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a imputação do pecado de adão

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A imputação do pecado de Adão
 
John Murray
 
Por que somos punidos pelo pecado de Adão? A resposta pode ser encontrada em
Romanos 5, e a exposição do argumento de Paulo feita por John Murray é a melhor
que já vi. Murray mostra claramente o paralelo entre a imputação divina do pecado de
Adão a nós e a imputação divina da justiça de Cristo a nós. Sem o pecado de Adão
não haveria necessidade da cruz de Cristo.
— John Frame
A imputação do pecado de Adão, de John Murray, é um clássico em sua área.
Fundamentado na Bíblia, claro, convincente e humilhante é historicamente fiel,
intelectualmente estimulante e espiritualmente edificante. Trata-se de uma leitura
obrigatória — um livro fundamental para entender por implicação a imputação da
justiça de Cristo. Já era hora de o livro aparecer em português!
— Joel R. Beeke
 
O livro A imputação do pecado de Adão, de John Murray, é um clássico na tradição
da teologia reformada. A exposição cuidadosa da teologia paulina do pecado feita por
Murray — em especial a exegese atenciosa de Romanos 5 — nos ajuda a entender a
profundidade total de nossa depravação. A doutrina não é desencorajadora; em última
análise, seu caráter é esperançoso, pois a imputação também significa nossa salvação:
a justiça de Cristo nos é imputada pela fé.
— Philip Ryken
É-nos muito fácil apresentar desculpas. Pensamos que, se nascemos perversos assim,
no caminho da rebelião contra Deus — à semelhança dos demais —, como podemos
ser culpados? Contudo, a Bíblia ensina que não só o pecado de Adão nos prejudica,
mas também que somos responsáveis por nossa condição. De maneira semelhante,
Jesus, nosso Salvador, não nos concede apenas nova vida, mas liberdade da culpa para
que possamos viver com o Deus santo. Isso é vital para nossa fé, mas precisamos de
ajuda concreta a fim de compreender tudo isso e sermos gratos! John Murray nos dá
essa ajuda, de forma que o coração de cada um de nós transborde de gratidão repleta
de alegria.
— D. Clair Davis
A imputação do pecado de Adão, de John Murray, é uma das obras mais importantes
já escritas sobre o assunto. Ela não fornece apenas exegese bíblica sólida do material
bíblico relevante, mas também excelente análise histórica e teológica. Murray mostra
que Adão não é apenas um “modelo de ensino”, como algumas interpretações atuais
alegam, e que a continuidade Adão-Cristo é essencial para o entendimento adequado
do pecado, da redenção e da imputação.
— Paul Wells
Copyright @ 2019, Editora Monergismo
Publicado originalmente em inglês sob o título
The Imputation of Adam’s Sin
pela Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,
Grand Rapids, Michigan, 49505, EUA.
■
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
 
1ª edição, 2019
Tradução: Marcos Vasconcelos e William Campos da Cruz (Cap. 4)
Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto
Capa: Bárbara Lima Vasconcelos
 
PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
Todas as citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) salvo
indicação em contrário.
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
 
Murray, John
A imputação do pecado de Adão / John Murray, tradução Marcos Vasconcelos e William Campos
da Cruz — Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019.
Título original: The Imputation of Adam’s Sin 
 ISBN 978-85-69980-93-3
1. Teologia 2. Antropologia 3. Novo Testamento I. Título
CDD 230
 
 
Sumário
Prefácio
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Sobre o autor
12Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo,
e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os
homens, porque todos pecaram. 13Porque até ao regime da lei havia
pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há
lei. 14Entretanto, reinou a morte desde Adão até Moisés, mesmo sobre
aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual
prefigurava aquele que havia de vir. 15Todavia, não é assim o dom
gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um só, morreram
muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça de um só
homem, Jesus Cristo, foram abundantes sobre muitos. 16O dom,
entretanto, não é como no caso em que somente um pecou; porque o
julgamento derivou de uma só ofensa, para a condenação; mas a graça
transcorre de muitas ofensas, para a justificação. 17Se, pela ofensa de
um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a
abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de
um só, a saber, Jesus Cristo. 18Pois assim como, por uma só ofensa,
veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também,
por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para a
justificação que dá vida. 19Porque, como, pela desobediência de um só
homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da
obediência de um só, muitos se tornarão justos.
Romanos 5-12-19
 
Prefácio
O material apresentado nas páginas seguintes foi publicado em quatro
edições sucessivas do The Westminster Theological Journal, XVIII, 2; XIX,
1 e 2; e XX, 1. Quero expressar minha dívida para com o editor, Rev.
Professor Ned B. Stonehouse, pela generosidade de aceitar os artigos para a
publicação e pelo zelo de ler e examinar os manuscritos. Sou igualmente
devedor ao Supervisor Editorial, Rev. Professor Paul Wooley, por seu
empenho e zelo na correção das provas tipográficas. Ao Conselho Diretor do
Seminário Teológico Westminster, estendo minha cordial gratidão pela
concessão de licença de trabalho durante 1955 e 1956. Foi a concessão da
desobrigação de outros compromissos durante esse período que me permitiu
realizar parte da pesquisa exigida para escrever este estudo.
Estendo aqui meu débito de gratidão aos seguintes editores por me
permitirem citações de livros com copirraite: à Muhlenberg Press, Filadelfia,
Commentary on Romans (1949), de Anders Nygren; à Lutterworth Press,
Londres, The Christian Doctrine of Creation and Redemption, Dogmatics II
(1952), de Emil Brunner; à B. Herder Book Company, St. Louis, Canons and
Decrees of the Council of Trent (1941), de H. J. Schroeder, e God the Author
of Nature and the Supernatural (1934), de Joseph Pohle, Arthur Preuss (ed.);
à The Macmillan Company, Nova Iorque, The Teaching of the Catholic
Church (1949), de George D. Smith (ed.).
— John Murray
Capítulo Um
A mentalidade teológica da presente era não é apenas hospitaleira à noção de
solidariedade no pecado e na culpa, é também altamente consciente do fato
dessa solidariedade. Ao tratar da doutrina agostiniana do pecado original,
Emil Brunner disse: “Quero deixar claro desde o início minha plena
concordância com o duplo objetivo de Agostinho: representar o pecado como
uma força dominante, e a humanidade como associada juntamente numa
solidariedade de culpa”.[1] E C. H. Dodd, comentando acerca do argumento
de Paulo em Romanos 5.12-21, diz: “O que subjaz a isso é a antiga
concepção de solidariedade. A unidade moral é a comunidade […] e não o
indivíduo […] Dessa maneira, poder-se-ia enxergar toda a humanidade como
a tribo de Adão, e o pecado de Adão era o pecado da raça. Com a crescente
valorização da importância ética do indivíduo, a antiga ideia de solidariedade
enfraqueceu. Ela, no entanto, correspondia a fatos reais. O isolamento do
indivíduo é uma abstração”.[2] “Adão”, continua Dodd, “é para ele (Paulo) o
nome da ‘personalidade corporativa’ da humanidade”.[3] Mas acerca de
Romanos 5.12, eis o que também diz Brunner: “Isso não se refere à
transgressão de Adão, na qual todos os seus descendentes têm parte; mas
declara o fato de todos os descendentes ‘de Adão’ estarem envolvidos com a
morte, pois eles próprios cometem pecado”.[4] Além disso, C. H. Dodd
também pode afirmar: “Dessarte a doutrina paulina de Cristo como ‘segundo
Adão’ não está tão presa ao relato da Queda como acontecimento literal que
deixa de ter sentido quando não mais aceitamos esse relato. Na verdade, não
devíamos assumir tão prontamenteque Paulo o aceitasse assim”.[5] Por isso
vemos que o reconhecimento da ênfase dada ao pecado e culpa solidários e
corporativos em nossa teologia atual não devem ser interpretados como
idênticos à doutrina protestante clássica da imputação do pecado de Adão.
Não é proveitoso para a causa da teologia, ou da exegese, considerar o apelo
de Paulo à queda de Adão como uma mera forma mítica para expressar o fato
da unidade solidária no pecado. Não seria fazer mais do que o necessário,
portanto, se tratássemos uma vez mais da questão da imputação do pecado de
Adão à posteridade e do estudo da passagem na qual, mais do que em
qualquer outra, a doutrina se baseia. É animador descobrir em um erudito tão
brilhante como Anders Nygren uma investigação tão capaz de reconhecer o
lugar central que Romanos 5.12-19 ocupa nessa grandiosa epístola.
O paralelismo que Paulo traça entre Adão e Cristo parece tão
estranho e inimaginável que tem despertado nos estudiosos o
desejo de tratarem essa seção como um parêntese. De forma
mais ou menos consciente, os intérpretes têm agido baseados na
suposição de que algo, que de tão estranho à mentalidade
moderna parece irreal, não pode ter sido também de importância
decisiva para Paulo. Para explicar como ele veio a incorrer na
digressão, tem-se feito referência, por exemplo, à importante
posição que a ‘especulação sobre Adão’ veio a exercer na mente
rabínica […] Não devemos esquecer que Paulo leu a respeito de
Adão em uma das primeiras páginas de sua Bíblia; portanto, não
é necessário ir procurar fontes mais remotas da qual a ideia pode
ter vindo […] Paulo não vê Cristo como um Adão redivivo. Ele
situa Adão e Cristo nesse paralelo, não para confirmar a
identidade deles, mas, ao contrário, para demonstrar o contraste
entre eles. Quando se entende o que isso significa para Paulo,
descobre-se de imediato que essa passagem não é jamais um
parêntese ou uma digressão do pensamento apostólico. Ao
contrário, aqui chegamos ao ponto mais alto da epístola. O ponto
no qual todas as linhas do seu raciocínio convergem, tanto as
dos capítulos precedentes como as dos capítulos seguintes.[6]
Ao estudarmos Romanos 5.12-19, em razão de sua pertinência na
questão da imputação do pecado de Adão para a posteridade, agruparemos
nossa discussão nas principais subdivisões seguintes: I. A construção
sintática; II. O pecado contemplado; III. A união envolvida; IV. A natureza
da imputação; V. O pecado imputado.
 
I. A CONSTRUÇÃO SINTÁTICA
É quase desnecessário defender o fato de o versículo 12 ser uma comparação
em que falta a parte final. Poucos intérpretes contestam essa realidade. A
locução kaiV ou{twv" [ kai Joutws , também assim] no meio do versículo não tem
o efeito de fechar a comparação introduzida por w}sper [ jJwsper , como].
Nesse caso, devíamos ter ou{twv" kaiV [ Joutws kai , assim também] e não kaiV
ou{twv" [ kai Joutws , também assim] (cf. vs. 15, 18, 19, 21 e 6.4, 11). A locução
kaiV ou{twv" [ kai Joutws ] é coordenativa ou continuativa e não significa “ainda
assim”, mas “e assim” ou “e de modo semelhante” (cf. At 7.8; 28.14; 1Co
7.17, 36; 11.28; Gl 6.2). Nem mesmo Pelágio supôs algo diferente a respeito
da sintaxe do versículo 12. O texto latino no qual ele baseava seus
comentários era, nesse particular, fiel ao grego: et ita in omnes homines
[mors] pertransiit.[7]
Não é difícil descobrir a razão por que a comparação introduzida no
versículo 12 tenha sido interrompida. O desenvolvimento do raciocínio de
Paulo exigia um parêntese após a oração finalizadora do versículo 12. Esse
parêntese começa no versículo 17. Bom seria que não considerássemos esses
cinco versículos como um parêntese, mas como dois: o primeiro consistindo
dos versículos 13 e 14; e o segundo, dos versículos 15-17.[8] Quanto à
construção dessa porção parentética deveríamos ter a dizer que o raciocínio
expresso no versículo 12, e de modo especial na última oração, impunha a
necessidade de anexar de imediato os dados citados nos versículos 13 e 14, e
depois, pela vez, o dado tipológico enunciado no final do versículo 14 —
“quem é o tipo daquele que virá” — demandava a definição da série de
similitudes, mas especialmente a definição de contrastes, instituída nos
versículos 15-17. A despeito do modo como interpretarmos esses cinco
versículos, como um ou dois parênteses, é por demais evidente que Paulo não
retorna ao tipo de sintaxe com que começara no versículo 12, mas que fora
interrompida, senão até chegarmos no versículo 18. Temos aqui o término de
uma comparação provida tanto de prótase como de apódose, a primeira
denotada por wJ" [ Jws, como] e a última, por ou{twv" kaiV [ Joutws kai , assim
também). “Assim, pois, como por uma única transgressão veio a condenação
para todos os homens, assim também por um único ato de reta justiça, veio
para todos os homens a justificação para a vida.”
Não é muito importante determinar se o versículo 18 é continuação ou
recapitulação.[9] É bastante sabermos que Paulo não nos deixa nenhuma
dúvida sobre como teria sido a apódose do versículo 12 caso tivesse sido
completada nos termos da prótase suprida pelo versículo 12. As comparações
dos versículos 18 e 19, quando completadas, põem acima de qualquer dúvida
qual é o raciocínio que rege essa passagem, e que se apresenta nos termos do
raciocínio dominante que a comparação do versículo 12 teria para ser
completado.
Sob exame mais acurado, o parêntesis dos versículos 13-17, que a
princípio parece estranho e desconcertante, estabelece eloquentemente para
nós a exata importância da oração que, afinal de contas, é a mais crucial na
exegese de toda essa passagem, a saber, a última oração do versículo 12. A
interpretação é determinada pelas expressivas repetições dos versículos
subsequentes e, como tivemos ocasião de comentar, nenhuma consideração é
mais pertinente à questão do que o fato de os versículos 13-17 estarem em
forma de parêntesis.
II. O PECADO CONTEMPLADO
O xis da questão com relação a essa passagem é a referência da oração ejf=
w{/ pavnte" h{marton [ ef ’ Jw pantes Jhmarton , porque todos pecaram] no versículo
12. Essa oração nos informa por que a morte passou a todos os homens e
deveria ser traduzida como “em que todos pecaram”.[10] Em razão disso, a
pergunta é: ao que Paulo se refere quando diz “todos pecaram”? Com
respeito à forma, a expressão em si poderia se referir aos pecados individuais
dos homens (cf. Rm 3.23). Além do mais, se Paulo tinha em mente os
pecados individuais dos homens, essa seria sem dúvida a expressão que ele
teria usado. Nenhuma outra seria mais adequada para expressar esse
pensamento. O sentido, no entanto, não deve ser determinado pela
possibilidade gramatical, mas por considerações contextuais. Há várias visões
acerca da força dessa expressão.
1. A visão pelagiana
Segundo essa perspectiva, a oração em questão se refere aos pecados pessoais
dos homens.[11] Nesse caso, o raciocínio de Paulo seria: assim como Adão
pecou e por isso morreu, assim também todos os homens morrem porque
pecam. Adão é o protótipo: ele pecou e introduziu a morte no mundo. Os
outros, da mesma maneira, pecam e são também afligidos com a morte. A
interação entre pecado e morte, exemplificada em Adão, aplica-se a todo caso
em que houver pecado.
É necessário observar que a estrutura do versículo 12 não desaprova
essa interpretação. Embora, segundo essa visão devíamos esperar que Paulo
usasse ou{tw" kaiV [ Jout ō s kai , assim também] no meio do versículo e não
kaiV ou{tw" [ kai Jout ō s , também assim], ainda assim é possível supor que
Paulo estivesse traçando o paralelismo entre a entrada do pecado e da morte
por meio de Adão e a transmissão do pecado e da morte por meio de todos
sem concluir a comparação nos termos da analogia obtida na esfera oposta de
retidão e vida. Em outras palavras, não é possível apelar à sintaxe do
versículo 12 em si mesma como argumento contra a visão pelagiana. Há, no
entanto, objeções conclusivas em bases factuais, exegéticas e teológicas.
(i) A visão pelagiana não é de fato nem historicamenteverdadeira. Nem
todos morrem porque pecam de modo concreto e intencional. Bebês morrem,
mas na realidade não transgrediram à semelhança da transgressão de Adão.
(ii) Nos versículos 13-14, Paulo declara o oposto da visão pelagiana.
Pois aqui somos informados que a morte reinou sobre todos quantos não
pecaram à semelhança da transgressão de Adão. O quê ou quem Paulo tem
em vista é difícil determinar, mas é óbvio que ele está considerando a morte
como exercendo seu poder sobre pessoas que não pecaram da forma como
Adão pecou. É uma futilidade tentar escapar do peso imediato desse fato
sobre a interpretação pelagiana. Paulo está afirmando o contrário, ou seja, que
a morte reina universalmente e, portanto, domina sobre quantos estão numa
categoria diferente da de Adão.[12]
(iii) A refutação mais concludente da interpretação pelagiana deriva-se
das repetidas e enfáticas afirmações de Paulo no contexto imediato, as quais
significam que o domínio universal da condenação e da morte só pode dizer
respeito ao único pecado de um único homem, Adão. Esse princípio é
reafirmado em ao menos cinco ocasiões nos versículos 15-19: “pela
transgressão de um muitos morreram” (v. 15, A21); “o juízo veio de uma só
transgressão para a condenação” (v. 16, A21); “a morte reinou pela
transgressão de um só” (v. 17, A21); “por uma só transgressão veio o
julgamento sobre todos os homens para a condenação” (v. 18, A21); “pela
desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores” (v. 19, A21).
Talvez achemos que Paulo se repetiu sem necessidade, mas essa repetição
estabelece sem nenhuma dúvida que o apóstolo considera que a condenação e
a morte passaram a todos os homens pela transgressão única de um único
homem, Adão. É um tanto impossível interpretar essa ênfase com base no
único pecado de um único homem como equivalente ao pecado pessoal e
intencional de incontáveis indivíduos. Não há dúvidas, portanto, que Paulo
considera a universalidade da condenação e da morte como fundamentada e
procedente de uma única transgressão de um único homem, Adão. A
insistência pelagiana de que a morte e a condenação fundamentam-se
exclusivamente no pecado intencional e pessoal dos indivíduos da raça não
pode ser harmonizado com esse firme testemunho do apóstolo.
(iv) A exegese pelagiana destrói toda a força da analogia instituída por
Paulo nessa passagem. A doutrina que ele ilustra, com o apelo à analogia da
condenação e morte advindas de Adão, é a doutrina segundo a qual os
homens são justificados pela livre graça de Deus, com base na retidão e
obediência de Cristo. Na parte inicial da epístola, Paulo contesta que os
homens sejam justificados por suas próprias obras e estabelece a verdade de
que são justificados e obtêm vida pelo que foi feito por outro, um único
homem, Jesus. Quão vazio e contraditório seria apelar de alguma maneira ao
paralelo tirado da relação de Adão com a raça, se a interpretação pelagiana
fosse a mesma de Paulo; ou seja, que os homens morrem simplesmente por
causa do próprio pecado e jamais com base no pecado de Adão! A doutrina
da justificação apresentada por Paulo seria anulada se, nesse ponto, o paralelo
usado por ele para a ilustrar e confirmar seguisse o modelo da interpretação
pelagiana. Isso significaria que os homens são justificados por sua própria
ação voluntária, da mesma maneira que caem em condenação exclusivamente
por seu próprio pecado voluntário. Isso é sem dúvida doutrina pelagiana, mas
é evidente na própria epístola que tal ensinamento contradiz o ensinamento
de Paulo. A doutrina da justificação estabelecida por essa epístola não pode
tolerar como sua analogia ou paralelo nenhuma interpretação do reino do
pecado, da condenação e da morte que se assemelhe minimamente à doutrina
pelagiana. Por conseguinte, a visão pelagiana tem de ser rejeitada tanto com
base nesse argumento, como nos outros já mencionados.
1. A visão católica romana
Não é possível sustentar que haja unanimidade entre os teólogos católicos
romanos com respeito a Romanos 5.12, ou quanto à parte na qual estamos
mais especificamente interessados. No período do Concílio de Trento,
Ambrósio Catarino defendia posição semelhante à qual, mais adiante,
deveremos propor como a visão correta. Ele sustentava que o pecado referido
no trecho, “porque todos pecaram”, é a transgressão voluntária de Adão
imputada a toda a posteridade em razão do relacionamento pactual firmado
por ele para a raça — quando Adão pecou toda a humanidade pecou nele e
com ele. Ele insistia que o pecado de cada um é ato exclusivo da transgressão
de Adão, não da falta de retidão nem da concupiscência, consequências desse
pecado. É esse pecado de Adão imputado à posteridade que Catarino chamou
de “pecado original” sendo esse o pecado, e ele somente, sustentava ele, que
Paulo tem em vista em Romanos 5.12-19.[13] Alberto Piguio, contemporâneo
de Catarino, defendia a mesma posição. Ele afirmava sem rodeios que muitas
vezes o apóstolo associava o reino da morte e o juízo de condenação, sob o
qual todos nos achamos encerrados, ao único pecado de um único homem,
Adão. Nele, portanto, não em nós, estava o pecado mediante o qual todos nós
pecamos. Até mesmo crianças recém-nascidas são culpadas e pecadoras não
por causa de seu próprio pecado, mas em razão do pecado e desobediência de
Adão.[14]
Essa posição, porém, não é o ensinamento oficial da Igreja Romana, e
seus teólogos seguiram uma linha de raciocínio diferente. O Concílio de
Trento em seu “Decretum de Peccato Originali” diz: “1. Se alguém não
confessar que o primeiro homem, Adão, quando transgrediu a ordenança de
Deus no Paraíso, perdeu de imediato a santidade e a justiça em que fora
constituído, e pela transgressão dessa prevaricação incorreu na ira e
indignação de Deus, e, portanto, na morte com que Deus antes lhe ameaçara,
e, juntamente com a morte, no cativeiro sob o poder daquele que, desde
então, teve o império da morte, qual seja: o Maligno, e que Adão, pela
transgressão dessa prevaricação foi completamente mudado, em corpo e
alma, para pior, seja anátema.
“2. Se alguém afirmar que a transgressão de Adão prejudicou só a ele e
não à sua posteridade, e que a santidade e a justiça que ele recebeu de Deus, e
por ele perdidas, perdeu-as só para si mesmo e não também para nós; ou que
ele, ao ser corrompido pelo pecado de desobediência, transmitiu apenas a
morte e as dores do corpo para toda a raça humana, mas não também o
pecado, o qual é a morte da alma, seja anátema”.[15] Por essas declarações,
poder-se-ia concluir que o pecado de Adão, que é o pecado de todos, é
transmitido a todos os homens por propagação. Obviamente, essa noção é
bastante distinta da ideia de imputação da transgressão de Adão a todos os
homens, conforme abraçadas por Catarino e Piguio.
É essa direção de raciocínio, que aparece nos decretos de Trento, e que
tem sido distintiva dos teólogos romanistas na formulação dessa doutrina.
Não é que Roma negue de toda maneira o fato ou as consequências da
transgressão de Adão. É apenas porque — na interpretação de Romanos 5.12
e do pecado em que todos estão implicados por causa do pecado de Adão —
esse pecado é compreendido não como o pecado pessoal de Adão, que foi
imputado, mas como o pecado habitual transmitido pela geração natural. A
questão é claramente definida por Joseph Pohle: “O pecado de Adão é
original em dois sentidos: (1) como ato pecaminoso pessoal (peccatum
originale originans), e (2) como estado pecaminoso (peccatum originale
originatum). É o estado, não o ato, que é transmitido aos descendentes de
Adão”.[16] O primeiro relaciona-se com o segundo em dois aspectos.
Primeiro, o ato pecaminoso pessoal trouxe à existência o estado pecaminoso;
segundo, o estado pecaminoso é realmente pecaminoso “só na sua ligação
lógica com a transgressão voluntária de Adão contra a ordenança divina no
Paraíso”.[17] Mas é somente “o pecado habitual de Adão (habitus peccati),
que ‘entrou neste mundo’ por meio dele, i.e., foi transmitido por ele a toda
sua descendência”.[18]
Roma reluta em definir com exatidãoaquilo em que consiste o pecado
original e o habitual. Até onde se pode arriscar uma definição, concebe-se o
pecado como consistindo principalmente da privação de santidade e de
justiça.[19] No entanto, uma vez que a queda do homem implicou também na
perda de integridade, é difícil aos teólogos romanistas excluírem a
concupiscência do âmbito do pecado original. Assim, conquanto sejam
enfáticos em sustentar que o pecado original não consiste de concupiscência,
[20] todavia estão dispostos a conceder que a concupiscência, embora não
sendo em si mesma verdadeira e propriamente pecado, está compreendida no
âmbito do pecado habitual.[21]
Após levar em consideração todas essas distinções e qualificações o
desfecho é que na teologia romanista o pecado referido na última parte de
Romanos 5.12 é o pecado habitual ou original, transmitido ou inoculado na
posteridade de Adão pela geração natural e que, quanto à sua natureza, esta
consiste essencialmente da privação de santidade, que pode ser classificada
como pecaminosa, devido à relação lógica que mantém com a transgressão
“voluntária” de Adão.[22] Em suma, o pecado de Romanos 5.12, pelo qual a
morte passou a todos, é a pecaminosidade transmitida.
Não nos interessa no presente momento examinar a doutrina romanista
do pecado original. Sobre essa questão, a luta da Reforma foi acompanhada
de perto e poderia parecer que a situação, da forma que hoje se encontra, não
ofereça a mínima razão para a minimização dessa controvérsia. No entanto,
nossa questão no presente não é se a doutrina de Roma sobre o pecado
original está certa, mas se o que Paulo tem em mente quando diz “porque
todos pecaram” é a noção de pecado original em contraposição à de pecado
imputado. No que tange a isso, estamos investigando a capacidade de defesa
da interpretação cogitada por alguns protestantes, bem como por Roma. Há,
para essa interpretação, objeções determinantes de caráter exegético e
teológico.
(i) Antes de tudo, há um argumento presuntivo. Seria demasiadamente
difícil ajustar a noção em questão à ideia expressa pelo aoristo
h{marton [ jJ ē marton , pecaram]. O pecado original, segundo a interpretação de
Roma ou, quanto a isso, dos protestantes, é transmitido sempre por geração
natural. Quanto à transmissão, o processo é contínuo; quanto ao resultado, a
condição é constante. Se o pecado aludido no trecho em questão for o pecado
original, então tem-se em vista o processo e a condição definidores do
pecado. É difícil, senão impossível, conceber a maneira como um aoristo
histórico ou indefinido seria usado para denotar esse tipo de pecado. A única
maneira de usar esse tempo verbal seria concentrar a atenção na inauguração
histórica desses processo e condição. Mas a interpretação romanista não tanto
assim o raciocínio, e caso tenha-se em mente o pecado original, não seria
viável limitar o raciocínio ao começo definitivo da história. Quanto mais
pensamos nessa objeção, tanto mais irrefutável ela se torna. Todavia, estamos
dispostos a caracterizá-la como provável, mas não conclusiva.
(ii) Mais convincente é a consideração teológica de que essa visão não
se harmoniza com o paralelo ou a analogia que Paulo estabelece na
passagem. A validez desse argumento assenta-se, obviamente, na rejeição
categórica da visão romanista sobre a justificação. Roma considera que a
justificação consiste na regeração e renovação operadas pela infusão da
retidão, e seus teólogos ao lidarem com Romanos 5.12-19 recorrem a esse
conceito de justificação para apoiar a forma como interpretam o versículo 12,
a de que, por conta do pecado de Adão, há na justificação um óbvio paralelo
entre a infusão da retidão e a transmissão do pecado original. Não podemos
agora nos desviar da questão principal para refutar essa doutrina de
justificação. Devemos nos satisfazer com a afirmativa de ser ela totalmente
contrária ao ensino bíblico e paulino. Segundo a doutrina de Paulo, somos
justificados com base na retidão de Cristo e não por alguma retidão infundida
em nós nem tão pouco por alguma retidão efetuada em nós. Em sendo essa a
doutrina do apóstolo, e visto que ele faz um paralelo entre a forma como a
condenação e a morte passam a todos os homens e a forma como a
justificação e a vida passam aos justificados, o modus operandi do último
caso não pode ser considerado análogo à transfusão ou transmissão do pecado
original. O paralelo exigido pela doutrina paulina da justificação tem de ser
de natureza muitíssimo diferente. Por isso, resumindo, a introdução da ideia
de pecado transmitido e herdado no raciocínio de Paulo nessa passagem viola
as exigências da analogia proposta em vez de atendê-las.
(iii) Mais decisiva é a objeção de que a interpretação em debate não é
consistente com as repetidas afirmações de Paulo em Romanos 5.15-19. Já
tivemos ocasião de nos referir a elas ao refutarmos a visão pelagiana. Mas é
bom lembrar que Paulo, em pelo menos cinco ocasiões, em versículos
sucessivos (15, 16, 17, 18, 19), refere-se ao âmbito universal da condenação e
da morte relacionado à ofensa de um só homem, Adão. Essa ênfase
sistemática na “unicidade” do pecado e do homem não se adequa à noção de
pecado original. Apesar de a visão romanista reconhecer que o pecado
original decorre da transgressão concreta de Adão, esse é o pecado que, por
ser transmitido ou transfundido, pertence a todos quantos vêm por geração
natural, não sendo possível considerá-lo como algo que se ajusta a essa
especificação, por ser a ofensa de um só homem, Adão. O que é habitual para
nós, como declaram os teólogos romanistas, dificilmente pode ser
caracterizado como a ofensa de Adão. Por essas razões, temos de rejeitar essa
interpretação da expressão “porque todos pecaram”.
 
3. A interpretação de Calvino
 
A forma como Calvino entende o pecado original é radicalmente diferente da
de Roma. Segundo ele, o pecado original transmitido por geração natural é
em si mesmo, intrinsecamente, a depravação radical. A polêmica protestante
direcionava-se com vigor contra a visão romanista, segundo a qual o pecado
original consistia apenas da privação da retidão e integridade originais e que a
concupiscência resultante da perda de integridade não era por si só real e
propriamente pecaminosa. Por sua vez, a polêmica romanista direcionava-se
com igual vigor contra a doutrina protestante de que o pecado original
envolvia a corrupção radical de nossa natureza moral e espiritual. As
respectivas polêmicas desses dois ramos da cristandade devem ser entendidas
sob essa luz e a existência e qualquer possível concordância a respeito da
transgressão concreta de Adão com o pecado original, que a todos faz sofrer,
não deve obscurecer as diferenças acerca da própria natureza do pecado
original.
Embora a visão de Calvino sobre o pecado original difira tão
radicalmente da de Roma, seu modo de ver a expressão crucial de Romanos
5.12, “porque todos pecaram”, é, do ponto de vista exegético, parecida com a
de Roma. Pois o reformador, de modo semelhante, entende que Paulo aqui
está se referindo ao pecado original. “Paulo, contudo, expressamente afirma
que o pecado atingiu a todos os que sofrem o castigo devido ao pecado.
Insiste de forma ainda mais enfática quando logo a seguir aponta a razão por
que toda a progênie de Adão está sujeita ao domínio da morte. É porque
todos nós pecamos. Pecar, como o termo é usado aqui, é ser corrupto e
maligno. A depravação natural que trazemos do ventre de nossa mãe, embora
não produza seus frutos imediatamente, é, não obstante, pecado diante de
Deus, e merece sua punição. Isto é o que se chama pecado original. Assim
como Adão, em sua criação primitiva, recebeu tanto para sua progênie quanto
para si mesmo os dons da divina graça, também, ao rebelar-se contra o
Senhor, inerentemente corrompeu, viciou, depravou e arruinou nossa
natureza — tendo perdido a imagem de Deus, e a única semente que poderia
ter produzido era aquela que traz a semelhança consigo mesmo. Portanto,
todos nós pecamos, visto que nos achamos saturados da corrupção natural, e
poresta razão somos ímpios e perversos”.[23]
As mesmas objeções aplicadas a essa interpretação aplicam-se também
à posição romanista. Embora, na verdade, Calvino não enfrente a dificuldade
encontrada pelos exegetas romanistas ao necessitarem categorizar como
pecado aquilo que inerentemente não cabe na definição de pecado postulada
por eles mesmos, e embora a ideia do reformador sobre o pecado original seja
totalmente paulina e bíblica, ainda assim, do ponto de vista exegético, ele não
conseguiu analisar a ideia exata do apóstolo nessa passagem. Em outras
palavras, ele não conseguiu ir além da tradição agostiniana na exposição de
Romanos 5.12.
 
4. A interpretação protestante clássica
 
A questão principal persiste ainda diante de nós: Que pecado Paulo tem em
vista quando ele diz “porque todos pecaram”? Para chegarmos ao que
acreditamos ser a visão apropriada é indispensável que as seguintes
considerações sejam levadas em conta:
(i) É inquestionável que o domínio universal da morte está
representado no versículo 12, tendo-se como base o fato de que “todos
pecaram”. Seja qual for o pecado em questão, ele é a razão por que a morte
passou a todos os homens. E isso significa simplesmente que ele é a base da
universalidade da morte.
(ii) Nos versículos 15-19, no entanto, Paulo afirma com inequívoca
clareza que o reino universal da morte firma-se na única transgressão de um
único homem. “Pela ofensa de um só, morreram muitos” (v. 15); “pela ofensa
de um e por meio de um só, reinou a morte” (v. 17). E, é claro, esse
relacionamento referente à morte está em harmonia e em paralelo com as
outras declarações de Paulo com referência à condenação. “O julgamento
derivou de uma só ofensa para a condenação” (v. 16); “por uma só ofensa,
veio o juízo sobre todos os homens para condenação” (v. 18). A morte e a
condenação reinam sobre todos por causa da única transgressão de Adão.
(iii) Será que devíamos supor que Paulo está tratando de dois fatos
diferentes quando no versículo 12 ele baseia a morte de todos no pecado de
todos e, nos versículos 15 e 17 ele baseia a mesma morte na transgressão
singular de Adão? Deveríamos entender que no versículo 12 Paulo se refere
ao pecado pessoal e individualmente universal, tanto por ação como por
hábito, mas nos versículos 15-19 ele está se referindo ao pecado em sua
singularidade específica como a transgressão única de um único homem,
Adão? A conclusão à qual somos levados pelas considerações exegéticas é
que o caso não pode ser esse, mas, ao contrário, Paulo deve ter em vista o
mesmo pecado quando no versículo 12 diz “todos pecaram” e quando nos
versículos 15-16 ele se refere ao pecado de um só homem. Os argumentos
determinadores dessa conclusão são os seguintes.
(a) A passagem inteira (Rm 5.12-19) forma uma unidade. Não podemos
deixar de ver que sua estrutura central resulta da analogia entre o modus
operandi do pecado, condenação e morte, por um lado, e da retidão,
justificação e vida, pelo outro. Na natureza do caso, uma vez que o último
trio tem o propósito de negar o primeiro, há contrastes importantes e
magníficos, e Paulo raciocina com base neles. No entanto, a linha de
raciocínio é o paralelismo, e até os contrastes se baseiam nessa estrutura. Por
isso, somos forçados a concluir que a comparação introduzida no versículo
12 — embora interrompida e incompleta nos termos expressos em que a
prótase do versículo 12 poderia sugeri e determinar — é quanto ao raciocínio
essencialmente idêntica à declarada de forma completa nos versículos 18 e
19. Isso significa que o pecado ao qual se refere o versículo 12, e de modo
particular na última oração, só pode ser o mesmo pecado identificado no
versículo 18 como “uma só ofensa” e no versículo 19 como “desobediência
de um só homem”. E se recuarmos aos três versículos precedentes (15-17),
tendo em mente a unidade absoluta da passagem, só será possível
concluirmos que os versículos 15 e 17 visam ao mesmo pecado, nos quais é
denominado de ofensa de um só.
(b) O versículo 12 é uma comparação incompleta. Só temos
conhecimento de sua apódose implícita por causa dos versículos seguintes.
Não dá para supor que Paulo, tratando expressamente da questão do reino
universal da morte, afirmasse de forma tão explícita e repetida nos versículos
subsequentes algo bem diferente do que ele afirma no que seria a introdução
incompleta de seu argumento. Se o versículo 12 estivesse em um contexto
exclusivamente dele, e se houvesse alguma evidência plausível da transição
de uma fase do ensino para outra, então poderíamos dizer que no versículo 12
o apóstolo trata de um fato e nos versículos 15-19, de outro. Mas o fato de o
versículo 12 não finalizar a comparação e depender dos versículos seguintes
para substanciar essa inferência impossibilita totalmente qualquer suposição
de transição de uma fase da verdade para outra.
(c) No que tange ao pecado praticado pelo indivíduo, o versículo 14
exclui a possibilidade de interpretar a última oração do versículo 12 nesses
termos. O versículo 12 nos apresenta a razão por que a morte passou a todos
os homens. Qual seja, “todos pecaram”. Mas o versículo 14 nos diz que a
morte reinou sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de
Adão. O reinado da morte no versículo 14 deve ter a mesma importância que
a passagem da morte no versículo 12. Paulo, portanto, está afirmando que a
morte tanto passou aos que não transgrediram pessoal e intencionalmente à
semelhança de Adão, como também reinou sobre eles, e, portanto, o “todos
pecaram” do versículo 12 não pode estar se referindo à transgressão pessoal
individual. Por essas razões somos compelidos a inferir que, ao dizer que
“todos pecaram” (v. 12) e falar na ofensa de um só homem (v. 15-19), Paulo
só pode estar se referindo ao mesmo fato ou evento, de sorte que esse evento
ou fato único pode ser expresso em termos tanto de singularidade como de
universalidade. Se essa identidade nos confronta, como devemos explicá-la?
Como é possível Paulo afirmar que “todos pecaram” e, então, que uma única
pessoa pecou e isso diga respeito ao mesmo fato?
Ao se tentar responder tal pergunta, há um erro específico a ser evitado.
Não devemos diminuir a importância nem da singularidade nem da
universalidade. Paulo usa de linguagem expressiva para as duas. A única
solução é a existência obrigatória de algum tipo de solidariedade entre “um
só” e “todos” de sorte que o pecado em questão seja considerado — ao
mesmo tempo e com igual relevância — como o pecado de “um só” ou o
pecado de “todos”. O que vem a ser essa solidariedade é o assunto da
próxima parte principal de nossa defesa.
Capítulo Dois
 
III. A UNIÃO ENVOLVIDA
 
O princípio da solidariedade está embutido e exemplificado na Escritura de
muitas maneiras. Não é necessário enumerar os casos em que ele aparece. É
evidente o fato de haver no governo de Deus sobre os homens as instituições
da família, do Estado e da igreja nas quais predominam e funcionam relações
solidárias e conjuntas. Isso quer dizer apenas que as relações de Deus com os
homens e as relações dos homens uns com os outros não são exclusivamente
individualistas; Deus lida com os homens nos termos desses relacionamentos
grupais e os homens precisam lidar com seus relacionamentos e
responsabilidades grupais.
Há também a instituição do indivíduo, e não fazer caso de nossa
individualidade é profanar nosso relacionamento responsável com Deus e
com os homens. O princípio da solidariedade pode ser exagerado, pode
tornar-se uma obseção e levar ao abuso fatalista (cf. Ez 18.2). Todo esse tipo
de exagero é perverso, mas é também maligno conceber nossas relações com
Deus e os homens de forma atomística, sem darmos o devido valor às
entidades grupais, as quais, em grande medida, condicionam nossa vida e
responsabilidade. A solidariedade funciona tanto para o bem como para o
mal. É quase desnecessário lembrar das influências benéficas decorrentes da
sua aplicação no âmbito da graça. O projeto, realização, aplicação e
consumação da redenção foi modelado nostermos desse princípio. E, no
âmbito do mal, é um fato, tanto da revelação como da observação, que Deus
visita “a iniquidade dos pais nos filhos daqueles que” o odeiam (Êx 20.5).
É em consonância com esses fatos da revelação bíblica e da nossa
experiência humana que o princípio da solidariedade deveria alcançar sua
expressão mais ampla e mais inclusiva em solidariedade racial, e não
deveríamos nos surpreender por achar nesse caso a solidariedade prototípica.
A solidariedade racial é a única construção possível a partir dos vários dados
que a Escritura traz a nossa atenção. Paulo dá testemunho incisivo desse fato
ao afirmar que “em Adão, todos morrem” (1Co 15.22), e é esse mesmo
relacionamento solidário que forma o pano de fundo do pensamento do
apóstolo, quando este afirma que: “O primeiro homem, Adão, foi feito alma
vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante” (1Co 15.45).
Se levarmos em consideração o fato da solidariedade racial e, portanto,
o relacionamento solidário que Adão mantém com a posteridade e a
posteridade com ele, aceitaríamos com menos relutância, para dizer o
mínimo, a proposição de que o pecado “de um só” em Adão pode muito bem
ser interpretado como o “pecados de todos”.
Mas o fato da solidariedade não determina para nós a questão de sua
natureza. Qual é a natureza da união que existia entre Adão e a posteridade?
De qualquer ponto de vista biblicamente orientado tem-se por certo que de
Adão, por meio da geração natural, procederam todos os demais membros da
raça humana, que Adão foi o pai natural de toda a humanidade. Afirmar que a
união entre Adão e a posteridade é biológica e genealógica e que nada mais é
exigido para explicar os fatos pode parecer a resposta adequada à nossa
indagação. Isso quer dizer que Adão era a “raiz natural” de toda a
humanidade. Levi estava nos lombos de Abraão, seu pai, quando este pagou o
dízimo a Melquisedeque, podendo-se dizer, portanto, que Levi pagou dízimo
a Melquisedeque (Hb 7.9, 10). De forma semelhante, todos estavam nos
lombos de Adão quando ele pecou e, portanto, pode-se dizer que todos
pecaram nele e caíram com ele em sua primeira transgressão. Nesse caso, não
é possível alegar que o fato do relacionamento seminal é irrelevante. Não
podemos supor que dizer que a solidariedade da raça com Adão — a razão de
todos estarem envolvidos em seu pecado — seria verdadeira se ele não fosse
o pai de toda a humanidade. Nenhum outro princípio de solidariedade que se
possa supor ou estabelecer não pode ser abstraído do fato da ancestralidade
biológica.
Exegetas e teólogos não se contentam em explicar a solidariedade com
Adão simplesmente nos termos de nossa descendência dele. Eles têm sido
obrigados a postular alguma relação solidária diferente da genealógica como
base necessária apropriada para o envolvimento no pecado de Adão, seja esse
outra relação concebida coordenadamente com o relacionamento
genealógico, ou como sendo em si mesmo a base específica da imputação do
primeiro pecado de Adão. Há duas visões dessa relação dignas de serem
avaliadas com seriedade, sendo talvez as únicas que possam reclamar
consideração. Uma afirma que a natureza humana era numérica e
especificamente uma em Adão; e a outra, que Adão era o cabeça e
representante constituído para toda a raça humana.
 
1. A visão realista
 
Talvez o expoente e defensor mais competente da visão de que a natureza
humana era numérica e especificamente uma em Adão seja William G. T.
Shedd. “A doutrina da unidade específica de Adão e sua posteridade”, diz ele,
“remove as maiores dificuldades relacionadas com a imputação do pecado de
Adão à sua posteridade, decorrentes da injustiça de castigar alguém por causa
de um pecado em que não se teve nenhuma participação”.[24] E ao contestar a
visão representativa, ele afirma: “Imputar o primeiro pecado de Adão a sua
posteridade tão só e unicamente porque Adão pecou como representante em
lugar dela, torna a imputação um ato arbitrário de soberania, não um ato
jurídico de justiça que porta em si moralidade e justiça intrínsecos”.[25]
Resumindo a posição, a natureza humana em sua unidade não
individualizada existia em sua inteireza em Adão, por isso quando Adão
pecou, não somente ele pecou, mas também a natureza comum existente nele
em sua unidade, e, como toda pessoa vinda ao mundo é uma individualização
dessa natureza humana única, cada uma como “parcela individualizada”
dessa natureza comum é culpada e passível de castigo por causa do pecado
cometido por essa unidade.[26] “Essa unidade comete o primeiro pecado […]
Esse pecado é imputado à unidade que o cometeu, é inerente à unidade, sendo
propagado por ela. Por conseguinte, todos os aspectos particulares
concernentes ao pecado aplicáveis à unidade ou à natureza comum, aplica-se
de forma igual e estrita a cada uma de suas parcelas individualizadas.
Sócrates, individualmente, era parte fracionária da natureza humana que
‘pecou em, e caiu com, Adão em sua primeira transgressão’ […] Portanto, a
comissão, imputação, inerência e propagação do pecado original adere
indissoluvelmente à parte individualizada da natureza comum, da mesma
maneira que ao seu todo não individualizado. A distribuição e propagação da
natureza não lhe causa nenhuma alteração, exceto com respeito à forma”.[27]
A visão de A. H. Strong tem quase o mesmo efeito. Ele a denomina de
teoria augustiniana e afirma que “ela sustenta que Deus imputa o pecado de
Adão imediatamente a toda sua posteridade, em virtude dessa unidade
orgânica da humanidade, pela qual toda a raça, no momento da transgressão
de Adão, existia, não individualmente, mas seminalmente nele, como o seu
cabeça. Toda a vida da humanidade estava, então, em Adão; a raça, nesse
momento, tinha todo o seu ser somente nele. No livre ato de Adão, a vontade
da raça revoltou-se contra Deus e corrompeu a própria natureza […] O
pecado de Adão é-nos imputado de imediato, portanto, não como algo
externo a nós, mas porque é nosso — nós e todos os outros homens existindo
como uma única pessoa moral ou como um único todo moral, em Adão,
como resultado dessa transgressão, possuindo uma natureza destituída do
amor de Deus e inclinada para o mal”.[28] “Houve um tempo no qual Adão
era a raça, e quando ele caiu, a raça caiu. Shedd: ‘Todos existíamos em Adão
em nossa substância elementar e indivisível. O Seyn de todos nós estava lá,
embora o Daseyn não estivesse; o noumenom, embora não o phenomenom
estava em existência’”.[29]
Deve-se admitir que, se essa fosse de fato a visão correta, ela explicaria
adequadamente os dois aspectos a partir dos quais o fato ou evento únicos
poderiam ser vistos, ou seja, o de que “um pecou” e “todos pecaram”. A
questão é se a evidência relevante serve para apoiar essa construção da
relação adâmica.
Ao se lidar com essa posição realista e com o debate entre seus
proponentes e os defensores da visão representativa da relação entre Adão e
sua posteridade, é indispensável estabelecer qual seja o ponto crucial do
debate na perspectiva apropriada. Às vezes a questão fica confusa por não se
reconhecer que os proponentes da representação como visão contrária à
perspectiva realista não negam, antes sustentam, que Adão seja o cabeça
natural da raça, bem como sua cabeça representativa. Quer dizer, eles
afirmam que a raça está de forma única e seminal em Adão e que essa união
representativa não é abstraída da união seminal. Francis Turretine, por
exemplo, é bem explícito a esse respeito. Apesar de defender que o
fundamento da imputação do pecado de Adão seja principalmente “moral e
federal”, ele não deixa de levar em consideração a liderança natural, que
procede da unidade de origem, e o fato de todos serem do mesmo sangue. Foi
da vontade de Deus que Adão fosse “a origem e o Cabeça de toda a raça
humana” e por essa razão se diz que “todos são um único homem”.[30] A
questão na qual insistem os proponentes da liderança representativa de Adão
é que a união natural ou seminal sozinha não é suficiente para explicar a
imputação do pecado de Adão à posteridade. Nesseaspecto particular, eles
concordam com os proponentes da união realista, porque esta também insiste
na necessidade de mais do que unidade de origem.
Além disso, os proponentes da representação não defendem apenas a
união seminal, mas insistem também na comunhão de natureza. Em outras
palavras, a união natural está envolvida na liderança natural da cabeça e, por
isso, eles dirão que a natureza humana se corrompeu em Adão e que ela,
corrompida em Adão, é transmitida à posteridade pela geração natural. Mas
quanto ao termo “natureza humana”, a diferença não está em os proponentes
da representação negarem a comunhão da natureza, nem em negarem também
que a natureza humana corrompida em Adão propaga-se aos membros da
raça. A diferença está apenas em que o realismo mantém em Adão a
existência da natureza humana como entidade específica e numericamente
única, e nesse aspecto os expoentes da representação discordam.
Portanto, o xis da questão não é se a visão representativa não leva em
conta a união seminal, a liderança natural ou a comunhão de natureza na
unidade existente entre Adão e a posteridade, mas só e exclusivamente se o
algo mais necessário, postulado pelas duas visões, deve ser interpretado em
termos da entidade que em sua totalidade existia em Adão e está
individualizada nos membros da raça, ou nos termos da representação
estabelecida pela ordenação divina. É sobre essa questão específica que o
debate deve se debruçar. Não há dúvida que, quanto a esse aspecto restrito,
outras questões vêm à tona, mas são relativamente subordinadas e periféricas.
A confusão só pode ser evitada se a questão crucial for avaliada e discutida
com base nos dados pertinentes.
Quando se percebe que o aspecto peculiar do realismo é o conceito da
natureza humana como específica e numericamente única em Adão, o apelo
dos realistas aos teólogos do passado para sustentar essa posição não é jamais
tão válido quanto possa parecer. Por exemplo, A. H. Strong diz que “Calvino
era essencialmente agostiniano e realista” e apela às Institutas (II.i-iii) para
validar essa alegação.[31] De fato, Calvino afirma que toda a posteridade de
Adão torna-se culpada devido à falta (culpa) de um único. Ele refere-se ao
pecado de um só como comum.[32] Todos estão mortos em Adão, diz ele, e,
portanto, comprometidos com a ruína do pecado dele. E, nesse caso, também
sustenta Calvino, todos devem ser responsabilizados pela culpa da
iniquidade, porque não há condenação quando não há culpa.[33] Adão imergiu
toda a sua descendência nas mesmas desgraças das quais ele mesmo se
tornou herdeiro. Se atribuirmos a tais expressões a mais plena abrangência e
as interpretarmos como implicando que o único pecado de Adão é o pecado
de todos, não há prova nenhuma que Calvino tenha concebido a união
existente entre Adão e a posteridade em termos realistas. Calvino, no entanto,
não nos deixa em dúvida quanto ao seu entendimento sobre o envolvimento
da posteridade no pecado de Adão, ou, em outras palavras, como o pecado de
Adão torna-se no pecado de todos. Calvino estava ciente da objeção
levantada contra a doutrina de que o pecado de Adão envolvia a raça em
ruína, ou seja, que a posteridade recebe a culpa de um pecado cometido por
outrem e não da sua própria transgressão pessoal.[34] Mas ele não enfrentou
essa objeção alegando que o pecado em questão não era exclusivo de Adão,
mas também da específica e numericamente única natureza humana, que, em
sua totalidade indivisível, existia em Adão e pertencia a cada membro da raça
tanto quanto ao próprio Adão. E não deve haver dúvidas acerca da resposta
positiva dada por ele à questão sobre como fomos envolvidos no pecado de
Adão; ele não se cansa de repetir. É por efeito que derivamos de Adão, pela
geração natural e propagação, a natureza corrompida. O conceito chave é a
depravação hereditária. Adão com o seu pecado corrompeu sua própria
natureza e todos nós com o nosso nascimento estamos infectados por esse
contágio.[35] “Temos ouvido que a impureza dos pais é transmitida aos filhos
de sorte que todos, sem nenhuma exceção, estão conspurcados desde o
próprio princípio. Mas só devemos encontrar a origem dessa mácula se
retrocedermos até o primeiro pai de todos, como à fonte. Portanto, é certo que
Adão não era só o progenitor da natureza humana, mas era a raiz, e, por isso,
a raça humana foi arruinada na corrupção dele.”[36] Adão “contaminou toda a
sua semente com a corrupção na qual ele caíra”.[37] “Por isso, de uma raiz
putrefata brotam ramos putrefatos, os quais transmitem a sua podridão para
os outros ramos que brotam deles.”[38] A figura, obviamente, é a propagação
de um contágio a partir de uma fonte corrompida. Mesmo assim Calvino
toma o cuidado de afirmar que a corrupção pessoal de Adão não nos
pertence; o fato é simplesmente que ele nos contamina com a depravação na
qual ele havia caído.[39] Sem nenhuma dúvida, portanto, de acordo com
Calvino, o pecado pelo qual a posteridade está arruinada é a depravação que
foi originada do pecado de Adão, a natureza humana corrompida que é
consequência da apostasia de Adão e nos é comunicada e transfundida pela
reprodução. E não é sem razão de alguma importância que ele recorre a
Agostinho para apoiar sua argumentação. “Por isso alguns homens bons, e
acima de todos Agostinho, trabalharam ardorosamente nessa questão para
mostrarem que somos corrompidos não pele perversidade adquirida, mas que
trazemos a depravação inata desde o ventre da nossa mãe.”[40]
Neste momento, não temos o propósito de sustentar que Calvino deu
devidamente conta da relação da raça com o pecado individual de Adão.
Agora, só nos interessa mostrar que a ênfase de Calvino na depravação
hereditária, e na corrupção de nossa natureza que emana do pecado de Adão,
não é prova de que ele defendia a concepção realista da união adâmica. A
visão representativa de nossa relação com Adão insiste em adotar tudo quanto
Calvino propõe acerca da propagação da depravação hereditária e o faz em
termos calvinistas.
Os realistas também apelam confiadamente para Agostinho como um
dos proponentes da posição realista. Não temos o interesse nem a intenção de
demonstrar que Agostinho entretém concepções realistas. No entanto, é
indispensável mostrar que suas declarações sobre a matéria, citadas ou
mencionadas pelos proponentes do realismo, não põem termo à questão.
Agostinho de fato diz que “todos pecaram, já que todos eram aquele único
homem”.[41] Talvez esta próxima citação dê apoio mais evidente do que
qualquer outra à interpretação realista da posição de Agostinho. “Deus, autor
da natureza e não de depravações, criou o homem reto, mas o homem,
corrompendo-se por sua própria vontade e, condenado com justiça, gerou
filhos corrompidos e condenados. Porque todos estávamos naquele único
homem, pois éramos todos esse único homem, o qual caiu em pecado por
conta da mulher feita a partir dele antes do pecado. Pois ainda não fora criada
nem distribuída para nós a forma particular em que, como indivíduos,
devíamos viver, mas ali já estava presente a natureza seminal da qual
devíamos ser reproduzidos, e por estar ela corrompida pelo pecado, presa
pelos grilhões da morte e justamente condenada, o homem não poderia nascer
de outro homem em condição diferente. Assim, do mal uso do livre-arbítrio
surge o rastilho dessa calamidade que conduz a raça humana através de uma
combinação de desgraças desde sua origem corrompida, como se procedesse
de uma raiz corrupta, para a destruição da segunda morte, que não tem fim,
da qual se excetuam os libertados pela graça de Deus.”[42] Mas ao se
examinar os contextos desse tipo de citações, notar-se-á que o supremo
interesse de Agostinho, bem como o de Calvino, é negar que seja pela
imitação que a ofensa de Adão aplica-se à condenação de todos, e provar que
o pecado foi transmitido do primeiro homem para os outros homens por meio
da reprodução.[43] Referindo-se a Paulo, ele escreve: “‘por um só homem’,
ele diz, ‘entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte’. Isso fala de
reprodução, nãode imitação, porque, se fosse pela imitação, ele teria dito,
‘pelo maligno’”.[44] “Assim pois, ele, em quem todos recebem vida, além de
oferecer a si mesmo como exemplo de retidão para seus imitadores, dá
também aos que nele creem a graça oculta de seu Espírito, a qual graça
infunde em segredo até mesmo em bebês; semelhantemente, portanto, aquele
em quem todos morrem, além de servir de exemplo para a imitação dos que
transgridem deliberadamente o mandamento do Senhor, despojou também na
própria pessoa todos quantos vêm de sua linhagem, por meio da oculta
corrupção de sua própria concupiscência carnal. É inteiramente por isso, e
por nenhuma outra razão, que o apóstolo afirma: ‘por um só homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, porque todos pecaram’.”[45]
Portanto, embora Agostinho afirme que todos os da posteridade de
Adão sejam esse único homem, que a raça humana inteira estava no primeiro
homem,[46] e que todos pecaram em Adão quando eram ali esse único
homem,[47] quando ele define mais especificamente o pecado pelo qual todos
pecaram em Adão e através do qual a morte passou a todos, ele o faz em
termos de pecado original ou depravação hereditária transmitida de Adão à
sua semente pela reprodução. A razão por que se diz que a posteridade pecou
em Adão é que a “natureza seminal”,[48] a partir da qual todos devem ser
reproduzidos, fora conspurcada em Adão quando existia somente nele. E,
portanto, quando Agostinho faz a exegese de Romanos 5.12 e de modo
particular a exegese de “em quem todos pecaram”, seu conceito mais preciso
é que Adão “corrompeu […] em si mesmo pela corrupção oculta de sua
concupiscência carnal todos quantos vêm de sua linhagem”[49] e que essa
corrupção propaga-se pela geração natural.
Quando se admite isso, a ideia de que o pensamento de Agostinho
segue o padrão realista não fica tão evidente. Na última análise, ele retrocede
à noção do pecado original como algo transmitido. Além disso, devemos ter
em mente que o conceito de que a natureza humana foi corrompida em Adão
sendo transmitida à posteridade pela reprodução não é monopólio dos
realistas. Os proponentes da teoria da representação apegam-se a essa
doutrina com tanta tenacidade quanto os realistas. Embora seja verdade que
algumas das expressões de Agostinho se encaixariam de pronto na concepção
realista da união adâmica, não há evidência clara nem conclusiva nessas
citações de ele conceber a base lógica do nosso envolvimento no pecado de
Adão como consistindo na participação da natureza humana, como
específica e numericamente um, no pecado de Adão. Ele, sem dúvida,
concebeu a natureza humana como tendo-se corrompido em Adão e como
transmitida a nós, mas esses dois conceitos não são idênticos e não conseguir
diferençá-los só leva à confusão e à má compreensão do status quaestionis.
Se a característica distintiva do realismo foi posta em foco e se a
questão em pauta foi apresentada na devida perspectiva, nós mesmos
podemos agora nos voltar para examinar como o realismo se aplica ao nosso
tópico. Pode-se repetir que, caso se revelasse como certo, o realismo daria a
explicação adequada às duas formas como um evento único pode ser visto,
isto é, o de que “um pecou” e também “todos pecaram”. No entanto, existe
alguma prova capaz de sustentar essa construção do relacionamento de um
para muitos?
(i) W. G. T. Shedd sustenta que não é razoável considerar a união
representativa de Adão e da posteridade como a base apropriada para a
imputação do seu pecado, pois isso seria “um ato arbitrário de soberania”.
Mas somos forçados a perguntar se a noção de natureza humana, específica e
numericamente uma, como “substância invisível elementar”, alivia de alguma
forma a dificuldade implicada. Porque a real questão é como os membros
individuais da raça podem levar a culpa de um pecado no qual, como
indivíduos, não participaram pessoal nem voluntariamente. Além disso, os
realistas são obrigados a admitir que os membros individuais da raça não têm
parte pessoal e voluntária no pecado dessa natureza humana, da forma como
existia em sua unidade em Adão. O pecado da humanidade genérica está tão
longe do pecado individual dos membros da posteridade quanto está o pecado
de uma cabeça representativa e isso pela simples razão de que, como
indivíduos, a posteridade ainda não existia. Em outras palavras, é tão difícil
estabelecer o nexo entre o pecado da humanidade genérica e os membros da
raça, quanto é estabelecer o nexo entre o pecado de Adão como cabeça
representativa e os membros da raça. Afinal, a humanidade genérica,
conforme existia em Adão, é natureza humana não individualizada impessoal.
(ii) A analogia instituída em Romanos 5.12-19 (cf. 1Co 15.22)
apresenta uma objeção formidável à construção realista. Os realistas admitem
que não há união “realista” entre Cristo e os justificados. Quer dizer, não há
natureza humana, específica e numericamente única, cuja unidade exista em
Cristo, que se acha individualizada nos beneficiários da retidão do Salvador.
No entanto, segundo as premissas realistas, deve-se supor uma disparidade
radical entre o caráter da união existente entre Adão e sua posteridade, por
um lado, e a união existente entre Cristo e os que lhe pertencem, por outro.
Em Romanos 5.15-19, as diferenças entre o reino de pecado, condenação e
morte, e o reino de retidão, justificação e vida estão em primeiro plano; elas
se evidenciam tanto nas negações dos versículos 15-17 como na ênfase da
superabundância predominante nas provisões da graça. Não há, porém,
indicação sobre que tipo de discrepância predominaria se a distinção entre a
natureza da união nos dois casos fosse tão radical quanto o realista tem de
supor. Em si mesmo, esse argumento de silêncio teria pouco peso, mas o caso
não é meramente questão de não existir indicação desse tipo de diferença; o
paralelismo contínuo milita contra qualquer suposição dessa ordem. Adão é o
tipo daquele que viria (v. 14). Adão como o “um só” está em paralelo com
Cristo como o “um só” (v. 17). A transgressão do “um só” para a condenação
é paralela à obediência do “um só” para a justificação (v. 18). A
desobediência do “um só” é paralela à obediência do “um só” (v. 19). Essa
ênfase contínua — não apenas no “um só” homem Adão e no “um só”
homem Cristo, mas também no “um só pecado” e no “um só ato de justiça”
— aponta para uma identidade básica com respeito ao modus operandi. Mas
se, em um só caso, temos unicidade concentrada na unidade da natureza
humana, conforme postula o realismo, e, no outro caso, unicidade
concentrada no “um só” homem Jesus Cristo, em quem não existe tal
unidade, é difícil não acreditar que a discrepância entra exatamente no ponto
em que a semelhança precisa ser preservada. Pois, afinal, segundo as
suposições realistas, não é a nossa união com Adão a consideração crucial do
nosso envolvimento em seu pecado, mas o nosso envolvimento no pecado
dessa natureza humana que existia em Adão. O que o paralelismo de
Romanos 5.12-19 poderia indicar é que o “um só pecado” do “um só
homem” Adão é análogo, do lado da condenação, ao “um só ato de justiça”
do “um só homem” Jesus Cristo, do lado da justificação. O tipo de
relacionamento que vigora em um caso vigora no outro. E como seria isso
possível, se o tipo de relacionamento é tão diferente no que tange à natureza
da união subsistente?
Não é objeção válida ao argumento precedente sacado do paralelismo
em Romanos 5.12-19 afirmar que — devido à incontestável distinção entre a
relação de Adão com a raça e a relação de Cristo com os seus — não há razão
para que a distinção ulterior postulada pelo realismo seja inconsistente com o
paralelismo da passagem considerada. A distinção indubitável é que Adão
sustenta uma relação genética com toda a raça e todos estão seminalmente
unidos a ele e são derivados dele. Situações que não vigoram na relação de
Cristo com o seu povo. No entanto, a razão por que essa consideração não
afeta o argumento, em termos de debate entre realistase representacionistas,
não é o fato da relação genética seminal que constitui o terreno específico de
nosso envolvimento no “um só pecado” do “um só homem” Adão, tanto para
os realistas como para os expoentes da representação. Para os realistas ela é
união realista; para os representacionistas ele é união representativa. No caso
de Romanos 5.12-19 é a questão da base sobre a qual o “um só pecado” de
Adão se aplicar à condenação de todos e o “um só ato de justiça” de Cristo se
aplicar à justificação de todos quantos são de Cristo. Nem os realistas nem os
representacionistas sustentam que, no caso do pecado de Adão, a base é o
fato de Adão ser o progenitor natural da raça. O interesse de ambos é a base
específica da imputação do pecado de Adão, e, com respeito ao paralelo
traçado em Romanos 5.12-19, a questão é se a base específica postulada
pelos realistas para essa imputação é compatível com a analogia instituída
pelo apóstolo entre o “um só pecado” do “um só homem” para a condenação
e o “um só ato de justiça” do “um só homem” Jesus Cristo para a justificação.
O caráter específico da união que serve de base específica para condenação e
justificação é a questão em debate.
(iii) Quando perguntamos sobre que prova a Escritura forneceu sobre
existir em Adão essa “substância elementar invisível” chamada de natureza
humana interpretada como específica e numericamente uma, não sabemos
como achá-la. Somos verdadeiramente um com Adão, em termos de Hebreus
7.9-10 estávamos todos nos lombos de Adão, ele é o primeiro pai de toda a
humanidade, e existe seminalmente a unidade de Adão e sua posteridade.
Adão foi o primeiro a ser dotado de natureza humana e transmitiu essa
natureza humana a toda sua descendência pela procriação natural. Tudo isso é
defendido tanto por representacionistas como por realistas e acha-se apoiado
na Escritura. Mas o postulado adicional da parte dos realistas, o pressuposto
indispensável à sua posição distintiva, não é dos que podem apelar ao amparo
da evidência bíblica. Além disso, não é um postulado indispensável à
explicação dos fatos trazidos à nossa atenção na revelação bíblica. A união
existente entre Adão e a posteridade é tal que pode ser interpretada em termos
para os quais há evidência suficiente nos dados da revelação à nossa
disposição.
(iv) O argumento dos realistas, de que só a doutrina da unidade
específica da raça em Adão lança, em termos de justiça, a base apropriada
para a imputação do pecado de Adão à posteridade e a alegação deles de que
a imputação do pecado de um representante vicário à posteridade viola a
ordem da justiça[50] não leva em conta, o tanto quanto é preciso, o que nossos
relacionamentos solidários ou corporativos envolvem. Os realistas admitem
que seu postulado da unidade específica mostra-se verdadeiro apenas no caso
de Adão e sua posteridade. Ademais, eles também precisam admitir que
existem relacionamentos solidários em outras instituições nas quais nunca se
faz presente a unidade específica exemplificada em Adão. Todavia, se
analisarmos as responsabilidades implicadas nesses outros relacionamentos
solidários e as avaliarmos em termos bíblicos, deveremos descobrir que a
responsabilidade moral recai nos membros de uma entidade corporativa em
virtude das ações dos representantes, ou do representante, dessa entidade.[51]
Portanto, a negação da imputação do pecado vicário vai de encontro ao modo
como opera o princípio da solidariedade em outras esferas. Além disso, não é
válido insistir que o pecado vicário só pode ser imputado quando há a
disposição voluntária para se aceitar tal imputação.[52] O relacionamento
corporativo existe por instituição divina, e as responsabilidades corporativas
existem e vigoram absolutamente à parte de as pessoas envolvidas as
assumirem ou não de modo voluntário. É só porque ignoramos a onipresença
da responsabilidade corporativa e não damos importância às implicações
dessa responsabilidade que podemos estar prontos a aquiescer ao argumento
de que o pecado de um representante não nos pode ser imputado. Já que o
princípio é aplicável a Adão, não é difícil perceber que a imputação de
pecado com base em sua posição representativa seria aplicada de forma
exclusiva e universal. Isso seria apenas a ampliação para toda a raça humana,
nos termos da sua solidariedade em Adão, de um princípio exemplificado
muitas vezes em relacionamentos corporativos mais restritos.
 
2. A visão representativa
 
Ao apresentar e defender a visão representativa é indispensável aliviá-la de
algumas representações errôneas, da parte de seus oponentes, e de certa
extravagância, da parte de seus proponentes. Quanto aos últimos, conforme
mostrar-se-á mais tarde nesta série de estudos, a visão representativa não está
presa à suposição de que a posteridade está envolvida só na poena do pecado
de Adão e não, na culpa. Além disso, à visão representativa não se deve
impor distinção entre reatus culpae e reatus penae, rejeitada pelos antigos
teólogos reformados — caracterizada e criticada por eles como papista.
Quanto à representação errônea, ou pelo menos equivocada, da parte de seus
oponentes, talvez não seja desnecessário repetir que a visão representativa
não nega mas, ao contrário, afirma que Adão é o cabeça natural da raça, sua
união seminal com a posteridade; que todos derivam dele por geração natural
uma natureza corrupta; e que, portanto, o pecado original é transmitido por
procriação. W. G. T. Shedd afirma que: “Visto que a ideia da representação
de Adão é incompatível com a da existência específica em Adão, é preciso
decidir entre a união representativa e a união natural. Uma combinação das
duas visões é ilógica”.[53] É verdade que a união natural com existência
específica em Adão, segundo a definição de Shedd, não pode ser a
combinação de duas ideias para explicar a imputação do pecado Adão à
posteridade. Para dizer o mínimo, uma ideia torna a outra supérflua. Além
disso, é também verdade que a ideia representativa tem na representação, e
não na cabeça natural, a base específica da imputação do pecado de Adão.
Nesse aspecto ela é similar à distinção realista, porque os realistas têm na
unidade específica, e não na paternidade de Adão, a base específica da
imputação do pecado de Adão. Mas é bem ilógico sustentar que na visão
representativa da cabeça natural de Adão haja alguma incompatibilidade
entre a cabeça natural e a união representativa. Segundo a construção
representativa, a cabeça natural e a cabeça representativa são correlatas, e
cada aspecto tem função própria e específica para explicar o status e condição
em que os membros da raça se acham em consequência da relação deles com
Adão. Portanto, é indispensável compreender que a ênfase de teólogos
reformados na cabeça natural de Adão e na união seminal entre ele e sua
posteridade não deve ser interpretada como a hesitação entre duas ideias
incompatíveis,[54] nem que o apelo desses teólogos à cabeça natural e à
relação seminal deve ser considerado como adesão à construção realista.[55]
Quando chegamos à questão de evidências que apoiem a visão
representativa, faz-se necessário aduzir de forma mais positiva as
considerações já mencionadas na crítica ao realismo.
(i) A união natural ou seminal entre Adão e a posteridade não está em
questão; ela é pressuposta. Poder-se-ia alegar que isso é todo o necessário,
que a Escritura não estabelece com clareza nenhum tipo extra de união, que,
assim como Levi pagou o dízimo quando estava nos lombos de Abraão,
assim também a posteridade pecou estando nos lombos de Adão.[56] Que
mais pressupor? Algo mais, no entanto, parece ser indispensável. Talvez não
se questione que haja algo gravemente singular e distinto sobre o nosso
envolvimento no pecado de Adão. O pecado é o “um só pecado” de Adão. Se
a relação com Adão fosse simplesmente a da união seminal, a de estar em
seus lombos, isso não daria nenhuma explicação por que o pecado imputado
seria apenas o primeiro pecado. Estaríamos igualmente em seus lombos
quando ele cometeu outros pecados, os quaisseriam tão aplicáveis a nós
como seu primeiro pecado, caso a justificativa total da imputação de seu
primeiro pecado residisse no fato de que estávamos em seus lombos. Por isso
é indispensável que exista algum outro fator para explicar a restrição ao “um
só pecado” de Adão. À luz da narrativa de Gênesis 2 e 3 seremos obrigados a
inferir que a proibição à árvore do conhecimento do bem e do mal estava
associada com e exemplificava algum tipo de relacionamento especial
estabelecido por instituição divina e em razão do qual o delito ou
desobediência de Adão nesse particular envolvia não somente Adão, mas
toda a sua posteridade por geração natural. Em outras palavras, havia um ato
especial da providência que estabelecia um relacionamento especial em cujos
termos devemos interpretar quais são, para a posteridade, as implicações do
delito de Adão, em tomar parte do fruto proibido.
(ii) Em 1 Coríntios 15.22, 45-49, Paulo nos apresenta uma das mais
impactantes e significativas elucidações de toda a Escritura. Ele encerra a
forma como Deus lida com os homens sob a dupla liderança dos dois Adãos.
Não há ninguém antes de Adão; ele é o primeiro homem. Não há ninguém
entre Adão e Cristo, porque Cristo é o segundo homem. Não há ninguém
depois de Cristo; ele é o último Adão (v. 45-47). Adão e Cristo mantêm
relacionamentos singulares com os homens. E o fato dessa história e destino
serem determinados por esses relacionamentos é demonstrado pelo versículo
22: “assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão
vivificados em Cristo”. Todos quantos morrem, morrem em Adão; todos
quantos são vivificados, são vivificados em Cristo. Diante dessa abrangente
filosofia da história e destino humanos, e em vista dos papéis centrais e
determinantes do primeiro e do último Adão, não podemos deixar de supor
uma ordenação constitutiva da parte de Deus para esses relacionamentos
singulares. E uma vez que a analogia instituída entre Adão e Cristo é tão
conspícua, é sem dúvida necessário assumir que o tipo de relacionamento que
Adão mantém com os homens segue o padrão de relacionamento que Cristo
mantém com os homens. Explicando o caso pelo modo reverso, sem dúvida o
tipo de relacionamento que Cristo mantém com os homens segue o padrão do
que Adão mantém com os homens (cf. Rm 5.14). Mas se tudo o que
conjecturarmos no caso de Adão for apenas a sua liderança ou paternidade
naturais, não temos o tipo de relacionamento capaz de servir como padrão
para a liderança de Cristo como o cabeça. Por isso, a analogia demandaria
uma comunhão de relacionamento cuja liderança natural de Adão como
cabeça não tem para oferecer.
(iii) Conforme já mencionado, Romanos 5.12-19 oferece mais
evidências relevantes para a questão em apreço do que qualquer outra
passagem. O fato de Adão ser o tipo daquele que havia de vir (v. 14) e o
paralelismo contido em todos os versículos seguintes (v. 15-19) implicam
alguma similaridade de relacionamento. Mas se questionarmos que princípio
comum seria esse, três coisas devem ser ditas. (a) Na relação de Adão com a
posteridade, devemos pressupor mais do que a liderança natural como
cabeça, pela mera razão de que, conforme vimos acima, esse tipo de união
não fornece nenhuma analogia para a união existente entre Cristo e seu povo.
(b) No caso de Cristo e dos justificados, sabemos que essa é uma união de
representação vicária. Pelas provisões da graça, Cristo foi ordenado a agir em
favor e em lugar dos beneficiários da redenção. A justiça de Cristo torna-se
deles, para sua justificação e vida eterna. É uma provisão que existe por
instituição divina, e todo o processo que anula o reino do pecado, condenação
e morte fundamenta-se na união assim constituída. (c) O ímpeto geral da
passagem, bem como seus detalhes, pode indicar a existência de um
relacionamento semelhante no reino do pecado, condenação e morte. A
construção da passagem toma por base, por um lado, o contraste entre o reino
de pecado, condenação e morte, e por outro, o reino de retidão, justificação e
vida, procedente da retidão de Cristo. Somos compelidos a reconhecer a
existência de uma identidade de modus operandi, pois Adão é o tipo de
Cristo. Por que razão, podemos perguntar, deveríamos ir em busca de
qualquer outro princípio em termos do qual o reino do pecado, condenação e
morte opera em lugar do princípio exemplificado no reino de retidão,
justificação e vida? Não podemos conjecturar menos. Por que deveríamos
conjecturar mais, quando não há nenhuma evidência que o exija ou lhe dê
apoio?
Concluímos, portanto, que é necessário mais do que liderança natural,
que a liderança natural não traz em si a noção de “unidade específica” em
Adão, que o algo mais exigido para explicar a imputação do primeiro pecado
de Adão, e de nenhum outro, não é apresentado pela Escritura como o tipo de
união defendida pelo realismo, e que, ao buscarmos descobrir a característica
específica da união que servirá de alicerce à imputação do primeiro pecado de
Adão, descobrimos que ela é do mesmo tipo de união análoga à união
existente entre Cristo e seu povo e toma por base que a retidão de Cristo é a
retidão de seu povo para a justificação e a vida eterna deles. A forma como
devemos denominar esse tipo de união é uma questão de terminologia. Se a
chamarmos de união representativa ou de liderança, será suficiente para os
propósitos de identificação. A solidariedade foi constituída pela instituição
divina, sendo ela de tal natureza que o pecado de Adão recai sobre toda a
posteridade procriada naturalmente.
 
 
Capítulo Três
4. A NATUREZA DA IMPUTAÇÃO
Se a união existente entre Adão e sua posteridade for análoga à união
existente entre Cristo e seu povo, podendo por isso ser chamada de união
representativa, a questão que surge em seguida é sobre o modo como o
pecado de Adão recai na conta da posteridade. A discussão dessa questão é
indispensável em razão de considerações exegéticas e teológicas.
particularmente pelos dados implícitos em Romanos 5.12-19. Todavia a
história do debate acerca dessa questão força-nos a ter de lidar com ela,
mesmo se tendêssemos a descartar ou ignorar os dados exegéticos. A história,
nesse caso, como em tantos outros, determina a direção que a discussão deve
tomar. Há dois pontos de vista que, em contraste mútuo, servem para pôr a
questão na perspectiva que derrama um dilúvio de luz sobre a importância
dos dados exegéticos.
1. A imputação mediata
O nome particularmente associado à doutrina da imputação mediata é o de
Josua Placaeus (Josué de la Place) da escola reformada de Saumur. Entende-
se que ele ensinava que o pecado original consistia na depravação derivada
de Adão e não abrangia a imputação da culpa do primeiro pecado de Adão. O
28º Sínodo das Igrejas Reformadas da França, reunido em Charenton, de 26
de dezembro de 1644 a 26 de janeiro de 1645, condenou oficialmente essa
doutrina com os seguintes termos: “Relatou-se ao Sínodo da existência de
certo texto, tanto impresso como manuscrito, o qual sustenta esta doutrina:
toda a natureza do pecado original consiste apenas nessa corrupção,
hereditária a toda a posteridade de Adão, e reside originalmente em todos os
homens, e nega a imputação do seu primeiro pecado. O Sínodo condena a
dita doutrina porque limita a natureza do pecado original à exclusiva
corrupção hereditária da posteridade de Adão, excluindo a imputação do
primeiro pecado, pelo qual ele caiu, e proíbe, sob pena de incorrer na total
censura da Igreja, todo pastor, mestre, e outros que venham a tratar dessa
questão, apartando-se do parecer comum recebido das Igrejas Protestantes, as
quais (além dessa corrupção) todas admitem a imputação do primeiro pecado
de Adão à sua posteridade”.[57] Placaeus respondeu que não negava a
imputação do primeiro pecado à posteridade de Adão e, por isso, concordava
totalmente com o decreto do Sínodo em não restringir o pecado original à
corrupção hereditária. Ele, no entanto, defendia que a imputação do primeiro
pecado de Adão era mediata, e não imediata. A imputação imediata e
antecedente,

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