropas da ONU e da Otan, os sérvios-bósnios chegaram até a sequestrar centenas de soldados das Nações Unidas (os “capacetes-azuis”). Os grupos rivais chegaram a criar e manter “campos de concentração” de prisioneiros, promover extermínio em massa – na prática, “limpeza étnica” – e estupros. Somente depois de quatro anos de uma guerra que deixou 250 mil mortos, centenas de milhares de feridos e quase 3 milhões de refugiados, em 1995, os diversos lados da guerra civil, pressionados pelas maiores potências mundiais, assinaram um acordo de paz. A paz – avalizada pelos governos de Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e Espanha – determinava a divisão territorial da Bósnia- -Herzegovina, cuja viabilização contaria com a presença de tropas e observadores da ONU e da Otan. O acordo – chamado pelos norte-americanos de Acordo de Dayton (cidade do estado de Ohio onde foram realizadas as negociações) e pelos franceses de Tratado de Paris (local da assinatura do documento) – constituiu, até então, o mais importante avanço para a pacifi cação e estabilização da Bósnia. Em 1998, entretanto, agravou-se o conflito separatista de Kosovo, província de maioria albanesa (mais de 80% da população), mas controlada pela Iugoslávia. A violência dos confrontos entre os kosovares do Exército de Libertação de Kosovo (ELK) e o exército iugoslavo repetiu-se nas atrocidades dos campos de extermínio e em relação à “limpeza étnica”, levando à intervenção da Otan, em 1999. Liderada pelos Estados Unidos, a organização militar fez mais de 25 mil incursões aéreas, bombardeando a Iugoslávia e pressionando seu governante, Slobodan Milosevic, a aceitar um acordo para a pacificação da região. As ações de extermínio em Kosovo, porém, prosseguiram, só que dessa vez dirigidas pelos muçulmanos albaneses contra a mi- noria sérvia local, configurando uma situação de destruição e ódio. Para reverter esse quadro, em 1999, Kosovo foi transformado num protetorado internacional, ficando sob o controle militar de uma força de paz estrangeira (Kfor) e sob administração de uma missão da ONU (Unmik). A sequência de guerras arrasou toda a região da ex- Iugoslávia e, em outubro de 2000, pressões populares levaram ao afastamento de Slobodan Milosevic do poder. Vojislav Kostunica, representante da principal coligação de oposição, foi indicado seu sucessor com o apoio internacional, na esperança de pôr fi m aos conflitos na Sérvia e promover a reorganização de toda a região, bem como o retorno dos milhares de refugiados que abandonaram as repúblicas da ex- Iugoslávia em direção ao Ocidente durante os anos de guerra, aliviando, assim, a tensão nas fronteiras da Europa desenvolvida. Em 2001, o ex-líder Slobodan Milosevic foi extraditado para julgamento no Tribunal Internacional de Crimes de Guerra em Haia, Países Baixos. Esse tribunal fora criado pela ONU em 1993 para julgamento de crimes de guerra e crimes contra a humanidade ocorridos no território da ex-Iugoslávia, sendo o primei- ro organismo internacional dessa natureza desde o imediato pós-Segunda Guerra Mundial (Tribunais de Nuremberg, na Alemanha, e de Tóquio, no Japão). Além de Milosevic, apelidado de “carniceiro dos Bál- cãs”, dezenas de políticos e militares foram procurados para serem julgados pelo tribunal. O julgamento de Milosevic iniciou-se em 2002 e continuou até março de 2006, quando ele foi encontrado morto em sua cela na prisão da ONU, perto de Haia. Em 2009, outro destacado participante dos conflitos, o ex-líder sérvio-bósnio, Radovan Karadzic, foi extraditado e submetido a julgamento no Tribunal Internacional de Haia, acusado de atrocidades contra muçulmanos durante a Guerra da Bósnia (1992-1995). A Iugoslávia, por sua vez, deixou de existir oficialmente e em fevereiro de 2003, passando a se chamar União da Sérvia e Montenegro. Em 2006, por meio de um plebiscito, decidiu-se pela completa separação entre Sérvia e Montenegro; em 2008, Kosovo separou-se, completando a fragmentação da ex-Iugoslávia. A Rússia, em meio às mudanças políticas, aos conflitos étnicos e ao agravamento da situação socioeco- nômica, também teve de enfrentar a declaração de independência da Chechênia, na região do Cáucaso, em 1991, sob a liderança de Dzhokhar Dudayev. Com Groznyy, a capital, várias outras cidades mergulharam em violentos confrontos, e nem mesmo um acordo de paz, assinado entre rebeldes e autoridades da Rús- sia, conseguiu pacificar o território. Transformada em república “autônoma” (porém ainda parte integrante da Rússia) com o fim da guerra de independência, em 1996, e tendo população de maioria chechena e religião muçulmana, a Chechênia não obteve a aceitação oficial de seu separatismo, o que motivou fre- quentes conflitos com as autoridades russas. Em 1999, depois de vários atentados terroristas em diversas cidades russas atribuídos a muçulmanos apoiados pela Chechênia, o governo de Moscou iniciou uma forte ofensiva militar contra o território rebelde, sem conseguir, no entanto, sua completa submissão. Em quase meia década de conflito, morreram milhares de soldados russos e dezenas de milhares de chechenos (de uma população de 1,2 milhão), a maioria entre a população civil, e também houve êxodo de mais de 300 mil refugiados de diversos novos atentados realizados por separatistas chechenos em 2002 levaram o presidente Vladimir Putin (eleito em 2000) a convocar um referendo para março de 2003. De cada cem eleitores chechenos, quase 90 (89%) votaram a favor de uma nova Constituição chechena, confirmando sua vinculação à república da Rússia. Seguiram-se as eleições para presidente (2004) e para o Parlamento (2005). Em 2006, muitos guerrilheiros chechenos depuseram as armas frente a uma proposta de anistia russa. Em 2009, o governo russo anun- ciou o fim de sua atuação intervencionista, denominada “operação antiterrorismo”, em meio a avanços nos entendimentos entre autoridades chechenas e lideranças separatistas. Várias outras regiões da Rússia também proclamaram sua independência, a exemplo da Tartária e do Dniester (na Moldávia). A diversidade étnica da Rússia, no início do século XXI, era o combustível para a instabilidade sociopolítica. A dificuldade para acordos de paz residia nessa ampla variedade étnica, que há séculos prevalece na região. Predominam os russos étnicos (85% de sua população), mas também há diversos outros grupos minoritários distribuídos por seu vasto território, entre eles tártaros, ucranianos, chuvaques, bashquires, belarusianos, casaques, usbeques e ossétios, entre outros. O pós-socialismo, tanto para o Leste Europeu como para as ex-repúblicas soviéticas, representou, de modo geral, dificuldades econômicas e sociais. O PIB de 1997 de cada uma das ex-repúblicas, por exemplo, era inferior ao de 1990, num claro sinal de empobrecimento. Obrigados a processar uma transição para o livre mercado que lhes permitisse ser absorvidos pelo novo modelo de desenvolvimento capitalista, os países ex-socialistas tiveram contra si a fragilidade de sua economia associada à voracidade dos investidores in- ternacionais. Na grande maioria deles, a situação social advinda dessa combinação levou a realidades mui- to mais difíceis de equacionar do que as enfrentadas no passado. Com tais efeitos, compreende-se que líderes como o russo Gorbatchev e o polonêsLech Walesa fossem, vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, tão rejeitados politicamente em seus países. No caso da Polônia, o estaleiro de Gdansk, então chamado Lênin, que era o quinto maior estaleiro do mundo nos anos 1980 e produzia 35 navios por ano, fabricava em 2009 apenas quatro embarcações. As transformações locais levaram à demissão de 90% de seus 18 mil empregados, e o Sindicato Solidariedade, que tinha 10 milhões de integrantes em 1989, duas décadas depois contava com apenas 750 mil filiados. No plano político, o primeiro presidente da Federação Russa, Bóris Yeltsin, enfrentou franca oposição par- lamentar, que acabou por levar ao fechamento do Parlamento em 1993, seguido de eleições que renovar- am o Legislativo russo e da aprovação de uma nova Constituição para o país. Em 1996, Yeltsin foi reeleito, mas sofreu forte oposição política e muitas pressões, entre as quais a ameaça de impeachment em 1999, sob a acusação de ser o responsável pelo desmoronamento social, econômico e político da região. Yeltsin renunciou à presidência em 31 de dezembro desse mesmo ano, quando assumiu Vladimir Putin, então primeiro-ministro. Com essa manobra, Yeltsin salvou-se de uma devassa em suas contas públicas e privadas e, antecipando as eleições, conseguiu eleger seu sucessor. Putin fora o grande articulador das ofensivas sobre o território da Chechênia em 1999, associando sua imagem ao sentimento de defesa da tão desgastada soberania nacional russa. Visto como “homem de pul- so firme”, ele ganhou o reconhecimento público nas eleições de março de 2000, momento de grave crise. Os dados eram implacáveis: embora 99% da população fosse alfabetizada, 35% dela vivia abaixo da linha da pobreza; o índice de desemprego era de 12,4% em março de 1999; a inflação, de 40% ao ano (1999); e o mercado negro movimentava 22% do PIB (Produto Interno Bruto). Até mesmo Putin reconhecia: “Somos um país rico de gente pobre”.4 Contudo, em março de 2004, a imagem de autoridade firme de Putin no governo da Federação Russa foi decisiva para que fosse reeleito, obtendo 71% dos votos nas eleições pres- idenciais. Em 2008, Putin apoiou o mandidato vitorioso à Presidência Dmitri Medvedev, que o sucedeu. Ainda em 2008, Putin assumiu o cargo de primeiro-ministro do governo Medvedev. Mesmo sendo o maior país em extensão territorial e dono do segundo maior arsenal de armas nucleares do planeta (o primeiro pertence aos Estados Unidos), a Rússia do início do século XXI já não contava mais com a tradicional zona de influência externa que possuíra na época da URSS. Mesmo assim, a partir de 2009 passou a ser um im- portante membro do BRIC, um acrônimo criado em 2001 pelo economista britânico Jim O’Neill para refer- ir-se a Brasil, Rússia, Índia e China. Esse conjunto de países representava então cerca de 41% da população mundial, 25% da superfície terrestre do planeta e 14% do PIB mundial (2009), e, segundo O’Neill, com imensos potenciais de virem a formar as grandes economias do futuro. Em 2011, quando a África do Sul passou a integrar o grupo – alterando o nome para BRICS –, o crescimento do bloco passou a representar 18% do índice mundial. Durante o governo Putin/Medvedev, foi retomado o crescimento da economia, em grande parte, por causa das exportações de hidrocarbonetos e seus altos preços no mercado internacional, recuperando a posição econômica da Rússia de 1990. Essa situação foi alcançada a partir de 2007, diminuindo significa- tivamente o número de russos que viviam abaixo da linha de pobreza (queda de 35% em 2000 para 14% em 2008), sofrendo, no entanto, novos solavancos com a crise internacional iniciada em 2008. Em 2012, Putin foi novamente eleito presidente sucedendo Medvedev e este assumia o cargo de primeiro-ministro.