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Brasil Colônia Parte I A gradativa tomada de posse A instauração de uma colônia portuguesa no território americano não se deu imediatamente após a tomada de posse por Pedro Álvares Cabral, em 1500. Portugal mantinha seus recursos voltados para o comércio oriental, deixando a colônia americana, por alguns anos, numa posição secundária, pois ainda não havia encontrado aqui metais preciosos nem produtos similares aos do rentável comércio afro-asiático: ouro, marfim, especiarias, porcelanas, seda, algodão, escravos, entre outros. A única preocupação com o território recém-conquistado era garantir sua posse, enfrentando as contínuas investidas de outros países europeus. Para isso, nos primeiros anos após a chegada de Cabral, a Coroa mandou expedições à sua colônia da Améri- ca. A primeira expedição chegou em 1501. Além de nomear diversas localidades litorâneas, como a Baía de Todos-os-Santos e o lugarejo de São Sebastião do Rio de Janeiro, confirmou a existência do pau-brasil, madeira da qual se extraía um corante já utilizado na Europa para tingimento de tecidos. Em 1503, outra ex- pedição fundou feitorias no litoral fluminense para a armazenagem da madeira e o carregamento de navios. As feitorias, além de guardar os produtos extraídos da colônia, eram postos de defesa contra outros conquis- tadores. Em torno da sede, formavam-se plantios e se criavam animais para o sustento dos feitores e militares locais, de modo que acabaram por tornarem-se núcleos colonizadores. Em razão da abundância de pau-brasil no litoral brasileiro, a Coroa portuguesa estabeleceu o monopólio real sobre a exploração do produto. Mais tarde, os indígenas passaram a ser utilizados na extração da madeira. Por meio do escambo (troca), os indígenas realizavam o corte e o transporte da madeira e rece- biam por isso objetos vistosos, mas de pouco valor, como espelhos, miçangas e instrumentos de ferro. Depois os indígenas passaram a receber também armas de fogo, pólvora, cavalos, espadas, em troca de farinha, milho e “peças”. “Peças” eram os chamados “negros da terra”, indígenas aprisionados para serem escravizados. Em consequência, esse tipo de escambo estimulou, da mesma forma que na África, as guerras in- tertribais. A extração do pau-brasil atraía também os contrabandistas estrangeiros, o que levou o governo português a enviar expedições militares ao litoral brasileiro em 1516 e 1526. Apenas trinta anos depois da chegada de Cabral os portugueses se dedicaram a colonizar o território da América. O comércio português com o Oriente entrou em crise, reduzindo os lucros de Portugal. Além disso, invasões de outros povos euro- peus ameaçavam a posse da Colônia. A primeira expedição colonizadora foi comandada por Martim Afonso de Souza, que chegou em 1531. Nomeado capitão-mor da esquadra e das terras coloniais pelo rei de Portugal, Martim Afonso chegou trazendo homens, sementes, plantas, ferramentas agrícolas e animais domésticos. Detinha amplos poderes para procurar riquezas, combater estrangeiros, policiar, administrar e povoar as terras coloniais. Além de organizar expedições de exploração do território para reconhecimento e busca de riquezas, Martim Afonso dirigiu-se à foz do rio da Prata, no sul, para efetivar o domínio luso diante da crescente presença de outros exploradores europeus na região. Lá aprisionou vários navios piratas franceses. Sua política colonizadora consistiu na distribuição de sesmarias (lotes de terra) aos novos habitantes que se dispusessem a cultivá-las, bem como na plantação da cana-de-açúcar e construção do primeiro engen- ho da colônia. Fundou, em 1532, as vilas de São Vicente e Santo André da Borda do Campo, respectivamente no litoral e no interior do atual estado de São Paulo. o projeto Agrícola da exploração colonial portuguesa A partir do século XVI, iniciativas colonizadoras diferenciadas marcaram a integração do continente ameri- cano à vida política e principalmente econômica da Europa. Parte da América do Norte foi colonizada por in- gleses como uma região onde prevaleceu o povoamento, embora o sul do território dos atuais Estados Unidos fosse uma região predominante de exploração. Já a colonização ibérica na atual América Latina caracterizou-se por se basear no domínio monopolista metropolitano, a serviço do Estado e de sua classe mercantil, que tinha interesse em assegurar a posse e a exploração colonial e executar a administração e a fiscalização. Pelas características peculiares da colônia portuguesa e da expansão lusa, a colonização foi feita a partir da agricultura. Para viabilizar a ocupação e o povoamento da colônia, a Coroa portuguesa recorreu ao cultivo da cana-de-açúcar, pois até então, ao contrário do que ocorrera nas áreas de dominação espanhola, não haviam sido descobertas jazidas de metais preciosos. Embora Portugal já conhecesse o cultivo da cana-de-açúcar desde o século XIII, foi só no século XV que essa atividade ganhou amplitude e deixou de ser uma produção limitada e isolada. A mudança ocorreu com a instalação de engenhos na ilha da Madeira, outra colônia portuguesa, onde as técnicas de cultivo se de- senvolveram. O trabalho era feito por escravos, trazidos das regiões conquistadas na costa africana. O investi- mento português contou com o apoio de mercadores e banqueiros de Flandres (norte da Europa), que ficaram responsáveis pelo financiamento, refino e distribuição do açúcar. Nesse empreendimento de proporções tão grandes, que Portugal implantou em sua colônia da América, a mão de obra também não representava um problema. A escravidão havia muito tempo era praticada por europeus e árabes na chamada África negra (centro-sul do continente). Foi considerada uma instituição justa, quando, no seu início, os portugueses escravizavam os mouros, considerados infiéis pelos cristãos. A “infidelidade” religiosa acabou sendo também estendida aos ne- gros africanos, legitimando sua escravização. Veja o que diz o historiador Ronaldo Vainfas sobre a relação entre a Igreja e a escravidão: a Igreja apoiou a escravidão. através da bula papal Dum diversas, de 1452, o papado concedeu aos portugueses o direito de atacar, conquistar e submeter pagãos e sarracenos, tomando seus bens e r eduzindo-os à escravidão perpétua. a bula Romanus pontifex, de 1455, ampliou o território de atuação dos portugueses, incluindo Marrocos e as Índias. Várias outras bulas ratificaram ou ampliaram os poderes conce- didos aos portugueses no sentido de converter homens à fé católica, escravizá-los e comercializá-los. A utilização do trabalho escravo africano envolvia interesses ligados ao tráfico negreiro, que logo se tornou um empreendimento altamente lucrativo para a Coroa e para os mercadores portugueses. Em relação ao trabalho indígena, havia diferentes formas de entender a legitimidade da utilização dessa mão de obra. Existiam também diversas interpretações das leis metropolitanas que regulavam as relações com os indígenas. Foi assim que foram se moldando as relações de colonos, jesuítas e funcionários metropolitanos com os povos nativos. A mão de obra indígena foi largamente utilizada por meio da aliança dos colonos com grupos nativos, da interferência dos jesuítas, que criaram aldeamentos indígenas, ou ainda por meio da dominação dos chama- dos “índios bravos”, escravizados segundo o conceito de “guerra justa”. Amparados por uma legislação contraditória e variada, colonos e jesuítas se beneficiaram do trabalho compulsório dessas populações. No entanto, mesmo nas regiões do território em que essa utilização foi co- mum, a dizimação cultural e física e a expulsão destes povos ao longo dos séculos levou ao predomínio do trabalho escravo africano nas atividades econômicas desenvolvidas na colônia portuguesa na América. as instalações produtivas açucareiras Martim Afonso de Souza trouxe as primeiras mudas de cana-de-açúcar da ilha da Madeira e instalou o primeiro engenho da colônia em São Vicente, no ano de 1533. Inaugurava-se, assim, a base econômicada col- onização portuguesa no Brasil. Os engenhos multiplicaram-se rapidamente pela costa da América portuguesa, chegando a 400 em 1610. A importância econômica do açúcar como principal riqueza colonial evidencia-se no valor das exportações do produto no período do apogeu da mineração (século XVIII): superior a 300 milhões de libras esterlinas, enquanto a mineração, na mesma época, gerou um lucro de cerca de 200 milhões. A produção de açúcar voltava-se especialmente para a exportação. No entanto, a chamada cultura do açúcar movimentou um mercado interno e gerou hábitos alimentares, técnicas de produção e consumo dos derivados do açúcar (como o melado, a rapadura e a cachaça), e marcas permanentes na cultura material brasileira, como os utensílios, máquinas e locais destinados ao beneficiamento da cana-de-açúcar. Embora ini- cialmente tenham sido destinados à produção canavieira grandes investimentos de capital, as melhores terras e a maior parte da mão de obra, os pequenos engenhos também tiveram importância nas vilas coloniais. Além disso, outras lavouras e práticas econômicas movimentaram a economia colonial e o mercado interno e eram desenvolvidas como suporte à manutenção do engenho: plantio de milho, feijão, arroz; criação de animais; produção de ferro e louças, etc. O responsável pela produção açucareira – o senhor de engenho – tinha enorme prestígio social. Era um tipo de “nobre da terra”, um membro da “açucarocracia”. Assim, no início da colonização e em algumas localidades da colônia da América portuguesa, a agricultura assentava-se sobre o latifúndio mono- cultor (grandes extensões de terras destinadas a uma cultura agrícola), escravista e exportador, um padrão de exploração agrícola denominado plantation pelos estudiosos. O Nordeste, destacadamente o litoral de Per- nambuco e da Bahia, concentrou a maior produção de açúcar da colônia. As unidades açucareiras, conhecidas como engenhos, eram instaladas em propriedades de terra obtidas por doação (as sesmarias). Com seu predominante sentido exportador, muitas vezes acabou refletindo na falta de produtos para o abastecimento da população. Em tal quadro, na busca de superação de tais dificuldades crescia a diversificação de atividades, com o desenvolvimento do tropeirismo, de lavouras voltadas para o consumo e de outras diferentes atividades econômicas. Um grande engenho chegava a ter cerca de 5 mil mora- dores. Era constituído de áreas florestais, fornecedoras de madeira; plantações de cana; a casa--grande: residên- cia do proprietário, de sua família, dos agregados e sede da administração; a capela; e a senzala, alojamento dos escravos. Uma área era destinada à lavoura de subsistência, com mandioca, milho, etc. A moenda, a casa das caldeiras e a casa de purgar formavam a fábrica do açúcar, o engenho propriamente dito. O produto era enviado para Portugal e depois para Flandres, onde era refinado e comercializado. No topo da sociedade açuca- reira estavam os senhores de engenho, proprietários das unidades agroexportadoras. Abaixo deles estavam os “senhores obrigados” ou lavradores de cana, fazendeiros que não possuíam instalações de fabricação de açúcar. Moíam a cana em um engenho próximo, pagando, em geral, com metade do açúcar obtido. Uns e outros eram geralmente homens brancos, de ascendência lusitana, que tinham algum capital e haviam recebido as terras como recompensa por serviços prestados à Coroa, o que lhes garantia prestígio social e influência política. O poder dessa aristocracia expandia-se pelas vilas, dominando as câmaras municipais e muito da vida colonial. Refletia-se também no âmbito privado, já que os senhores eram obedecidos e temidos como chefes. As mulheres administravam a casa, onde deveriam permanecer recolhidas, e controlavam o trabalho dos es- cravos domésticos. Esse caráter tipicamente patriarcal, predominante entre as elites coloniais, nem sempre vig- orou. Entre as mulheres dessa elite, muitas comandaram engenhos (especialmente as viúvas), outras estiveram à frente de atividades comerciais e não era raro a reação à dominação masculina com pedidos de divórcio. Como toda América portuguesa não se resumia apenas aos grandes engenhos e seus senhores, tal predomínio masculino e sujeição feminina era menos efetivo em outros grupos sociais, com a existência de diferentes tipos de famílias. Havia a família dos africanos escravizados, dos indígenas, das concubinas que sustentavam seus filhos sozinhas, dos padres com suas amasiadas e filhos, etc. Enfim, para além da organ- ização familiar típica dos senhores de engenho, existia um mosaico variado de modelo familiar no conjunto da população colonial, cabendo às mulheres diferentes atuações, muitas vezes ocupando o comando de unidades econômicas produtivas. Na sociedade dos senhores de engenho prevalecia a rígida divisão social, com senhores e cativos. A mobili- dade social não era proibida, mas era pouco provável. As pessoas livres, como feitores, capatazes, padres, mil- itares, comerciantes e artesãos, dedicavam-se a atividades complementares no engenho e nos poucos núcleos urbanos dessa época. Os africanos escravizados formavam a base econômica da sociedade açucareira e eram responsáveis por quase todo o trabalho da colônia, desde os serviços domésticos na casa-grande até a lavoura e a produção de açúcar. Em tudo eram vigiados por um feitor, que lhes aplicava castigos físicos constantemente. A relação econômica entre a metrópole e a colônia se caracterizou pela exportação da produção (inicialmente o açúcar) e importação de artigos de luxo, para sustentar a opulência dos senhores de engenho do Nordeste. Os senhores mandavam vir roupas, alimentos e até objetos decorativos da Europa. Com o desenvolvimento da economia açucareira e o aumento da população nos engenhos e nos núcleos urbanos, a necessidade de alimen- tos, roupas e outros produtos também aumentou. Pouco a pouco, homens e mulheres assumiram o exercício de diversas outras atividades, ativando de forma gradual um nascente mercado comercial interno de outras mercadorias.
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