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@medcomat Introdução Os fungos são seres anaeróbios ou aeróbios, saprófitos, que fazem uma parede celular estável de quitina e são capazes de se reproduzirem sexuada e assexuadamente, formando colônias. Os fungos patogênicos podem levar a quadros infecciosos que podem ser classificados em superficiais e profundos. Das micoses superficiais, as mais importantes e que serão abordadas neste capítulo são as dermatofitoses e as micoses por leveduras (candidíase e pitiríase versicolor). Cerca de 20 a 25% da população mundial é atingida por essas doenças (Organização Mundial da Saúde, 2010). O grupo de fungos conhecidos como dermatófitos é formado por elementos hialinos micelianos que têm grande afinidade pela queratina e, portanto, infectam a epiderme e seus anexos (unhas e pelos), sendo as manifestações clínicas dependentes da localização. Não são capazes de levar a quadros sistêmicos por disseminação. São conhecidas cerca de 42 espécies de dermatófitos, abrangendo três gêneros: Microsporum (16 espécies), Trichophyton (24 espécies) e Epidermophyton (2 espécies). Eles provêm do solo (geofílicos), dos animais (zoofílicos) e do homem (antropofílicos). Os fungos antropofílicos estão mais bem adaptados à pele do ser humano, sendo os responsáveis pela maioria das infecções; as outras espécies podem desencadear uma reação inflamatória mais proeminente, devido a sua pouca adaptação. Os gêneros englobados no grupo das dermatofitoses são Trichophyton sp., Epidermophyton sp. e Microsporum sp. Epidemiologia A transmissão ocorre por contato com fontes contaminadas, que podem ser por meio de fungos antropofílicos (interhumano), zoofílicos (animais domésticos) e geofílicos (solo contaminado). Em outras palavras, a transmissão pode ser por contato direto (inter-humano) ou indireto, por meio de fômites contaminados (roupas, calçados), ou mesmo no solo contaminado com esporos, que são muito resistentes. Estados de imunossupressão, como diabetes mellitus, HIV e transplantados, causam aumento da incidência. As faixas etárias de acometimento dependem da apresentação clínica. Fisiopatologia Não é necessária a porta de entrada para haver contágio por esses fungos; seu grande trunfo é a presença de enzimas que digerem a queratina, elas são capazes de propagar a infecção na epiderme e em seus anexos o que difere os dermatófitos dos demais fungos causadores das micoses superficiais. Alguns fatores no sangue do hospedeiro protegem contra a infecção: transferrina insaturada e alfa-2-macroglobulina. A imunidade celular Th1 é muito importante no controle dos fungos. Quadro clínico Classicamente, as infecções por dermatófitos são denominadas “tinhas”. Assim, têm-se as seguintes variantes clínicas: Tinha de corpo, face e barba: caracterizada por placas eritematodescamativas com bordas elevadas e bem delimitadas e clareamento central, com aspecto de lesão anular; em alguns casos de tinha da barba, os achados podem simular foliculite (sicose). No corpo, uma área frequentemente acometida é a região inguinal, devido à umidade e maceração local; nesse caso, o diagnóstico diferencial é com o eritrasma, causado por uma corinebactéria. Agentes etiológicos principais: Trichophyton rubrum; Microsporum canis. Dermatofitoses @medcomat Para o diagnóstico, o exame micológico direto (raspagem da lesão para análise em microscopia após a clarificação com hidróxido de potássio – KOH 10%) é rápido e tem boa acurácia, sendo positivo quando são encontradas hifas septadas. O diagnóstico diferencial é feito com eczemas e psoríase, e o tratamento pode ser feito apenas com cremes de imidazólicos (cetoconazol, isoconazol etc.) nos casos mais localizados, e com medicações sistêmicas (terbinafina ou itraconazol), nos disseminados. A tinha incógnita caracteriza-se por uma infecção fúngica que tem suas características clínicas clássicas mascaradas pelo uso indevido de corticoides tópicos; Tratamento: nas lesões localizadas, indica-se a terapia com antifúngicos tópicos (creme a 1%) durante 2-4 semanas. Como opção temos os imidazólicos (tioconazol, miconazol, isoconazol, econazol ou bifonazol), os tiocarbamatos sulfurados (tolciclato, tolnaftato), ciclopirox olamina, terbinafina e amorolfina. Nas lesões disseminadas ou refratárias, a terapia por quatro semanas com antifúngicos sistêmicos por via oral é a melhor escolha. As opções são: cetoconazol 200 mg/dia, terbinafina 250 mg/dia, itraconazol 100 mg/dia, fluconazol 150 mg/semana. Tinea Barbae Agentes etiológicos principais: Trichophyton rubrum; Trichophyton mentagrophytes; Microsporum gypseum. Existem três tipos clínicos: (1) Tipo inflamatório: idêntico ao quérion do couro cabeludo; (2) Tipo herpes circinado: lesões anulares circinadas eritematopapuloescamosas, com vesículas nas bordas; (3) Tipo sicose da barba: idêntico à foliculite bacteriana estafilocócica. Tinha do couro cabeludo (tinea capitis): muito frequente em crianças e rara em adultos e idosos, pode ter manifestações mais brandas, com placas descamativas com alopecia e cotos pilosos, denominada tinha tonsurante, ou uma variante mais inflamatória e exuberante, chamada Kerion celsi, normalmente associada a fungos zoofílicos e geofílicos (menos adaptados à pele humana, como M. canis). Neste momento, tratamos da tínea do couro cabeludo, causada por dermatófitos do gênero Microsporum ou Trichophyton. O cabelo é invadido pelo fungo, quebrando-o perto da base e deixando uma área tonsurada (alopecia focal). Existem dois tipos: (1) tínea tonsurante; e (2) tínea favosa ou favo. O parasitismo pode ser do tipo ectotrix (acometimento da cutícula capilar) ou endotrix (acometimento da haste capilar). Tinea capitis tonsurante: Agentes etiológicos principais- Microsporum canis (mais comum); Trichophyton tonsurans. O contágio inter-humano se dá por contato direto ou através de máquinas de cortar cabelo, pentes ou escovas. O período de incubação é entre 10-14 dias. Clinicamente, surge alopecia focal, descamativa, associada ou não a eritema. Os cabelos são fraturados próximos à pele, deixando pequenos cotos nas áreas de tonsura. @medcomat A tínea microspórica produz uma área única e grande, enquanto a tínea tricofítica se apresenta com várias áreas pequenas. O quadro é de evolução crônica. Na tínea causada pelo M. canis há uma forma aguda com intensa reação inflamatória, denominada quérion (Kerion Celsi), caracterizada pela formação de placa elevada, bem delimitada, dolorosa, com eritema e formação de pústulas e microabscessos que drenam pus à expressão manual. O exame da luz de Wood pode ajudar no diagnóstico da tínea microspórica, ao revelar fluorescência esverdeada. A confirmação necessita do exame micológico direto. Tratamento: exige terapia sistêmica via oral. As drogas mais utilizadas são: griseofulvina 10-15 mg/kg/dia por 8-12 semanas e terbinafina por 4-8 semanas (< 20 kg: 62,5 mg/ dia; 20-40 kg: 125 mg/dia; > 40 kg: 250 mg/ dia). No quérion, além da terapia antifúngica, devem-se fazer compressas de permanganato de potássio 1:40.000 e drenagem nos casos mais graves. A tinha favosa é a mais grave de todas, pois pode cursar com alopecia cicatricial e é causada pelo Trichophyton schoenleinii. Assim, compreende-se que a tinha microspórica causa alopecia temporária (com pelos tonsurados e descamação) e a tinha favosa (tricofítica) pode evoluir com alopecia permanente. É mais comum em crianças entre 4-14 anos (a partir da puberdade, o aumento das glândulas sebáceas, com produção de ácidos graxos inibitórios, dificulta a proliferação do fungo e é por isso que na adolescência há uma tendência de involução espontânea da Tinea capitis). É mais comum em crianças entre 4-14 anos (a partir da puberdade,o aumento das glândulas sebáceas, com produção de ácidos graxos inibitórios, dificulta a proliferação do fungo e é por isso que na adolescência há uma tendência de involução espontânea da Tinea capitis). O exame micológico direto em hidróxido de potássio dos pelos pode dar o diagnóstico, e a cultura leva ao agente causador: T. tonsurans e M. audouinii na tinha tonsurante; T. schoenleinii na tinha favosa; M. canis e T. violaceum no Kerion celsi. A lâmpada de Wood (luz negra) provoca fluorescência verde-azulada em infecções por M. canis e M. audouinii. O diagnóstico diferencial em crianças é feito com a psoríase e a pseudotinha amiantácea (placas descamativas presentes em atópicos). Nos adultos, deve-se diferenciar da psoríase e da dermatite seborreica. Antifúngicos orais são indicados na maioria dos casos. Desses, a griseofulvina é o padrão-ouro para crianças, com altas taxas de cura e menos efeitos colaterais. Os adultos podem ser tratados com itraconazol e terbinafina, por 2 a 4 semanas, dependendo da melhora clínica; Tinha do couro cabeludo: forma tonsurante com placa de alopecia apresentando descamação simples. @medcomat Tratamento: exige terapia sistêmica via oral. As drogas mais utilizadas são: griseofulvina 10-15 mg/kg/dia por 8-12 semanas e terbinafina por 4-8 semanas (< 20 kg: 62,5 mg/ dia; 20-40 kg: 125 mg/dia; > 40 kg: 250 mg/ dia). No quérion, além da terapia antifúngica, devem-se fazer compressas de permanganato de potássio 1:40.000 e drenagem nos casos mais graves. Tinha dos pés: popularmente chamada de frieira, tem diferentes apresentações; pode manifestar-se apenas com descamação e maceração interdigitais, ou com espessamento e fissuras plantares, com progressão para a região dorsal do pé (padrão “mocassim”) ou com quadros vesicobolhosos agudos e pruriginosos. O acometimento de 2 pés e 1 mão é altamente sugestivo (síndrome dos 2 pés e 1 mão). O T. rubrum e o T. mentagrophytes são os agentes mais envolvidos. O diagnóstico diferencial pode ser feito com dermatite de contato, disidrose e psoríase palmoplantar. Os métodos diagnósticos e o tratamento são os mesmos dos aplicados na tinha do corpo (tópicos, predominantemente); A Tinea pedis (“pé de atleta”, “frieira”) é bastante comum, enquanto a da mão é rara. Os agentes são os mesmos da Tinea cruris. Existem três formas: (1) intertriginosa (T. rubrum: agente mais comum), com descamação, maceração e fissura dos espaços interdigitais e superfície inferior dos artelhos, geralmente comprometendo os espaços entre o segundo e terceiro ou entre o terceiro e quarto artelhos; algumas vezes há infecção bacteriana secundária (presença de secreção purulenta); (2) vesicobolhosa (aguda), que pode estar associada à forma anterior; e a (3) escamosa (crônica), apresentando eritematodescamação. A forma mais comum é a intertriginosa. Tratamento: antifúngicos tópicos por 2-3 semanas (os mesmos da Tinea corporis, com preferência pelos imidazólicos) em creme a 1%. Tratar infecção bacteriana secundária se presente: compressa de permanganato 1:10.000 com ou sem antibiótico sistêmico (macrolídeo, tetraciclina). É fundamental secar bem as regiões intertriginosas. O uso de pós-antifúngicos e polvilho antisséptico no tênis ou sapato pode reduzir as recidivas. Tinea manuum: Causada pelo T. rubrum. Bem mais rara que a Tinea pedis. Acomete sempre uma das mãos e geralmente vem associada ao comprometimento ungueal (tínea ungueal). Há escamação dos sulcos da palma das mãos. O tratamento deve ser feito com antifúngicos sistêmicos (cetoconazol, terbinafina, itraconazol, fluconazol) por seis semanas (semelhante à tínea ungueal).. Tinha das unhas: infecção da lâmina ungueal (rica em queratina) e que frequentemente progride para o leito ungueal. Muito comum em idosos por alterações locais predisponentes; as unhas dos pés são de 8 a 10 vezes mais acometidas do que as das mãos. Há, basicamente, 3 apresentações: tinha da unha branca superficial (manchas brancas apenas na superfície da lâmina – forma mais leve e de fácil tratamento), tinha da unha subungueal distal (forma mais frequente, com espessamento e escurecimento da porção subungueal) e tinha da unha subungueal proximal (forma rara, muito associada à imunossupressão/HIV). O diagnóstico apenas clínico não é indicado, pois a acurácia é de apenas 50%, logo o exame micológico direto e a cultura para fungos são importantes. Os agentes mais isolados são do gênero Trichophyton sp. @medcomat O tratamento é longo e com potencial de hepatotoxicidade, sendo necessária a monitorização das enzimas hepáticas. Sempre deve ser sistêmico, exceto nos casos da branca superficial. Terbinafina e itraconazol, por 4 a 6 meses, são as drogas de escolha, e esmaltes tópicos com ciclopirox olamina ou amorolfina são usados para complementar o tratamento sistêmico e na profilaxia das recidivas. Vale ressaltar que unha de coloração esverdeada sugere contaminação secundária por Pseudomonas. Onicomicose (tinha da unha): unha do hálux com coloração amarelada e descamação subungueal. Tratamento: tem de ser demorado e sempre utilizando antifúngicos sistêmicos via oral associados à terapia tópica. Os cremes a 1% usados para tratar as demais tíneas são totalmente ineficazes, por não permitirem a penetração da lâmina ungueal... Um dos tópicos mais efetivos tem sido a amorolfina 5% esmalte para unhas (Loceryl), aplicado nas unhas afetadas 1x/semana até a melhora da lesão (alguns meses). Pode ser usado sem terapia sistêmica para curar onicomicose incipiente... Outros tópicos são: tioconazol 28% solução para unhas (Tralen 28%), ciclopirox olamina 8% em esmalte (Loprox, Micolamina). A terapia sistêmica é indicada quase sempre (excetuando- se os casos incipientes). Sua duração deve ser de 6 semanas (tínea ungueal da mão) e 3- 4 meses (tínea ungueal do pé). Principais opções: terbinafina 250 mg/dia, itraconazol 200 mg/dia. Essas drogas podem ser feitas sob a forma de “pulsoterapia”: terbinafina 250 mg 2x/dia durante 1 semana e suspender 3 semanas, repetir este esquema por 3-4 vezes; itraconazol 200 mg 2x/dia durante 1 semana e suspender 3 semanas, repetir o esquema 3-4 vezes. A chance de cura da onicomicose avançada com os antifúngicos citados é de 70-80%. Tinea Cruris (Coceira de Dhobi) Agentes etiológicos principais: Trichophyton rubrum; Epidermophyton flocossum. Outros: Trichophyton mentagrophytes. É a tínea da região perineal ou inguinocrural, acometendo a partir da dobra, o períneo, a coxa proximal e o abdome. O acometimento geralmente é bilateral e a doença é extremamente pruriginosa. É mais comum nos homens adul tos, nos obesos e diabéticos. As lesões são eritematoescamosas, por vezes com vesículas. Ao contrário da candidíase inguinal, poupa a bolsa escrotal e não apresenta lesões satélites. O diagnóstico e tratamento são semelhantes ao descrito na Tinea corporis.
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