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Revisão técnica: Luciana Bernadete de Oliveira Graduada em Ciências Políticas e Econômicas Especialista em Administração Financeira Mestre em Desenvolvimento Regional Marcia Paul Waquil Assistente Social Mestre em Educação Doutora em Educação Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB -10/2147 L732q Lima, Andréia Saraiva. Questão social e serviço social [ recurso eletrônico ] / Andréia Saraiva Lima; [revisão técnica: Luciana Bernadete de Oliveira, Marcia Paul Waquil]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. ISBN 978-85-9502-391-8 1. Serviço social. I. Título. CDU 36 1_Iniciais.indd 2 11/04/2018 09:28:10 O terceiro setor Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: De� nir o conceito de terceiro setor. Avaliar o impacto do terceiro setor na sociedade contemporânea. Ilustrar a despolitização da questão social a partir da emergência do terceiro setor. Introdução Neste capítulo, você vai conhecer o tema Terceiro Setor e compreender sua gênese na sociedade brasileira. Sua definição conceitual em um contexto societário capitalista de ideologia neoliberal precisa ser compreendida, assim como seus desdobramentos na sociedade e a maneira como toda essa dinâmica promove um impacto direto sobre as relações de trabalho e sobre a questão social. O que é e como surge o terceiro setor Nossa sociedade é dividida em setores, e cada um deles possui poderes, papéis e competências particulares. Não podemos falar de terceiro setor sem compre- endermos que estamos inseridos em uma superestrutura na qual o capitalismo estabelece regras e valores econômicos, sociais e culturais. Estamos falando, portanto, de Estado e de Sociedade. Na sociedade atual temos a divisão setorial: primeiro, segundo e terceiro setores. Cap_13_Questao_Social.indd 1 17/05/2018 09:49:20 Primeiro setor: É o conjunto das atividades do Estado consideradas essenciais ao interesse público e de sua exclusiva responsabilidade, como a administração da justiça, a elaboração e aprovação das leis, e o poder de polícia. Corresponde aos entes da administração pública direta. Segundo setor: É o da sociedade civil, concebido pelo conjunto das atividades privadas, com finalidades estritamente particulares, na indústria, comércio, bancos, agronegócios, clubes, escolas, sindicatos, cooperativas, associações e uma infini- dade de serviços em geral; cujo núcleo central são as empresas e os trabalhadores e inúmeras atividades, inclusive sem fins lucrativos, mas cuja natureza não afeta, necessariamente ao interesse público. Terceiro setor: Configura-se, assim, de forma híbrida, formado de atividades priva- das, situadas na sociedade civil, mas que o Estado reconhece ou declara serem de interesse público. As entidades ou organizações que lhe dão forma, embora de natureza privada, não se confundem com as demais organizações e entidades civis que atendem a interesses estritamente privados de seus associados, como os sindicatos e as cooperativas, por exemplo. Fonte: Simões (2011, p. 467, 470). A Sociedade Civil, pensada etimologicamente, é dividida em dois conceitos básicos: Sociedade e Civil. A palavra sociedade tem sua origem no latim so- cietas, “[...] que significa associação amistosa com outros. Sociedade pode ser definida como um sistema de relações humanas culturalmente padronizadas [...]” (CAMARGO, 2017). Trata-se de um conjunto de pessoas que vivem sob valores, normas, hierarquias e papéis culturalmente e ideologicamente estabelecidos, formando uma rede de relacionamentos institucionais. Pensadores como Karl Marx (1818-1883) e Antônio Gramsci (1891-1937) escreveram suas teorias sobre a sociedade, as quais são referência e ainda pertinentes na contemporaneidade. Segundo Duriguetto (2005), Gramsci define sociedade civil como pertencente “[...] ao momento da superestrutura, diferente da formulação marxiana, que identifica sociedade civil com infraestrutura econômica [...]”. É a forma como a economia se desenvolve e determina as relações sociais. Para Gramsci, “[...] a sociedade expressa a articulação dos interesses das classes pela inserção econômica, mas também pelas complexas mediações ideopolíticas e socioinstitucionais [...]” (DURIGUETTO, 2005, p. 10-11). Ele compreende a sociedade civil como campo de mediação entre a infraestrutura econômica e o Estado. O terceiro setor2 Cap_13_Questao_Social.indd 2 17/05/2018 09:49:20 Gramsci defende que existe a Sociedade Política e a Sociedade Civil. A sociedade política corresponde ao Estado em sentido estrito, Estado-coerção, sendo composta pelo conjunto dos mecanismos por meio dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência e que se identifica com os aparelhos coercitivos ou repressivos de Estado, controlados pelas burocracias (DURIGUETTO, 2005). É por meio da sociedade política que as classes exercem a dominação mediante coerção. Já a sociedade ci- vil corresponde ao Estado ético formado pelas organizações da sociedade civil (OSC), “[...] responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo as escolas, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, os meios de comunicação, etc.” (CAMARGO, 2017). Jonh Locke e Jean Jacques Rosseau, ambos filósofos iluministas, analisaram os alicerces da relação entre Estado e Indivíduos e defenderam que, ao ser concebido como indivíduo dotado de razão e de direitos, o ser humano passa a ter “direitos naturais”. Estes são: o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Assim, começam a surgir as primeiras ideias relativas ao Estado de Direito. Estado e Sociedade Civil, no Estado Democrático de Direito, possuem papéis e estruturas diferenciados. O Estado, na lógica neoliberal, assume as funções básicas para garantia da ordem, da convivência social e da manutenção e reprodução do sistema capitalista de produção. Já o termo Sociedade Civil ganhou força e sentido no período histórico ligado à ditadura militar no Brasil, pois foi muito utilizado para diferenciar a sociedade civil dos militares. Civil também está relacionado à cidadania ou ao exercício de direitos e deveres. Cidadania tem sua origem no latim civitas, que significa cidade. Na antiguidade, mais precisamente em Roma, cidadania indicava a situação política de um indivíduo, bem como sua possibilidade de exercer ou não os direitos socialmente estabelecidos. Representava também, a noção de pertencimento territorial. Conceitualmente, o termo cidadania passou por mudanças profundas. Atualmente, o conceito de cidadania se amplificou abrangendo não somente o gozo de direitos e deveres de um indivíduo em determinado território, mas significando participação para a transformação social, luta por direitos, vida em sociedade e construção coletiva da realidade política, ideológica, social, cultural e econômica de uma dada sociedade. É através do exercício da cidadania por toda a sociedade que se faz possível, assim como se fez no decorrer da história do povo brasileiro, no passado, a transformação social através da garantia de direitos. Participação cidadã através da sociedade 3O terceiro setor Cap_13_Questao_Social.indd 3 17/05/2018 09:49:21 civil organizada em assuntos de interesse coletivo transformou a realidade brasileira, redemocratizando-a. Entretanto, há que se ter o olhar suficientemente crítico para compre- endermos os movimentos societários em torno dos papéis exercidos pela Sociedade Civil e pelo Estado. As relações entre ambos estão inseridas no contexto capitalista, de ideologia neoliberal e globalizada, no qual os valores estão, por vezes, imbuídos de interesses econômicos, não necessariamente voltados ao interesse público. A trajetória histórica do terceiro setor e seus impactos na contemporaneidade As instituições públicas sem fi ns lucrativos existem desde o Brasil colônia no século XIX, compreendidas enquanto missão religiosa.Atendiam famílias po- bres por meio das ações da Igreja Católica, especialmente na área da educação. Instituições para a educação de meninos surgiram no Brasil colonial com a ação educacional jesuítica, que implantou escolas elementares (de ler, escrever e contar) para crianças pequenas das aldeias e vilarejos, e criou colégios para a formação de religiosos e instrução superior de filhos das camadas mais privilegiadas da população (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 22). Havia o entendimento de que a condição de pobreza era responsabilidade do próprio indivíduo, inclusive, no caso de crianças e adolescentes. Assim, as instituições católicas e o próprio estado criavam suas instituições de correção das “situações irregulares”. Segundo a autora, as crianças e adolescentes pobres passam a ser alvo de intervenção do Estado na segunda metade do século XIX. “Os menores passam a ser alvo específico da intervenção for- madora/reformadora do Estado e de outros setores da sociedade” (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 22). O asilo de menores abandonados foi criado pelo chefe da polícia carioca, Alfredo Pinto Vieira de Mello, em 1907, para o abrigo de crianças recolhidas nas ruas do Rio de Janeiro. Foi administrado pela polícia até 1915, quando foi integrado ao Patronato de Menores (particular), devido à má administração. As penas disciplinares infligidas aos menores eram excessivas e desumanas. Passou a ter a denominação de Casa de Preservação”. (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 22). Na lógica das relações capitalistas o Estado deve ser mínimo, ou seja, as intervenções estatais devem ser reduzidas, especialmente no âmbito econômico O terceiro setor4 Cap_13_Questao_Social.indd 4 17/05/2018 09:49:21 e não devem ser “desperdiçados” recursos financeiros com a questão social. A visão geral da época era de que o Estado seria incompetente para assumir as políticas públicas. Assim, as instituições religiosas e caritativas assumiam as responsabilidades do Estado. Da mesma forma, ocorre nos governos de ideologia neoliberal da sociedade contemporânea. Havia também, em Portugal e na França, por iniciativa da Igreja Católica, a Roda dos Expostos, que recebia bebês abandonados e os acolhia em suas instituições, denomi- nadas Casas dos Expostos (Figura 1), mantendo o anonimato de quem abandonava. No Brasil do século XVIII, a Roda dos Expostos surgiu no período colonial por iniciativa da Santa Casa de Misericórdia, sendo extinta somente na época da República. A lógica da proteção era invertida: aos que abandonavam havia a proteção do anonimato e da lei; aos que eram abandonados restava o estigma, até mesmo por serem “expostos”. Tratava-se de uma abertura giratória em uma parede, na qual as pessoas poderiam colocar os bebês, girá-la para dentro e tocar um sino para avisar a instituição que havia um bebê na roda. Assim, eram mantidos no anonimato os responsáveis pelo abandono. Figura 1. Ilustração de uma roda dos expostos, abertura giratória em uma parede de insti- tuições mantidas pela Igreja Católica, onde as pessoas colocavam os bebês abandonados (expostos). No entanto, a identidade de quem abandonava era mantida no anonimato. Fonte: Milan (2011). 5O terceiro setor Cap_13_Questao_Social.indd 5 17/05/2018 09:49:22 Na década de 1960 surge, em pleno período de ditadura militar no Brasil, o termo Organização da Sociedade Civil. Eram movimentos sociais em busca da redemocratização do país. No âmbito das políticas sociais executadas pelo Estado durante os anos 1960 e 1970, também houve desenvolvimento durante a ditadura militar, na perspectiva de direitos vinculados ao trabalho formal, assalariado e de seguro, uma vez que isso se constituía a partir da contribuição dos trabalhadores. O governo de Getúlio Vargas estabeleceu parcerias com a Igreja Católica, incentivando e apoiando a realização de ações assistencialistas e em educa- ção. Dessa forma, com o desenvolvimento dessas práticas ao longo dos anos 1970, foi sendo incrustada no imaginário social a ideia de assistência social enquanto assistencialismo, imprimindo cunho caritativo ao que deveria ser responsabilidade estatal. Em nível mundial, em 1974, a crise econômica e o neoliberalismo se insta- lavam, levando as políticas sociais a retornarem à sua lógica liberal residual, relegando os direitos sociais à caridade, sendo que, no Brasil, também foram sentidas as consequências dessa crise internacional. À crise capitalista de 1974 sucedeu um período de prosperidade da economia brasileira, o chamado “milagre econômico”, em que se deu o crescimento industrial e produtivo, aliado à superexploração dos trabalhadores e ao alto custo de vida impostos à população. Esse período de crescimento econômico se encerrou tão logo as condições internacionais se mostravam desfavoráveis. O resultado disso foi a redução de investimentos e de empréstimos estran- geiros, o aumento do preço do petróleo e a falta de prestígio do governo junto a alguns setores da burguesia industrial. Quando chegamos aos anos 1980, o desemprego já era estrutural no país, principalmente devido à revolução tecnológica e organizacional na produção. Diante desse cenário de crise econômica o governo reduziu, largamente, os gastos sociais. As consequências dessa gestão das políticas públicas, ali- nhadas ao ideário neoliberal, apresentaram, ainda nos anos 1980 e início de 1990, o crescimento da pobreza e da miséria e da exclusão dos meios de produção, além da precarização dos serviços públicos – ou seja, a ampliação das desigualdades sociais. Paralelamente à execução de políticas neoliberais havia um forte movimento de resistência em 1984, com o qual o Brasil movia esforços em direção à nova República. Realizavam-se negociações que reuniram militantes da reforma da Previdência e da Saúde e que apontavam o dever do Estado para com as políticas de proteção social. Além disso, no ano de 1985, a Assistência Social passou a ser compreendida enquanto política pública pelo I PND – Plano Nacional O terceiro setor6 Cap_13_Questao_Social.indd 6 17/05/2018 09:49:22 de Desenvolvimento da Nova República, reconhecendo o usuário enquanto sujeito de direitos, devendo ser estimulada e ampliada a sua possibilidade de participação nos assuntos relacionados às políticas públicas. Assim, iniciava- -se o processo lento de rompimento com a visão de assistência social tutelar e caritativa. Contudo, contraditoriamente a esse movimento, foi criado, naquele mesmo ano, o Ministério da Ação Social, constituído pela Legião Brasileira de Assistência (LBA), órgão assistencial criado em 1942 e extinto em 1992, sendo sempre dirigido pelas primeiras-damas da República (SPOSATI, 2005). Durante os anos 1980, muitos foram os movimentos e transformações econômicas, políticas e sociais que promoveram a elaboração da Constituição Federal de 1988. No âmbito econômico, o Brasil enfrentava o endividamento externo, a alta inflação e planos de estabilização da moeda e da economia; politicamente, os movimentos sociais lutavam pelo Estado democrático, espe- cialmente aqueles ligados aos trabalhadores que tencionavam por mudanças profundas no cenário político nacional. Dessa forma, direitos sociais basais foram conquistados devido à pressão desses movimentos sociais da sociedade civil organizada, sendo uma destas conquistas o Sistema de Seguridade Social. Já em 1986, inclusive, o Movimento Constituinte tencionava pela inclusão da assistência social na seguridade, de modo que fosse composta pelas Políticas de Saúde, Previdência e Assistência Social. Nesse sentido, as organizações da sociedade civil organizada foram essenciais para as conquistas de direitos no Brasil. É importante assinalar que o Artigo 1º da Constituição de 1988 amplia a no- ção de interesse público para além do mínimo estatal, abrangendo as inúmeras atividades privadas executadas por instituições não-governamentais sem fins lucrativos, ou seja, pelo terceiro setor. E esse reconhecimento das atividadescomprovadamente de interesse social é uma exigência da democracia. Contudo, logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, as conquistas pelos direitos são seriamente atacadas pelas investidas neoliberais por meio de políticos conservadores e setores importantes da burguesia, re- vertendo através de emendas constitucionais muitas das conquistas populares. As resistências de fazer cumprir as responsabilidades do Estado em relação às políticas sociais só fizeram aumentar mediante políticas governamentais de ideologia neoliberal. Nessa ótica, o Estado deveria investir minimamente na Assistência So- cial, na Educação, na Saúde, na Previdência Social, de modo a obter maior quantidade de recursos financeiros para investir no mercado e na economia nacional, concentrando a riqueza do país nas mãos de uma pequena minoria. Para isso, as responsabilidades estatais foram transferidas para as entidades 7O terceiro setor Cap_13_Questao_Social.indd 7 17/05/2018 09:49:22 da sociedade civil e a ideia de um Estado incompetente para executar as políticas sociais é amplamente difundida com o intuito de angariar apoio de setores da sociedade para as privatizações e repasse de responsabilidades para o terceiro setor. No início dos anos 1990, as organizações da sociedade civil obtiveram maior visibilidade devido ao evento da ECO 92, Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento, realizada no ano de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, e do Movimento pela Ética na Política, de 1993, o qual originou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, sob a liderança do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Segundo o Observatório do Terceiro Setor (2017), no ano de 1998 foi estabelecida pela Lei nº 9.637/98 a regulamentação das Organizações Sociais (OS). A Lei trata de uma qualificação que pode ser concedida pelo Poder Executivo às entidades privadas – pessoas jurídicas de direito privado – sem fins lucrativos, destinadas ao exercício de atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura ou à saúde. A lei estabelece que, obrigatoria- mente, uma OS deva possuir determinadas porcentagens de representantes tanto do Poder Público como também da sociedade civil na composição do seu Conselho de Administração. Para o estabelecimento de parcerias, entre o Poder Público e a Organização Social, a Lei nº 9.637 criou um instrumento específico denominado Contrato de Gestão. Além disso, foi adotada, no início da década de 90 do século XX, a ex- pressão Organizações da Sociedade Civil (OSC) pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e significa a mesma coisa que Organização Não Governamental (ONG). Trata-se de qualquer entidade que desenvolva projetos sociais com finalidade pública. Tais entidades também são classificadas como instituições do Terceiro Setor, uma vez que não têm fins econômicos. Ainda, segundo o Observatório do Terceiro Setor (2017), temos a Orga- nização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), instituída pela Lei Federal nº 9.790, de março de 1999. Ela estabelece uma qualificação aplicável a pessoas jurídicas de direito privado sem fins econômicos, correspondendo a associações ou fundações. A criação da OSCIP possibilita, entre outras coisas, que a entidade tenha acesso aos recursos públicos, de acordo com o Termo de Parceria. Possibilita, também, oferecer dedução fiscal das doações das empresas que a patrocinam e que sejam administradas por profissionais remunerados. As instituições de interesse público da sociedade civil possuem papel importante na execução de serviços sociais, entretanto, devem ser comple- mentares às políticas públicas estatais, não assumindo a responsabilidade por O terceiro setor8 Cap_13_Questao_Social.indd 8 17/05/2018 09:49:22 toda ou pela maioria da sua implantação e implementação. “A universalidade no acesso aos programas e projetos sociais, abertos a todos os cidadãos, só é possível no âmbito do Estado, ainda que não dependam apenas do Estado” (IAMAMOTO, 2003, p. 46). No entanto, diante de políticas públicas e gestões de ideologias neoliberais e globalizadas, os recursos financeiros são direcionados às grandes empresas e bancos, mantendo o capital cada vez mais concentrado e reproduzindo desi- gualdades sociais de toda ordem. A visão limitada de que as políticas públicas não são executadas de forma efetiva e eficiente pelo Estado apenas reforçam a fragmentação, a residualidade e a focalização de serviços socioassistenciais. A universalidade de acesso aos direitos sociais passa pela regulação estatal das políticas públicas, evitando-se a precariedade da prestação de serviços essenciais e complementares, a meritocracia, o clientelismo e o assistencialismo. Além disso, inibem-se as precariedades das relações de trabalho, a aquisição de mão de obra barata e a consequente desqualificação dos serviços ofertados. Considerações finais Primeiramente, estudamos neste capítulo o conceito de Terceiro Setor, articula- damente ao entendimento da superestrutura e da conjuntura socioeconômica na qual estamos inseridos. Logo, tomar ciência do processo histórico que envolve instituições administradas pela sociedade civil no Brasil, assim como o desen- volvimento da legislação e normatizações para o seu funcionamento contribuem para um alargamento do entendimento acerca do atual terceiro setor. As instituições de caridade, ligadas à religião e carregadas da visão mo- ralizadora inerente à doutrina religiosa, estiveram presentes no Brasil desde a sua colonização. Contudo, a luta pelo reconhecimento dos direitos sociais enquanto uma responsabilidade estatal foi amplamente buscada pela própria sociedade civil organizada. Dessa forma, foi possível o reconhecimento da Assistência Social, da Saúde e da Previdência enquanto direitos do cidadão e deveres do Estado. No entanto, essa conquista constitucional não se bastou, pois fica claro, em nosso estudo, que existe uma correlação de forças e interesses opostos operando na sociedade brasileira. Os interesses neoliberais de minimização do Estado e supervalorização do mercado abarcam a desresponsabilização estatal na execução de serviços públicos e o repasse de responsabilidades ao Terceiro Setor. Nesse sentido, assume-se a estratégia de implantar na sociedade a ideia de que o Estado 9O terceiro setor Cap_13_Questao_Social.indd 9 17/05/2018 09:49:22 é incompetente para executar os serviços públicos, estimulando-se a visão caritativa, solidária e voluntarista. A universalização do acesso aos direitos sociais através de políticas públicas igualitárias é legalmente reconhecida como responsabilidade do Estado. Assim, limitam-se os espaços para meritocracia, ações moralizadoras, clientelismos e assistencialismos, valorizando-se a concepção do direito socialmente e coletivamente conquistado. CAMARGO, O. Sociedade. Brasil Escola, 2017. Disponível em: <http://brasilescola.uol. com.br/sociologia/sociedade-1.htm>. Acesso em: 21 set. 2017. DURIGUETTO, M. L. Sociedade civil, esfera pública e terceiro setor: a dança dos conceitos. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 81, p. 82-101, marc. 2005. IAMAMOTO, M. V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profis- sional. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. MILAN, P. Um abrigo para bebês abandonados. Gazeta do Povo, Curitiba, 15/01/2011. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/um-abrigo- -para-bebes-abandonados-bz3wyr2ezy5uwepk6fn338d3i>. Acesso em 12 dez. 2017. OBSERVATÓRIO DO TERCEIRO SETOR. Definições de ONG – OS – OSC – OSCIP. São Paulo: Observatório do 3º setor, 2017. Disponível em: <http://observatorio3setor.org.br/o-3- setor-2/legislacao/>. Acesso em: 21 set. 2017. RIZZINI, I.; RIZZINI, I. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: PUCRio; Loyola, 2004. SIMÕES,C. Curso de direito do serviço social. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica do Serviço Social, v. 3.). SPOSATI, A. A menina LOAS: um processo de construção da assistência social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005. Leitura recomendada COUTO, B. R. O direito social na sociedade brasileira: uma equação possível? São Paulo: Cortez, 2004. O terceiro setor10 Cap_13_Questao_Social.indd 10 17/05/2018 09:49:23 http://brasilescola.uol/ http://com.br/sociologia/sociedade-1.htm http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/um-abrigo- http://observatorio3setor.org.br/o-3- Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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